Mauricio Lyrio
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Rio de Janeiro, Brazil
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January 2014
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Mauricio Lyrio
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Memória da Pedra
—
published
2013
—
3 editions
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O imortal
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O G20
by
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published
2024
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A Ascensão da China como Potência: Fundamentos Políticos Internos
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published
2010
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Merquior y México: una antología
by
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published
2023
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Mauricio’s Recent Updates
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"Que obra-prima. "
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Mauricio Lyrio
and
13 other people
liked
Brian Clegg's review
of
QED: The Strange Theory of Light and Matter:
"When a book is a classic of the field it can be easy to forget to review it. Richard Feynman's 1985 QED is one of the best-thumbed books on my shelves, and still in print - so it seemed sensible to cover it. Because Feynman has a number of books with"
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"Nem tudo aqui é ótimo (e em alguns casos nem posso alegar ter entendido), mas gostei demais dos contos "O policial dos ratos", "O gaucho insofrível" e "A viagem de Álvaro Rousselot", além da conferência "Literatura + doença = doença". "
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"Maravilhoso e engraçadíssimo. Um uso primoroso da linguagem, tanto na forma e composição do livro quanto na própria abordagem da língua como instrumento de poder e opressão. "
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Mauricio Lyrio
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Mauricio Lyrio
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“Tenho um passado cada vez mais extenso e tênue. Talvez a vida não seja mais do que isso: um elástico que se estica aos poucos e, apesar dos desejos de retorno, segue alongando-se e afinando-se até arrebentar. As lembranças são muitas e conversam entre si, há mais conexões possíveis, mas os sinais são cada vez mais distantes, inaudíveis, e incidem de forma preguiçosa sobre o presente. Não é agradável administrar um passado mais extenso que o futuro que se tem pela frente. O que carrego hoje de mais vital e concreto, e parece varrer todo um passado de lições – casamentos, filhos, crises, desilusões – é uma paixão adolescente na maturidade e o desejo de reconstruir algo que não reconheço.”
― O imortal
― O imortal
“Escurecia rápido, o navio afastava-se do poente. A lembrança da sombra no rosto de Marina tornava mais fácil aceitar a morte. Uma fita triangular de navegação tremulava no meio de uma corda tesa, gorda do vento, como uma língua de réptil. O corpo estava frio, sem pulso nem sinal algum, completamente largado sobre o seu. Já não havia quem observasse o pôr do sol, não havia o que olhar, apenas uma faixa de luz parda que se diluía sobre o horizonte, cada vez mais turva, indistinta do oceano. Completava-se o abandono lento em seus braços, sob o sorriso da portuguesa enternecida pelo aconchego da moça no ombro do marido. Era a suavidade da morte pública e despercebida.
Ele tentava olhar adiante. Teria sido outra história se Marina tivesse se jogado ao mar. Cinquenta, sessenta, setenta metros de altura. Ele teria que se jogar também, arriscar a vida para ter o que enterrar, e iria junto, ninguém mergulha de um navio supondo que sobrevive, muito menos que salvará alguém. Se tivesse que se matar, haveria de ser como um prazer, o prazer que em vida lhe era torto. Deixaria o corpo boiar sobre o oceano, sem peso, ao sabor das correntes, o sono mais pesado e completo que alguém já teve. Talvez o prazer de jogar o corpo no vazio fosse ainda maior. Deixaria o ar limpar os pulmões e os pensamentos, purificar a vida que ficava para trás, no alto da amurada. Seria outro por um lapso, não haveria tempo para pensar no impacto. Talvez o mar restaurasse o sono, a onda fria embalasse as costas, o oceano como o único lugar em que os insones não são insones, embora lhes falte imaginação para sabê-lo. Tinha a impressão de que nunca mais adormeceria, enquanto ela dormiria para sempre, egoísta no sono final, a soberba daquele que reaprende a dormir e deixa o outro na vigília. Teria sido pior se ela tivesse esperado a volta para se matar. Ele aguentaria a náusea de cada milha. Agora podia abandonar o barco. Nada de Ilhas Canárias, Cádiz, Sevilha, nada do balanço que o torturava no convés ou na cabine. Olhava a distância em direção à noite e via o corpo desembarcar em Cabo Verde, sobrevoar o mar até Lisboa, voltar ao Brasil sobre o mesmo mar, as mesmas ilhas escassas do Atlântico. Dois, três dias com o corpo frio e rígido, rigor mortis, velava-o pelos ares, um fardo em plena leveza de nuvens, a dor que alçava ao sol dentro de um saco impermeável, um caixote de metal. Estariam no céu, um corpo que apodrece, um homem que chora, um amor que já não é mais.
Alguém se aproximou, parou ao lado da amurada. O uniforme branco e impecável usado pelos tripulantes, certa familiaridade de hospital.
— Preciso da sua ajuda.
— What can I do for you, sir?
— Minha mulher está morta.”
― Memória da Pedra
Ele tentava olhar adiante. Teria sido outra história se Marina tivesse se jogado ao mar. Cinquenta, sessenta, setenta metros de altura. Ele teria que se jogar também, arriscar a vida para ter o que enterrar, e iria junto, ninguém mergulha de um navio supondo que sobrevive, muito menos que salvará alguém. Se tivesse que se matar, haveria de ser como um prazer, o prazer que em vida lhe era torto. Deixaria o corpo boiar sobre o oceano, sem peso, ao sabor das correntes, o sono mais pesado e completo que alguém já teve. Talvez o prazer de jogar o corpo no vazio fosse ainda maior. Deixaria o ar limpar os pulmões e os pensamentos, purificar a vida que ficava para trás, no alto da amurada. Seria outro por um lapso, não haveria tempo para pensar no impacto. Talvez o mar restaurasse o sono, a onda fria embalasse as costas, o oceano como o único lugar em que os insones não são insones, embora lhes falte imaginação para sabê-lo. Tinha a impressão de que nunca mais adormeceria, enquanto ela dormiria para sempre, egoísta no sono final, a soberba daquele que reaprende a dormir e deixa o outro na vigília. Teria sido pior se ela tivesse esperado a volta para se matar. Ele aguentaria a náusea de cada milha. Agora podia abandonar o barco. Nada de Ilhas Canárias, Cádiz, Sevilha, nada do balanço que o torturava no convés ou na cabine. Olhava a distância em direção à noite e via o corpo desembarcar em Cabo Verde, sobrevoar o mar até Lisboa, voltar ao Brasil sobre o mesmo mar, as mesmas ilhas escassas do Atlântico. Dois, três dias com o corpo frio e rígido, rigor mortis, velava-o pelos ares, um fardo em plena leveza de nuvens, a dor que alçava ao sol dentro de um saco impermeável, um caixote de metal. Estariam no céu, um corpo que apodrece, um homem que chora, um amor que já não é mais.
Alguém se aproximou, parou ao lado da amurada. O uniforme branco e impecável usado pelos tripulantes, certa familiaridade de hospital.
— Preciso da sua ajuda.
— What can I do for you, sir?
— Minha mulher está morta.”
― Memória da Pedra































