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Mário de Sá-Carneiro (Lisboa, 19 de Maio de 1890 — Paris, 26 de Abril de 1916) foi um poeta, contista e ficcionista português, um dos grandes expoentes do modernismo em Portugal e um dos mais reputados membros da Geração d’Orpheu.
Na fase inicial da sua obra, Mário de Sá-Carneiro revela influências de várias correntes literárias, como o decadentismo, o simbolismo, ou o saudosismo, então em franco declínio; posteriormente, por influência de Pessoa, viria a aderir a correntes de vanguarda, como o interseccionismo, o paulismo ou o futurismo.
Nessas pôde exprimir com vontade a sua personalidade, sendo notórios a confusão dos sentidos, o delírio, quase a raiar a alucinação; ao mesmo tempo, revela um certo narcisismo e egolatria, ao procurar exprimir o seu inconsciente e a dispersão que sentia do seu «eu» no mundo – revelando a mais profunda incapacidade de se assumir como adulto consistente.
O narcisismo, motivado certamente pelas carências emocionais (era órfão de mãe desde a mais terna puerícia), levou-o ao sentimento da solidão, do abandono e da frustração, traduzível numa poesia onde surge o retrato de um inútil e inapto. A crise de personalidade levá-lo-ia, mais tarde, a abraçar uma poesia onde se nota o frenesi de experiências sensórias, pervertendo e subvertendo a ordem lógica das coisas, demonstrando a sua incapacidade de viver aquilo que sonhava – sonhando por isso cada vez mais com a aniquilação do eu, o que acabaria por o conduzir, em última análise, ao seu suicídio.
Embora não se afaste da metrificação tradicional (redondilhas, decassílabos, alexandrinos), torna-se singular a sua escrita pelos seus ataques à gramática, e pelos jogos de palavras. Se numa primeira fase se nota ainda esse estilo clássico, numa segunda, claramente niilista, a sua poesia fica impregnada de uma humanidade autêntica, triste e trágica.
Por fim, as cartas que trocou com Pessoa, entre 1912 e o seu suicídio, são como que um autêntico diário onde se nota paralelamente o crescimento das suas frustrações interiores.
Sem se sentir completo neste mundo, Pelo parco amor próprio ou expresso por outro, Mário Sá-Carneiro não se revê no seu eu profundo E mendiga qualquer esmola a um Deus neutro.
Roga pela sua desintegração total, Numa explosão de moléculas alienadas Que, sem o cimento, se resumem a nadas Afundadas num vazio abissal.
Dos olhos, as lágrimas secas já não caíam, Da boca, as palavras pensadas já não saíam, Restava um papel como testamento:
Anotando as vontades não realizadas, Todos as memórias não vivenciadas, Até a um final que pedia diferimento.
Meu primeiro contato com Mário de Sá-Carneiro foi nos primeiros semestres da graduação em Letras, momento em que tive que fazer um trabalho sobre sua novela: "A confissão de Lúcio". Apaixonei-me loucamente pelos gritos da sua narrativa, como se convocasse o leitor a que o entendesse em morte, já que em vida poucos o fizeram. Alguns semestres depois tive de fazer outro trabalho sobre ele, desta vez a partir da sua poesia. Na lírica foi onde vi mais nitidamente o pedido de socorro do autor, tanto que os ecos cortantes de cada verso ressoam no mais íntimo de mim desde então.
Em Dispersão se encontram todos os anelos, desejos, lamentos, saudades de uma alma coberta de névoa que não suportava estar enquadrado num tempo e lugar em que não se encaixava. Hoje recolho sua dispersão, junto-as pedaço por pedaço para fazê-lo viver de novo, aqui, em mim, onde há espaço para que ele habite enquanto viva eternamente.
"Afronta-me um desejo de fugir Ao mistério que é meu e me seduz. Mas logo me triunfo. A sua luz Não há muitos que a saibam refletir." (Partida)
Ao longo das curtas páginas deste livro, que foi, na maioria, escrito no espaço de uma semana, fica-nos o desespero do poeta. Procura-se e não se encontra e volta-se a perder em si mesmo. Mário de Sá-Carneiro escreveu-o com 22 anos, uns meros 3 anos antes de suicidar. Estes versos já mostravam os dilemas e o estado de profunda depressão do poeta. Por isso, não é uma leitura leve. A poesia não se mostra com grandes artifícios, no entanto a cadência transmite parte do desespero ao leitor. Recomendo a quem quiser conhecer um dos autores mais influentes do início do século XX, da geração d'Orpheu, assim como como Almada Negreiros e Fernando Pessoa.
Olho em volta de mim. Todos possuem — Um afecto, um sorriso ou um abraço. Só para mim as ânsias se diluem E não possuo mesmo quando enlaço.
(...) Quero sentir. Não sei... perco-me todo... Não posso afeiçoar-me nem ser eu: Falta-me egoísmo pra ascender ao céu, Falta-me unção pra me afundar no lodo.
Não sou amigo de ninguém. Pra o ser Forçoso me era antes possuir Quem eu estimasse — ou homem ou mulher, E eu não logro nunca possuir!
Castrado d’alma e sem saber fixar-me, Tarde a tarde na minha dor me afundo — Serei um emigrado doutro mundo Que nem na minha dor posso encontrar-me?
Angústia e depressão. Os versos são esparsos e refletem a ideia de um gênio abstrato que não se concretizou. Há dificuldade em escrevê-los. Percebe-se. Mesmo assim, não tem pena de si mesmo, pois uma lucidez toma conta do poeta em todos os momentos. Reação perante tudo: sono e indiferença; o poeta só pode ser um no turbilhão a sua volta.
Grande livro. Tem uma estrutura simples, mas uma complexidade de conteúdo enorme. Se procuram um livro em verso que fale da procura do nosso "eu" e dos problemas em nos integrarmos no mundo, este é o ideal!
After reading Loucura by Mário de Sá-Carneiro, my GR friend Paula suggested I read his poetry. Fortunately for me, Project Adamastor had his 1914 book of poems called Dispersão (Dispersion). They were all written in Paris in early May 1913. During this time, he went to study at the Sorbonne. According to Wikipedia, almost as soon as he arrived, he quit his studies to live life as a bohemian poet.
These twelve poems sum up his life in Paris: I - Partida (Departure) II - Escavação (Excavation) III - Inter-sonho (Between Dreams) IV - Álcool (Alcohol) V - Vontade de dormir (Desire to sleep) VI - Dispersão (Dispersion) VII - Estátua falsa (False Statue) VIII - Quasi (Almost) IX - Como eu não possuo (How I don’t have) X - Além-tédio (Beyond Tedium) XI - Rodopio. (Whirl) XII - A queda (The Weakness)
A young man in the City of Lights just before the First World War. Alcohol soaked dreams, the tedium of poverty and the desire to sleep, perchance to dream of a better life, before father cuts off the funds, experiencing love and sex and loss. Almost a life, but probably not enjoying it.
To write and write and write, the words flow on the page:
Quasi o amor, quasi o triunfo e a chama, Quasi o princípio e o fim — quasi a expansão... Mas na minh’alma tudo se derrama... Entanto nada foi só ilusão! (Quasi, 13 May 1913)
Almost love, almost triumph and flame, Almost the beginning and the end - almost the expansion... But in my soul everything spills out... However, nothing was just an illusion!
Poemas do quase. Sobre ser em potência mas não em realidade, sobre uma vida de passado ou de potência, nunca de presente. Leitura dura para quem não é acostumado com poesia, mas que ganha corpo quando relacionada à biografia do autor. Bonito e incômodo.
Quero sentir. Não sei... perco-me todo... Não posso afeiçoar-me nem ser eu: Falta-me egoísmo pra ascender ao céu, Falta-me unção pra me afundar no lodo.