Alguma coisa se passou na vida de Winnie, no dia em que fez dezasseie anos. O quê não se sabe ao certo. Vinte anos depois de a ter conhecido e amado, um homem parte à descoberta do segredo. No final espera-o a revelação de um vazio e a pergunta: onde reside a essência do amor?
ANTÓNIO MEGA FERREIRA nasceu em Lisboa, a 25 de Março de 1949. Estudou no Liceu Pedro Nunes e licenciou-se em Direito, pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Estudou Comunicação Social na Universidade de Manchester.
Iniciou-se no jornalismo em 1968 no Comércio do Funchal, tendo sido profissional a partir de 1975, no Jornal Novo, Expresso, ANOP e RTP, onde chefiou a redação do 2º canal e foi apresentador do Informação/2. Autor e apresentador de programas de televisão, foi ainda redator de O Jornal e chefe de redação do JL, Jornal de Letras, Artes e Ideias. Diretor Editorial do Círculo de Leitores entre 1986 e 1988, fundou e foi o primeiro diretor da revista Ler.
Membro da Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, a partir de 1988, fundou a revista Oceanos e dirigiu a campanha de promoção de Lisboa como cidade candidata à Exposição Internacional de 1998. Foi comissário executivo da Expo'98 e administrador da Parque Expo, Oceanário de Lisboa e Pavilhão Atlântico.
Foi presidente do Conselho de Administração da Parque Expo (1999-2002). Dirigiu a representação de Portugal como País-Tema da Feira do Livro de Frankfurt de 1997. Foi, desde 1986, cronista regular de diversas publicações, entre as quais: Diário de Notícias, O Independente, Expresso, Diário Económico e Público.
Colaborador permanente das revistas Visão e Egoísta, iniciou a sua carreira literária em 1984, tendo publicado obras de ficção, poesia e ensaio: "Graça Morais, Linhas da Terra" (ensaio), 1984; "O Heliventilador de Resende" (ficção), 1985; "Fernando Pessoa, o Comércio e a Publicidade" (ensaio e antologia), 1985; "As Caixas Chinesas" (ficção), 1988; "As Palavras Difíceis" (ficção), 1991; "Os Princípios do Fim" (poesia), 1992; "Os Nomes de Europa" (ensaio), 1994; "A Borboleta de Nabokov" (crónicas), 2000; "A Expressão dos Afectos" (ficção), 3ª edição, 2001.
"-Lembra-te de Justine:《Tu sabes que eu nunca conto uma história duas vezes da mesma maneira. Mas quererá isso dizer que estou a mentir?》 Fui saber quem era Justine. Por causa disso, embrenhei-me na leitura compulsiva do "Quarteto de Alexandria."
Ela: Tudo o que se sabe dela é a verdade da personagem que criou. Chamam-lhe Winnie, tem uma idade indefinida, um mistério com mais de cinquenta anos… Guarda obstinadamente um segredo… O que se passou no dia em que fez dezasseis? -Ninguém sabe ao certo.
Ele: Tem vinte e poucos anos, “a idade em que o amor, seja lá isso o que vier a ser, é o valor supremo de um horizonte onde só se divisa a felicidade.”
Amor: Uma "amitié amoureuse transforma-se numa paixão" que se impõe sem defesa nem reserva mental. “Era amor? Era, certamente, porque nunca mais conheci nada que se aproximasse daquela absoluta, voluntária entrega, do meu corpo e dos meus segredos, da minha disponibilidade e do meu pudor. (…) Por isso, é melhor chamar amor ao amor.”
Vinte anos depois de a ter conhecido e amado, ele parte à descoberta do segredo… Winnie deixa-lhe o espólio de um sótão, repleto de cadernos onde registava, sob a aparência da verdade, a parte mais secreta de uma vida e entrega-se assim, eternamente nas suas mãos.
Sensible, inteligente y absorvente reflexión sobre la naturaleza del amor y su relación con la literatura. Winnie, la heroína de la narración, es apenas un esbozo magistral, un ser rodeado de misterio, casi evanescente. Con ella mantiene el narrador, a pesar de la diferencia de edad –él tiene veinte; ella, una edad indefinida pero avanzada–, una corta relación, primer amor de juventud para él. Y sin embargo, el narrador, como nosotros mismos, poca cosa sabe en último término sobre ella: por no saber, no conoce siquiera el nombre real que se esconde tras este apodo cariñoso. ¿Quién es Winnie? Se dice que Hemingway anotó su presecia en París allá por los años 50; conoció a Rossellini en un café de la Piazza Navona en Roma; y en 1939 viajó en ferry con Henry Miller. Marguerite Duras hablaba de una niña con gafas a bordo de un transatlántico que bien podría haber sido ella. Pero más allá de eso, poco se sabe de su vida. En otras palabras: su existencia es rastreable únicamente a través de la literatura: Winnie vive en la literatura. Winnie es literatura. La cuestión central que el narrador se impondrá será rastrear un momento concreto y tal vez determinante de la vida de Winnie: lo acontecido el día de su decimosexto cumpleaños («O que fazeram à Winnie não se faz a ninguém», habría dicho ella en repetidas ocasiones). Conocer lo sucedido en aquella ocasión podría ayudar a aprehender, quizá, la esencia de Winnie, su verdad más íntima. Sin embargo, la dificultad del caso radica en que Winnie nunca llegó a dar más que pistas contradictorias y evasivas al respecto. El narrador se propone así la titánica tarea de intentar capturar lo inaprensible. ¿Qué esconde Winnie tras su personalidad de mujer fuerte y sabia? Una apreciación final: el libro no solo está maravillosamente escrito y bellamente concebido, sino que contiene también una de las cartas de amor más hermosas que jamas he leído en un libro.
Nesta leitura breve, encontrei uma reflexão sobre o amor; a evocação dum amor vivido há 20 anos, narrado através do que foi, do que ficou e do que poderá não ter sido como foi contado. (O meu primeiro livro de Mega Ferreira.)
"Winnie deixara-me o sótão e os seus segredos. E eu tinha, finalmente, todo o tempo do mundo. Talvez seja isso o amor."
“Algum dia eu haveria de entrar na normalidade dos que te amam. Amo-te. E dói escrevê-lo (que é pior, meu amor, do que dizê-lo). Amo-te, absoluta, impossível e fatalmente. E ouço, adolescente, uma música adolescente, para me lembrar de ti, porque lembrar-me de ti é lembrar-me que não consigo esquecer-te. E ouço música porque ouvimos música quando amamos, e tudo, no amor, é música, acústica da alma que se quer ser devorada, e, neste caso, dor (tão deliciosamente insuportável) de amar sem sequência nem expectativa de contrapartida, amar unicamente o puro objecto que desgraçadamente amamos. Isto é uma carta de amor, e é possivelmente ridícula (prova maior de que é, realmente uma carta de amor), ou porque perdi o hábito de as escrever, ou porque nunca tive a coragem de as enviar.
Não percebes porque é que não te falo? Ainda não percebes que, na personagem que de mim eu enceno, não cabe a ameaça de uma derrota, a antecipação do desencanto, a sombra de um vexame? Não te falo, para não saber que o que eu te digo é apenas a forma contida de te dizer outra coisa, mas que essa coisa não é do teu mundo, nem do mundo que eu construí, nem do precário mundo que a nossa fragilíssima ternura mútua arquitectou. E tudo isto é literário, eu sei, mas – que queres? -, a literatura é o melhor de mim e é o melhor de mim que vive dentro da minha cabeça quando estou contigo.
E depois, afastamo-nos. Beijo-te a correr, não sei se já reparaste, e quase fujo, porque sair do pé de ti é regressar ao que não és tu, o teu olhar e as tuas mãos, a tua alma e a tua voz, e isso, meu amor, transformou-se no insuportável intervalo entre dois encontros.
Esta carta de amor é um excesso (e isso prova superiormente que é uma carta de amor): eu amo não a ideia de amar-te (durante muito tempo, eu julguei que era apenas isso), mas a ideia de perder-me no meu amor por ti. E mesmo amar-te é um excesso, porque tudo aconselharia que eu me limitasse a mitificar-te, que é a melhor forma de evitarmos enfrentar a realidade.
Porque a realidade, aqui, é como uma dor difusa, tu sabes como é, um incómodo ainda não localizado, que progressivamente se vai definindo e acertando, até que, insuportavelmente nítida, a sua imagem se nos impõe como uma evidência. A minha dor é que eu comecei a amar-te, sem o saber, durante aquele breve período de tempo em que sair de casa era a promessa reconfortante de ver-te e falar contigo. Eu não sabia, repito, mas o tempo ajudou-me a definir essa pequena dor, tão secretamente pavorosa: cada vez que estou contigo (cada vez mais, meu amor, cada vez mais) é como se a minha vida se virasse do avesso. E é verdade, é cada vez mais verdade, que, quando penso nas coisas que ainda me falta fazer na vida, é em ti que penso. E tenho medo, como um animal que instintivamente foge do que sabe não poder atingir.
Eu penso em ti, ainda mais do que te digo, e tu estás em tudo, mesmo quando não te penso, tu és a grande razão, o horizonte sem nome que constantemente se desenha na minha imaginação de mim.
Há uns anos, este seria o momento de desmontar o discurso desta carta, de te mostrar os subtis mecanismos da alma e da máscara, de desdizer ironicamente o que já disse, de insinuar que, afinal, as-coisas-talvez-não-sejam-exactamente-assim. Mas as coisas são exactamente assim, e a carta, que poderia transformar-se num confortável exercício paródico, é, inevitavelmente, uma agonia e um embaraço. Esta carta é um acto de puro egoísmo, que eu até talvez nem tivesse o direito de praticar. É-te incómoda, necessariamente, e isso bastaria para que eu me abstivesse de a enviar, dentro de um envelope azul. Mas o azul fica-te tão bem, e as cores todas ficam em ti como tu ficas no mundo: exactamente.
Mas, repito: esta carta é um acto de puro egoísmo, é como se não tivesse destinatário. E, no entanto, é preciso enviá-la, para que seja uma carta de amor, para que faça sentido como carta. Para que seja amor. Mas podemos imaginar uma saída elegante: para que possas conservá-la como pura carta de amor, quero eu dizer, sem o embaraço de saberes que ela te foi escrita por alguém que não amas, não a assino. Dou-te tudo: até a hipótese de esta carta não ter sido escrita por mim.
(E não, esta carta não pode ter sido escrita por mim. És tu – em mim – que me faz escrever o que eu não escrevo. E isso é – de novo – o melhor de mim.)”