Dois anos.
Foi o que me demorou o romance. Não me lembro de folgas, de férias ou de um mergulho na praia; de um domingo ou feriado em que não tivesse escrito. Uma média de 5 horas diárias, tantas vezes por causa de uma frase que insistia em não dizer tudo. A ambição da escrita mede-se tantas vezes à escala de uma palavra, uma que seja, ou essa teimosia de que não se desiste, doa o que doer. E, quase sempre, dói.
Entretanto, a viagem a Itália.
Imaginem a floresta, a praia do lado de lá das árvores e o mar, sempre o mar. Imaginem a pequena cidade na Toscana, as horas perdidas que passei nos seus becos medievais, nos túneis etruscos, na sinagoga vazia. Depois pensem no cair da noite, é importante. Vejam a ruela deserta, o restaurante tosco, a meia dúzia de mesas na calçada e o lampião que as alumia. Pensem na mochila que atiro para o chão sem forças para muito mais, no copo de vinho e na travessa de fumeiro pitiglianese enquanto revejo tudo. Annina, Cosimo, Alessia e todas as suas desilusões ocupam as outras mesas, essa impossibilidade de estar só enquanto se faz um romance.
Perceberam o privilégio? Escrever é isto, também é isto.
Agora tudo está consumado, no início desta semana chega finalmente às livrarias; já não as posso correr para rasurar personagens ou dourar os desfechos. A vós tudo se resumirá a umas horas de leitura. E, ainda assim, o que vos ficar depois disso é, afinal, tudo o que conta.
Um Tempo a Fingir
Published on October 21, 2020 10:36