"Sobre o clima, os costumes, as manhas, a bruteza, os vícios, a má comida... A lista começou com Júlio César, alongou-se no decorrer dos séculos, tem casos extremos como o do mal-agradecido Voltaire que, em vez de dar graças pelo refúgio oferecido, sintetizou venenosamente os Países Baixos em "Canards, canaux et canailles". Jesuíta e diplomata, António Vieira disse pior, mas diplomaticamente. De facto são muitos os críticos mordazes de um país em que outros só vêem campos de tulipas, moinhos a rodar serenamente, montes de queijo, diques, água, abundância de belas raparigas loiras e desempenadas. Assim, o optimista Ramalho Ortigão escreveu a suave aguarela que, para muitas gerações, funcionou como relato exemplar de um país exemplar. O meu caso difere."
De ascendência transmontana, J.Rentes de Carvalho nasceu em 1930, em Vila Nova de Gaia, onde viveu até 1945. Frequentou no Porto o Liceu Alexandre Herculano, e mais tarde os de Viana do Castelo e de Vila Real, tendo cursado Românicas e Direito em Lisboa – onde cumpriu o serviço militar. Obrigado a abandonar o país por motivos políticos, viveu no Rio de Janeiro, em São Paulo, Nova Iorque e Paris, trabalhando para jornais como O Estado de São Paulo, O Globo ou a revista O Cruzeiro. Em 1956 passou a viver em Amesterdão, na Holanda, como assessor do adido comercial da Embaixada do Brasil. Licenciou-se (com uma tese sobre Raul Brandão) na Univ. de Amesterdão, onde foi docente de Literatura Portuguesa entre 1964 e 1988. Dedica-se desde então exclusivamente à escrita e a uma vasta colaboração em jornais portugueses, brasileiros, belgas e holandeses, além de várias revistas literárias. A sua bibliografia inclui romances (entre eles, Montedor, 1968, O Rebate, 1971, A Sétima Onda, 1984, Ernestina, 1998, A Amante Holandesa, 2003), contos, diário (Tempo Contado ou Tempo sem Tempo), crónica (Mazagran, 1992) e guias de viagem. O seu Portugal, een gids voor vrienden (Portugal, Um Guia para Amigos), de 1988, esgotou dez edições. Com os Holandeses (Waar die andere God woont, publicado originalmente em neerlandês, em 1972, e um sucesso editorial na Holanda) é a primeira obra de J. Rentes de Carvalho no catálogo da Quetzal. O mais recente título de Rentes de Carvalho é Gods Toorn over Nderland – A Ira de Deus sobre a Holanda.
Este livro é como aquelas críticas que fazemos às pessoas de que mais gostamos: julgamo-las com muito mais rigor, precisamente porque gostamos delas, e os seus defeitos, mesmo os mais pequenos, nos afetam muito mais do que os grandes defeitos daqueles que não têm importância para nós.
Parece-me que é o que acontece a Rentes de Carvalho, e por isso as críticas às vezes lhe saem verrinosas e a roçar a crueldade, mas lá no fundo, não passam de uma declaração de amor:
E assim me verão palmilhar as ruas de Amsterdam sem razão nem destino, envolto pela turba que passa, ou meter pelos atalhos e as estradas da província, parando nos molhes, subindo aos diques, caminhando longamente pelas praias e pelos bosques. A temer o momento em que, longe da Holanda, ela se torne para mim uma saudade.
Que se comparem com as daqui a escola maternal para onde me mandaram aos quatro anos: uma sala escura com duas janelas que davam para um pátio sombrio e sujo. Isso seria o menos, mas quando nela entrávamos às nove da manhã, com a sacola onde carregávamos a lousa, o caderno e o livro do abecedário, sentávamo-nos no chão à espera da professora – manca, feia, mal humorada, e cunhada dum polícia, ainda me lembro – de costas contra a parede e o sentimento de animais acuados numa jaula. Ela chegava apoiada ao símbolo da autoridade, uma cana negra de mais de dois metros, com que mais tarde nos zurziria as orelhas sem precisar de se levantar da única cadeira que, atrás da única mesa, constituía o mobiliário. Rezado um padre-nosso pelos nossos pecados e pedido perdão a Deus pelos maus pensamentos que tínhamos tido – sim, sim aos quatro anos – entrávamos sem demora na tabuada e nas primeiras letras, sentados orientalmente à maneira de alfaiates, as pernas cruzadas, as costas doridas, a lousa sobre o apoio instável dos joelhos. Três horas cada manhã, três horas cada tarde, recreio nenhum, e a cana que nos malhava a cabeça ou nos despegava as orelhas, só porque mexíamos ou porque, fartos, dávamos uma cotovelada no vizinho. O dia terminava com outro padre-nosso, e se o Paraíso realmente existe, as almas quando lá entram devem sentir uma alegria igual à que sentíamos quando se nos abria a porta da rua.
Comprei este livro assim que soube que vinha morar para a Holanda, para conhecer um pouco mais sobre a cultura e o povo. Alguns dos relatos são hilariantes e fizeram-me rir nas minhas viagens de autocarro. Outros quase que me preocuparam, porque de facto este povo não é o mais simpático do mundo quando não beneficiam nada dessa simpatia. Até agora fui extremamente bem tratada nos restaurantes e em todas as lojas onde essa simpatia é necessária para que eu compre alguma coisa. Mas das 2 vezes que pedi favores, recebi "nãos" redondos e directos. Duros, até. Não posso negar que é fácil apaixonarmo-nos por um país assim... Contudo, a minha saudade está (para já) em Portugal <3
Afirmar que, ao chegar ao final do livro, fiquei com o desejo de perguntar a José Rentes de Carvalho (JRdC) o que pensa da "sua" Holanda actualmente, talvez seja o maior elogio que possa fazer-lhe.
JRdC pega em variados tópicos, tentando sempre que possível fugir aos clichés - leiam-se papoilas, moinhos, diques, sexo, entre outros - , arrisca dissecá-los, de acordo com as suas convicções, salvaguardando a todo o momento a sua posição de não-dogmático, pessoa singular e educada, moderando discursos, pedindo compreensão.
Se em alguns pontos (poucos!) a leitura voa sem atentarmos ao que estamos a ler, na sua grande maioria encontramos assuntos que nos prendem a atenção e, por si só, fazem as páginas voar.
Assumo que gostei bastante dos capítulos sobre a família, os negócios, as manifestações-associações, o auxílio aos países subdesenvolvidos e toda a temática ligada aos media. O próprio capítulo final é uma enorme cereja oferecida por JRdC. Em "Dez Anos de Mudanças", como o nome sugere, seguimos o autor a debater-se com considerações sobre alterações que surgiram no período de dez anos após o término do capítulo anterior.
Como diria José Rentes de Carvalho: "Eu gosto da Holanda. Não sou insensível ao arrumo, à eficiência, aos direitos, à correcção, às certezas, confortos e seguranças que ela me oferece. Gosto da Holanda mesmo naquilo em que ela diametralmente se opõe a outras simpatias minhas. (...) E assim me verão a palmilhar as ruas de Amsterdam sem razão nem destino, (...). A temer pelo momento em que, longe da Holanda, ela se torne para mim uma saudade".
Sem dúvida um bom livro recomendo a todos os que queiram adquirir mais conhecimento sobre a cultura Holandesa e sobre o comportamento dos Holandeses na sociedade. É interessante a antítese quase permanente entre a cultura Holandesa e a Portuguesa. Os factos reais contados na primeira pessoa são hilariantes, está excelente.
Gostei do meio capítulo sobre Amesterdão e o último parágrafo do livro sobre saudade, mas de resto não achei o livro nada de especial, e achei o autor um bocado disagreeable
The book is extremely well written, which is to be expected when we are dealing with Rentes de Carvalho. The only thing is that it does not involve one except in a "cerebral" kind of way... Qualities: I think Rentes de Carvalho tries to be fair in his views and at the same time one can "feel" he loves Holland and the Dutch for what they are. The book in interesting, informative and often very true.
Este livro deveria ser de leitura obrigatória para todos os que pretendem emigrar para a Holanda e para todos os que lá vivem, porque explica de forma simples e ao mesmo tempo meticulosa, a forma de pensar, trabalhar e viver dos Holandeses. Recomendo e ofereco este livro várias vezes. Pra rematar, o Rentes de Carvalho escreve maravilhosamente, é um prazer lê-lo!
Interessant tijdsbeeld. Erg kritisch voor zowel de Nederlandse benepenheid (met verrassend veel verdoken racisme) als voor de losgeslagen progressiviteit en jeugdcultuur van begin jaren 70. In een heel vloeiende stijl geschreven. Niet onaangenaam om als Belg/Vlaming te lezen, voor de Nederlander allicht wat pijnlijker qua confrontatie.
Reads more like a series of chronicles/opinion articles than a book. Contains the author's view of the country that welcomed him and where he has lived most of his life. The author is aware that characterising a country's population is always an impossible task. But he tries to characterize the general population.
At the time of writing, 1971, Rentes de Carvalho had left the authoritarian country of Portugal, so his reflections of how a democratic country works, in opposition to his home country are very interesting.
It's funny how some of the contemporary criticism of the left are already present here. Rentes de Carvalho, in 71, is complaining about performance activism and that the far leftists would happily accept a dictatorship (here referring to Maoists) in the name of more freedom to the people.
Some of it is dated (food culture has improved greatly - which is a surprise to anyone who goes to the Netherlands these days still) while other parts are accurate to these days (people still mutter to themselves when complaining but no dares causing a scene).
Racism, solidarity, word view, and the mercantilist mentality as well as a propensity to try to improve the world - all aspects of the Dutch psyche that the author describes.
Descrição da Holanda desenvolvida através da própria experiência do escritor, durante os anos 70 e 80, numa perspetiva o mais realista possível. E, não obstante ser nos anos 70 e 80, é uma leitura ainda bastante atual.
"Com os Holandeses faz a crónica, não de um, mas de vários e violentos choques que a Holanda e o seu povo me causaram, quando há mais de meio século me vi entre eles. Antes de acalmar, aprender e compreender, foram longos os anos em que andámos em pé de guerra e, a exemplo dos meus ilustres antecessores, não resisti ao desabafo. Não os insultei, nem feri com setas envenenadas, mas à sinceridade da crítica só pus os travões da decência. De seguida aprendi uma lição: em vez das pauladas que esperava, que talvez merecesse, os holandeses mostraram que me tinham em apreço, agradecendo a franqueza."
Foi através da lista do Público "Volta ao mundo em 80 livros" que tive conhecimento desta obra de J. Rentes de Carvalho. Surpreendeu-me muito, pela positiva. Com uma escrita fluída e cheia de humor, recorrendo a experiências pessoais e registos da altura, este autor português discorre sobre diversas características comportamentais e culturais que foi observando no povo holandês ao longo da sua estada de décadas nesse país.
Uma postura muito crítica, dura e frontal, que a determinado ponto também me fez pensar se não seria exagerada. O próprio autor admite isso, e vai fazendo ressalvas ao longo do livro. Quase como se fosse um amigo de longa data que tem o conhecimento de causa suficiente para poder (e dever) fazer as críticas que ache justas a uma sociedade.
Impossível não ler o livro sem recordar algumas "saídas" de dirigentes holandeses sobre Portugal. Sem pensar nas vantagens e desvantagens de diferentes formas de organização da sociedade. Sem se impressionar com os impactos globais, bons e maus, que uma determinada "filosofia de vida" de um povo pode ter. E sem ver nele um prelúdio sobre as crises (Crise das Dívidas Soberanas por exemplo) e tendências (como o crescimento da extrema-direita na Europa) futuras, uma vez que foi escrito em 1971!
Depois de ter lido o "A Ira de Deus Sobre a Europa", era obrigatório ler este livro dos anos 70, onde se tratam pessoas de origem africana como "pretinhos" e se considera que os holandeses têm um problema grave de racismo… lembrou-me o retrato dos portugueses no "Fado Tropical". Enfim, anos 70, outro lado do tempo ("the past is a different country", etc.), desculpa-se e entende-se.
É completamente compatível com o retrato aqui traçado dos autóctones ter acontecido que este livro foi profundamente considerado pelos holandeses ("um retrato franco") e objecto de uma audição com a rainha, enquanto o outro ("A Ira de Deus"), que é sobre a experiência imigrante no país e as dificuldades insuperáveis de integração, foi completamente boicotado e mesmo desprezado.
Extraordinariamente bem escrito, altamente recomendado e lê-se de um fôlego (lido em papel).
José Rentes de Carvalho reside há 50 anos com os holandeses. Ao fim de 25 anos escreveu aquilo que eram as suas impressões da Holanda e de quem lá mora. Passados dez anos (35 entre os holandeses) as suas opiniões pouco haviam mudado.
Este não é um registo de como a Holanda é um país tolerante onde tudo corre bem. É, pelo contrário, o retrato fiel de um país de falsa tolerância, de racismo encoberto e onde tudo tem de ser feito de acordo com o manual de instruções. É também um retrato de um país organizado e que sabe exatamente como vai salvar o mundo. Pena o mundo não lhes pedir a opinião mais frequentemente.
I thought I would read a Portuguese author for a change. In the book "With the Dutch", J. Rentes de Carvalho talks about living in Holland for 25 years, his relationship with the Dutch and he makes some comparisons between Portugal and Holland. In my opinion the book is very clear and straight to point, but it can be a bit negative sometimes. If you want to know more about the Dutch and Holland this is a great book to start.
Uma crítica à sociedade holandesa bastante bem conseguida em muitos aspectos. É preciso ter presente, contudo, que o livro foi escrito em 1971 e, portanto, não reflecte a evolução de algumas características sociais.
Crónica desempoeirada dos holandeses com uma escrita simples e corrida. Descobrimos as idiossincrasias, defeitos e virtudes de um povo de comerciantes eficientes na busca do lucro. Vale a pena ler.
A lucid and good-tempered portrait of a country and its people. Engagingly written, though referring to the 70's (which leads the reader to keep a bit of distance).
"Com o entusiasmo e a ignorância dos ingénuos, meti-me no negócio, dispondo de uma certeza: que a maioria dos comerciantes que tinha visto passar pelo Braziliaans Handelsbureau mal chegava a uma craveira intelectual mediana (eu substimava estupidamente o formidável poder da manha, e de um obstáculo: a falta de capital).
"Voltando ao sócio: o homem não tinha virtudes nem defeitos extremos, e hoje, à distância de tantos anos, guardo dele uma recordação cinzenta. [...] De holandês tinha algumas bizarrias: falar alemão a despropósito, como quem domina a língua a fundo, e visitar o estrangeiro de forma a bater um recorde que o seu falecido pai tinha estabelecido ao dançar em vinte e dois países."
"Que se comparem com as daqui a escola maternal para onde me mandaram aos quatro anos [...] Três horas cada manhã, três horas cada tarde, recreio nenhum, e a cana que nos malhava a cabeça ou nos despegava as orelhas, só porque mexíamos ou porque, fartos, dávamos uma cotovelada no vizinho. O dia terminava com outro padre-nosso, e se o Paraíso realmente existe, as almas quando lá entram devem sentir uma alegria igual à que sentíamos quando se nos abria a porta da rua."
Há fronteiras que não se devem cruzar. Ao abrir-nos a porta para a sua intimidade, JRC, o autor brilhante de O Meças e tantos outros excelentes romances, mostra-nos o seu lado mais mesquinho, ressabiado e cheio de mais sentimentos, afinal como o mais comum dos mortais (mas dos quais não reza a história nem lhes lemos as confissões). Muitas vezes contraditório sobre as virtudes e defeitos dos Holandeses, acaba frequentemente por descrever defeitos de qualquer povo, por vezes até mais dos Portugueses, em demonstração de pura irritação para com o semelhante, fosse na Holanda ou em qualquer parte. Sabendo de antemão que o livro não era simpático para os Holandeses, espicaçado até por essa curiosidade, acabei por não desistir da leitura já em dificuldade. O lado pior de JRC.
Uma leitura interessante, na saborosa prosa de Rentes de Carvalho. Através da visão do autor sobre terra onde foi imigrante, numa primeira fase escrita em 1971 e noutra, dez anos mais tarde, constrói-se também uma reflexão sobre a forma como interagem as populações locais com os estrangeiros que chegam aos seus países para trabalhar e viver. Cheio de atualidade e ao mesmo tempo muito datado, este é um livro que vale também pelos prefácios. Da edição que li, há ainda a dizer que a capa é maravilhosa. Reproduz um quadro do pintor flamengo Pieter Bruegel, o Velho: "Paisagem de Inverno com Patinadores no Gelo". É uma capa que pisca o olho ao potencial leitor, sejamos francos. A mim, chamou-me a atenção. Nunca antes tinha ouvido falar deste livro.
Soms is een beoordeling met simpele sterren oneerlijk. Als karakterschets van Nederland uit de jaren '70 was dit zeker geen slechte roman. Als update voor een in het patriarchaal onderwijs toendertijd alomtegenwoordige karakterschets uit de 19e eeuwse literatuur was hij verfrissend voor de Portugezen. Als een milde evenknie van Jan Cremer's anti-establishment blijft hij verfrissend voor de Nederlander.
Het is maar dat ik geen Nederlander ben & leef in een digitaal tijdperk waar nationale clichés deel uitmaken van youtube humor. Het kost iets meer moeite om de link te leggen met het "geniepig rascisme" dat de Lage Landen delen. Of om de "Muggles!" ondertoon te smaken.
Uma experiência interessante. Com o autor partilho o país onde estamos, e o país de onde viemos. A Holanda descrita já vai a 50 anos de distância, mas ainda é reconhecível aos olhos dos meus (ainda tenros) 25 anos de idade.
Embora ainda esteja no início do meu caminho por aqui, partilhamos também o medo do momento em que, “longe da Holanda, ela se torne para mim uma saudade.”
Desenganem-se os leitores, este livro é sobre Portugueses! Sendo relativo a uma vivência nos Países Baixos (ou Holanda) de 1960, é uma experiência que tem muito pouco a dizer sobre a realidade atual, o que é compreensível. São algumas conversas de café sobre episódios caricatos, é OK.
Nesta obra o autor mergulha na cultura holandesa e no espirito, por vezes difícil de entender, do seu povo, numa narrativa fácil de ler. A perspectiva mercantil e o paradoxo da falsa liberdade sao explorados de forma genial. Um livro sem pretensões que diverte ao mesmo tempo que ensina e nos põe a pensar.
Quando, num sábado de Março de 1956, chegou a Amsterdão, J. Rentes de Carvalho estaria longe de imaginar que as voltas da vida o levariam a fixar-se tão solidamente no país das tulipas. Os porquês ficam levemente explanados neste livro. Já a Holanda e os holandeses são aqui alvo de uma profunda reflexão, fruto dos vários e violentos choques de mais de meio século de permanência. Antes de acalmar, aprender e compreender, foram longos os anos em que o autor permaneceu em pé de guerra, não resistindo aos desabafos. Não proferiu insultos, não feriu quem o acolheu com setas envenenadas, mas à sinceridade da crítica só pôs os travões da decência. Com isto aprendeu uma lição: “Em vez das pauladas que esperava, que talvez merecesse, os holandeses mostraram que me tinham em apreço, agradecendo a franqueza.”
Terceira obra de José Rentes de Carvalho, “Com os Holandeses” evidencia o cariz autobiográfico da sua prosa, particularmente significativo em obras posteriores, como “Ernestina” ou “La Coca”, mas que se insinuava já no seu romance de estreia, o belíssimo “Montedor” (1968). É um livro que, remetendo para factos e números de há meio século atrás, deveria exigir do leitor disponibilidade e algum esforço para se enquadrar política e socialmente com a realidade vigente. A verdade, porém, é que ao ouvirmos hoje as bojardas de senhores como Dijsselbloem ou Rutte, percebemos que a Holanda e os holandeses pouco ou nada mudaram. E assim continuam a enriquecer e a entesourar à custa do parasitismo fiscal sobre os outros países da União Europeia, nomeadamente os países do Sul que pretendem domar.
Do trabalho às famílias, da imprensa à culinária, da tecnologia à revolução sexual, de tudo isto e muito mais nos fala J. Rentes de Carvalho neste seu livro, dando a ver o quanto a religião, a política e o dinheiro são a trindade das paixões dos holandeses. Fá-lo no seu jeito muito próprio, sem rodeios, o tom sarcástico a pontuar muitas das suas observações, uma pitada de humor a temperar o discurso, provando o quão enraizada se mantém a sua oposição a uma certa maneira holandesa de ser até aos dias de hoje. Desconcertado com algumas bizarrias, divertido com os hábitos de um quotidiano em constante contradição e espantado com certos números – desconhecia por completo que, em volume e valor, o café é o segundo produto do comércio mundial, logo a seguir ao petróleo, e que em ambos dispõem os holandeses uma posição extraordinariamente relevante -, o leitor só pode sair deste “Com os Holandeses” mais enriquecido. E de pé ainda mais atrás!
Este livro é no fundo o discurso dado por um bêbado numa tasca entre amigos.
Um conjunto de anedotas, piadas e historias satiricas sobre o povo Holandes e os seus costumes, os choques culturais etc. Uma leitura fácil, mas não muito memorável.