Lillias vê a morte. Por isso se cala. A mudez torna-a ainda mais estranha, não fossem já estranhos os seus olhos amarelos. A primeira visão aconteceu em 1746, na Escócia, pouco antes do pai ser massacrado pelas tropas inglesas. Depois desse dia o mundo deixou de ser um lugar tranquilo. Em fuga, chega a Lisboa em 1755, ano do terramoto que destrói quase toda a cidade. Ela viu-o antes de tempo. Mas quem acreditaria? Talvez Blimunda...
HÉLIA CORREIA nasceu em Fevereiro de 1949, licenciada em Filologia Românica e professora de Português do ensino secundário. Apesar do seu gosto pela poesia, é como ficcionista que é reconhecida como uma das revelações da novelística portuguesa da geração de 1980, embora os seus contos, novelas ou romances estejam sempre impregnados do discurso poético. Na sua ficção, conflui o reatar de uma herança literária que impõe certa linearidade à escrita romanesca com a assimilação de traços da narrativa contemporânea que vão de um García Márquez ou Carpentier até à novelística de Agustina Bessa-Luís, numa tendência para surpreender o sobrenatural no quotidiano da vida provinciana e burguesa, ou para transpor para a escrita romanesca o plano em que a dimensão social das relações humanas se cruza com a religiosidade, com a superstição e até com o irracional. Estreou-se na poesia, em 1981, com O Separar das Águas e O Número dos Vivos em 1982. A novela Montedemo, encenada pelo grupo O Bando, deu à autora uma certa notoriedade. Aliás, Hélia Correia revelou, desde cedo, o gosto pelo teatro e pela Grécia clássica, o que a levou a representar em Édipo Rei e a escrever Perdição, levadas à cena, em 1993, pela Comuna. Escreveu também Florbela, em 1991, que viria a ser encenada pelo grupo Maizum. Destacam-se ainda na sua produção os romances Casa Eterna e Soma, e, na poesia, A Pequena Morte/Esse Eterno Conto. Recebeu em 2002 o prémio PEN 2001, atribuído a obras de ficção, pela sua obra Lillias Fraser, e em 2006 o Prémio Máxima de Literatura, pela obra Bastardia.
Lillias is a Scottish girl from one of the clans torn apart at the Battle of Culloden, which the British won. Fleeing from these, she ended up going to Lisbon, where she lived clandestinely for some years, at first in a convent and later with a family. When the Lisbon earthquake occurs, Lillias flees to Mafra. She will later meet the commander of the British troops at Culloden. The novel is full of romance and rogue episodes; the descriptions of streets, houses, troops, customs, environments are magnificent. Further, there are similarities with Saramago's book, Baltasar and Blimunda.
Foi o primeiro livro da autora que li. A escrita é boa. Retive uma boa dúzia de passagens / citações que achei muito boas, mesmo. Dignas de registo. Teria preferido um outro estilo: Lilias Fraser é quase só uma história contada pelo narrador (heterodiegetico) com pouquíssimas inclusões de diálogo. É uma óptima história excelentemente narrada mas, na minha opinião, poderia ser mais viva e mais interessante se tivesse esse dinamismo que a narração constante, contribui para sedar .
A leitura começou de forma lenta, em parte devido à descrição demasiado longa da guerra escocesa. Não sou fã de livros sobre guerras e acredito que essa tenha sido a principal razão que me levou a quase desistir do livro tão precocemente. Resisti e ainda bem, porque no geral gostei do livro e principalmente da forma como a escritora nos conta a história de abandono e sobrevivência de uma menina de olhar dourado que consegue "ver a morte" e que consegue escapar da carnificina da batalha de Culloden, na Escócia, sendo trazida para Lisboa. Gostei de toda a contextualização histórica que acompanhou o livro, principalmente o grande terramoto de Lisboa. Devo, no entanto, dizer que estive sempre à espera de um crescendo da personagem principal... gostava de ter visto uma Lillias menos submissa e mais marcante, o que nunca veio a acontecer.
“Lillias acompanhou-os. Sentiu fome, porém não espera ria que alguém lhe desse as sobras do comer. Não era já uma criança. E, ainda que o fosse, não despertaria bondades maternais. As mulheres tinham retrocedido nessas poucas horas até ao estádio em que uma fêmea conhecia as próprias crias pelo cheiro e o timbre dos vagidos. Além do mais, olhavam Lillias uma vez e viravam o rosto para o chão. Receavam a luz da rapariga. Era como se a sua intensidade fizesse evaporar os alimentos.”
Este livro centra-se na personagem de Lillias Fraser e nas suas desventuras por este mundo fora. Lillias é uma rapariga escocesa que, por ter o raro dom de conseguir antecipar a morte das pessoas, conseguiu escapar ao massacre de Culloden, no qual houve a decisiva batalha pela independência da Escócia entre ingleses e escoceses. Não será necessário dizer qual o lado que sofreu a carnificina.
O seu dom dá-lhe um aspecto etéreo, com olhos amarelos, cabelo louro, e uma particular luz própria. Assim, por medo, por sorte e também por alguma ingenuidade, sejamos honestos, Lillias sobrevive às perseguições inglesas e acaba por se encontrar em Portugal aquando do grande terramoto de 1755. Antecipando a destruição do convento no qual se encontra alojada, Lillias foge da cidade. No preciso momento em que a rapariga começa a duvidar das suas premonições, ocorre o desastre.
Gostei muito de ler este livro e seguir as desventuras de Lillias! E gostei também do relato que Hélia faz sobre a sua visita a Culloden. Recomendo a sua leitura!
Lilias Fraser é um criança escocesa que vê a sua família dizimada na Batalha de Culloden. Salva por Anne MacKintosh, uma defensora dos Highlands, ela é enviada para Edimburgo e fica ao cuidado de uma família que viaja até Lisboa no fatídico ano de 1755. Depois do terramoto, Lilias fica sozinha de novo e foge da cidade, juntamente com centenas de Lisboetas. Mas ela tenta sempre manter-se discreta; é que Lilias tem um dom – consegue ver a morte das pessoas quando olha para elas...
Comecei este livro com muito entusiasmo. Gostei muito da contextualização da Batalha de Culloden e de toda a carnificina associada. Hélia Correia parecia ter grandes planos para Lilias e sugeria que o seu dom de advinhar a morte seria o fio orientador da narrativa. Mas nada disto aconteceu. Após o terramoto de Lisboa, a história ruiu com a cidade e Lilias Fraser foi-se apagando como personagem... até se tornar quase só decorativa.
O que aconteceu? Parece que a autora perdeu o entusiasmo e começou a apontar para várias direções, para ver se voltava a inspiração. E, depois, quando parecia que Lilias ia voltar a ter protagonismo... O livro acaba.
Fiquei trise, mesmo triste... A Hélia Correia escreve bem, é concisa, vê-se que conhece bem a História. Mas, na minha opinião, desperdiçou uma boa personagem.
No início estava a gostar e muito.. mas depois torna-se maçador... não posso negar que a escrita é fenomenal. Poucas pessoas escrevem desta forma.. mas em termos de história.. hum...
Lillias cruza países e violências, desde a batalha de Culloden até ao terramoto de Lisboa, sem identidade, sem agência, sem voz. E vê a morte das pessoas, nas pessoas, ainda vivas. O livro, como Lillias, cruza realidades: a fantasia e história, a crónica e a ficção. Depois dele li mais Hélia Correia, mas a minha leitura dos seus livros também ainda não terminou. um dos meus favoritos de 2017
Apreciei o esforço para alinhar o timbre de acção com a época e gostei do modo como a autora escolheu demonstrar as capacidades paranormais da protagonista, contudo, a atitude de mosquinha-morta de Lillias Fraser tornou a narrativa entediante.
Durante anos, o único livro que tinha lido da Hélia Correia. Finalmente, no último ano comecei a entrar na obra dela. Não existe mais ninguém que escreva assim em Portugal. Brilhante.
Este livro é um tratado sobre o furor da linguagem. Em todas as frases (e é isto que é notável) habita um furor, uma violência arcaica, uma pulsão animal. Em todas elas há um verbo, um adjetivo, um nome que sublinhamos mentalmente. Todo o livro parece ter sido cosido à mão, num pontilhado que se sustenta durante mais de duzentas páginas, sem quebranto ou saturação. Uma linguagem que nos transporta para um tempo violento, de sangue e escarro. Mas também um tempo de aparente viragem, em que a luz da razão brilha sobre os escombros do grande Terramoto de Lisboa, desenhando novas e renovadas tiranias, sobre um mesmo povo, que precisa de saber do há de ter medo. O terramoto foi um reinício, o equivalente atual de um apagão digital, em que desapareceram usurários e os seus registos, em cada um reclamava de novo as suas propriedades e, se fosse caso disso, se legalizavam amores antes impedidos.
Lillias Fraser, sendo a personagem principal, é apenas o fio condutor na história da sua malquerença e a momentos quase desaparece. Todos a querem afastar, pois reconhecem nos seus olhos a morte que há de vir; e ninguém gosta de conhecer o que é inevitável. Conta-se sobretudo a história das pessoas que a rodeiam, transportam ou a quem o acaso juntou: Lady MacIntosh, Georgina, as Davidson, as Connelly, Soror Theresa, Cilícia, Tomás, Jayme. Conta-se sobretudo o seu medo, pois reconhecendo-lhe poderes sobrenaturais, descendência de bruxa, todos acreditam no mal e poucos no bem. Cilícia, teme-a mais por ter sido testemunha de comportamentos licenciosos, do que por aquilo que os seus olhos poderiam adivinhar. Jayme, que viajou pelo estrangeiro e é um homem da razão, não tem receio dos seus olhos e partilha do seu leito sobre as lajes da cozinha, onde enterraram a anterior inquilina. Por fim, encontra Blimunda (personagem do Memorial do Convento, de José Saramago) – há conversa literárias que duram séculos.
Voltando ao início: o furor da linguagem. Poucos escrevem assim:
“Nos arredores de Inverness, os enforcados, negros e nus, pareciam já tão leves que a mais pequena aragem os movia. O esqueleto que havia dentro deles demoraria vários dias para romper. Os pássaros olhavam-nos de longe, ainda intimidados. Não sabiam em que momento começava a ser seguro pousar naquela carne que os chamava. Apesar do ar gelado, o cheiro entrava na boca das viajantes.”
Um relato vívido, em que as imagens, os sons e, em particular, os cheiros nos transportam para um tempo falho em afectos, mas largo em impiedosa crueza. Uma escrita rica que, a cada momento, nos surpreende pelas associações inusitadas. A obra ganha também por ser, ainda que de forma talvez não intencional, o documento de uma época. Lilias e Blimunda cruzam-se, porém Saramago continua a ser Saramago e Hélia Correia continua a ser Hélia Correia.
La storia di per sé poteva anche funzionare, ma è la sua struttura a rendere il libro lento e faticoso. C’è una mancanza di dialogo che crea una forte staticità; ho percepito molta confusione nel distinguere le visioni della protagonista da ciò che stava realmente accadendo; protagonista marginale; la presenza della storia d’amore non mi ha suscitanti nessun emozione tanto da rendermi conto di tale unione soltanto al termine del libro. Per me vale una stella.
Lilias Fraser (Hélia Correia). Quando li uma crítica sobre outro livro desta autora no Y, achei que ela se enquadraria no meu ciclo de leituras de escritoras terríficas, mas não sabia que também iria ao encontro de outras leituras, que envolvam a história olissiponense. Facto tornado ainda mais surpreendente por o livro começar por nos situar na Escócia do início do século XVIII. Ou melhor, quem nos situa é a narradora já dos nossos tempos, em passeio pelos campos onde decorreu a batalha que envergonha a desumanidade dos ingleses e inspirou mel gibson. Com este providencial interlúdio contemporâneo, Hélia Correia não só confere o peso dos séculos passados a toda a história, dando-lhe um belo tom da tristeza do que já foi, como ainda consegue nos lembrar que o nosso lugar é no presente a lembrar esse passado, e não a vivê-lo, e com isto fugir completamente ao perigoso lugar-comum do "romance histórico". A única coisa que poderia apontar a este maravilhoso e terrível romance é que a força da destruição física e social causada pela batalha de Culloden e depois pelo terramoto de Lisboa, potenciadas pelas visões do dom/maldição de Lilias, é tão grande, que a continuação da história é intensa mas necessariamente algo anticlimática.
Gostei da leitura, em particular da contextualização histórica, com a descrição do massacre na Escócia e, depois, do terramoto de Lisboa a revelarem um grande trabalho de pesquisa por parte da autora. Aliás, a introdução de um capítulo em que a narradora visita o lugar da batalha, na Escócia actual, começa por dar uma conotação quase documental ao livro, que depois se vai esbatendo com a história de Lillias, mais do domínio fantástico. Este livro é uma óptima leitura para se fazer a seguir ao "Memorial do Convento", de José Saramago (especialmente a parte que se passa em Portugal, claro), não só pela aparição de Blimunda, mas também porque a acção decorre pouco tempo depois da daquele livro e o próprio convento chega a desempenhar um papel importante.