Capítulo 4: Recomeço em Nápoles
Re.co.me.çar
– começar de novo; retomar, após interrupção;
– começar a ser, a produzir-se novamente.
[insira aquele clichê de ano-novo aqui:
Ano-novo, vida nova.
365 páginas em branco
…]
Sei bem que estamos todos de saco cheio dos clichês e das promessas mirabolantes que acompanham o início de um novo ano. Eu ia até discursar sobre como este ano serei mais fitness e farei mais exercícios (haha, tá bom!), mas vou poupá-los porque esse não é o objetivo aqui. Quero falar de um recomeço específico que, na verdade, teve início em abril do ano passado.
Certo dia, enquanto lia mais um romance do meu autor favorito, meu marcador de páginas simplesmente se recusou a avançar. Um ponto, uma frase, uma linha, um parágrafo, uma página, um capítulo. Não dava mais. A mesma fórmula, que eu jurava de pé junto que parecia diferente a cada livro e que sempre me encantou e arrebatou, me deixou, pela primeira vez, irritada e com a horrível sensação de perda de tempo. Não dava mais para continuar. Senti que precisava começar a ler coisas diferentes, sair um pouco do lugar-comum dos romances comerciais e superficiais e dos infantojuvenis que sempre preencheram minhas horas vagas.
Essa interrupção foi fundamental para que eu englobasse os dois sentidos da palavra-tema deste texto. Sim, eu retomei a leitura, mas não, não foi de onde parei. Comecei a ler diferente. Esse caminho sem volta começou nada mais nada menos que em Nápoles, na Itália. Não, infelizmente eu (ainda) não fui a Nápoles. Mas acompanhei a infância, a juventude e a maioridade de duas melhores amigas na tetralogia napolitana, de Elena Ferrante. E posso afirmar que Lenu, Lila mudaram definitivamente o rumo das minhas leituras.
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A partir daí, Chimamanda Ngozi chegou em forma de presente para me ajudar a quebrar o “pré-conceito” com a África falando sobre a vida de uma família rica na Nigéria e mostrando alguns efeitos (bastante negativos) da colonização religiosa em Hibisco roxo; Clarice Lispector fez com que eu me identificasse bastante com a Joana em sua jornada introspectiva de autodescoberta em Perto do coração selvagem; Valter Hugo Mãe me mostrou que ainda existe muita pureza no mundo em O paraíso são os outros e que o amor acontece às vezes de formas que não esperamos em O filho de mil homens. [Aliás, já tendo lido três livros do Valter Hugo Mãe, preciso dizer que ele tem um dom com as palavras que não sei explicar muito bem. Na verdade, eu penso assim: se as palavras fossem pessoas e tivessem fases de vida, é como se ele as usasse ainda crianças, por conseguir tratar de assuntos tão complicados de uma forma tão suave.] Yeonmi Park me deu um golpe certeiro e me deixou chocada por algumas semanas com a realidade da Coreia da Norte e com tudo o que precisou fazer com o único objetivo de sobreviver em Para poder viver. Por fim, mas não menos assustador por ser uma distopia, Margaret Atwood me ensinou em O conto da aia que devemos, sim, em qualquer circunstância, seguir lutando pelos nossos direitos – principalmente quando se tem tão poucos (no caso do livro, quero dizer. ou não?).
Espero que em 2018 a leitura (ou o cinema, ou qualquer outro meio) seja algo transformador na vida de vocês. Desejo-lhes obras impactantes, maravilhosas, com ou sem finais felizes, mas, principalmente, com personagens humanos, que nos façam refletir, sonhar, que nos assombrem e nos arrebatem. Afinal, é isso que todos nós buscamos na leitura, não é mesmo? Um ano de múltiplos recomeços a todos 


