Casas Pardas é um maravilhoso torvelinho de linguagens, uma evocação concreta e exacta de comportamentos sociais de várias classes no final do fascismo, uma revisitação dos lugares da literatura e da poesia (também nas suas vertentes populares), uma polifonia de falas genialmente captadas, uma subversão endiabrada dos processos narrativos e uma prática de jogos de linguagem que lembram o barroco, mas também os grandes efabuladores do século XVIII, como Fielding ou Sterne. A ironia e a réplica acerada pairam em todo o romance, repartido em várias «casas», pluralidade de focos que centram uma escrita em que passado e presente, a concretude do quotidiano mais trivial, mas também a citação literária de vários graus, ou mesmo a toada infantil, a reflexão às vezes iluminada, de envolto com o paradoxo e a paródia, nos desafiam página a página.
With a germanic philology degree, Maria was a high school teacher and member (and later president) of the "Associação Portuguesa de Escritores", the portuguese authors association.
She was deputy secretary of state for culture in 1979 and was second in charge for the cultural theme for Cabo Verde from 1988 to 1991 and now work for the "Instituto Camões" (Camões Institute).
She had regular contribution to movie scripts, particularly in films by João César Monteiro, Margarida Gil and Alberto Seixas Santos.
She was involved in the conception of a controversial book with the title "Novas Cartas Portuguesas" in 1969 with other two authors (Maria Teresa Horta and Maria Isabel Barreno, the three Marias) in wich the plot criticized the traditional position of women in social life and indirectly criticized the fascist government.
Books: Novas Cartas Portuguesas (with Maria Teresa Horta e Maria Isabel Barreno), Irene ou o Contrato Social, O Amante do Crato, O Livro do Meio (com Armando Silva Carvalho)
She won the Vergílio Ferreira prize in 1997 and the Camões Prize in 2002.
'Casas Pardas,' a novel in which Maria Velho da Costa analyzes life in Lisbon at the end of the sixties "amid the agony of the Salazar regime." The political and social crisis, rumors of colonial wars, and student riots marked the times and passed through the writer's pen. Through the testimony of several protagonists, it evokes the times around the Revolution in a succession of monologues that weave the drama.
Muito difícil falar deste livro... O que é o Casas Pardas - para além de genial? Como explicar este livro? Em Casas Pardas, Maria Velho da Costa faz-nos acompanhar a vida de três mulheres, divididas por três casas diferentes. Duas são irmãs, uma que está a tentar ser escritora, outra que está presa num casamento infeliz. A última mulher é uma empregada doméstica que vive com o marido e o filho num quarto arrendado.
Ao longo dos capítulos, a autora mostra-nos o mundo interno das personagens, num jogo linguístico como eu nunca vi. Mudando o pronome com que conta a história de cada personagem, temos uma viagem aos seus mundos internos e, também, pistas sobre como devemos olhar para cada uma delas. O livro abre com a casa de Elisa, que nos conta a história em "Eu", e assistimos a um chorrilho literário que só funciona com quem tem mesmo MUITO talento a escrever - e Maria Velho da Costa tem.
Passamos facilmente do diálogo interno de uma personagem para um flashback à infância, para uma conversa que está a acontecer em tempo real, para a descrição de uma memória ou de uma elaboração filosófica qualquer. Não é um livro "fácil" de ler nem será uma leitura adequada para todas as pessoas. Comigo funcionou e ainda bem.
Um livro muito feminino, mais uma vez, sobre as vivências destas mulheres e as diferenças sócio-económicas entre elas, mesmo entre as que são irmãs. Passada no tempo de governação do Marcello Caetano, o livro deixa-nos muitas pistas políticas e retrata bem, ainda que de forma subtil, o clima da época. Depois, como é habitual nas escritoras desta geração, já que com Maria Judite de Carvalho acontece o mesmo, adoro a forma como o livro está escrito no sentido literal da linguagem usada. A maneira como as personagens falam umas com as outras, numa espécie de português lisboeta antigo que só se encontra e ouve em pessoas (mulheres) mais velhas. Um sub-idioma no qual as coisas são ditas por entrelinhas ou de forma mais ardilosa, que me é difícil descrever mas fácil de identificar.
Casas Pardas é, até agora, a melhor leitura deste ano. Quiçá, uma das melhores leituras da minha vida. Realmente é com grande pena que vemos uma sobrevalorização dos escritores homens em detrimento de se achar que as histórias femininas são less then, porque Maria Velho da Costa merece muito ser louvada, e este Casas Pardas merecia ser estudado na escola.
Obra prima de Maria Velho da Costa, vencedora do prémio Camões em 2002. A história(s) não encanta, nem desencanta; fala de várias personagens (casas): amores, desamores, assuntos quotidianos. A polilinguística, a sua complexidade, obrigam a ler e reler partes dos livro várias vezes; tornando por vezes uma epopeia a leitura deste livro. Desafiante, mas ao mesmo tempo compensador pela prosa bela, descritiva e complexa. " ...polifonia de falas genialmente captadas, uma subversão endiabrada dos processos narrativos e uma prática de jogos de linguagem que lembram o barroco, mas também os grandes efabuladores do século XVIII, como Fielding ou Sterne. A ironia e a réplica acerada pairam em todo o romance, repartido em várias "casas", pluralidade de focos que centram uma escrita em que passado e presente, a concretude do quotidiano mais trivial, mas também a citação literária de vários graus, ou mesmo a toada infantil, a reflexão às vezes iluminada, de envolto com o paradoxo e a paródia, nos desafiam página a página".
quem me dera conseguir entrar na história e dar colo à Mary. esta personagem vai atormentar-me para o resto da vida. como é que uma mulher pode ser tão ofuscada ou esquecida? como é que ninguém se preocupava? espero que a Elisa chegue mesmo a escrever o seu livro. não consigo superar o monólogo da Mary. é o meu novo roman empire.
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Esta obra tem um valor inestimável e sei que não seria capaz de interpretar a importância de todos os seus detalhes sem o estudo minucioso que nos reservam as páginas iniciais, mas também por isso é que a acho tão valiosa: porque é feita de inúmeras encruzilhadas e de entrelinhas que nos podem escapar, mas que ficarão a ecoar pela sensação de existir sempre algo para além do que aparece escrito.
Casas Pardas vai abrindo e fechando as suas janelas, privilegiando uma noção de movimento e inquietação. É muito fácil perdermo-nos nas palavras de Maria Velho da Costa e não o digo num sentido negativo: digo-o com a total certeza de que há aqui muitas passagens que poderiam ser ouvidas num qualquer momento do nosso quotidiano e porque existem debates muito credíveis. Transitando entre diferentes tempos e espaços, encontramos referências históricas, bíblicas e ideológicas, num equilíbrio entre o trivial e o lírico. Além disso, há um tom irónico a pairar em cada casa. Com uma identidade muito portuguesa, somos sempre convidados a entrar.