Furtado do espólio de Salazar aquando da invasão dos seus antigos aposentos no dia 25 de Abril de 1974, o manuscrito As Memórias Secretas da Rainha D. Amélia, escrito nos últimos anos de vida e doado pela própria à Casa de Bragança, em Lisboa, através da mão do chefe do Estado Novo, foi recuperado em Sófia, na Bulgária, na Comemoração do Centenário da República, por Miguel Real, que foi incumbido de o depositar na Torre do Tombo, já o tendo feito. Neste manuscrito, a Rainha D. Amélia retrata a sua vida em doze pequenos capítulos, equivalente a um por cada mês do ano, organizados em quatro grandes partes, seguindo o ritmo das estações, da Primavera, na infância, ao Inverno triste da sua velhice. Um documento pungente, doloroso e comovente, fortemente crítico de Portugal e dos Portugueses, permanentemente iludidos pelas artimanhas de elites ineptas e ignorantes.
MIGUEL REAL nasceu em Lisboa em 1953. Fez a licenciatura em Filosofia na Universidade de Lisboa e, mais tarde, um mestrado em Estudos Portugueses, na Universidade Aberta, com uma tese sobre Eduardo Lourenço. Estreou-se no romance, em 1979, com O Outro e o Mesmo, com o qual viria a ganhar o Prémio Revelação de Ficção da APE/IPLB. Em 1995, voltou a ser distinguido com um Prémio Revelação APE/IPLB, desta vez na área de Ensaio Literário, graças à obra Portugal - Ser e Representação. Outra distinção importante surgiu em 2000, o Prémio LER/Círculo de Leitores, com o ensaio A Visão de Túndalo por Eça de Queirós. Em 2001, recebeu uma bolsa do programa Criar Lusofonia, do Centro Nacional de Cultura, que lhe permitiu percorrer o itinerário do Padre António Vieira pelo Brasil. A esse propósito escreveu um diário, editado em 2004, intitulado Atlântico, a Viagem e os Escravos. A partir de 2003, com a novela Memórias de Branca Dias, passou a escrever simultaneamente um ensaio e um romance para evitar incluir teoria (filosófica, principalmente) na ficção. Em 2005, Miguel Real lançou o romance histórico A Voz da Terra, cuja a ação decorre na época do terramoto de 1755, que viria a ter grande reconhecimento por parte da crítica e do público. A Voz da Terra proporcionou ao autor a conquista da edição de 2006 do Prémio Literário Fernando Namora, um dos mais prestigiantes galardões literários a nível nacional. Simultaneamente ao romance A Voz da Terra foi publicado o ensaio O Marquês de Pombal e a Cultura Portuguesa, situado na mesma época. Já em finais de 2006 foi lançado o romance O Último Negreiro, sobre o traficante de escravos Francisco de Félix de Sousa, que viveu em São Salvador da Baía e Ajudá, no Benim. Paralelamente ao romance e ao ensaio, Miguel Real dedicou-se, regularmente, à escrita de manuais escolares e de adaptações de teatro, estas em colaboração com Filomena Oliveira. Começou a colaborar regularmente no jornal literário Jornal de Letras a partir de 2000.
Apesar do exagero na quantidade de adjetivos utilizados e nas frases que nunca mais acabam, é sempre interessante conhecer detalhes da história de Portugal. Um olhar de uma francesa sobre o nosso povo.
110 páginas (no meu e-book) de uma escrita que não gostei. Miguel Real já não me tinha entusiasmado como escritor numa outra obra que li ("A Voz da Terra", sobre o Terramoto de 1755), mas pensei que talvez fosse diferente nesta obra, dei o benefício da dúvida. A primeira parte é constituída por uma espécie de introdução em que nos é explicado, de uma forma abrupta, confusa, diria mesmo caótica, o modo como no seguimento da Revolução dos Cravos (25 de Abril 1974), um soldado encontra o manuscrito das memórias da Rainha D. Amélia no escritório de Oliveira Salazar e o esconde. Este soldado, em 1976 vai para a Bulgária, onde se apaixona e casa. Nos anos 90 o narrador/autor vai de visita à Bulgária e conhece a filha desse soldado, entretanto falecido, que lhe deixou o manuscrito. É então entregue o manuscrito ao narrador/autor para que o leve para a Torre do Tombo, em Lisboa. Na fase seguinte temos as memórias da Rainha, sendo ela a narradora, embora me pareça completamente inverosímil que fossem palavras da Rainha, pela forma como a narrativa é estruturada, o tipo de linguagem. Para ser um romance histórico, deveria ser respeitado o espírito da época, a personalidade da Rainha e a sua linguagem, ainda para mais tendo o autor tido acesso à um documento histórico único escrito pela própria Rainha. Existem algumas partes bem conseguidas, mas não apagam o conjunto da obra. Gostei da parte em que aparecem os escritores Eça de Queirós, Antero de Quental e Guerra Junqueiro, num passeio com o Rei D. Carlos e a Rainha D. Amélia a Sintra, em que falam da crescente adesão ao movimento republicano, o que poderia ou deveria ser feito para melhorar Portugal e as condições de vida da população, que todos concordam viver na pobreza e no analfabetismo. Outra parte interessante é quando a Rainha descreve os seus pensamentos quanto ao Estado Novo, a Salazar, às Aparições de Fátima, tendo sido autorizada a sua vinda a Portugal para a transladação do corpo do filho mais novo, D. Manoel II, para o Panteão dos Bragança, em Lisboa e a Rainha visita o Santuário de Fátima. Vê com os seus próprios olhos que o país continua na mesma pobreza, sem desenvolvimento e o povo analfabeto como antes era criticado à Monarquia.
É um retrato de uma Rainha marcada pelo exílio - quando foi, com a sua família Orleães, expulsa da França pela Implantação da República Francesa e posteriormente quando já era Rainha-viúva (após o Regicídio que vitimou D. Carlos e o herdeiro ao trono D. Luís Filipe) e o seu filho mais novo era Rei D. Manuel II e tiveram de fugir para Inglaterra quando foi implantada a República Portuguesa-; marcada pelo sofrimento, com a morte do marido e do filho mais velho no Regicídio em Fevereiro de 1908 e com a morte de tantos outros familiares ao longo da sua vida; marcada por alguma superstição -acreditava que todo o mal lhe acontecia por ter pisado o solo português pela primeira vez com o pé esquerdo, quando chegou a Lisboa após ter casado com o Rei D. Carlos-; marcada por ideias próprias sobre o futuro da Monarquia e de Portugal, mas que não foi ouvida atempadamente pelo esposo. Uma mulher forte, que sobreviveu a muito e que viu a sua família se desmoronar e só sobrar ela.
Gostava de ler o documento original, escrito pela mão da Rainha D. Amélia, que me parece bem mais interessante do que esta "espécie" de romance histórico escrita por Miguel Real.
Ficam algumas citações:
"(...) que raio de nome, «Vencidos da Vida», parece um retrato de Portugal, todas as gerações deveriam adoptar esse cognome, só os espertos, os ignorantes e os especuladores não se revêem nesse título, ganham dinheiro presumindo ter ganho a vida, apetecia-me pôr um anúncio no Figaro - «Se quer ser um vencido da vida, emigre para Portugal», não, o povo lá em baixo não merece, tão cordato, não sei se será cordato, o português não é cordato, é submisso e servil, aprendeu a resignar-se, tornou-se passivo, morde pela calada, como se diz em português, tornou-se espertote, carregado de inveja; a inveja, a imagem perfeita de Portugal, última palavra d'Os Lusíadas, não a paixão, o esforço, a aventura, o trabalho, tudo o que o português faz, fá-lo por inveja de outrem que se notabilizou, fá-lo para humilhar o vizinho, o primo, o colega, o superior." (p. 99/100)
"(...) cumpri o ritual da adoração, beijei o chão da capela, depositei um donativo, acendi uma vela do meu tamanho, rezei ajoelhada durante meia hora e vim-me embora, durante a minha reza entendi o sentido da minha vida – sem o saber, vivera imitando a Mãe de Deus, sofrêramos ambas a expiação dos nossos filhos, Cristo pela humanidade, o Luís Filipe por Portugal, o Luís Filipe lavara Portugal dos males que este cometera ao longo da História, a carnificina dos índios no Brasil, a chacina dos judeus nas fogueiras da Inquisição, o tráfico de escravos de África para a América, separando mães e filhos, maridos e mulheres, calcando as suas crenças, forçando-os a adorarem o deus burocrático da Igreja, o extermínio dos hindus em Goa, Damão e Diu; abençoado pela Igreja, Portugal derramara o mal pelo mundo, crente de que fazia o bem, conduzia-o, não Deus, mas o Diabo (...)" (p.107)
Pela primeira vez em muito tempo não consegui acabar de ler um livro, uma escrita parecida com Saramago, mas chegam se a passar três e quatro páginas sem um único parágrafo. Uma escrita demasiado específica, com demasiadas descriçoes, exageradas até. Comprei o livro na esperança de ser realmente o cunho da rainha, uma das minhas favoritas por sinal, mas não. Não consegui acabar. Talvez daqui uns tempos volte a dar uma oportunidade a Miguel Real.
Não gostei deste livro no geral mas houve alguns momentos que apreciei bastante.
A introdução às memorias foi confusa, galopante e divertida, e triste ao mesmo tempo. Tal como em parte se supõe terem sido os tempos da revolução. Obviamente que é muito inverosímil mas sendo ficção até sabe bem. Aqui, a escrita sem parágrafos nem pontuação, que permitem que frases saltem por cima umas das outras e se atropelem, que se exagere na listagem de atributos, acidentes e outros que tais é um artificio que acentua a acção atribulada daqueles tempos assim como nos insere mentalmente dentro da incerteza social, politica e psicológica do pós-25 de abril.
A parte das memorias desiludiu-me porque continuou no mesmo estilo de escrita e é obvio que deveria ser diferente, tanto o vocabulário como a época e a pessoa exigiam um nível mais cuidado. Compreendo que seja o desembocar de emoções em papel mas não me convence. Como escritora de diários sei que não é assim que funciona, por isso nem aí me convenceu minimamente, é demasiado artificialmente confuso e escorreito, e uma pessoa daquele tempo, e uma mulher, em especial, não escreveria assim. É pena porque na historia dos dois últimos séculos aprecio particularmente o D. Carlos...
Se entendermos o livro como uma desculpa para o Miguel Real fazer uma critica mordaz, social e politica, ao Portugal actual devo dizer que foi muito bem conseguido e nessa perspectiva vale a pena ler, e será um puro prazer. Mas poderia ser muito mais que isso..
Este livro está dividido em duas partes. A descoberta do diário da rainha D.Amélia, e o diário propriamente dito. A 1ª parte ,5 estrelas, a escrita corrida sem pontos, enumerando os pontos chaves da revolução de Abril transmite o ritmo frenético desses dias/meses. O diárioa está escrito da mesma forma, o que me soa a falso, é escrito por outra pessoa, doutra época, devia de ter outra cadência, outro vocabulário,... No entanto, gostei muito de ler a história do fim da monarquia do ponto de vista dela. E no geral gostei muito deste livro.
Mais um bom livro de Miguel Real com memórias verdadeiras, com histórias muito interessantes dos ültimos anos da monarquia e do inicio da primeira república e da ditadura!... A passagem da viajem de comboio para Sintra, com o D. Carlos e os vencidos da vida entre eles o grande Eça e o Ilustre Antero è excepcional!