Numa pequena cidade do Moçambique colonial a violência sustenta um mundo dividido – o dos naturais, em baixo, e, sobre ele, o peso do opressor. De súbito, lá longe, na capital do Império, a terra treme, o pilar da sustentação abate-se, e na pequena cidade colonial o efeito é catastrófico. Das profundezas ergue-se o novo mundo. Do velho salvar-se-á alguém?
Journalist and a biologist, his works in Portuguese have been published in more than 22 countries and have been widely translated. Couto was born António Emílio Leite Couto. He won the 2014 Neustadt International Prize for Literature and the 2013 Camões Prize for Literature, one of the most prestigious international awards honoring the work of Portuguese language writers (created in 1989 by Portugal and Brazil).
An international jury at the Zimbabwe International Book Fair called his first novel, Terra Sonâmbula (Sleepwalking Land), "one of the best 12 African books of the 20th century."
In April 2007, he became the first African author to win the prestigious Latin Union Award of Romanic Languages, which has been awarded annually in Italy since 1990.
Stylistically, his writing is heavily influenced by magical realism, a style popular in modern Latin American literature, and his use of language is inventive and reminiscent of Guimarães Rosa.
Português) Filho de portugueses que emigraram para Moçambique nos meados do século XX, Mia nasceu e foi escolarizado na Beira. Com catorze anos de idade, teve alguns poemas publicados no jornal Notícias da Beira e três anos depois, em 1971, mudou-se para a cidade capital de Lourenço Marques (agora Maputo). Iniciou os estudos universitários em medicina, mas abandonou esta área no princípio do terceiro ano, passando a exercer a profissão de jornalista depois do 25 de Abril de 1974. Trabalhou na Tribuna até à destruição das suas instalações em Setembro de 1975, por colonos que se opunham à independência. Foi nomeado diretor da Agência de Informação de Moçambique (AIM) e formou ligações de correspondentes entre as províncias moçambicanas durante o tempo da guerra de libertação. A seguir trabalhou como diretor da revista Tempo até 1981 e continuou a carreira no jornal Notícias até 1985. Em 1983 publicou o seu primeiro livro de poesia, Raiz de Orvalho, que inclui poemas contra a propaganda marxista militante. Dois anos depois demitiu-se da posição de diretor para continuar os estudos universitários na área de biologia.
Além de ser considerado um dos escritores mais importantes de Moçambique, é o escritor moçambicano mais traduzido. Em muitas das suas obras, Mia Couto tenta recriar a língua portuguesa com uma influência moçambicana, utilizando o léxico de várias regiões do país e produzindo um novo modelo de narrativa africana. Terra Sonâmbula, o seu primeiro romance, publicado em 1992, ganhou o Prémio Nacional de Ficção da Associação dos Escritores Moçambicanos em 1995 e foi considerado um dos doze melhores livros africanos do século XX por um júri criado pela Feira do Livro do Zimbabué.
Na sua carreira, foi também acumulando distinções, como os prémios Vergílio Ferreira (1999, pelo conjunto da obra), Mário António/Fundação Gulbenkian (2001), União Latina de Literaturas Românicas (2007) ou Eduardo Lourenço (2012). Ganhou em 2013 o Prémio Camões, o mais importante prémio para autores de língua portuguesa.
Onde estavas tu Mia Couto? Senhor de uma escrita incrível, complexa, simples, profunda, bela e original? A história deste livro está muito longe de ser uma obra prima, apesar de cumprir na plenitude o seu propósito: apresentar-nos um Moçambique rural em Abril de 1974 e a estranha relação que (des)une portugueses e moçambicanos. Mas a escrita deste autor conquistou-me de tal maneira que não consegui pousar o livro até o terminar.
“- Na rádio, dizem que houve um golpe de Estado, caiu o regime. Regime? Qual regime? Para ele (pide) não havia um regime. Havia Portugal. A pátria eterna e imutável. Portugal uno e indivisível.”
“Ingénuo não é o que acredita mas o que pensa que os outros também acreditam”
Vinte e cinco é para vocês que vivem em bairros de cimento para nós, negros pobres que vivemos na madeira e zinco, o nosso dia ainda está para vir.
Sobre colonizados e colonizadores... Sobre o impacto do 25 de Abril no território colonial! Sobre vidas.Tempos.Terras.Memórias.Negros.Brancos. Sobre distancias que separam ou juntam pessoas. Enredos cruzados*
Acho que já toda a gente reconhece a mestria de Mia Couto. Já todos sabem que a sua escrita é poética, cheia de palavras novas que carregam mil vidas. Já sabem que é um africano que fala sobre colonialismo, violência e identidade cultural com uma verdade e uma sensibilidade sem igual. Já sabem como as personagens que cria jamais se esquecem. Já todos sabemos, certo? "Vinte e Zinco" é mais uma prenda de Mia Couto que, admito, apesar de ter desfrutado, não amei. Não foi uma leitura que me tivesse agarrado do início ao fim, mas cometi o erro de estar a ler outras obras ao mesmo tempo e por, de alguma forma, me ter conectado mais com as outras histórias. No entanto, defendo que é um livro que merece ser lido, apesar das meras 3 estrelas que lhe dou.
Vinte e Zinco explora o impacto do vinte e cinco de Abril. Mostra-nos como em Moçambique se lidou com Revolução dos Cravos e o fim do colonialismo português. É um livro crítico. Muito. Critica a violência do poder colonial, a desorientação das personagens e a complexidade da identidade cultural num contexto pós-colonial. Conhecemos Lourenço de Castro, um português que representa o poder colonial, e Andaré Tchuvisco, um moçambicano que procura a liberdade. As suas interações fazem-nos refletir sobre o tempo e a memória, bem como sobre a importância de se construir um futuro diferente. Mia Couto a ser absolutamente genial, como sempre.
25 de Abril do lado de lá, onde o sol sempre aquece a telha de zinco. Os cinco dias antes e os cinco dias depois, o tempo passa rápido e lê-se ainda mais veloz. Ficam as lentas memórias.
No centro do império, o impensável acontece. Os cravos abalam o regime. A onda de choque chega a uma aldeia de Moçambique e aos tentáculos do polvo ditatorial.
"Vinte e Zinco" de Mia Couto foi editado em 1999 para comemorar os 25 anos do 25 de Abril. Conta uma história carregada de simbologia numa das colónias nos dias que rodeiam a Revolução. Mais precisamente de 19 a 30 de Abril de 1974.
O protagonista é Lourenço de Castro. Pide e filho de Pide. E filho da mãe. De uma mãe que o continua a tratar como uma criança. Não por vontade própria, mas porque é o que o menino homem Ihe exige. Provavelmente para ter o mimo e carinho que Ihe permita esquecer a falta do pai e as atrocidades que comete durante o dia. Lourenço é imagem do regime naqueles dias turbulentos. Sem um pai líder para se orientar e sem confiança e segurança para enfrentar as dificuldades que se adivinham. A mudança no status quo causa o desnorte num inspetor que vivia para as suas funções e para honrar a memória austera do pai.
Mia Couto é igual a si próprio nesta pequena obra. Poético e inventivo no domínio da língua portuguesa, a sua leitura é um deleite. Imiscuem-se também na narrativa os costumes e misticismo daquelas paragens, o que oferece algum exotismo à obra.
"Vinte e Zinco" estimula a reflexão e levanta várias questões. Curiosamente, encontrei aqui um paralelo com "Levantado do Chão" de José Saramago. Mais precisamente, o que valeu a Revolução para comunidades afastadas dos centros de decisão. Nesse sentido, recupero a citação de uma personagem, a adivinha Jessumina... "Vinte e cinco é para vocês que vivem nos bairros de cimento. Para nós, negros pobres que vivemos na madeira e zinco, o nosso dia ainda está por vir."
Há três aspetos particulares na escrita de Mia Couto que se tornam muito notórios quando se lê Vinte e Zinco. A primeira é a maneira com que a escrita tem o poder de nos transportar para o ambiente do texto, ao começar a ler o livro somos rapidamente levados, tanto pelo vocabulário usado como pela maneira com que se descreve e falam os personagens, para um local exótico e tropical. A segunda é o foco que Mia Couto coloca na tradição e no modo de vida de Moçambique, onde procura apresentar para o leitor, as partes mais singulares da vivência e o misticismo local. Em terceiro a maneira com que Mia Couto disseca as personagens e os temas, tentando dar a compreender não os sintomas mas a sua origem, gastando uma importante parte da sua escrita a descrever ao leitor não a consequência dos atos mas os motivos que os levaram a ser tomados.
An amazing retelling of the consequences of the Portuguese Revolution of 25th of April on the then african colonies through a lense of magical realism, pioneering movement from latin american authors of the 20th century but here applied to the undiscovered world of african mysticism. compeling story that never lets you know everything besides the very clear racial tensions. This quality of always keeping the reader guessing what really is happening is one of the best thing about the book. And fits perfectly with the theme that theday of liberayion for this land has not come yet. 25th of April didnt taste the same in Africa as in Portugal so the open ending solidifies this idea of hope in progressive liberation.
Gostei muito! É uma história muito profunda e triste, mas ao mesmo tempo, tem episódios de esperança e amor. Este foi o meu primeiro livro de Mia Couto que já li, e definitivamente adorei o seu estilo de escrita. A simplicidade da narrative combina com as palavras bonitas para fazer um livro curto mas muito poderoso particularmente na sua capacidade de falar sobre relações de raça e o conceito da família colonial.
As personagens africanas são muito bem construídas, e o retrato da Moçambique sob ocupação portuguesa é complexo, violento, e apresenta-nos uma visão alternativa dos acontecimentos (e interpretações) de 25 de abril, 1974.
nem tão leve que faça a gente esquecer que a história se pauta num tempo-espaço histórico específico, com o domínio português em uma cidade moçambicana, nem tão pesado que te faça dependente desse fundo histórico. violência, opressão e identidade, pela mão de Mia Couto.
Primeira experiência com um romance de Mia Couto e que bela experiência!!! Destaco a beleza das descrições, a riqueza do vocabulário e jogos de palavras e a possibilidade de conhecer um pouco mais Moçambique, terra de chão avermelhado, cheia de misticismo e histórias para contar.
Um livro escrito numa poesia doce e sonhadora, uma escrita que nos dispõe uma África, uma das muitas, que nos faz saborear uma liberdade vindoura, e o jogo a duas mãos da produção de medo, dos terrores e medos da casa grande de um tempo colonial
O brilhantismo da escrita de Mia Couto é inquestionável, mas a história esgota-se rapidamente e sinto que este é daqueles livros de que vou rapidamente esquecer o enredo..
Continuo a preferir os livros de contos de Mia Couto. Em todo o caso, este vale a pena, não fosse ele escrito por um dos autores mais originais que escrevem em Língua Portuguesa.
não achei genial. no entanto é um bom livro para quem quer começar a ler mais literatura portuguesa. Sem dúvida que Mia Couto é a autora que todos precisamos.
Nesta obra de Mia Couto vivemos os dias 19 a 30 de Abril de 1974 em Moçambique. A linguagem de Mia Couto leva-nos a percorrer rapidamente as páginas deste texto, com inúmeros jogos de palavras e passagens que nos deixam a pensar no sentido real e no simbólico do que é dito. Muitas expressões ditas como o inverso (ex: "com quantos paus se desfaz uma canoa"), como que a demonstrar as relações existentes entre brancos e pretos que eram confusas e que no final parecem se inverter. É marcante a presença da cultura moçambicana neste texto, com a feiticeira e os seus rituais e o enraizar desta cultura em Irene, branca e tia do inspector da PIDE. O inspector da PIDE surge-nos no recato do seu lar como uma personagem infantil, marcada pelo medo ao sangue, em contraponto com o implacável inspector que é durante o dia. O 25 de Abril, anunciado como um golpe militar que derrubou o regime na metrópole, surge como algo inatingível, que aconteceu à distância de muitos quilómetros, mas na verdade vem alterar toda a ordem das coisas.
"O que dá estranheza na guerra é que ela não nos sai da memória, de tal modo que dela não recordamos exactamente nada. É como se a memória fosse, faz conta, um mapa dos sítios que não há.", cap 24 Abril, in "Vinte e Zinco", de Mia Couto"
"Quem não tem parentesco com a vida não chega nunca a morrer devidamente." cap 24 Abril, in "Vinte e Zinco", de Mia Couto"
" - Os portugueses estiveram tanto tempo fechados connosco que agora há os que querem ser iguais a eles. (...) Seu medo era esse:que esses que sonhavam ser brancos segurassem os destinos do país. Proclamavam mundos novos, tudo em nome do povo, mas nada mudaria senão a cor da pele dos poderosos. A panela da miséria continuaria no mesmo lume. Só a tampa mudaria." cap 29 Abril, in "Vinte e Zinco", de Mia Couto"
A acção decorre numa pequena vila colonial de Moçambique, nos dias imediatamente antes e logo após o 25 de Abril de 1974. A notícia da revolução ocorrida em Lisboa vai representar uma pedrada no charco, que vai abanar completamente a rotina dos habitantes desta pequena vila e fazê-los trocar instantaneamente de posições. Os moçambicanos vêem as suas esperanças de um Moçambique independente e livre crescerem exponencialmente, enquanto os poucos colonos brancos se interrogam sobre o que fazer face à perspectiva de uma onda de violência ou simplesmente desaparecem de mansinho. A queda do regime da Metrópole afecta especialmente Lourenço Castro, o inspector chefe da PIDE local, e a sua família.
Esta leitura revelou-se interessante, não só pela temática da queda do Estado Novo, que é um assunto que me agrada bastante, como pela belíssima linguagem deste escritor. As várias personagens tecem uma rede de contrastes. O inspector, sério e implacável durante o dia, que tem um cavalinho de madeira de brincar no quarto e não consegue dormir sem apertar nas mãos um pedaço de pano. Também o desprezo pela cultura africana de Lourenço contrasta totalmente com a vontade da sua tia Irene de entender a religião e os costumes dos indígenas e de absorver a sua cultura. Contrastam igualmente a esperança de alguns, como o mecânico Marcelino, na independência de Moçambique, e a tenacidade que empregam nas actividades nesse sentido, com a apatia do seu tio, que considera absurdo tentar mudar o mundo pois “O céu nunca pousará na terra nem a montanha descerá ao vale”.
No que diz respeito à história em si, não me prendeu nem um bocadinho. Sem dúvida que, para mim o ponto forte deste livro é mesmo a beleza da escrita, com expressões e jogos de palavras únicos.