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O Retorno

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1975, Luanda. A descolonização instiga ódios e guerras. Os brancos debandam e em poucos meses chegam a Portugal mais de meio milhão de pessoas. O processo revolucionário está no seu auge e os retornados são recebidos com desconfiança e hostilidade. Muitos nao têm para onde ir nem do que viver. Rui tem quinze anos e é um deles. 1975. Lisboa. Durante mais de um ano, Rui e a família vivem num quarto de um hotel de 5 estrelas a abarrotar de retornados — um improvável purgatório sem salvação garantida que se degrada de dia para dia. A adolescência torna-se uma espera assustada pela idade adulta: aprender o desespero e a raiva, reaprender o amor, inventar a esperança. África sempre presente mas cada vez mais longe.

271 pages, Hardcover

First published March 1, 2012

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5855 people want to read

About the author

Dulce Maria Cardoso

24 books590 followers
Dulce Maria Cardoso nasceu em Trás-os-Montes, em 1964, na mesma cama onde haviam nascido a mãe e a avó. Tem pena de não se lembrar da viagem no Vera Cruz para Angola. Da infância guarda a sombra generosa de uma mangueira que existia no quintal, o mar e o espaço que lhe moldou a alma. Regressou a Portugal na ponte aérea de 1975. Licenciou-se em Direito pela Faculdade de Direito de Lisboa, escreveu argumentos para cinema, gastou tempo em inutilidades. Também escreveu contos. Tem fé, uma família, um punhado de amigos, o Blui e o Clude. Continua a escrever e a prezar inutilidades. Vive em Lisboa.

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115 (2%)
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22 (<1%)
Displaying 1 - 30 of 543 reviews
Profile Image for Teresa.
1,492 reviews
October 8, 2015
A única ideia que consigo fixar em relação a o retorno é a do número de estrelas: CINCO, sem qualquer dúvida! Tudo o resto é uma catadupa de pensamentos e sentimentos totalmente desorganizados, e receio que esta review seja o espelho dessa confusão.
Na tentativa de organizar ideias, andei a ler algumas opiniões e (não sei se já vos aconteceu, com um livro que sentiram especial) fiquei triste quando, nalgumas, vi menos do que cinco estrelas. Há uma (a de Salamandrine) que, apesar de tão pequena e simples, reflete profundamente o que é este romance:
"o livro que faz sair do metro e ficar sentada na estação, porque não pode ser interrompido.
e que nos deixa como um saco vazio, angustiados, depois de o fechar."


Dulce Maria Cardoso conta-nos, com uma prosa e um estilo muito bonitos, um momento da História de Portugal. Fá-lo com muita sabedoria ao colocar como narrador um miúdo de quinze anos, a idade em que já se compreende tudo e se tem, ainda, a liberdade de dizer o que se pensa e sem escolher as palavras.
A família de Rui conta-se entre os cerca de trezentos mil portugueses que em 1974, para salvarem a vida, foram obrigados a abandonar Angola e deixar tudo o que tinham. Trouxeram apenas o que cabia numa mala e cinco contos por pessoa. Chegaram a uma metrópole, onde foram rejeitados pelos que cá estavam e ignorados pela família.

Como se sobrevive quando de repente se fica sem casa, sem trabalho, sem país, apenas com a vida e o que couber numa mala de porão? Os Retornados, vítimas e heróis do 25 de Abril de 1974, conseguiram!

Gostei de TUDO neste livro, mas há um capítulo que achei perfeito; o de quando eles chegaram ao aeroporto em que Rui está no presente e simultaneamente no passado.

Não sou muito de recomendações de leituras mas, ouso dizer, que ler o retorno devia ser obrigatório, pelo menos para todo o português. O meu exemplar já está a sair de casa...
94 reviews698 followers
March 1, 2024
Maravilhoso!
Não só é um livro muito bem escrito, com um narrador muito bem construído, como é também um livro muito necessário. Tendo nascido em 87, não sabia nada sobre a realidade dos retornados a não ser alguns relatos dos meus pais sobre a sua adolescência nessa altura. Esta historia, que é semelhante à de tantos retornados, é muito importante e esclarecedora. Já o terminei há mais de um mês e continuo naquele hotel do Estoril, de tão perfeitas que são as descrições.
Vale mesmo a pena!
Profile Image for Fátima Linhares.
932 reviews338 followers
May 28, 2025
Vamos sempre no carro do Pacaça que tem o volante à direita por ter sido comprado em Moçambique. Estacionamos no princípio do cais e os contentores perdem-se de vista ao longo da margem do rio. O Sr. Belchior diz que os contentores são as sobras do império, não deixa de ter piada que estejam a apodrecer no mesmo sítio de onde o império começou, alguma coisa isto quer dizer, alguma coisa devemos aprender com isto, tudo na vida tem os seus porquês.

Um império que ia do Minho a Timor e que terminou quase de um dia para o outro deixando muitos portugueses na completa miséria, só com uma mala e cinco contos no bolso. Foi com isso que muitos portugueses das colónias ultramarinas regressaram à metrópole, sítio que muitos viram pela primeira vez, pois, apesar de serem portugueses, muitos nasceram nas colónias e a metrópole era uma coisa distante de que ouviam falar nas aulas, como o nosso protagonista Rui, um adolescente que regressa, de Angola, com a mãe e a irmã. São alojados, como outros tantos, num hotel em Lisboa, pago pelo IARN (Instituto de Apoio ao Retorno de Nacionais).

Não deve ter sido fácil para estas pessoas reerguerem-se e começarem tudo do zero num país em que muitos nunca tinham estado e nos tempos conturbados pós revolução. Gostei muito deste livro e de saber um pouco mais sobre este período da história do país.
Profile Image for Célia Loureiro.
Author 30 books960 followers
December 13, 2018
description

Que sei eu de África, além de que o meu avô é Angolano (do lado dos pretos, não do lado dos brancos que viviam em Angola)? É uma questão delicada, esta. Sempre tive uma perspectiva limpa, moralmente correcta – a esperada dos democratas modernos que reconhecem a supremacia de cada Estado.

Depois de ler este livro, fiquei um bocado abalada nesta minha convicção. Não creio que a autora se tenha proposto a mudar a ideia de um qualquer português que nasceu na metrópole pós-guerra colonial, e que enche o peito para dizer: quem nos mandou explorar os africanos? O continente é deles, o país era deles. Só fomos para lá fazer figura de ursos, perder pernas e braços para nada.

O país, entendo agora, esqueceu-os a todos. Aos que perderam os seus tarecos – ditos Retornados – e aos que perderam os braços, os militares que trilharam as selvas e enterraram os companheiros de batalhão num qualquer recanto impensado da imensidão do desconhecido.

Neste livro de Dulce Maria Cardoso, tudo se resume a esta citação:
"Os homens têm os fumos por cima dos casacos, uma ideia do Pacaça que diz, estou de luto, hoje morreu-me a minha terra, hoje tornei-me um desterrado, vivemos na certeza de que as terras não morrem, vivemos na certeza de que a terra onde enterramos os nossos mortos será nossa para sempre e que também nunca faltará aos nossos filhos a terra onde os fizemos nascer, vivemos nessa certeza porque nunca pensamos que a terra pode morrer-nos, mas hoje morreu-me a minha terra, hoje morreram os meus mortos."

E aqui vêm o estilo narrativo da autora e sentem o desamparo que estas pessoas sentiram. Foram arrancados a uma vida que se esforçavam por construir, por querer melhor, e devolvidos a um país que os criticava e os não compreendia.

Rui, Milucha, Glória são resgatados de Angola durante a ponte aérea e acolhidos num hotel de 5* na Linha do Estoril. Estão profundamente magoados; desertaram da sua terra, deixaram a casa, as toalhas de bordados, a cadela, os amigos, o uísque favorito do pai, as palavras a que se haviam apegado – "matabicho", em vez de pequeno-almoço –, o sentirem-se integrados, na escola e pelas ruas. Mesmo o pai ficou para trás, levado pelos negros. E estas pessoas só conhecem uma realidade: a uma África distante, à qual não poderão regressar.

Todo o livro é contado na primeira pessoa pelo rapazinho adolescente, Rui, que de repente se vê chefe de família. Através dos seus olhos vemos Angola, os seus produtos, a sua economia, a sua fertilidade, a desigualdade e mesmo a discriminação face aos negros, aos “paneleiros”, aos diferentes. Também Rui é assim, um decalque de toda uma mentalidade tão portuguesa e não tão ultrapassada quanto isso. A mãe é doente. A irmã é rapariga, não conta. Gostei da humanidade destas personagens, dos seus defeitos e imperfeições. A mãe, em especial, é o género de pessoa que abomino. Dada a achaques, mentirosa, inventa histórias para que a creiam menos miserável, vulnerável, apegada a frigoríficos e a rendas. Ainda assim, pelos olhos de Rui, vemo-la e amamo-la.

E o pai de dentes amarelos, brusco, incumpridor, que dá tareias de cinto e fuma demasiado é, ainda assim, o nosso pai.

Aconselho a todos aqueles que queiram ter uma noção de família, de dificuldades, de recomeçar. O futuro, o passado, todos ali mesclados com a História do nosso país como manto de fundo, a recordar-nos que um português que não baixa os braços é alguém que, na sua perseverança, e vai longe. Uma importante mensagem nos tempos que correm.

http://p3.publico.pt/actualidade/soci...
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Nota @ 2018 | Volvidos cinco anos, a minha percepção face aos portugueses "coitadinhos" de África alterou-se um pouco. Os tempos e as mentalidades eram aquelas, mas as vítimas não eram nem nunca foram os colonizadores. Vítimas de Portugal, talvez, e da sua falta de visão. Mas jamais vítimas dos locais, os tais que diziam que falavam uma "língua de cão".
Profile Image for Ana.
Author 14 books217 followers
January 25, 2022
Antes de iniciar esta leitura considerava que ler um livro de ficção sobre os "retornados" dificilmente me poderia trazer algo novo.

Depois de ouvir relatos em primeira e segunda mão de amigos que viveram essa experiência; depois de os "retornados" terem sido matéria de estudo do meu curso enquanto um dos fenómenos sociais mais impactantes e transformadores da sociedade portuguesa; depois de ter visto a série de ficção "Depois do Adeus"... depois de tudo isso, foi assim que respondi em Dezembro a um amigo quando me falou sobre a leitura conjunta que iria organizar em Janeiro: "...não vou alinhar desta vez...provavelmente até iria gostar, mas não é um tema que me esteja a interessar muito para agora..."

Contudo, uma outra amiga, mesmo conhecendo esta resposta, teve a gentileza e generosidade de me oferecer um exemplar de "O Retorno"(autografado pela autora!!!). Ora depois disso, na posse de um lindo exemplar da Tinta da China autografado e com tantos amigos a dizerem tanto de bom sobre este livro e sua autora, foi impossível a curiosidade não se ter começado a instalar e lá fui eu juntar-me à leitura conjunta que decorreu este mês...😁

E é caso para dizer, quem tem amigos livrólicos tem tudo 😁. Que belíssima leitura fiz, só mesmo porque me guiaram até ela. Se por um lado o que me trouxe de novo sobre o tema foi pouco, tal como já esperava, tive por outro lado o prazer de ler uma história tão boa e tão bem escrita que foi praticamente impossível parar de ler a partir do momento em que comecei.

Contada por um narrador de quinze anos, numa escrita simples e tão perfeitamente adequada, esta história esconde na aparente simplicidade da sua forma, temas complexos e ainda (infelizmente) fragmentadores do nosso tecido social. Complexas e intensas foram também as emoções que este texto me transmitiu na dimensão individual e familiar do protagonista.

Fiquei mesmo muito impressionada com esta autora, de quem apenas tinha lido um pequeno conto numa antologia. Existe uma passagem no livro (não vou dizer qual para não "spoilar") cuja leitura me impressionou tanto que criou uma imagem mental que não conseguirei esquecer tão cedo (se alguma vez).

Resta-me como leitora, agora que os meus companheiros livrólicos me mostraram este caminho, continuar a segui-lo, lendo mais Dulce Maria Cardoso 😊🤓. Obrigada!
Profile Image for Ana.
746 reviews114 followers
September 1, 2019
Acabei agora mesmo e ainda estou sem palavras.

Não deve ser fácil escrever sobre este período da nossa história, quando ele foi vivido na pele, mas talvez por isso mesmo, o resultado soe tão credível. No entanto, apenas isso não seria suficiente para escrever um bom livro. Felizmente, Dulce Maria Cardoso tem muito mais do que a experiência de um retornado, ela escreve maravilhosamente bem.

Cinco estrelas bem brilhantes.
Profile Image for Katya.
483 reviews
Read
December 14, 2022
Vi de perto (e muitos anos passados) alguns dos efeitos que a discriminação contra os retornados teve. Sei o rancor, mas também a superação. Mas nunca, até hoje, tinha percebido que era o medo de ser invisível, a recusa de uma existência individual, mas sobretudo a recusa de uma existência comum aquilo que levava aos comportamentos que presenciei:

"...estou de luto, hoje morreu-me a minha terra, hoje tornei-me um desterrado, vivemos na certeza de que as terras não morrem, vivemos na certeza de que a terra onde enterramos os nossos mortos será nossa para sempre e que também nunca faltará aos nossos filhos a terra onde os fizemos nascer, vivemos nessa certeza porque nunca pensamos que a terra pode morrer-nos, mas hoje morreu-me a minha terra."

O Retorno não é um livro fácil. Não é fácil de ler ou digerir, e, certamente, terá sido uma espécie de epopeia o ato de o escrever. Porque aqui não se trata necessariamente o colonialismo, a guerra, não se tratam as relações entre um povo colonizador e um povo colonizado, mas sim as tensões entre filhos da mesma terra, a inveja mesquinha, o medo, a ignorância, a intolerância e o orgulho que separaram por muito tempo aqueles que foram e vieram dos que ficaram:

"A puta de matemática pôs os retornados na fila mais afastada das janelas, nos lugares com menos luz, deve pensar que somos como as rosas da mãe que murchavam se não lhes dava o sol, deve ser isso. Um dos retornados que responda, a puta nunca diz os nossos nomes, um dos retornados que responda, era o que faltava, nunca abro a boca, o retornado da carteira do fundo que responda, insistiu a gaja, estava mesmo a querer farra. Custa assim tanto decorar o meu nome, se me chamasse Kijibanganga ainda tinha desculpa mas Rui, porra, é um nome fácil e mesmo que me chamasse Kijibanganga a puta tinha obrigação de decorar. Mas não, o retornado aí do fundo que responda, é que nem que me tivesse arrancado as unhas e os dentes falava, nem que fossem buscar os da PIDE que prenderam o pai do Helder."

Estes comportamentos ainda ecoavam quando cresci - já não se dirigiam a ninguém a particular, mas nomeavam uma classe de cidadãos que, pelo olhar de muitos, tinha abdicado dos seus direitos em terra nacional pela ousadia de ir procurar o Eldourado nas colónias:

"Um homem tem de seguir o trabalho como o carro segue os bois. E ter um coração agradecido. O pai só estudou até à segunda classe mas não há nada que não saiba sobre o livro da vida que, segundo o pai, é o que mais ensina."

Aquilo que foi vendido, a uns e outros, foi uma ideia bárbara e absurda, transvestida do brilho de uma estrela já morta: Portugal foi um colonizador e as suas ações mais tardias são uma triste amostra do fim de um império que, como todos, sempre assentou tanto na exploração do mais fraco como na ideia subliminar de uma igualdade em que um é mais igual do que o outro:

"Os pretos. A não ser que se queira explicar o que são, aí é o preto, o preto é preguiçoso, gostam de estar ao sol como os lagartos, o preto é arrogante, se caminham de cabeça baixa é só para não olharem para nós, o preto é burro, não entendem o que se lhes diz, o preto é abusador, se lhes damos a mão querem logo o braço, o preto é ingrato, por muito que lhes façamos nunca estão contentes, podia-se estar horas a falar do preto mas os brancos não gostavam de perder tempo com isso, bastava dizer, é preto e já se sabe do que a casa gasta."

A agonia do império é palpável nas palavras do narrador de O Retorno e, uma vez mais, espelha muita coisa que me foi ensinada e deixa claro que Portugal é um país onde o tempo passa muito, muito devagar, onde sucessivas gerações vivem os mesmos ideais, são educados com os mesmos currículos arcaicos, as mesmas ideias idiotas de uma glória antiga que se vai, só agora, finalmente, dissolvendo no tempo porque já não é possível fazer passar a exploração como um grande feito da humanidade:

"Portugal não é um país pequeno, era o que estava escrito no mapa da escola, Portugal não é um país pequeno, é um império do Minho a Timor. A metrópole não pode ser como hoje a vimos no caminho que o táxi fez, ninguém nos ia obrigar a cantar hinos aos sábados de manhã se a metrópole fosse tão acanhada e suja, com ruas tão estreitas onde parece que nem cabemos."

As feridas que ficaram do regresso dos portugueses e do fim das colónias estão latentes na nossa sociedade (talvez se tenham metorfoseado, mas estão cá) e não creio que, tão depressa, sarem. O racismo é endémico, e a inveja quase patológica que grassa as nossas relações, alimentada pelo consumismo desenfreado, também não deve ter grande fim à vista:

"Os de cá não têm razão quando dizem que os pretos não gostavam de nós, os pretos gostavam de nós e queriam que ficássemos lá, foram os de cá que os mandaram expulsar-nos de lá. Por que haviam de fazer uma coisa dessas. Por inveja, os de cá são muito invejosos. Como é que sabes se quase não conheces ninguém de cá. Não é preciso, basta olhar para a cara deles, têm todos cara de fuinhas invejosos."

Aquilo que O Retorno nos devolve é uma imagem muito triste do que foi, e ainda é, Portugal - um país pequenino, de tamanho e mentalidade:

"Se calhar sou eu que vejo mudança onde na verdade não há mudança nenhuma, se calhar sou eu que invento mistério onde não há mistério nenhum, se calhar a mudança não existe e vamo-nos só mostrando de maneiras diferentes."

Definitivamente, aquilo que mais me impressionou foi a dimensão do desalento sentido por quem voltou a casa sem nada para mostrar, sem bens, sem dinheiro, sem roupa e sem a sua própria identidade - perdidos num mar de violência e de incompreensão, numa situação que saiu fora do controlo de todos:

"Amanhã já não estou aqui. Parece impossível. Parece impossivel que o dia de deixar o hotel tenha chegado e que eu tenha medo de sermos outra vez ama familia com uma casa. Tenho medo de deixarmos de ser uma família entre famílias de retornados no hotel e passarmos a ser uma família de retornados entre as famílias de cá. Acho que nunca mais vou ser capaz de pensar e sentir uma coisa de cada vez. Com o tempo devo habituar-me e deixar de me incomodar com isso. Não posso evitar que umas coisas tragam outras ou façam perder outras. Não deve ter mal. E também não deve fazer mal.
(...)
Um avião risca o céu a direito. Silencioso. Como um giz preguiçoso nas mãos invisíveis de deus. Noutro tempo ter-lhe-ia respondido daqui de baixo. Talvez ainda responda. Noutro tempo ter-lhe-ia escrito, talvez ainda escreva, em letras bem grandes a todo o comprimento do terraço para que não possa deixar de ver-me, eu estive aqui.
Eu estive aqui."
Profile Image for João Barradas.
275 reviews31 followers
February 5, 2022
No mundo dos sonhos, é possível construir mundos idílicos, ser coroado de rei, viver uma vida basta. Escondendo muitos dos desejos patrocinados pelo “Id”, as fantasias criadas podem dar alento, consumir as energias ou, até, evocar medos e receios recessos. Qual vidro estilhaçado, tudo se quebra quando, por mero desvanecimento, a dura realidade surge e se torna fundamental a busca por forças inexistentes para a enfrentar da melhor forma.

Rui vivia num paraíso terreno. A abonada Angola, terra das maravilhas e da esperança, contrastava a metrópole, ainda em polvorosa com a revolução cravejada, adensada por um clima de medo e incerteza. Mas alguém colheu o fruto da árvore, sem o partilhar irmãmente, e o paraíso transformou-se num inferno, com o rebentar da guerra civil. Ao Rui e aos restantes compatriotas só restava uma opção: regressar à pátria-mãe, terra das cerejas, de onde saíram pobres e para onde regressariam com um mão à frente e outra atrás…

Esta é uma história sobre um capítulo nefasto (e meio enevoado) da história (ainda) recente do nosso país: a descolonização de um império garganeiro e, consequentemente, o retorno, ao “deus-dará”, de muitas famílias a um país desgovernado. É perceptível o racismo, o extremismo, o comodismo… e tantos outros “-ismos” que teimam moldar , da pior forma, a mente humana. O estilo confessional, revistando as memórias de um adolescente, torna a leitura voraz e sôfrega, vincada por algumas frases repetidas (para assumirem estatuto de lei!?). De uma forma maravilhosa, o encantamento surgiu e fica a promessa de retornar a esta autora, num futuro muito próximo.
Profile Image for Inês.
33 reviews11 followers
July 11, 2020
É impossível escrever um comentário a um livro como este. Como alguem disse algures numa review este livro incomoda, é um murro no estômago a cada capítulo. E só por isso é simplesmente brilhante. Por nem sequer tentar exorcizar os fantasmas destas dezenas de personagens e de um passado não assim tão distante. É um documento de uma época que não deveria ter sido esquecida e foi... A narrativa também e única e impressionante ... O turbilhão de ideias e a mente desorganizada de um adolescente em ebulição. Tem das melhores metáforas da história de Portugal com que ja me deparei como o império contido numa sala de um instituto público, á espera de ser recolhido e alimentado ou os antigos colonos de luto por "lhes ter morrido a sua terra". Olhem para as nossas cidades hoje e sobretudo para os bairros da periferia de Lisboa (nesta época de covid ainda mais pertinente se torna) e percebam o quanto do que hoje vemos ainda faz parte do preço a pagar pelo retorno e pelo que levou a ele. Porque a história não é algo que vem só nos livros e que nao interessa a ninguém...
Profile Image for Alma.
751 reviews
July 16, 2021
“Se calhar tem de se sonhar com os lugares (…) para se poder gostar deles.”

“Apesar de ser o último dia que passamos aqui, nada parece assim tão diferente. Almoçamos sentados à mesa da cozinha, a comida da mãe continua a não ser saborosa, temos calor e a humidade do cacimbo faz-nos transpirar. A única diferença é que estamos mais calados.”

“Fomos para casa e o pai abriu mais uma garrafa de Ye Monks, quis que brindássemos outra vez a 1975, a minha irmã brindou com água, a mãe aflita a dizer que dava azar, crendices, deixa-te de crendices, mulher, brindámos a 1975 que ia ser o melhor ano das nossas vidas.
Só que a banda nunca mais passou. Foi tudo tomando o seu lugar, cada um de nós no seu canto e em cada canto uma dor.”

“Não sabemos bem o que é ser retornado mas nós somos isso. Nós e todos os que estão a chegar de lá.”

“De repente a minha irmã diz, imitando a voz da directora, tempos conturbados, são tempos conturbados. E ri-se como se tivesse contado uma boa anedota. Não há nada por que nos rirmos mas se nos rirmos não estamos sozinhos. A maneira de a directora falar não dá vontade de rir, se não estivéssemos nesta situação não nos teríamos começado a rir. Tempos conturbados. Não conseguimos parar de nos rir, as gargalhadas pegam-se umas às outras, rimo-nos, alto, mais alto, não me lembro de nos termos rido tanto e tão alto. São tempos conturbados, se nos rirmos não estamos sozinhos e talvez consigamos adormecer.”

“Daqui a nada tiram-nos daqui e sabe-se lá para onde vamos. Por isso fumar um cigarro aqui não é só fumar um cigarro em frente ao mar. Não sei quando é que deixei de sentir uma coisa de cada vez. Fumar um cigarro devia ser só fumar um cigarro. (…) Tenho saudades do tempo em que fumar um cigarro era só fumar um cigarro. Mais nada. Tenho de ser capaz de tornar a pensar e a sentir uma coisa de cada vez. Um quarto pode ser uma casa e este quarto com esta varanda de onde se vê o mar é a nossa casa enquanto não vamos para a América.”

“Então a metrópole afinal é isto.”
Profile Image for Estela Ladeiro.
172 reviews7 followers
November 15, 2025
Há muito que me preparava, psicologicamente, para ler este Retorno. Sabia que era um testemunho sobre os retornados de Angola e instintivamente achei que iria encontrar ali alguma aproximação do que vivi, alguma verdade que tocasse na minha.
E por isso mesmo foi com cuidado e o coração meio apertado que decidi finalmente abrir este livro…
... mas nada do que esperava surgiu nestas páginas. O livro tem o seu valor, mas não me entregou nem uma aproximação da realidade que ficou marcada em mim desde a infância.

A história contada é legítima, mas não toca nem de raspão a minha memória. O meu retorno foi outro… mais duro, mais cru, mais vivido no corpo do que nas palavras.

Talvez seja essa a verdade que custa aceitar… não existe uma única história de retornados, não existe uma única verdade para este período.
Existem muitas!!
Algumas, como a minha, são demasiado cruas para caber na ficção.
Carrego-a comigo, com lucidez, com feridas que aprenderam a respirar, e com a força de quem sobreviveu ao que poucos conseguem imaginar.
E é nessa verdade que me reconheço.
"A África sempre presente mas cada vez mais longe."

Mas o livro, apesar de não me ter entregue aquilo que esperava, reconheço a escrita de Dulce Maria Cardoso, é cuidada, sensível e detalhada, e mostra a tentativa de captar a experiência de alguns retornados de forma literária.
Profile Image for João Carlos.
670 reviews316 followers
November 14, 2015

A narrativa de”O Retorno” começa em 1975, Luanda, Angola, a Revolução dos Cravos, o processo revolucionário está em curso em Portugal Continental e o fim do Império Ultramarino é uma dura realidade, numa descolonização apressada, fruto da instabilidade e da incerteza política, com cerca de trezentos mil portugueses a abandonarem um País, onde se começa a ouvir o eco do tiros e onde a violência cresce de dia para dia, no limiar da guerra civil.
Rui e a sua família são obrigados a um regresso forçado à metrópole, num discurso inicial dominado pela esperança, as condições económicas e sociais de acolhimento e integração acabam por se revelar completamente desajustadas da realidade; os “retornados” deparam-se com um grande choque civilizacional e cultural que se amplia pelo contraste entre as expectativas criadas e a dura realidade dos factos, tudo é “diferente”, o “modelo” e a qualidade de vida que tinham são impossíveis de replicar no presente e no futuro.
É num hotel de 5 estrelas na linha do Estoril que Rui, a sua mãe Glória e a sua irmã Milucha ficam temporariamente alojados, o quarto 315 é a sua nova casa ”Um quarto pode ser uma casa e este quarto e esta varanda de onde se vê o mar é a nossa casa.” (Pág. 165) dividindo um espaço e um tempo com outros “retornados, em que o dia-a-dia é dominado pela frustração, pela incerteza e pela angústia, acentuada pela desconfiança e pela hostilidade do próprio povo português.
A escrita de Dulce Maria Cardoso (n. 1964) é fluída, linear, sensível, numa fase inicial – no período passado em Luanda – é brilhante, com uma excelente caracterização do ambiente e das vivências da nação angolana, onde se acentua a tensão dramática, num suspense bem delineado, perspectivando-se uma tragédia eminente; mas após o retorno à metrópole a narrativa torna-se repetitiva e limitada, provavelmente, pela exclusiva perspectiva do ponto de vista do jovem Rui, faltando alguma intensidade dramática e um aprofundamento emocional de diferentes personagens, sobretudo, as femininas, a mãe de Rui, Glória, ou a sua irmã, Milucha.
A referência aos acontecimentos históricos e aos intervenientes políticos é superficial, o que para quem não “assistiu” a estes eventos, apenas tem acesso a uma informação diminuta e por vezes pouco detalhada.
Esperava mais, muito mais…
Decepcionante...


"... os contendores são as sobras do império, não deixa de ter piada que estejam a apodrecer no mesmo sítio onde o império começou..." (Pág. 188)
Profile Image for Ana.
752 reviews173 followers
March 11, 2018
A primeira coisa que se destaca nesta obra é a sua edição, que sendo de bolso, é lindíssima, de cantos arredondados e com uma qualidade superior, face a outros exemplos de edições de bolso. A outra é a imagem que compõe a sua capa e que, de imediato, nos transporta para vidas empacotadas, embaladas. Vidas que deixam sempre algo para trás, que se veem, de um dia para o outro, obrigadas a caber num punhado de malas, caixotes e sacos.
Estamos em 1975, numa Angola recém-independente. A família de Rui, o nosso narrador protagonista, tal como muitas e muitas outras, tem que deixar a casa, grande parte dos seus pertences e uma vida de mais de quinze anos naquela terra onde os brancos são o inimigo a abater. Terá que retornar para a metrópole e para um futuro sem casa, sem pertences, sem uma vida. Pai, mãe e dois filhos não têm quem os acolha. Não têm para onde ir. Os mais jovens apenas conhecem a metrópole das imagens que povoam os seus livros escolares. Os mais velhos partiram de lá há anos infinitos. Será um retorno sem raízes, um retorno que todos eles sabem que não terá volta, que não terá retorno.
Rui tem apenas 15 anos e vê a sua vida dar uma volta sem retorno num curtíssimo espaço de tempo. Perde os seus amigos, a sua casa, o seu país e ruma para uma Lisboa que não conhece e que se vê a braços com um fluxo interminável de retornados que não têm para onde ir. Durante mais de um ano viverá com a mãe e a irmã num quarto de um hotel de cinco estrelas. Sentir-se-á todos os dias um pária, um jovem que não pertence a nenhum lado, que já não pertence ao país que o viu nascer e muito menos pertence àquele que, constantemente, lhe relembra que é apenas um retornado a viver às custas daqueles que nunca explorariam nem maltratariam os colonos.
Com um estilo que me sorriu através das muitas semelhanças que tem com o do meu querido Saramago, a autora criou uma narrativa dura, crua, que, servindo-se dos pensamentos, sentimentos, reflexões, monólogos de Rui, reflete mais do que tudo essa sensação de não-pertença, de desamparo, de não ser dono de si mesmo, do seu passado, do seu presente e, principalmente, do seu futuro. É uma sensação que se cola ao leitor, que nos bloqueia e nos faz compreender ainda melhor o quanto é imprescindível, para sermos pessoas, para nos sentirmos gente, termos um chão ao qual chamamos lar, pátria. Pode ser apenas um cantinho de terra, um casebre. Mas é nosso, é lá que temos as nossas raízes, é a esse naco de espaço que pertencemos.
Rui tem, como já disse, apenas 15 anos quando deixa uma vida para trás. Essa perda traz revolta, traz desespero, traz uma vontade irrefreável de explodir, de pontapear, de quebrar e traz um crescimento não desejado, um crescimento que o força a deixar de lado o egoísmo típico de um adolescente e a responsabilizar-se por si e pelos seus. Sem o pai presente, tem que ser ele o homem da família. Mas que sabe um puto de 15 anos de ser o homem da família? Que sabe disso um puto que apenas quer ter a sua vida de volta, que apenas quer que a sua irmã lhe volte a chamar de estúpido, como fazia antes? Não sabe nada. E nem quer saber. Quer somente a sua vida, não ser o retornado, ser um rapaz que faz as coisas típicas de rapaz e que sabe que, ao final do dia, tem para onde ir.
Gostei mesmo muito de ler esta obra, mas faltou-lhe qualquer coisa para ser perfeita. Não sei nem consigo explicar o que lhe faltou, porém há um pequeno vazio que não me permite que lhe atribua a pontuação máxima. Talvez o motivo seja a maior exigência que ponho “em cima dos ombros” dos bons escritores. Talvez seja o facto de a narrativa estar centrada apenas na perspetiva do Rui e não nos possibilitar conhecer, por exemplo, o ponto de vista do seu pai. Talvez seja por ser narrada pelo protagonista que nunca é tão omnisciente como um narrador heterodiegético. O que é certo é esse pequeno vazio existe exclusivamente por culpa minha, ou seja, foi a minha leitura, a minha visão da mesma e não a qualidade do estilo, da trama ou das personagens que me levam a apenas atribuir um nove e não um dez a esta leitura. Sendo assim, não quero, de maneira nenhuma, influenciar pela negativa leitores que futuramente queiram desfrutar de O retorno. Pelo contrário. Quero que leiam a obra e que me fazem ver o quanto estava enganada ao não dar-lhe a pontuação máxima, a pontuação que talvez ela verdadeiramente merece.
Esta foi a minha estreia com a autora. Uma estreia mais do que auspiciosa e que quero que me leve rapidamente ao encontro de mais obras suas. Por isso, se alguém já tiver lido outros romances de Dulce Maria Cardoso, por favor digam e recomendem-me qual deverei ler a seguir!

NOTA – 09/10

http://osabordosmeuslivros.blogspot.p...
Profile Image for Marlene Sofia.
71 reviews27 followers
December 13, 2021
A NOSSA CARACTERÍSTICA DE ADAPTAÇÃO VAI SEMPRE SURPREENDER-ME. TER QUE ABANDONAR TUDO E RECOMEÇAR DO ZERO... A INCERTEZA... A SAUDADE... A NÃO ACEITAÇÃO NA PÁTRIA...
ADOREI ESTE LIVRO, FOI UMA BELA ESTREIA.
Profile Image for Jose Garrido.
Author 2 books21 followers
February 18, 2025
Esqueci-me de ir verificar, mas julgo que foi a minha primeira leitura da autora. Normalmente tenho muito claro o porquê de pegar num livro: através da referência cruzada numa outra leitura; alguém que mencionou; até mesmo só a curiosidade suscitada pela capa; ou o tema, o tema é muito importante.
Não me recordo como cheguei a O Retorno.
É uma leitura brutal – nunca contactei com as ‘colónias’ e só estive em Luanda uma vez, dentro de um avião da TAP, o tempo de dois mecânicos abrirem um alçapão que se escondia sob alcatifa, junto aos meus pés, e soldavam alguma coisa, naquelas catacumbas desconhecidas, enquanto soltavam imprecações e comentários que senti como altamente taquicardíacos. Mas viajei um bocado em Moçambique, principalmente em transportes públicos, um ou outro autocarro e uma infinidade de ‘chapas’.
A escrita (parei o devaneio e regressei ao livro) é muito boa, rica e colorida, entremeada com vocabulário q.b. que recordo vagamente da infância, quando entrou de rompante pelos diálogos do nosso quotidiano, prenunciando a chegada das expressões brasileiras das novelas.
Recordei quando os conflitos entre os partidos angolanos entraram abruptamente no meu liceu da grande Lisboa, do vocabulário, novo e colorido, que traziam, da violência, a mais ou menos contida e a outra, da primeira pistola que vi, não numa vitrina, mas nas mãos de um puto como eu – e reconheci este Rui.
Nalguns momentos achei aquele relato, sempre na mesma voz, cansativo. Ainda assim, é muito bom.
Muito recomendável.
Profile Image for Carolina.
328 reviews
September 29, 2021
"O Retorno" trata, pela voz de um adolescente, um tema que me interessa muito: o regresso de milhares de portugueses, após a independência das colónias.

Os que tinham família que os recebessem, regressaram às aldeias de onde tinham saído para construir uma vida melhor; os outros, ignorados pelos familiares, viram-se a ter de sobreviver com o apoio do Estado, enquanto tentavam refazer a sua vida num país hostil que os rejeitava.

Sempre ouvi, fascinada, muitas histórias de familiares "retornados": do estilo de vida que tinham em Angola ou Moçambique e de como foi difícil voltarem para Portugal. Tiveram de deixar tudo...

A própria autora viveu em Angola e muitas das suas crónicas na Visão retratam a sua vida por lá e o posterior regresso a Trás os Montes. Este aspeto contribui para que o livro seja ainda mais pessoal e comovente, pois tudo foi sentido na primeira pessoa, e revela-se um ótimo retrato deste capítulo da história nacional. É, também, um livro sobre a adolescência e só gostava que se tivesse prolongado e nos mostrasse a vida das personagens alguns anos depois, sob uma perspetiva mais adulta!
Profile Image for Ana Rute Primo.
275 reviews46 followers
February 17, 2022
❤️ Artigo publicado em https://www.boasleituras.pt/

Que livro fabuloso! Ainda não o tinha terminado e já o estava a recomendar aos meus.

O Rui é o narrador, um adolescente que se viu enredado nas malhas do ódio e que, juntamente com a sua família, teve de regressar subitamente de Angola para Portugal com tudo o que isso implica, deixar tudo para trás: a casa, os bens materiais, os amigos, a cadela, a vida.

Este é um livro sobre a descolonização e os retornados, sobre os preconceitos nas suas mais variadas facetas, sobre o medo, a intolerância, a saudade, a desilusão, a família, a união.

Este é um tema que me é caro já que se relaciona intrinsecamente com o passado da minha família, histórias que ainda hoje oiço contar. Não há como não sentir empatia pelas personagens e perceber um pouco melhor a sucessão dos acontecimentos dos portugueses que tiveram de retornar à metrópole.

É uma leitura dura e intensa, com uma escrita crua, soberba, que tão bem retrata a sociedade portuguesa daquela época. Não queria parar de ler. Que pena ter acabado, queria ficar a lê-lo para sempre.

É o primeiro livro que leio da autora, mas certamente não será o último.

Boas Leituras ❤️
Profile Image for Ines Ricardo.
184 reviews10 followers
January 25, 2024
O meu primeiro livro de Dulce Maria Cardoso.
O retorno retrata o regresso de uma família de retornados para Portugal, através das reflexões de um adolescente.

Gostei muito do livro. Acho que retrata muito bem os pensamentos, medos e revolta da comunidade de retornados.
A minha família materna também morou em Angola e retornou em 1975. Ler este livro fez-me refletir acerca dos receios e da coragem que os meus avós tiveram de ter - Largar tudo o que conquistaram em Angola e voltar para Portugal sem nada. Para recomeçar e reconstruir uma vida que simplesmente tiverem de abandonar.

Escrita poética. Ansiosa para ler mais da obra da Dulce Maria Cardoso

[Li em formato físico]
Profile Image for Carla.
285 reviews85 followers
June 11, 2015
“O Retorno” é um livro que gira em torno da história de uma família (o antes e o depois) confundindo-se com a História de um país que “não era só Portugal”. Impele à reflexão, à demarcação de fronteiras e abismos, ao esquadrinhar de motivações.

Dulce Maria Cardoso escreve de forma sublime.
Profile Image for Diana Marques | Papéis e Letras.
109 reviews101 followers
April 29, 2021
O Retorno é um livro curto, de fácil leitura e que nos fala da forma como foi vivida o retorno dos portugueses que viviam em Angola, aquando da descolonização e da independência de Angola, em 1975. Todas estas mudanças são-nos oferecidas pelo ponto de vista de Rui, um rapaz com cerca de 15 ou 16 anos, que nos fala da vida em Luanda, das suas experiências com os amigos, na escola, das pessoas, das festas, dos sítios que costuma frequentar e de como é viver em África.

Conta-nos, ainda, do início dos tiros, das pessoas a voltarem para Portugal, uns mais cedo e outros mais tarde, de como de repente as pessoas se passaram a olhar com desconfiança e com ódio, principalmente entre brancos e negros. Esta cisão é cada vez mais marcada e faz com que o medo de ficar em Angola aumente, provocando um êxodo de África para Portugal.

No entanto, retorno a quê? A onde? Grande parte destas pessoas nunca esteve em Portugal, já nasceram em Luanda, outras fugiram há muitos anos da pobreza de Portugal e em busca de uma vida melhor. Por isso, é um retorno a uma terra que não conhecem, a uma cultura mais fechada e sombria, um retorno a um país mais frio, contido e em ebulição causada pela revolução de 1974. E a família de Rui veio de Luanda para a metrópole sem nada, como a grande parte das outras pessoas, praticamente só com uma mala por pessoa, para ficarem alojados num hotel do Estoril, sem saberem até quando e se algum dia sairão de lá.

E são estas questões que percorrem todo o livro. Rui não percebe porque tiveram de voltar, porque é que de repente as coisas mudaram, porque é que os portugueses da metrópole não gostam dos que vieram das colónias, porque é que tinham tanto, em Angola, e agora não têm nada, ao ponto de toda a roupa que têm e os materiais de escola serem dados por instituições como o IARN. Rui é um miúdo que expressa muito bem a tristeza, a frustração e a incompreensão do porquê de serem tratados como cidadãos de baixa categoria, principalmente quando comparava a vida boa e normal que tinha em Luanda.

Este livro fala-nos destas diferenças tão acentuadas entre as duas culturas e os dois modos de vida, entre Lisboa e Luanda que, ainda que populadas por portugueses, não são iguais. Fala-nos de medo, de injustiças, dos ideais da revolução de Abril, da quantidade de revolucionários que Rui não compreende, e de um retorno a uma pátria que nunca se conheceu e que os deixa mais pobres.

Gostei bastante deste livro. A escrita é única e, por vezes, desafiante. O registo é quase oral, na medida em que o que está escrito assemelha-se muito à forma como contamos histórias oralmente. Por isso, a narrativa é pontuada, maioritariamente, por vírgulas e pontos finais; o discurso directo está incluído no seguimento do indirecto, sem aspas, nem travessões e, por isso, pode ser exigente em alguns momentos. Confesso que a mim não me fez confusão: quando percebemos o registo, nas primeiras páginas, acabamos por nos habituar à escrita.

Gostei bastante desta história que me fez, inclusive, procurar mais sobre a história de Angola, da sua independência e da vinda dos portugueses para Lisboa. Sim, vinda. Não, não foi um retorno. Foi uma fuga obrigatória para um país com pessoas, costumes e clima tão diferentes, com todas as dores que isso possa causar. Recomendo vivamente este livro e quero muito explorar mais a obra desta autora.
Profile Image for Ensaio Sobre o Desassossego.
428 reviews216 followers
February 16, 2022
O que significa deixar tudo para trás? O que significa trabalhar uma vida inteira, e de um dia para o outro ter de deixar tudo, partir apenas com uma mala e 5 contos por pessoa? O que significa voltar ao país em que se nasceu mas que não nos quer? O que significa ser retornado?

Ainda há muitas feridas abertas em relação à Guerra Colonial e à descolonização e este livro é uma forma de descobrirmos mais sobre o nosso passado recente. "O Retorno" é um livro fundamental para perceber a história portuguesa do século XX e para entender o que significa ser retornado.

A literatura também serve para ensinar história, mas sem o peso que a história ensinada de forma formal acarreta. Além de que na escola, o tema dos retornados não é propriamente abordado (aliás, tudo o que envolve a presença dos portugueses no continente africano nunca foi muito bem ensinado nas escolas portuguesas - sempre fomos vistos como os bonzinhos que foram lá civilizar e ajudar os pobrezinhos coitadinhos, que não eram nada antes de os portugueses lá chegarem).

Senti uma simplicidade, uma pureza, uma classe sem ser elitista ou aborrecida na escrita de Dulce Maria Cardoso que fiquei verdadeiramente encantada. Porém, faltou faltou ali qualquer coisa para chegar às cinco estrelas, na minha opinião. Faltou um danoninho

Gostei muito da escolha do narrador, um adolescente que olha para tudo ainda com a inocência da idade, mas também já com a irreverência e a certeza da razão que nos acomete a todos nessa fase (de estupidez).

O facto de ser narrado por um adolescente ajuda a aligeirar algumas situações bastante dramáticas relatadas no livro e ajuda também a que esta seja uma leitura fluída e impossível de largar. É um livro que incomoda, sim, é um murro no estômago, sim, e (e não "mas") é brilhante

Gostei muito, muito mesmo da escrita da Dulce Maria Cardoso, apesar de o livro em si não me ter arrebatado. Fiquei com vontade de ler mais coisas da autora, isso sim, e talvez o próximo a ler seja o livro de crónicas.

Uma autora portuguesa contemporânea que merece ser lida e conhecida por todos.

"Então a metrópole afinal é isto."
Profile Image for Carlos Cardoso.
51 reviews2 followers
April 4, 2023
Uma das melhores coisas de se gostar de ler é de ter a maravilhosa experiência de ter a possibilidade de ler histórias escritas pela Dulce.
Simplesmente brilhante
Profile Image for Erasmia Kritikou.
346 reviews117 followers
May 28, 2022
"Αλλά στη μητροπολη εχει κερασια, κερασια μεγαλα και λαμπερα που τα κοριτσια βαζουν στ αυτιαι τους ταχα μου για σκουλαρικια. ομορφα κοριτσια, τετοια που μονο στη μητροπολη υπαρχουν "

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Aχ, τι ομορφο βιβλιο ηταν αυτο!
Οπως σχεδον με ολα τα βιβλια που καταληγουν να γινουν τ αγαπημενα μου, την πρωτη φορα μου φανηκε δυσκολο και το αφησα.. ποσο χαιρομαι που το ξαναπιασα! Εχει ξανασυμβει με το Αρχεγονο, το Κονφιτεορ, και αλλες, ουκ ολιγες φορες.
Ναι, τα δυσκολα βιβλια. Τα αμιγως ιστορικα, τα συνειρμικά, τα παρασυρτικά, αυτά τα δυσκολα βιβλια που θελουν συγκεντρωση, αλλα η αφοσιωση αυτη ανταμειβεται, παντα.

Νοσταλγικό, σπαρακτικό, χειμαρρωδες, γραμμενο στο stream of consciousness ενος εφηβου, η ιστορια μιας εκπατρισμενης οικογενειας, η αγωνία της μεταναστευσης, η δυσκολια της επιβιωσης, η επιβιωση μεσα απο φιλανθρωπιες, ο ρατσισμος ως βιωμα, τα κοινωνικά διλημματα, τα πολιτικά τερτιπια που παρασυρουν στην δυστυχια ενα εθνος ολοκληρο, η προσπαθεια αφομοιωσης, η αναγκη φυγής, η οικογενεια ως πυρηνας ασφαλειας και ανασφαλειας, ενα τοσο πολυδιαστατο βιβλιο, τοσες πολλες σκεψεις "θελω να μπορω na σκεφτομαι ενα πραγμα την φορά" αυτο ζητα ο Ρίου, ο νεαρος πρωταγωνιστης της πρωτοπροσωπης αφηγησης - τα πρωτα ερωτικά σκιρτηματα, η ευθυνη του ως προστατη οικογενείας, η ενηλικιωση ως βαρος στους ωμους ενος ακομη παιδιου που καλειται να σταθει στα ποδια του και στο υψος των περιστασεων νωριτερα απ οτι του ειναι μπορετό.

Ελεγα στον αντρα μου οτι αυτο το βιβλιο που διαβαζω θελω να του βαλω πεντε αστερια αλλα δεν μπορω. Μου λεει περιμενε καμια φορα αλλαζεις γνωμη ως το τελος, αλλα οχι, δεν αλλαξα γνωμη, εβαλα πεντε αστερια αλλα θα δωσω διευκρινηση στην κριτική γαι 4.5. Ο εκδηλος ρατσισμος ειναι κατι περα απο τα δικα μου ανεκτα ορια - οι ανωτεροι λευκοι οι δολοφονοι αγριοι μαυροι - οι ανωτερες λευκες οι πορνες, ευκολες μαυρες. Ξερω οτι δινεται στο κειμενο ως αντιληψη του τοπου των ανθρωπων της περιοχης, αλλα θα ηθελα να το δωσει αλλιως γιατι με ενοχλησε πραγματικά. Νιωθω σαν να το εζησε και να το επικροτεί η λευκη, καυκασιανή συγγραφεας, και μακαρι να καταλαβα λάθος.

Αλλα το βιβλιο ηταν παρα πολυ ωραιο. και τι μεγαλη εκπληξη, το ειχα παρει τυχαια στο παζαρι του καστανιωτη με 3ε νομιζω, μ αρεσε το εξωφυλλο και η βαθμολογια εδω στο goodreads, ηταν ολα δηλαδη τυχαια, τι ωραιες συγκυριες για να μπεις σ εναν μαγικο, λυρικο και σπαρακτικό κοσμο, οπως αυτη η αληθινη ιστορια και βιωμα της ντουλτσε μαρια καρντοσο. Καρδουλα

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"Μέχρι να παμε στην Αμερική πρεπει να δεχτουμε αυτο το δωμστιο με το μπαλκονι απ' οπου φαινεται η θαλασσα για σπιτι μας. Ειναι ο μονος τροπος να προχωρησουμε παρακατω. Ο πατερας ελεγε, ο ηλιος μπορει να σε τυφλωσει, αλλά μη σε νοιάζει, αν του γυρίσεις την πλάτη η σκιά σου θα κρύψει αυτό που ψάχνεις."
Profile Image for Maluquinha dos livros.
319 reviews135 followers
August 31, 2020
5 ⭐️⭐️⭐️⭐️⭐️

1975. Lisboa. Retornados.
Queria muito ler algo de Dulce Maria Cardoso e só podia iniciar com este. Cresci a ouvir histórias de retornados de Moçambique e, por isso, a escolha não podia ser outra.

A história é narrada na primeira pessoa por um rapaz de 15 anos e construída através dos seus pensamentos e interação com outras personagens. Rui e a sua família são arrancados da única terra que conhecem, Angola, e devolvidos a um país que, apesar de ser o seu, lhes é totalmente estranho. Para trás, deixam tudo: sonhos, esperança, pertences e até o pai. São obrigados a deixar tudo em Angola, não há tempo a perder e em Lisboa são instalados num hotel onde estão todos os outros retornados. Rui é obrigado a crescer, a esquecer todos os seus sonhos e planos, e de repente vê-se a ter de tomar conta da mãe e da irmã, num país que os rejeita.
O contexto histórico é narrado de uma forma extraordinária, o que me leva a crer que a autora deve ter vivido esta situação. Gostei bastante da forma como as personagens estão construídas, cheias de imperfeições que as tornam ainda mais reais.
Achei que o texto, escrito ao estilo de Saramago, seria difícil de acompanhar. Na verdade, vamos tendo diálogos e pensamentos que exigem atenção, mas é uma leitura bastante fluída. Gostei de rever alguns termos que são típicos de quem viveu numa ex-colónia, como “geleira”, “matabicho” e creio que este livro nos dá a conhecer esta parte da nossa história de uma maneira real.
Profile Image for Sofia.
1,034 reviews129 followers
July 7, 2020
Este livro foi-me "vendido" como sendo um livro sobre os retornados, mas na verdade vejo-o mais como um livro sobre a adolescência, principalmente de um ponto de vista masculino, com uma contextualização histórica à época do PREC.
Notável o trabalho da autora ao conseguir criar uma voz narrativa verosimilhante de um adolescente de 15 anos e que espelha de algum modo o clima de instabilidade política, económica e social da época.
Profile Image for Carolina Bento.
116 reviews7 followers
December 26, 2022
Os meus avós e mãe foram retornados como o Rui. Há muito que eu não sei, imensas histórias demasiado dolorosas para serem contadas. Ler este livro permitiu-me contactar com uma parte da minha herança familiar que nunca tive coragem suficiente para desenterrar. Acho que nunca o farei. Há segredos e memórias que só mãos e mentes tão extraordinárias como as de Dulce Maria Cardoso podem iluminar.
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