Debruça-se sobre os conflitos, contradições e anseios da classe trabalhadora no final dos anos 70, na crise final da ditadura militar. O livro situa, em pólos antagônicos, a esperança na ação coletiva e a aposta nas saídas individuais, como alternativa de vida para os trabalhadores.
Escrita por um jovem Gianfrancesco Guarnieri em 1958, "Eles não usam black tie" é praticamente um marco no teatro brasileiro por trazer temas socio-políticos à cena, num período bastante conturbado para o tratamento do tema, a realização de uma greve para reinvidicação de melhores salários, sendo um dos seus lideres, Otávio, cujo filho, Tião, está incerto entre seguir ou não a greve. Trata-se, de certa forma, também da questão do grupo e do indivíduo e das consequências das nossas decisões.
Há outras temas de interesse aqui. Como a adoção à brasileira, famosa prática perpetrada por pessoas de classe média que, prometendo cuidar das crianças de famílias pobres, assim como lhes dar educação escolar, na verdade, utilizam-se desse subterfugio para obterem força de trabalho infantil de graça. É o exemplo de Tião, cujos padrinhos prometeram à Otávio e Romana dar uma educação ao filho desses, mas nunca foi enviado à escola, sempre foi tratado como pajem do filho do casal.
Outro tema que achei interessante escrever a respeito, é a visão romântica tanto da vida na cidade, como da vida no morro/favela. Se Tião sonha em voltar a morar na cidade, onde acha que tudo se resolve facilmente, quase todos os demais personagens veem a vida no morro como uma boa vida, embora Romana e outras mulheres penem com trabalhos e mais trabalhos para trazer um pouco mais de alimento para casa. Maria, grávida de Tião, não deseja outra vida, que não a vida no morro.
A peça também reflete muito a realidade do país, onde a lei, que deveria ter validade para todos, possui variados graus de validade e imposição, mesmo que hoje em dia haja juizados de pequenas causas e outras formas de proteção aos menos favorecidos. O direito à greve é um exemplo claro dessa situação. Mas darei outro exemplo constante da peça, já em seu final, quando Chiquinho, filho de Otávio e Romana, e irmão de Tião, encontra Juvêncio chorando e chateado, pois o seu samba "Eles não usam as bleque tais" estava tocando na rádio, anunciado como criação de outra pessoa.
Essa peça me surpreendeu bastante. Li sobre Guarnieri e a obra em meu primeiro semestre de faculdade, talvez 7 anos atrás, mas não lembrava detalhes do enredo. Como não sou fã de textos de apoio, pulei logo pra peça em si.
Diversas características me agradaram: a construção dos personagens, os diálogos, a trama em si, o humor e senso político de Guarniere.
Me diverti bastante com os personagens, principalmente com a matriarca da família, D. Romana, que tem uma percepção bem pessimista e triste da vida.
A trama se passa na ditadura militar de 64 girando em torno de uma greve na fábrica onde Otávio, o patriarca, e Tião, o filho mais velho, trabalham. O pai é bastante politizado, agitador na fábrica, o filho já não segue pro mesmo lado.
"Minha Miss Leopoldina, eu quero bem!...Eu queria que a gente fosse que nem nos filmes!...Que tu risse sempre! Que sempre a gente pudesse andar no parque! Eu tenho medo que tu tenha de sê que nem todas que tão aí!...Se matando de trabalhá em cima de um tanque!...Eu quero minha Miss Leopoldina...Eu te quero bem! Eu quero bem a todo mundo! Eu não sou um safado!...Mas para de chorá! Se você quisé eu grito pra todo mundo que eu sou um safado! Eu sou um safado!... Eu traí...Porque tenho medo...Porque eu quero bem! Porque eu quero que ela sorria no parque pra mim! Porque eu quero viver! E viver não é isso que se faz aqui!" (p. 107)
Essa peça foi encenada pela primeira vez em 1958, quando Guarniei estava com 22 anos. A história se passa em uma favela, no Rio de Janeiro. A fábrica onde Tião trabalha está em greve. O desejo de sair do morro e a responsabilidade do casamento com a noiva agora grávida, vão pesar nos pensamentos do rapaz que tem como pai seu Otávio, um idealista que é totalmente à favor a greve.
todo mundo já deve estar com os olhos gastos de tanto ler no facebook que "cada povo tem o governo que merece". é uma tese simples e conveniente: pau comendo solto, tu vai lá e trata de tirar o teu da reta, manda logo o chavão: vrau! o pulo do gato é que provocação não serve -- ou não devia servir -- pra apontar o dedo na cara dos outros. eles não usam black-tie pode até ser uma peça ingênua, mas é também um espelho: todos e cada um de nós somos individualistas como tião. com os direitos trabalhistas na berlinda, leitura mais atual que essa, impossível.
Eu sou apaixonada por teatro e desde pequena sempre gostei de ler (e ver, obviamente). A história é muito gostosa de ler, fluida, os diálogos são ótimos e, ao retratar a favela, não cai nem na romantização nem no exotismo. Achei muito muito bom, tem uma mensagem comunista no final, enfim. Leitura de feriado mesmo. Vale a pena.
Um dos livros mais humanizadores que já existiu. Uma leitura que deveria ser obrigatória para todos!
O contraste entre a alegria viva e crua com a tristeza profunda dentro do livro causa impacto em qualquer jovem. A narrativa fluída, bem dialogada, cheia de amor e conflitos, só pode terminar em lágrimas para aqueles que ainda tem um pouco do coração.
cometi o erro de ler o prefácio antes, então já sabia o que ia acontecer. por outro lado, ter lido as críticas à peça também me ajudou, fui já com o olhar atento para alguns detalhes da história. sinceramente, acho difícil posicionar-se, escolher um lado aqui - não, não é a mesma situação do Estadão em 2018, a "escolha muito difícil" que não tinha nada de difícil, era bem óbvia, na verdade. aqui a gente tenta entender as motivações de Tião, mas entende a paixão e convicção de Otávio e dos companheiros operários. acho que amanhã vejo o filme pra complementar a experiência (parece que tem na PrimeVideo). o enredo é bom, ler essa história pouco depois de ter lido Carolina de Jesus só reforçou em mim essa tristeza com a situação dos trabalhadores brasileiros - sabemos que pouco mudou de lá pra cá e mesmo essas pequenas conquistas parecem estar indo por água abaixo nesses últimos 5/6 anos. só o que me incomodou um pouco foi esse arremedo de "linguagem da favela". Nota: 3.5/5.0
Só quem é pobre vai entender. Tião tava errado? Não, existe todo um contexto (a vida com os padrinhos, a namorada grávida, etc). Tião tava certo? Também não, a partir do momento que perde a identificação com sua própria classe por medo. A história aborda, de maneira simples e direta, a dialética envolvida em pertencer à classe trabalhadora. Uma existência que, dentre várias outras coisas, envolve medo e coragem ao mesmo tempo. Coragem até pra trair seus semelhantes.
Se a classe operária tudo produz, a ela tudo pertence!!!
"TIÃO - O senhor parece que tem gosto em prepará greve, pai.
OTÁVIO - E tenho, tenho mesmo! Tu pensa o quê? Não tem outro jeito, não! É preciso mostrá pra eles que nós tamo organizado. Ou tu pensa que o negócio se resolve só com comissão. Com comissão eles não diminui o lucro deles nem de um tostão! Operário que se dane. Barriga cheia deles é o que importa..."
vi o filme de Leon Hirszman ainda esse ano. no dia mesmo pensei: quero ler o texto de Guarnieri. acabei achando um exemplar na livraria da faculdade umas semanas atrás. li tudo agora de manhã e foi um deleite. também gostei de ler alguns textos de críticos da época de estreia da peça, textos reunidos na edição que adquiri.
Até mesmo um resumo do filme, já entrega praticamente o enredo inteiro. É curioso, o livro sendo publicado em 1958 (pela Civilização Brasileira), ser apontado como fruto das greves dos final dos anos 70 (sinopse do GoodReads, por exemplo), um erro que desperta imaginação.
"Black-tie" é daqueles textos que, depois que tu lê, tu fica encarando o horizonte e refletindo. O que o medo faz a gente fazer ou não fazer e de como ele permanece atual.