Helena Magalhães's Blog
April 22, 2019
Dia Mundial do Livro: o Instagram deixa-nos mais estúpidos e temos de conquistar esta geração
Há uma frase que estou constantemente a ler: somos o resultado dos livros que lemos, das viagens que fazemos e das pessoas que amamos. E isto, para mim, resume bastante a vida e o que levamos dela. É por isso que os livros sempre tiveram um impacto enorme em mim. E hoje, Dia Mundial do Livro, achei que era um dia mais do que oportuno para abordar aqui alguns números que têm de ser gritados.
Mas e então?, questionam-se vocês. Então que esta magia está a morrer. Então que tantos jovens não estão a crescer com ela. Então que tantos adultos vivem vidas cinzentas porque se esqueceram que, em tempos, havia um mundo que esperava por eles no fim do dia de trabalho. E então que a minha mensagem sempre foi esta - a de trazer mais leituras até vocês e de vos passar um pouco desta minha paixão e entusiasmo pela literatura.
José Maria Silva escreveu no Expresso que, em 2009, venderam-se em Portugal 14,9 milhões de livros, número que tem vindo a descer de ano para ano, provavelmente muito graças às redes sociais que aceleraram a nossa vida e nos tornaram espectadores de vidas digitais, estando os livros relegados para um plano já longínquo. Em 2018 venderam-e em Portugal 11,7 milhões de livros, o que equivale a qualquer coisa como uma queda de 21% de vendas em dez anos.
Claro que não acredito que tudo isto seja assim tão dramático. A Internet também trouxe as trocas e vendas de livros em segunda mão que move muitos, muitos leitores; hoje muita gente já lê em ebook; ou opta por ler em inglês (por ser mais barato); mas, claro, a qualidade de vida dos portugueses também sofreu, o poder de compra é menor, os ordenados são muito baixos, as rendas muito altas e os livros em Portugal são muito, muito caros, o que aumentou consideravelmente o mercado de livros em segunda mão. E isto também é bom. Continua a haver circulação de livros e leitores, não obstante a queda das vendas.
Mas olhando para quadro geral, sim, os livros estão a passar por uma fase mais frágil no mundo. Um dia destes disseram-me que "video killed the radio stars" da mesma forma que a internet vai matar os livros. E é quando me dizem estas coisas que o meu eu que acredita loucamente na literatura vem ao de cima e eu luto por isto. Luto por mostrar que nada substitui o simples prazer de ler. E que a única coisa que vai acontecer é que uma grande fatia do ser humano vai simplesmente ficar mais estúpida.
Correção: já está mais estúpida, basta ir ao Instagram.
Esta semana dei por mim na conta de Instagram de uma rapariga que tinha partilhado o meu primeiro livro. E ela perguntava se alguém já tinha lido e que recomendava vivamente. Saltei imediatamente para os comentários e só li coisas como: não costumo ler muito; não tenho lido nada ultimamente; não sou muito de ler... E esta é a geração que temos de voltar a conquistar. A geração que perde duas horas a escolher uma roupa para tirar fotos. A geração que passa os fins-de-semana nos provadores das lojas a decidir o que comprar para tirar fotos. A geração que gasta 19€ num batom (para mostrar) mas um livro de 19€ é muito caro. A geração que não tem tempo para ler porque está a fazer scroll em redes sociais. A geração que vive esta vida acelerada em stories de dez segundos.
Como Lisa Lucas (diretora da National Book Foundation nos EUA) escreveu na revista Times, claro que sabemos que muitas pessoas simplesmente não gostam de ler e que as vendas estão a diminuir. Mas precisamos entender quem lê e porquê e incentivar à descoberta da leitura com alegria. Precisamos entender quem ficou de fora e como os podemos voltar a conquistar. E este é o trabalho das editoras, das lojas e dos livreiros: ampliar o público e garantir que os livros continuam a ser relevantes para a nossa cultura. Portugal tem de deixar para trás o elitismo literário que dominou a nossa sociedade e abrir as portas aos novos e jovens autores - e falo tanto para as editoras como para a imprensa.
Voltando à Lisa: "contar histórias é fundamental para o ser humano. É como exploramos e conhecemos o mundo e nos entendemos uns aos outros. Porque os livros nos absorvem e exploram a nossa imaginação, eles são um meio essencial para contar histórias - e um meio bastante satisfatório. A ideia de que estes benefícios e prazeres são apenas para um conjunto limitado de qualquer população é perigoso. Os livros não são exclusivos"!
Eu criei o BookGang porque sonhava em criar uma comunidade - não só como forma de auto-promoção para angariar mais leitores para os meus livros mas, acima de tudo, como forma de chegar a mais pessoas e de levar a paixão da leitura a esta geração tão digital. E esta festa é mesmo de convite aberto a toda a gente. Foi com enorme prazer que em meados de Janeiro, depois do BookGang ganhar oficialmente vida (após dois anos a ser apenas uma hashtag na minha conta pessoal), comecei a ver tanta gente a criar páginas de livros, clubes do livro e desafios de leitura. Se todos usarmos este nosso poder de comunicação para influenciar quem está à nossa volta e os nossos círculos, real ou digitalmente, a conversa em torno dos livros vai voltar a acontecer. E podemos falar sobre os batons, os sapatos, as roupas, as influencers, o Instagram, as coisas da moda e também podemos falar sobre o último livro que lemos.
A FNAC desafiou-me a mostrar 10 livros que marcaram a minha vida no Instagram mas eu optei por abordar esta ideia de forma mais abrangente: escolhi 12 livros de 12 autoras mulheres que acho que vão despertar o bichinho da leitura em qualquer uma de vocês que me lê aqui - desde romances históricos, a livros juvenis, clássicos e grandes narrativas. Foram 12 livros que me deram bastante prazer a ler e que me fazem crer que, NÃO, A LITERATURA NUNCA VAI MORRER enquanto houver histórias como estas para contar.
Published on April 22, 2019 16:28
April 4, 2019
Porque nos custa tanto dizer (e pensar) que até somos bons no que fazemos?
Nos últimos tempos tenho-me confrontado muito com este tema que envolve alguns conceitos com os quais somos bombardeados desde novos como a arrogância, a prepotência e o individualismo. Uma espécie de auto-estima injustificada, uma certeza de que somos algo que até podemos ser mas, céus!, fica feio dizer. A sociedade desde cedo nos impõe que não nos podemos achar os melhores. Não nos podemos sequer ver como sendo mesmo bons para caraças naquilo que fazemos.
Porque isso é um grande atrevimento, uma grande bazófia, insolência, falta de modéstia, petulância, descaramento, ousadia, desplante. Em conclusão: um grande pedantismo que Deus nos livre de ter.
Vejamos a maneira de pensar da minha própria mãe que na semana passada teve de fazer uma auto-avaliação no seu emprego. E a minha mãe é a melhor naquilo que faz no sítio onde o faz. Além de já o fazer há umas quatro décadas, o que, imagino, nos aperfeiçoe a técnica. E enquanto a incentivava a colocar a avaliação mais alta em todas as categorias, ela só dizia que tinha medo que a achassem arrogante. Mas não és boa no teu trabalho?, perguntei. Sim, acho que sou, disse-me. Então porque tens vergonha de o assumir?
E ficámos assim. Ela optou por colocar algumas categorias com nota alta e outras com nota média. Não porque sentisse que era mediana. Mas porque achou que era isso que esperavam que ela fizesse.
Eu não acho que sou melhor que ninguém...
Mas isso também não significa que não ache que seja muito boa naquilo que faço. Na verdade, evito comparar-me aos outros ou pensar qual é a percepção que têm de mim. Li uma primeira crítica negativa do meu livro (dois anos depois) no Goodreads e incomodou-me bastante. Mas que descaramento, pensei, que esta pessoa tenha dito que não passa de um livro de transição entre outros bons. Mas ao mesmo tempo, pensei também, este é o lado engraçado das opiniões. Não passam disso. Opiniões de outras pessoas não são verdades absolutas e muito menos verdades que se apliquem a nós. Tal como as minhas opiniões não significam nada para os outros. São somente minhas. E têm apenas relevo na minha percepção do mundo.
E é aqui que entra a parte mais particular destes temas em que tenho andado a pensar: a revista Forbes diz que somos todos arrogantes e iludidos mas que este excesso de confiança nos faz realmente acreditar nisso e, bem, se acreditamos mais facilmente realizamos. E pessoas confiantes criam confiança nos outros. Há até um estudo muito engraçado: 93% dos americanos acha-se um condutor acima da média. Até aqueles que foram hospitalizados depois de um acidente provocado por eles continuavam a classificar-se melhores que os outros, o que tem uma certa piada.
Mas sabem qual é o meu problema? Além de perfeccionista, eu sou competitiva. Muito, até. E sou demasiado emotiva - seja isso bom ou mau. Tenho sempre o coração nas mãos. Faço tudo com muita emoção. E sou muito impulsiva e centrada nas minhas próprias ideias. E acho que isto também é o efeito ou o espelho daquilo que faço - escrever. Só quem passa muito tempo dentro da sua própria cabeça poderá certamente escrever livros. E no meio de todo este bonito bolo de emoções cozinhado ainda sou extremamente reservada. Durante a escola e a faculdade, nunca me interessei muito em ser socialmente aceite ou "encaixar-me" na maior fatia do gráfico. Eu fui sempre aquela miúda estranha que usava roupas bizarras e fazia aquilo que lhe apetecia. E sim, continuava a achar-me bastante boa na visão de mim própria. Nunca melhor que ninguém em particular. Apenas satisfatoriamente boa para mim.
Porque queremos tanto o reconhecimento dos outros?
Em Janeiro, a revista Estante fez um artigo sobre quem são os influenciadores literários em Portugal. E dei por mim arrasada porque não tinham falado comigo. Abordavam-me, é certo, em duas ou três linhas, fazendo referência ao bookgang. Mas não me tinham entrevistado. Acabei com o coração na boca a ler as entrevistas daqueles que a jornalista achou mais relevantes do que eu. Frustrada. Zangada. Triste. Com ela, mas acima de tudo comigo. A minha amiga Jackie (empreendedora e formadora com uma pitada de coach, podem seguir a newsletter dela aqui) diz que tenho de fazer o trabalho de casa de me apresentar a toda a gente. Que sou demasiado reservada até para o meu próprio bem. Que até podia ser a melhor do mundo mas fico sempre sentada no meu canto à espera que me vejam. E até os melhores do mundo têm de se dar a conhecer. Provavelmente até o Ronaldinho.
Eu podia contestar tudo o que ela me diz, argumentar e justificar o porquê de ser assim. Mas sei que ela tem razão. E também sei que este constrangimento em me assumir como - porra! - boa, advém da pressão que levamos desde sempre para não andarmos por aí com os bolsos cheios de confiança. Ah, mas eu preocupo-me apenas com quem me lê, digo eu constantemente. É mais justificação do que convicção. Porque, ao mesmo tempo, deixo-me afectar pelo reconhecimento que sei que mereço e que não me dão. Mesmo que esse reconhecimento seja apenas uma mera entrevista numa revista sobre quem anda a influenciar esta geração a ler. E que na prática não afecta em nada a minha vida, o meu trabalho e a minha confiança.
É uma contradição estúpida que acho que toda a gente sente, qualquer que seja a sua área - esta ânsia de reconhecimento, esta competitividade que eu acho saudável mas, ao mesmo tempo, desgastante emocionalmente.
E é por isso que não tenho vergonha de assumir que, por vezes, me comporto como uma criança mimada que faz uma birra porque não pode ir para o baloiço. Porque sou impulsiva. Porque me deixo controlar pelas emoções e não penso de forma racional e coerente. Porque atiro tudo ao ar e disparo para todos os lados. Neste caso, enviei um email para alguém da Estante e jorrei toda a minha frustração. Acho que nem me responderam e não os condeno. No lugar deles, provavelmente teria feito exactamente o mesmo.
Esta semana, uma escritora internacional veio cá apresentar um livro novo. E à meia noite e pouco, enquanto dava uma vista de olhos pelos emails antes de dormir, abro um que dizia que ia haver uma apresentação na Fnac e uma tertúlia exclusiva com os maiores influenciadores nacionais. Literários, deduzi. Onde eu não estava incluída. O que é que eu fiz? Pois, já podem imaginar. Despejei uma enxurrada de insatisfações. Que louca é que envia uma email à meia noite frustrada porque não a convidaram para uma tertúlia literária? Nem é que eu quisesse ir porque nem li o livro. Era só porque não me incluíam nesse grupo dos maiores influenciadores literários. Quando eu acho que sou! E essa falta de reconhecimento é que me queimou os fusíveis. E com eles a minha dignidade certamente.
Quando partilhei este triste momento da minha pessoa com amigas e colegas, todas compreenderam a frustração. Recebi aqueles conselhos que dou a mim própria: ser menos impulsiva, ser activa e não reactiva, dar-me a conhecer ao invés de ficar frustrada por não me conhecerem. E eu precisava que me dissessem isso. Mas uma delas disse-me uma coisa que acabou por dar vida a todo este post: que eu estava envergonhada do que tinha feito porque a sociedade nos impõe desde novos que não podemos dizer que somos bons. É quase sacrilégio.
A lição a retirar daqui?
Acreditem mais em vocês. Tal como eu acreditei que podia escrever o meu primeiro livro. Eu sentia com toda a minha alma que todas aquelas histórias tinham potencial para um bom livro sobre a nossa geração. E que eu conseguia escrevê-lo no tom que imaginava que ele podia ter. E que tinha capacidade para isso. E ignorem as opiniões de quem vos manda abaixo. Tal como ignorei quando uma diretora de certa associação de apoio à vítima disse que eu não tinha capacidade para escrever uma tese com vários estudos de caso sobre a violência doméstica e o impacto nas crianças. Escrevi. E tive 19. E depois despedi-me . Tal como não perdi a coragem quando o diretor de uma revista feminina onde trabalhava disse que, se me fosse embora, não ia ter sucesso em mais lado nenhum. E que ele ia garantir que isso acontecia. Tal como não perdi a fé quando o diretor de um grande jornal disse que eu não era ninguém na literatura em Portugal e achar que podia estar a ter impacto nesta geração de leitores era insolente e estúpido.
Pode não ser suposto dizermos (nem pensarmos) que somos bons em alguma coisa, mas digam. Mas pensem. Mas acreditem. Porque é daí que vem a confiança para fazerem as coisas. E é de pessoas assim que o mundo precisa.
Só não enviem emails loucos de frustração quando alguém não vê tudo aquilo que vocês querem que o mundo veja. Acreditem, a vergonha depois vai ser grande.
Published on April 04, 2019 17:51
March 5, 2019
Mulheres, #metoo, política, sexo e redes sociais. Entrevista com Christina Dalcher, autora de Vox
Num mundo não tão distante assim dos nossos dias, as mulheres foram proibidas de falar, de trabalhar, de aprender, de estudar e de ser independentes. Num mundo não tão distante assim dos nossos dias, Vox de Christina Dalcher pega no legado de Margaret Atwood escrito em 1985 e recria-o numa distopia feminina do novo milénio tão crua, tão real, tão actual, tão quase-possível-de-acontecer que nos revolve as entranhas ao ler. Talvez na era antes de Trump, antes do #metoo, antes do escândalo Bill Cosby, antes das denúncias a Brett Kavanaugh, antes das denúncias de assédio no desporto e muitas outras vozes que foram finalmente ouvidas nos últimos anos, este livro tivesse sido descartado como mais uma história pró-mulheres demasiado fantasiosa para ser real no nosso mundo oh-tão-justo.
Tive a oportunidade de me sentar com a Christina Dalcher e falámos sobre o Vox, sobre o feminismo, as redes sociais, a importância da literatura na juventude, sobre os movimentos #metoo e o impacto que uma distopia como Vox pode ter nesta geração.
Qual a importância em trazer distopias para a literatura?Além do entretenimento - e as pessoas precisam de se entreter, certo? -, penso que o que torna as distopias um género bastante interessante é obviamente a componente política nestes livros que leva os leitores a questionar a sua participação política e pensar no seu mundo enquanto uma realidade global. Queremos ser activos ou passivos? E no Vox temos a Drª Jean McClellan que é uma mulher inteligente, uma cientista que usa o seu conhecimento para reparar a voz das outras pessoas, mas vemo-la a escolher virar as costas e aceitar o seu silêncio imposto. Então acredito que as distopias e o Vox são o tipo de livros que fazem as pessoas compreender como o mundo pode mudar tão rapidamente. A História ensinou-nos isso e, enfim, já está a acontecer agora. É importante prestarmos atenção e sermos activos. Não significa que temos de ir a todas as manifestações e marchas. Mas sairmos de casa para votar já seria bom.
Usarmos a nossa voz, dado que temos uma, já seria bom. Porquê o tópico da voz em Vox?Bem, eu costumo dizer que, enquanto linguistas, nós [os profissionais desta área] fazemos um terrível marketing pessoal para o público. Gostamos de ficar nas torres altas do mundo académico, fazemos o nosso trabalho teórico e escrevemos os nossos artigos e isso é bom. Muitas pessoas os lêem - infelizmente são apenas os outros linguistas. O público em geral não percebe como a linguagem é tão cool. E importante. Não apenas para falar mas também para processar informação e nos tornar aquilo que somos. Enquanto humanos temos de aprender linguagem num certo período de tempo. E se não aprendermos nessa fase, não o vamos fazer nunca. E isto é de loucos, não? Quando pensamos que a linguagem é uma das principais características que nos separa do resto dos animais. Mas aprendemo-la tão facilmente e sem esforço enquanto crianças que praticamente não lhe damos qualquer valor. Sabemos falar. É fácil. Então é algo que tomamos por garantido. E acho que queria trazer um pouco deste tema da linguística para o Vox.
Mas enquanto linguista, porquê escrever um livro sobre o silêncio das mulheres?Esta é uma longa história [mas temos tempo, não temos?]. Sempre tive esta ideia do silêncio. Quando era miúda li um pequeno conto sobre as pessoas de uma aldeia que só podiam dizer certas palavras. Não me lembro ao certo mas este tema das palavras ficou na minha cabeça e sempre quis brincar com esta ideia de limitar o discurso. E enquanto linguista, claro, também queria brincar com a ideia da perda da linguagem e do direito de falar. Sempre me questionei o que iria acontecer ao mundo se isto acontecesse. Mas percebi que não queria escrever um artigo académico sobre isto. Queria mesmo escrever uma história e que envolvesse o sistema político que anda no mundo nos últimos anos: não com as mulheres a serem silenciadas mas com as mulheres a gritarem tão alto [movimentos #metoo]. Porque há muitas pessoas a ver televisão e a pensar: oh my God, desejava que elas se calassem de uma vez por todas. Ao tirar a voz e a linguagem a alguém, estamos a tirar grande parte da sua humanidade. Estudei o passado e os grandes movimentos da era vitoriana, a cultura da domesticidade onde tudo era separado por género, as leis fundamentalistas de género onde os homens vivem fora e as mulheres ficam sempre dentro de casa... Tudo isto juntou-se na minha cabeça para criar este livro. Mas não é apenas um livro sobre mulheres. É sobre como todos precisamos de falar por nós próprios. Eu podia ter escolhido outras vítimas. Podia ter silenciado todos os republicanos ou todos os democratas ou todos os negros ou todos os homens. E é este o foco, right? Pegar num grupo e reduzi-lo ao silêncio. Eu queria criar a personagem do Reverendo Carl que quer voltar a colocar o mundo numa ideologia fanática de domesticidade e, claro, teria de silenciar as mulheres.
Como o livro da Atwood. Há sempre comparações, não há?Claro. Hoje em dia, se uma pessoa escreve uma distopia e tem uma mulher nela... bem, meio mundo vai comparar com a História de Uma Serva. E não vejo mal nisso. Acho que o Vox pode ser comparado no início mas depois o livro ganha o seu cunho próprio.
E ganha o cunho do totalitarismo que é assustador. Foi buscar inspirações ao #metoo?[risos] Nem por isso. Acho que toda a gente pensa que escolhi silenciar as mulheres devido a estes movimentos que andam a correr o mundo. Mas a chave está mesmo aí na pergunta. Eu estava muito mais interessada numa visão global de autoritarismo e demasiado controlo governamental. E também os medos que surgem quando se mistura religião com política que é um dos grandes perigos do mundo de hoje. Acho que o facto de as mulheres em Vox serem as vítimas é apenas um reflexo: se queria falar de religião fundamentalista e radical, então teria de focar a opressão das mulheres.
Gosto de incentivar os jovens a ler mais. Vox pode ser transversal a todos os leitores? Absolutamente! E esta é a parte fascinante. O livro saiu aqui em Portugal há apenas umas semanas e ainda é tudo muito novo e não sabemos quem vai ser a audiência portuguesa. Mas Vox já saiu nos EUA, Itália, Alemanha e Reino Unido no verão passado. Então já tive oportunidade de lidar com as reações do público e posso dizer que já tive leitores de 10 anos e leitores de 90 anos. E acho que todos vão tirar conclusões diferentes desta leitura. Talvez as pessoas mais novas que estão a ver uma certa série na televisão [Handmaid's Tale], vão ler o Vox através dessa lente e dessas comparações. Mas certamente que as pessoas mais velhas vão relacionar-se com o livro devido às suas próprias experiências e vivências. E uma pessoa que se interesse muito por liberdade de expressão e controlo governamental vai olhar para este livro de forma diferente. Penso que cada leitor interessa-se por um livro mediante as suas próprias perspectivas. E Vox tem um pouco de cada coisa para cada pessoa. Claro que isso não significa que toda a gente o vá adorar. E isso também é ok. Nunca ninguém gosta de tudo. Já li reviews de 1* para o Frankenstein. Debaixo de que pedra uma pessoa tem de viver para dar 1* a um livro de Mary Shelley? É absurdo. Mas assim que um livro sai para o mundo, as opiniões sobre ele vão ser sempre muito subjectivas. E fiquei surpresa pela quantidade de estudantes do liceu que o estão a ler e me têm contactado. E não apenas raparigas, atenção. Na semana passava tive uma conversa de Skype com uma turma de um liceu do Colorado e foi incrível. Estavam os alunos, a professora que tinha a minha idade e juntaram-se mais mulheres porque tinha sido a avó de um dos alunos que lhe tinha oferecido o livro. Então acho que Vox cruza todas as gerações e isso é tão bom.
Eu li algumas reviews onde leitores diziam que não gostaram do livro porque abordava muito a vida pessoal da Drª Jean e o affair. Bem, eu achei a parte do affair bastante interessante. Porque humaniza as personagens. Torna até Vox mais real...A questão do affair tem surgido muito nas criticas, nos chats com bookclubs e nas conversas com estudantes. Mas concordo. Também acho que humaniza a Drª Jean [and so glad you say that!]. Penso que, por vezes, as pessoas têm uma visão muito perfeita do mundo, que ninguém faz nada de errado e que as pessoas casadas ficam juntas para sempre e estão apaixonadas uma pela outra até morrerem. Sentem tudo aquilo que disseram no dia seu casamento. Bullshit! Claro que, muitas vezes, o que acontece é que os casais acabam por se afastar ao longo da vida. Mesmo casais que continuam juntos até morrer podem viver separados emocionalmente um do outro. As relações mudam. As pessoas mudam. Algumas pessoas têm sexo como coelhos aos 90 anos [risos] e outras não. E acho que é muito interessante olhar para o carácter da Drª Jean que é uma mulher nos seus quarenta e tal anos, adulta, que já andou por aqui quase metade de um século. Não quero dizer que ela é cínica - e eu acho que também não sou cínica - mas o affair em Vox para mim é até bastante compreensível. Foi uma fuga para ela, particularmente devido à relação com o marido e como ele parece tão... passivo. Eu quis criar um affair porque acho que nunca ninguém vai saber como vai reagir até estar nessa situação. Mas imaginando uma mulher que tenha um ambiente familiar pesado em casa e depois conhece esta pessoa no trabalho e tem toda esta sensação de libertação, sendo sexual ou não, é fácil o amor surgir nesse contexto. Então nunca devemos julgar os outros por aceitarem essa fuga que se proporcionou na sua vida.
Nem devemos tomar tudo como garantido, certo? É essa a mensagem chave de Vox? Estarmos atentos?Pode muito bem ser. Vamos pensar em alguém que sai de casa e não está a olhar para onde vai e - bang! - aqui vai um autocarro e ele vai-se. O que quero com Vox é mesmo mostrar como uma coisa pode mudar rapidamente sem nós estarmos à espera disso. Mas ninguém sai de casa a pensar que vai ser atropelado por um autocarro. Quantas estradas atravessamos num dia? Contem-nas amanhã. Quantas oportunidades existem de sermos atropelados? E isto não acontece, não é? Estamos aqui e nenhuma de nós foi atropelada esta manhã. Então nós acreditamos que isso nunca vai acontecer. Tomamos a nossa vida como garantida. Achamos sempre que tudo vai ser igual. Vai sempre haver o dia de amanhã. E claro que sabemos que terríveis acidentes acontecem todos os dias. Ou terramotos. Ou mudanças nos sistemas políticos. E a História ensina-nos a mesma coisa: o mundo não anda para a frente exactamente da mesma forma. Há sempre coisas a mudar. Foram essas mudanças que fizeram a História - as boas e as más. Então o tempo para fazermos alguma coisa não é depois. É agora. Antes de acontecer. E isto é uma grande mensagem. Atirem-se ao mundo, votem, participem, sejam activos na vossa comunidade.
E também usarmos a nossa voz...Exactamente! Vamos pensar nesta capacidade fantástica que temos que é comunicar e que também tomamos como garantida. Porque é tão fácil para nós, não é? O português é fácil para vocês. O inglês é fácil para mim. Tão natural. Mas também é complicado e interessante porque eu não falo português. Porque não é natural para mim? Também podemos olhar para linguagem no geral. Temos cerca de 99% de ADN em comum com os chimpanzés. Porque é que eles não falam? Eles comunicam, claro, mas isso já seria outra conversa para outro dia. Há alturas no livro em que a Drª Jean diz que "podia matar alguém" e ela leva-nos a pensar como usamos esta frase de uma forma tão casual e banal. Quantas vezes não ficamos tão chateados com alguém que dizemos: estou tão furiosa que o podia matar? Mas isto não significa nada, certo? Claro que não vamos matar ninguém. Estes pensamentos da Drª Jean são para colocar o leitor a pensar nestes temas de como a linguagem é tão importante, principalmente quando não a podemos usar.
Como aquela conversa que ela tem no fim do livro com aquele soldado?Sim, sim! Essa história é real e muito interessante. Um dos soldados conta à Drª Jean que tem uma filha pequena [que não pode falar porque também usa a pulseira electrónica que conta as 100 palavras por dia] e leu uma notícia sobre uma criança na California que tinha vivido encarcerada durante anos na sua própria casa, abusada pelos pais e isolada num pequeno quarto. Nunca tinha comunicado com ninguém e quando foi resgatada tinha quase catorze anos. Então já era demasiado tarde. Esta pobre mulher passou toda a sua vida numa instituição porque nunca conseguiu desenvolver a linguagem. Escrever esta cena foi emocional para mim porque este jovem soldado, que não percebe nada de linguística, está a começar a compreender que a sua filha vai crescer com a própria linguagem limitada. Ele compreende como silenciar as crianças vai ser tão perigoso para o seu futuro. E espero que, ao ler estas cenas, algumas pessoas consigam compreender o poder da comunicação. Eu sei que o livro está a ser popular devido à sua mensagem política na era em que vivemos mas também acho que a parte da linguística o está a tornar cool. Este livro foi, de certa forma para mim que sou académica e já não ensino, uma forma de ensinar algumas coisas sobre a minha profissão aos leitores.
Acho que todos os leitores vão sentir o peso do silêncio. As pessoas ficam ansiosas. Eu fiquei... Eu também senti essa ansiedade quando estava a escrever! Quando a filha da Drª Jean tem aquele pesadelo em que acorda em pânico e não pode gritar... bem... [pausa para respirarmos as duas]. Para os leitores que ainda não leram o livro, falamos de uma criança que acorda de um pesadelo, pensa que há monstros debaixo da sua cama e começa a gritar e a pedir à mãe para não os deixar apanhá-la. Então temos uma criança descontrolada que não sabe o que está a fazer e apenas grita. E temos toda uma família que está a tentar que ela não fale mais porque quando chegar às 100 palavras... leva um choque. E para piorar a situação, a própria mãe não pode consolar a sua filha. Não pode confortá-la porque já não tem mais palavras. Esta foi uma das cenas mais emocionais para mim. E a cena da vizinha também. Quando a vizinha se suicida com a sua própria voz. Alguns leitores disseram-me que esta parte era um verdadeiro horror. Ora, eu sou fã de terror. E o Stephen King foi um ídolo de infância. Olhem para mim a ler terror aos 13 anos, sim, era eu! Leio-o desde o seu primeiro livro e nunca achei que poderia escrever horror. Mas sempre desejei conseguir fazê-lo. E agora dá-me sempre gozo quando os leitores mencionam essa parte do livro. Ok, consegui! Escrevi uma cena de horror.
E o filho da Drª Jean? Comparei muito as mudanças no filho com os perigos das redes sociais nos jovens de hoje. Concorda?Todos os leitores querem odiar o filho dela porque ele personifica essa mudança de mentalidade que pode acontecer tão rapidamente nas gerações mais novas. Estas lavagens cerebrais que se fazem através dos pares, das redes sociais e das fake news. Quando nos mostram as coisas de um ângulo que até pode não ser falso mas deixa muitos outros ângulos de parte, está-se a forçar uma perspectiva. E os jovens absorvem as coisas apenas de um ângulo e é aqui que se dá o perigo e as mudanças na mentalidade tão bem refletidas no filho mais velho da Drª Jean. Acho que o mais importante é ensinar às crianças e jovens a importância da pesquisa, da informação e do pensamento independente. E de não caírem nas opiniões das massas, principalmente quando vêm com um # que as torna populares. Eu não acho que estava tão vulnerável aos 15 anos como as jovens de hoje que querem agradar a uma massa de seguidores nas redes sociais. É isto que quero mostrar com Vox. Leiam. Usem a vossa voz. Quer seja sobre política ou o #metoo ou apenas para poderem dizer: não concordo contigo e isso é ok. Não tenho de concordar com toda a gente.
E esta mensagem também é para nós, adultas?Claro. Quantas vezes não tiveste vontade de dizer alguma coisa mas depois pensaste que era melhor ficares calada? Porque isso te poderia prejudicar no emprego? Ou alguém não iria gostar de ler essa tua opinião? Comigo aconteceu. Tive de pensar: oh, oh, não podes dizer isso Christina, escreveste um livro, tens de o vender, não queres deixar ninguém irritado contigo, não queres uma opinião negativa sobre ti. O que é que estou a fazer? A por um grande X vermelho sobre a minha boca. Agora já sou mais vocal e tento abstrair-me das opiniões negativas e dizer o que penso. Mas acho que temos tendência para nos calarmos. Então esta é uma das coisas que espero estar a fazer para ajudar as próximas gerações.
O Vox pode ser um livro intemporal?Eu espero que sim porque caminhamos numa direção em que vamos tentar mais e mais silenciar as pessoas que não queremos ouvir. E quanto mais o fazemos, mais relevante um livro como este vai ser. Mesmo que não estejamos a falar de silenciar as mulheres...
Acha que o Vox pode acontecer algum dia no futuro?Oh, nunca vamos chegar a um ponto em que vamos usar pulseiras electrónicas. Isto é apenas uma metáfora no livro. Mas já está a acontecer. Há crimes de ódio contra a liberdade de expressão. Nas universidades já vemos os alunos a manifestar-se quando lá vai algum orador com o qual o público não concorda. Não querem ouvir. E fazem pressão à universidade para cancelar essa palestra. Apenas porque não se gosta da opinião do orador. Se acho que o Vox pode acontecer? Baby, it's already happening. And you can quote me on that.
Entrevista feita em Fevereiro de 2018 em Lisboa. O Vox já está à venda nas livrarias e foi um dos livros sugeridos no Book Gang ;)
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Published on March 05, 2019 16:43
January 30, 2019
Sobre o bullying dos dias de hoje, ser bully e a história da Ana
Estava em arrumações no meu escritório e dei por mim a ver fotografias antigas e lembrei-me de uma rapariga que era da minha turma. O que hoje interpreto daqueles tempos (embora na altura pouca atenção tenha prestado) é de a ver sofrer bullying. Porque ela era um alvo fácil. Era a - vamos chamá-la assim - Ana. E porque andávamos todas com tanta coisa na nossa vida - os rapazes, as saídas, as festas e vá, de vez em quando também, os estudos - a Ana era apenas uma miúda com quem toda a gente gozava. Nós dizíamos "bolas, coitada" mas a nossa vida adolescente continuava.
As memórias que tenho da Ana ali até aos quinze ou dezasseis anos são praticamente destes episódios de bullying. Enquanto nós ansiávamos pelas sextas-feiras para ir às matinés do Bauhaus e do verão para os dias na praia de Carcavelos, não faço ideia do que a Ana fazia fora da escola porque ela também pouco ou nada convivia connosco. Ou nós é que não convivíamos com ela.
Entretanto metade da turma foi para ciências mas eu fui para humanidades e a Ana também. E talvez nessa altura ela se tenha tornado uma Ana diferente. Numa turma onde havia praticamente só raparigas e onde ela já não era a miúda que entrou mais tarde. Foi também nessa altura que comecei a dar-me mais com a Ana e, porque afinal morava ao pé de mim, a conviver com ela fora das aulas. E percebi que os pais da Ana lhe davam uma educação muito rígida e que isso provavelmente potenciou o facto de se ter tornado uma adolescente com o perfil de vítima deste sistema de bullying que sempre existiu nas escolas e no meio dos jovens. Enquanto eu tinha sido gozada por vestir roupas estranhas e ter um corte de cabelo ridículo à Natalie Imbruglia (falhado obviamente), isso pouco ou nada me afectou porque tinha o meu grupo de amigas e um bom reforço familiar com uns pais que sempre me incentivaram a ser como raio queria ser. Mas a Ana ouvia as coisas mais estúpidas que lhe diziam e tentava tornar-se o mais invisível possível, convivendo apenas com a outra rapariga da nossa turma. Mas foi nessa altura que pude observar melhor a vida da Ana e a pessoa que ela era. Quando fui a casa dela pela primeira vez, lembro-me de ficar chocada por estar tudo trancado à chave. Ela não tinha autorização para ir à sala ou ver televisão durante o dia. Os pais queriam que se concentrasse nos seus deveres. A Ana não podia ir ao cinema ou à praia ou à discoteca ou onde quer que fosse que nós - miúdas de dezasseis anos - queríamos ir.
Mais tarde - e já na faculdade - a Ana ficou no curso de outra rapariga que também era da nossa turma de humanidades - vamos chamá-la de Rita. E apercebi-me que o ciclo de bullying continuava ali. A Rita era a nova bully da Ana. Nessa fase da faculdade, saí muitas vezes com a Ana (que finalmente já tinha autorização para sair de casa à noite) e a Rita. Eu sempre me tinha dado bem com a Rita durante os nossos anos em humanidades e, mais uma vez, mantive-me espectadora das coisas a que assistia porque, não sei, naquela altura também era um bocado idiota e passiva. A Ana queria desesperadamente ser aceite, ou talvez ter um novo papel na sua nova vida académica, e tornou-se um fiel cão de guarda da Rita. Lembro-me de sairmos à noite e a Rita gozar com tudo - desde a roupa da Ana à forma como ela se comportava ou dançava. E eu acho que me ria. Eu podia não ser bully mas assistia passivamente a isso e tenho a noção do quão maldoso isso também é. A Rita dizia à Ana que já não havia lugar para ela no carro (mesmo quando havia) e a Ana arranjava forma de ir ter onde quer que estivéssemos. Nunca me preocupei muito em saber como é que a Ana ia ter connosco a bares em Lisboa ou discotecas no Estoril. Era como se tudo isto se passasse numa realidade paralela àquela em que eu vivia. E isto não é algo de que me orgulhe, como podem imaginar.
Eu acabei por me afastar da Rita nos anos seguintes - porque ela era manipuladora e egoísta, foi a tal que me deixou sozinha num concerto a ter um ataque de pânico no meio da multidão porque "oh meu Deus, lá estava eu com os meus chiliques" - e acabei por também perder o contacto com a Ana.
Neste momento, não faço ideia do que é feito da Ana, onde vive ou trabalha, se já é casada ou tem filhos ou mudou de país... Mas tenho pensado nela durante esta semana, talvez porque também dou algum foco ao bullying no meu novo livro com a personagem Marisa. A mim chamavam-me Bafo Metálico (por ter usado tantos aparelhos) e todas as variações que podiam existir daí. Mas não sei, não me lembro disso me ter incomodado tanto assim. Ficava chateada mas alguns segundos depois já estava a fazer qualquer outra coisa com as minhas amigas. Não me lembro de me preocupar tanto assim com a minha aparência ou a minha roupa ou a forma como os outros me viam. Se era feia ou bonita. Gorda ou magra. Alta ou baixa. Rica ou pobre. Com ou sem borbulhas. Por ter ou não roupas de marcas (não tinha, eu usava muita coisa em segunda mão ou que a minha mãe me comprava em feiras e era gozada mesmo por usar roupas espalhafatosas e bizarras). E com ou sem aparelhos nos dentes.
E a verdade é que o bullying sempre existiu, ganhou foi novos contornos (e perigos) graças às redes sociais. E o seu impacto também é agora muito maior porque os adolescentes têm a sua imagem escrutinada logo desde muito novos com a pressão que as redes sociais como o Instagram colocam nas suas vivências. Talvez a Ana tivesse sofrido ainda mais bullying nos dias de hoje porque, enquanto estava fechada na sua casa trancada a sete chaves, poderia ver nas redes sociais o que nós andávamos a fazer fora da escola. Talvez os rapazes lhe fossem chamar macaca em mensagens estúpidas no Facebook. Ou tirassem fotografias dela na escola e as publicassem para gozar.
O que quero dizer é que há muitas Anas por aí. As Anas vão sempre existir em qualquer geração. Se conheces uma Ana no teu emprego, faz qualquer coisa para marcar a diferença e para que o futuro dela nesse trabalho seja diferente. Se tens uma Ana na tua escola, impõe-te, ajuda-a, fala com ela, tenta conhecê-la. Podes ser uma agente de mudança e quebrar o sistema de bullying na vida dela. Não sejam a pessoa idiota e passiva que eu fui.
Por último, se te sentes uma Ana, lembra-te que a tua vida não é apenas isto que os outros te fazem sentir que é. Ser diferente vai sempre incomodar os outros. Não deixem que ninguém vos diminua porque, acreditem, há muito mais à vossa espera na vida.
Published on January 30, 2019 08:36
January 9, 2019
Onde e como comprar livros em segunda mão em português
Este é um tema recorrente nas minhas conversas convosco via Instagram: onde arranjo tantos bons achados em segunda mão. E eu divido os livros em segunda mão em dois grupos: os livros antigos e os livros recentes q.b que alguém leu, não quer mais ter em casa e colocou à venda. E para os dois só é preciso uma coisa: andar sempre atento. E nos sítios certos.
Os livros antigos...
Eu tenho grandes, grandes, grandes achados antigos como uma primeira tradução de Jane Eyre para português. E normalmente estas coisas encontro nas feiras e online. Eu gosto de ir a feiras e andar por ali tranquilamente a ver coisas. Às vezes os melhores achados estão mesmo ali à nossa frente, a serem vendidos por pessoas que não ligam assim tanto a livros. Este pequeno tesouro de Charlote Bronte encontrei na Feira da Ladra numa banca que tinha centenas de livros velhos. Andava a dar uma vista de olhos, até que li Bronte numa lombada e tirei o livro só para ver. E voilá, ele até cintilou para mim. O mais parvo? Paguei dois euros por ele.
Também já comprei alguns a um alfarrabista do Porto que envia por correio e que descobri no Facebook - é o Bibliognosta. A este em particular comprei o Filhos da Droga e o Papion, dois livros que nas mudanças de casa perdi porque nunca mais os encontrei em lado nenhum. E este é o tipo de lojas que podem procurar online ou no Facebook.
Uma coisa que também devem andar atento são as feiras de livros que, volta e meia, existem nas estações de comboio e metro. Também encontro muita coisa aí. A maioria nem é em segunda mão, são apenas livros mais antigos.
Os livros em segunda mão...
No outro dia alguém me dizia que eu, enquanto escritora, devo ser contra a troca e revenda de livros. Claro que não sou contra. Quem lê muito sabe que, por vezes, a carteira não acompanha a vontade de ler. E é aqui que se ganha em comprar livros em segunda mão, por vezes quase a metade do preço das lojas. A troca ou a revenda de livros não prejudica o escritor porque o passa a palavra continua.
Um dos sítios onde mais compro é na Livraria Déjà Lu que apenas tem livros em segunda mão. Já falei dela aqui, podem reler. E é uma livraria solidária em Cascais. Vou lá, pelo menos, uma vez por mês ver o que há de novidades e de achados. Passei lá na semana passada e encontrei um de Collen Hoover e o segundo volume da trilogia d'O Lar da Senhora Peregrine para Crianças Peculiares. Cada um por seis euros. Preços bem simpáticos, não é?
Têm também sites como a Bibliofeira e o OLX claro. A própria Fnac também tem um segmento de livros em segunda mão. Espreitem aqui.
Os grupos e páginas no Facebook também são uma excelente opção. Têm o Bookmaniacs que, por cada livro vendido, doa duas refeições a associações de animais abanadonados. Têm também grupos como o Troca e Venda de Livros em Segunda Mão, o Venda e Troca de Livros Usados em Portugal e o SOS Livros: Troca & Venda de Livros.
As dicas que vocês me deram...
Pedi no Instagram para me dizerem mais sítios, lojas, feiras para poder compilar aqui algumas ideias. E, afinal, há tanto sítio a explorar:
- A Feira da Vandoma no Porto;
- As lojas Cash Converters;
- As Feiras de Velharias ou da Bagageira que há um pouco por todo o país. Informem-se na vossa Junta de Freguesia se há alguma na vossa zona;
- A Feira de Alfarrabistas do Chiado aos sábados de manhã;
- A loja Mau Génio em Benfica;
- A livraria Sidarta em Viseu (com venda online);
- A Alfarrabista Alpha Livros (com venda online);
- A livraria Esperança na Madeira (com venda online);
- A livraria Antiqualha em Aveiro (com venda online);
- A Livraria Galileu em Cascais também costumo passar lá;
- A Livraria Tigre de Papel em Lisboa;
Muito se falou e previu sobre a morte lenta das livrarias mas, na verdade, os estudos indicam que as livrarias independentes e pequenas estão de novo a ganhar vida. Esta semana li este artigo que explica como o Instagram trouxe as livrarias novamente para a "moda", por assim dizer. Embora esta tendência de se fotografar livros por ser cool me faça um pouco de comichão, se muita desta gente que se quer fotografias em sítios da moda como as livrarias modernas, pelo menos, ler qualquer coisa... isto acaba por ser positivo.
Quando eu for rica, já sabem onde me vão encontrar: na livraria-café que vou abrir em Lisboa ;)
Se souberem de mais sítios para se comprar livros em segunda mão para acrescentar à lista, enviem-me!
Published on January 09, 2019 12:03
December 30, 2018
Porque gostamos de cães, comemos porcos e vestimos vacas?
Se os matadouros tivessem paredes de vidro, todos seríamos vegetarianos. Mas continuamos a acreditar nas vacas felizes a pastar no campo. Melanie Joy lança em Portugal livro controverso e desafiante.
Imaginem o seguinte cenário: são convidados para um jantar em casa de amigos, a mesa tem bom aspeto, a travessa fumegante dos aromas da carne, dos temperos e dos vegetais enche a sala e abre-vos o apetite. E quando começam a comer… está delicioso. Então pedem a receita ao vosso amigo. E ele partilha-a com todo o prazer. “Começamos com 2,5 quilos de carne de… goldenretriever bem marinada e depois…”. Provavelmente acabaram de perder o apetite. Se forem como a maioria das pessoas, ao saber que estavam a comer um cão, as vossas sensações passariam automaticamente de prazer a repulsa.
Melanie Joy diz que o consumidor moderno sente-se cada vez mais retraído com aquilo que come. É por isso que o sector do agronegócio animal utiliza a linguagem para camuflar a realidade da carne. Nós não nos queremos lembrar que estamos a comer carne de vaca moída, costelas de porco ou pernas de ovelha. Preferimos ler que comemos hambúrgueres, costeletas e bifes. O objetivo é que o consumidor olhe para a carne e veja aquilo que vai comer em vez de pensar naquilo que o animal era.
E os ovos e o leite?
Eu não como ovos nem bebo leite há muitos anos. E Joy diz coisas interessantes sobre isto: As galinhas poedeiras são as que são usadas única e exclusivamente para a produção de ovos, mantidas em gaiolas de arames onde nem as asas conseguem abrir e por lá ficam cerca de um ano até deixarem de conseguir produzir ovos de forma lucrativa. Aí são enviadas para abate. Esta realidade cruel aplica-se igualmente ao leite e parece inacreditável que a maioria das pessoas parta do princípio de que se pode conseguir obter leite sem prejudicar a vaca. Melanie Joy escreve que muitas vacas passam a vida em fábricas de lacticínio onde são acorrentadas pelo pescoço ou ficam enclausuradas em pequenas celas de estábulos, são injetadas com hormonas de crescimento geneticamente modificadas e são engravidadas de modo artificial todos os anos com o objetivo de maximizar a produção de leite e ordenhadas por máquinas durante dez meses por ano. Embora o ciclo de vida natural das vacas seja de aproximadamente vinte anos, ao fim de apenas quatro numa exploração leiteira são enviadas para abate.
Os três N que justificam o consumo animalPorque consumimos carne? Porque é normal. Porque os nossos pais consomem. Porque os nossos avós assim lhes ensinaram. E os seus avós a eles. Mas o que nos leva a amar o nosso cão ou o nosso gato ao ponto de os considerarmos como membros da nossa família porque temos uma relação emocional com eles mas, por outro lado, conseguimos chamar “jantar” a um porco e compramos numa loja um casaco da moda feito de pele de vaca? Joy diz que amamos cães e gatos e comemos porcos e vestimos vacas não por serem animais diferentes (as vacas, tal como os cães, têm sentimentos, preferências e consciência) mas porque a perceção que temos deles é diferente. E, portanto, a nossa perceção da sua carne também é diferente.E porque é que, de entre dezenas de milhares de espécies animais, provavelmente nos sentimos repugnados com a ideia de comer praticamente todas, com a exceção de um pequeno punhado delas - vacas, porcos, ovelhas, galinhas, coelhos, peru...? Nós comemos vacas porque aprendemos que é normal gostar delas. No Cambodja é normal gostar de tarântulas fritas. Na Islândia é normal gostar de testículos de carneiro sob a forma de paté avinagrado. E se num grande número de culturas, muitas espécies de animais “comestíveis” são vistos como “não comestíveis”, isto prova que o responsável por determinar os animais que devem ser “comidos” é o preconceito cultural e não a lógica ou a necessidade.Eis os os três N que Melanie Joy diz que são invocados para justificar o consumo de carne: é normal, é natural e é necessário. Estes três N estão tão enraizados na nossa consciência social que guiam as nossas ações sem sequer pensarmos sobre eles. Aceitamos que são verdades universais quando são apenas opiniões generalizadas.
É normal porque são normas que nos foram ensinadas e aceitamo-las em piloto automático.
É natural porque acreditamos que comer carne é natural porque os seres humanos têm caçado e consumido animais desde há milénios.
É necessário porque existe a crença de que comer carne é uma necessidade inerente à sobrevivência da espécie humana.O vegetarianismo é o futuro?Melanie Joy não tem dúvidas – sim. “Como alguém que estudou a mudança social e como psicóloga, parece claro que o vegetarianismo vai substituir o carnismo como ideologia dominante em alguma momento. Não há razão para supor que a trajetória vai mudar. A questão não é se vai mudar, mas quando”, disse ao The Independent.
Mas é necessário continuar a desafiar o carnismo por várias razões, entre elas a maior consciencialização perante a crise ambiental que estamos a viver.Joy escreve que a produção de carne em larga escala é uma das principais causas de destruição ambiental. “Os gases de metano expelidos por milhares de depósitos de estrume enfraquecem a camada de ozono. As toneladas de substâncias químicas usadas nos animais (hormonas sintéticas, antibióticos, pesticidas e fungicidas) poluem o ar e os cursos de água. Milhares de hectares de áreas arborizadas estão a ser desmatados para possibilitar a implementação de culturas de alimentos. A quantidade de água potavel retirada atualmente dos reservatórios é maior do que a que pode ser reposta. Os principais cientistas concordam que este sistema de produção massiva de carne não poderá continuar sem gerar o colapso do ecossistema.”Em Junho deste ano, a revista Forbes escreveu que “não precisamos de ir além dos nossos pratos para salvar o planeta. A mudança da carne e dos laticínios é a maneira mais eficaz de regenerar o nossos ecossistema e impedir a sua destruição”. E há números importantes: a carne e os latícinios fornecem apenas 18% das nossas calorias e 37% das nossas proteínas mas usam 83% das terras agrícolas. E sem o consumo de carne e produtos lácteos, o uso global de terras agrícolas poderia ser reduzido em mais de 75%, uma área equivalente aos EUA, China, União Europeia e Austrália juntos, e ainda alimentar o mundo inteiro.
Melanie Joy é vegana desde o início dos anos 90 e diz que a maioria das pessoas não se torna vegana da noite para o dia. O importante é começar por algum lado, nem que seja a ganhar consciência sobre a realidade que não nos querem dar a conhecer. Porque gostamos de cães, Comemos porcos e Vestimos vacas já está à venda em Portugal e é uma introdução a estes temas e uma forma de mudar o modo como pensamos sobre a nossa comida.
Porque gostamos de cães, Comemos porcos e Vestimos vacas, de Melanie Joy, Bertrand Editora.
Published on December 30, 2018 14:23
December 16, 2018
40 sugestões de livros para oferecer este Natal (para todos os gostos e idades)
Porquê oferecer livros? Porque se está a oferecer mais tempo. Tempo passado a cultivar a mente, a aliviar do stress diário, a viver aventuras, a viajar por outros mundos. E não há como falhar com livros. Ok, quero dizer, já me ofereceram livros do mais chato possível. Às vezes é impossível, apenas numa sinopse, adivinhar se aquele livro vai de facto conquistar a pessoa a quem se está a oferecer.
Ou podem seguir as dicas aqui do estaminé. Não estou com isto a dizer que nunca falho. Óbvio que falho. E muitos dos livros que eu gosto não são os que outras pessoas gostam e vice versa. Mas uma das coisas que tento sempre fazer é fugir da minha própria zona de conforto. Explorar outros géneros literários que não costumo ler muito ou seguir algumas sugestões que me dão e que acabam por me surpreender. Ou abrir o leque de ideias e sugerir-vos mesmo livros que sei que nunca vou ler mas que foram apreciados por muita gente e, por isso, são boas sugestões.
Dito isto - e porque quero mesmo que ofereçam livros este Natal - fiz aqui uma pequena lista simpática com novidades, livros que eu ameeeeeeei, sugestões para crianças, adolescentes, pais, mães e algumas leituras obrigatórias caso descubram que algum amigo vosso ainda não as leu.
Para o pai ler mais...
O Presidente Desapareceu de Bill Clinton e James Patterson; A Amante do Governador de José Rodrigues dos Santos; Sete Anos Bons de Etgar Keret; Cara ou Coroa de Jeffrey Archer; Beautiful Boy de David Sheff.Para a mãe se emocionar...
Viúvas de Lynda La Plante; As Boas Mães de Alex Perry; A Educação de Eleanor de Gail Honeyman; A Nossa Vida em Sete Dias de Francesca Hornak; O Rouxinol de Kristin Hannah.Para as adolescentes deixarem as redes sociais e verem como os livros são cool...
Stars de Anna Todd; Eliza e os Seus Monstros de Francesca Zappia; Shiver de Maggie Stiefvater; A Todos os Rapazes que Amei de Jenny Han; Já te Disse Que te Amo? de Estelle Maskame.Para as eternas jovens adultas... como eu!
Um de Nós Mente de Karen M. McManus; O Ódio que Semeias de Angie Thomas; A Verdade e as Mentiras de Ella Black de Emily Barr; Anexos de Rinabow Rowell; Onde Estás, Audrey? de Sophie Kinsella.Para quem não abdica de uma viagem fantástica...
Três Coroas Negras de Kendare Blake; O Lar da Senhora Peregrine para Crianças Peculiares de Ransom Riggs; Lost Boys de Lilian Carmine; A Coisa de Stephen King; Fantastic Beasts: The Crimes of Grindelwald de J.K. Rowling.Para apaixonar as crianças que já sabem ler...
O Diário de um Banana Livro 13 de Jeff Kinney (se nunca leu nada desta coleção, comecem pelo livro 1); As Gémeas no Colégio de Santa Clara Livro 1 de Enid Blyton; Campeão de Saias de David Walliams; Diário de Uma Totó Livro 1 de Rachel Renée Russel; Uma Aventura Livro 60 de Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada.Para ler aos mais novos... e fazê-los gostar da leitura
Um Dia na Vida de Marlon Bundo de Marlon Bunde e Jill Twiss; Martine e as Quatro Estações de Gilbert Delahave (saudades da Anita...); O Monstro das Cores Pop-up de Anna Llenas; O Lobo que Queria ser um Super-Herói de Orianne Lallemand e Éléonor Thuillier; Fábulas de La Fontaine de Yoyo Studios; O Regresso da Baleia de Benji Davies.Para os amantes de romances históricos desligarem do mundo real
Sob um Céu Escarlate de Mark Sullivan; Os Dez Espelhos de Benjamin Zarco de Richard Zimler; Beloved de Toni Morrison; A Musa de Jessie Burton; Chamavam-lhe Grace de Margaret Atwood.E é isto... Este Natal dêem mais livros. Incentivem as pessoas da vossa vida a ler mais. E têm aqui 40 - na verdade 41 - bons motivos para desligar de todas as distrações do dia a dia.
Bom Natal :)
Published on December 16, 2018 16:21
December 2, 2018
Porque estamos todos a ficar cada vez mais estúpidos? O artigo 13 e a superficialidade das redes sociais
Nos últimos dias, enquanto meio Portugal panicava com o famoso artigo 13 e o fim da Internet, eu dei por mim num longo hiato do Instagram sem me aperceber. E quanto mais tempo passo afastada qb, mais estúpido tudo me parece. E isto é um pouco semelhante à Síndrome de Estocolmo: estamos tão dependentes das redes sociais que não nos apercebemos do quão mal nos fazem. Mas quando damos um passo atrás acabamos por ver as coisas de outra perspectiva. Quando voltei a fazer um scroll pelo meu feed no domingo à noite, levei com influencers em soutien na rua mesmo estando 8 graus, a fazerem compras na sua loja de roupa online no café, a tomarem o seu pequeno almoço de Prozis de forma sensual, a passearem o seu creme diário na rua, a mostrarem o seu livrinho que estão a ler (mas é um livro de outra influencer com todos os seus looks diários) e mais roupa e mais roupa e mais sapatos e mais roupa e maquilhagem e roupa e cremes...
Um dia destes vi alguém que conheço no facebook a dizer que a noite tinha sido infernal, insónias e blá, blá, blá. Mas por que raio temos necessidade de partilhar tudo o que nos acontece? Antigamente não ligávamos de manhã para todas as pessoas que conhecemos para dizer que não tínhamos dormido bem. A outra pessoa iria ficar: hum ok e o que é que tenho a ver com isso? Nada. Ninguém tem nada a ver com a vossa vida. Ou nada que ver porque a linguística em português consegue ser bem picuinhas.
Tenho-me confrontado com muitas destas questões. São conversas de mim para mim, por assim dizer. No outro dia tirei uma fotografia dos meus vernizes porque os tinha acabado de arrumar e estava satisfeita com a organização por cores. E minutos depois de ter a fotografia online, fiquei self-conscious com a mensagem que estava a passar com uma caixa com 60 vernizes. E acabei por a apagar. Estou a usar demasiado estrangeirismo, eu sei, mas o tema puxa por isso. Continuando... eu estou constantemente a pensar na imagem que passo, no impacto que as redes sociais têm na minha vida, naquilo que consumo diariamente. E questiono-me como meio mundo continua a andar por aí sem sequer reflectir sobre o consumo que faz e a que incentiva. Isso deixa-vos feliz? Toda a porcaria que consomem diariamente online tem algum impacto positivo na vossa vida offline [uau, estou a falar da vida real]?
Este fim-de-semana foi o Blogging for a Cause [o evento solidário no qual estou envolvida e que este ano teve a sua segunda edição]. Angariámos 2500€ que foram totalmente revertidos para alguns projetos sociais que estávamos a apoiar. O evento de uma tarde consistia em várias palestras e workshops de pessoas de relevância no digital como a Ana Milhazes do Zero Waste ou a Fátima Lopes (apresentadora e do Simply Flow) que falou sobre como podemos ter uma vida mais feliz. Fixe, não é? Quando ainda estávamos a comunicar, pensámos em abordar alguns meios digitais que costumam falar sobre coisas giras que estão a acontecer em Lisboa, como a NIT (New in Town). A NIT não quis divulgar o nosso evento. Mas curiosamente divulgou o "evento" de cinco bloggers que iam vender as suas roupas para terem mais dinheiro para comprarem... mais roupas. Atenção que não tenho nada contra isso. Eu própria também vendo muitas das minhas coisas. Mas foi a situação em si, o contexto e o timing que acabou por ser revoltante. Revoltei-me contra a NIT e não contra elas (espero estar a deixar isto bem claro que as pessoas gostam muito de assumir tudo como 8 ou 80 por aqui).
A não-ajuda da NIT acabou por ser irrelevante porque esgotámos os lugares do evento. Mas isto reflete o problema geral das redes sociais - o facto de girarem à volta de superficialidades. Se a própria imprensa incentiva a isso, como é que acabamos por não nos tornar mais e mais frívolos?
Há outra coisa que quero levar-vos a reflectir: o luxo de hoje é o lixo de amanhã. Tudo o que consumimos hoje porque é moda, amanhã estamos a querer vender porque já não nos interessa. Porquê? Estamos a ficar cada vez mais insatisfeitos e mais sedentos de consumir mais e mais e mais? Porque queremos mostrar mais e mais e mais? Entããããão... Gira tudo à volta do mesmo.
Eu não sou contra tudo isto. Eu também vivo disto. Também faço parte desta bolha. E a minha vida mudou graças à internet e às redes sociais. E também estou a panicar um pouco com o artigo 13 e a forma como se vai aplicar na prática (vou deixar de poder mostrar livros e a incentivar à leitura?). Mas apenas continuo a argumentar que as redes sociais não são o melhor uso do nosso tempo se apenas estamos a consumir tretas e a passar a pior imagem de nós próprios.
Porque no final do dia, sim, o vosso perfil é um reflexo daquilo que vocês são. Mas desde quando nos tornámos todos tão superficiais?
Published on December 02, 2018 16:14
November 19, 2018
InExtenso Lab: porque as empresas devem apoiar os jovens portugueses
Uma das coisas que mais gosto é saber de empresas que apoiam os jovens na sua área de actuação. Porque falta isso. Falta essa vertente mais "pensar no futuro" e falta o abrir portas que, para mim, é um dos grandes handicap do nosso país. Poderia falar-vos de todas as coisas que penso sobre o mercado literário em Portugal e da forma como não se abre portas aos novos escritores mas, enfim, já falei neste post (podem reler).
Esta foi uma forma de lançar os jovens que estão a estudar design de moda nos desafios do mundo laboral, proporcionar-lhes esta experiência e enriquecer os seus currículos. O tema era criarem looks "Party Wear" e os três vencedores foram Portugal, Hungria e Roménia cujos looks estão agora à venda em todas as lojas Jumbo da Europa. A nossa jovem portuguesa é a Ana Rita Novo Milhazes de 18 anos e da Escola de Moda do Porto que desenhou um macacão preto e um quimono transparente com mangas à boca de sino (e que eu tenho vestido nas fotografias em baixo).
E este projeto correu tão bem que o InExtenso Lab (capsule collections created by young designers) vai repetir-se no próximo ano, sob o tema roupa sporty, para desafiar mais jovens a criar uma coleção.
Como não gostar? Dá-me que pensar que falta mais disto em Portugal. Mais empresas a desenvolver projetos que estimulem os jovens, que lhes abram portas, que enriqueçam as suas competências, as suas capacidades, os seus currículos, a sua criatividade...
Esta coleção dos designers foi complementada com acessórios e outras peças de festa: meias, casacos, lingerie e, claro, a coleção de calçado made in Portugal feita por fábricas e materiais portugueses.
À esquerda, o look de Raul Lazar da Roménia com um casaco acetinado curto (29,99€) e umas calças de fato com inspiração sporty (24,99€) e, à direita, o look português com o macacão (29,99€) e o quimono (19,99€).
As minhas botas favoritas da coleção de inverno made in Portugal :-)
E a nova lingerie de festa. Maravilhosa!
Em baixo, meias transparentes e de festa e estas camisolas interiores transparentes (tenho em cor de pele e agora esta preta) que dão imenso jeito e, surpreendentemente, aquecem mesmo.
Podem ver todo o catálogo de party aqui e a coleção cápsula made in Portugal aqui.
Post escrito em exclusivo para Auchan.
Published on November 19, 2018 15:10
November 12, 2018
Está frio na rua, vamos ficar em casa? 5 dicas para tornar a decoração mais quente
Cresci habituada às mudanças da minha mãe. Por mais que o meu pai dissesse "pronto, lá está ela com as suas alterações", a minha casa de infância foi sempre uma esponja do estado de espírito da minha família. Ou da minha mãe. E eu fazia o mesmo. O meu quarto teve tantas, mas tantas decorações diferentes que consigo facilmente identificar cada fase da minha vida pela decoração que o meu quarto tinha.
Claro que tive cortinados cor-de-rosa choque com posters das Spice Girls em todos os centímetros de parede que existiam. Mas também tive cortinados pretos feitos com páreos de praia, velas por todo o lado e estrelas brilhantes coladas no tecto porque achava que era esotérica. Cresci com um estúdio (aquelas camas que tinham móveis por cima tão populares nos anos noventa) e aos poucos fui desmontando tudo, até já dormir no gavetão com um colchão porque não queria mais nada no quarto - os benefícios de ser adolescente e os pais aturarem todas as nossas crises, certo?
Então esta necessidade de mudança claro que me tem acompanhado na minha própria casa. Quem me lê há algum tempo, já acompanhou as várias mudanças na decoração porque, na verdade, e volto a repetir, acredito que a decoração da nossa casa tem de refletir o nosso estado de espírito. Se não há dinheiro para mudar a sala ou o quarto todos os anos (quem me dera...), há, pelo menos, pequenas coisas que podemos ir fazendo ao longo do ano para ir adaptando o nosso decor a cada estação. Porque essa é a forma que temos de dar toques pessoais à nossa casa e criar aquela sensação de realmente pertencer onde moramos (especialmente para quem, como eu, tem casas alugadas e fica difícil chamar as nossas casas de "nossas").
E mesmo a tempo do friozinho que chegou, já está mais do que na hora de tornar as nossas casas mais quentes.
#1 usem cores, texturas e misturem padrões
Eu adoro misturar padrões e texturas porque sinto sempre que isso cria camadas visuais. Então óbvio que já deu para perceber que não gosto nada daquelas casas frias, impessoais e todas brancas. Uma forma de tornar a casa quente é usar tons igualmente quentes. Eu uso muito o verde e o castanho (porque adoro plantas) mas fica ao critério de cada pessoa. E podem fazê-lo com almofadas, quadros, mantas... Para quem gosta de padrões ousados, as mantas com padrões animal são um exemplo (esta é do Jumbo e há mais padrões) e vão adicionar conforto e criatividade à vossa casa.
#2 Acessórios: velas, livros (óbvio) e mantas de lã
No ano passado fiquei louca quando encontrei edredões borreguito no Jumbo (podem ver neste post e até ver as diferenças na minha casa no inverno passado e agora) e falei tanto neles que quase todas as minhas amigas foram buscar para elas. E, enfim, já andava a ansiar por outro. Dei o do ano passado à minha mãe e agora tenho um creme porque decidi tornar a decoração do meu quarto mais em tons terra. E usarem mantas, texturas polares, velas e livros vai tornar instantaneamente a vossa casa mais acolhedora e com uma aparência mais quente.
Muita gente me diz que a minha casa tem um aspecto confortável e perguntam onde me vou inspirar. Mas não é uma tarefa difícil e uma vez que comecem a rodear-se de coisas que vos façam sentir acolhidos no vosso próprio espaço, vão encontrar novas formas de tornar as paredes ao vosso redor uma extensão natural dos vossos sentimentos, estados de espírito e emoções sem terem de ir procurar muita inspiração. Está tudo dentro de vocês.
O meu quarto no inverno passado ainda tão despido porque morava aqui há alguns meses; e o meu quarto agora.#3 Adicionem mantas onde for possível
Eu sou obcecada por mantas e pelos, então talvez esta seja uma sugestão muito pessoal. Mas, acreditem, funciona. Tenho umas dez mantas espalhadas pela casa. Primeiro porque a minha casa é muito fria (fantástico no verão mas um sofrimento agora) e, segundo, porque as mantas têm uma forma de nos fazer sentir quentes e podemos incorporá-las na nossa decoração: na sala, na cama, no sofá, no vosso cadeirão de leitura, na cadeira do escritório, nas almofadas (estas almofadas são do mesmo padrão da manta. Passei a vida a gozar com a minha mãe e agora também gosto de fazer pandã. Oh céus!) e, porque não?, nos tapetes.
#4 Peças multifuncionaisGosto sempre de coisas que permitam várias utilidades. Tenho dois banquinhos que também são caixa (porque a parte de cima sai e dá para ter coisas guardadas lá dentro, normalmente tenho mantas) e as mesas com fundo são outra forma de guardar coisas lá dentro e dar, ao mesmo tempo, um toque de aconchego. Neste caso, com livros, claro. Na sala, esta cesta é, na verdade, para lenha mas apaixonei-me por ela e serve para guardar as mantas, as almofadas e por vezes para a Tita dormir.
#5 Uma ode às bugigangas
Lembram-se quando todas as casas tinham bibelots espalhados por todos os cantos? Mon Dieu! Ainda bem que nos deixámos dessa moda estranha. Mas isso não significa que se perdeu o amor às bugigangas. Eu adoro caixas, caixinhas, velas, frascos, jarras, velas... tudo. E é uma forma de dar pequenos toques de cor à casa e, ao mesmo tempo, dar vida à nossa personalidade.
Todas as coisas destacadas deste post estão na nova coleção de decor de inverno do Jumbo (mantas, edredão, almofadas, tapete, velas, mesa, cesta...). Hurry up :)
Post escrito em exclusivo para Auchan.
Published on November 12, 2018 14:17


