Passageiro do fim do dia é um romance primoroso de Rubens Figueiredo, que confirma a importância do autor no cenário literário nacional. O livro narra uma longa e tensa trajetória de ônibus, do centro à periferia de uma cidade grande e violenta. Este romance de escritura primorosa narra um percurso. É o que se opera na consciência de Pedro durante uma viagem de ônibus para o bairro do Tirol, na periferia pobre da cidade onde mora - uma espécie de panela de pressão de violência e injustiça sistemática. É lá que mora Rosane, namorada de faz algum tempo que ele passa os fins de semana com ela. De radinho no ouvido, lendo a intervalos, observando o que se passa dentro do ônibus e fora nas ruas, Pedro, sem se dar conta, costura as ideias. Ao fim da viagem ele não será mais o o que vê e pensa durante o trajeto, os fatos de sua vida, seus afetos, o mundo em que está imerso, tudo reunido terá formado um novo conhecimento, mais profundo e mais crítico, mas que nem por isso o deixará desprotegido numa sociedade em que parece não haver como fugir de um destino opressivo. O passageiro do fim do dia não deixa dúvida sobre a importância de Rubens Figueiredo no cenário literário contemporâneo no Brasil.
O livro não é ruim, é bem escrito, a história é boa e o paralelo com Darwin é interessante - ainda assim, nem esse paralelo conseguiu afastar para mim a pontinha de fetiche com a pobreza.
Um pouco de esquematismo enfraquece o livro: a partir de certo ponto, a estrutura é excessivamente reiterativa; isso, no entanto, não dirime seu interesse. A viagem alegórica pela história de violência do Brasil, representada na viagem de ônibus, é composta a partir de um belo painel montado pelas lembranças de Pedro, o protagonista de "Passageiro do fim do dia". O problema da desigualdade social e do racismo surge nesse livro de forma orgânica: não é, em nenhum momento, panfletário ou palavroso; é, afinal, a desigualdade e o racismo que nós mesmos acompanhamos, observamos, sentimos no ar. Não existem exortações ou diatribes, existe apenas a observação exata do dado cotidiano. As descrições extensas são precisas, não só pelo sua qualidade mimética (ou seja, não só por sermos capazes de "ver" o cenário descrito), mas também pela criação no próprio texto da atenção dispersa e, ao mesmo tempo, arguta do protagonista: texto é o olhar de Pedro sobre o mundo. Rubens Figueiredo consegue um feito: escrever um livro que, enquanto responde aos projetos de seu autor (projeto de literatura e também projeto de Brasil), atinge também uma boa qualidade estética - elogio que um comentário mais extenso poderia desenvolver -, com um texto bem construído e de amplo escopo.
A viagem de ônibus para a casa da namorada é o ponto de partida para abordar os perrengues da vida de moradores pobres da periferia. Diferente de muitos livros que abordam esse tema, aqui passamos longe da questão das drogas e tráfico (ainda bem) e o foco se dá em histórias tristes do cotidiano, como a tentativa frustrada de comprar comida no supermercado com um cartão dado pelo governo, a remuneração baixa para um trabalho extenuante ou o precário atendimento nos hospitais.
A narrativa é bem conduzida pelo Rubens Figueiredo, mas achei que o Pedro era um personagem que merecia ser melhor desenvolvido (a história de vida de sua namorada se mostra bem mais interessante). Além disso, fiquei com a impressão que o foco às vezes era excessivo demais em algumas passagens pouco interessantes e raso demais em outras que podiam render mais...
Livro lido 6°/Ago//43°/2017 Título: Passageiro do fim do dia Autor: Rubens Figueiredo (Brasil) Editora: @companhiadasletras Publicado: 2010 Páginas: 193 Minha classificação: ⭐️⭐️⭐️ _____________________________________________ Foi por puro acaso que topei com este livro, o Passageiro do fim do dia, e meu espanto maior se deu ao ver que o autor era o Rubens Figueiredo.
O Rubens eu conhecia das excelentes traduções que fez e faz, a exemplo de Paul Auster e vários clássicos russos como o portentoso Guerra e Paz de Tolstói, na bela edição da Cosac Naify.
Pois fui buscar e vi que de fato o tradutor também era escritor e meu deleite aumentou logo nas primeiras páginas desse quase romance...
Passageiro do fim do dia conta a trajetória de Pedro, um vendedor de livros usados, na sua -- quase diária -- viagem de ônibus do centro para o bairro do Tirol, no Rio de Janeiro. Para muitas pessoas ir e voltar nas intermináveis viagens são um martírio diário, os lugares e paisagens como que se tornam um imenso bloco sem cor nem detalhe. Mas não para Pedro. Sua percepção é acurada, detalhista nas páginas de Figueiredo. Ele não exita em focar alguma nuance dessa viagem, cada pessoa que vai compondo a fila de pessoas à espera do ônibus para o Tirol, o que cada uma faz para minimizar a espera, onde elas põem seus olhos, seus gestos... nada passa ao atento olhar de Pedro.
Logo a viagem para o Tirol começa e Pedro vai desfiando suas impressões em tudo que põe os olhos. Talvez para muitos essas descrições detalhadas se tornem algo negativo no livro mas para mim o brilhantismo do livro de Rubens está em como somos amortizados pela rotina, e pior, acabamos nos tornando personagens ineptos da nossa realidade. Pedro, embora um espectador distante e impessoal, ao perceber algum detalhe naquela ida ao Tirol, como que nos leva para outros momentos de sua vida, o namoro com Rosane, o dia que teve a perna esmagada por um cavalo durante um confronto entre polícia e manifestantes, as frustrações da namorada que sonha em melhorar de vida, a mal fadada carreira do "Trinta", um ex-soldado da Aeronáutica. Tudo permeado pelos sacolejos irritantes do ônibus em que se deixa levar.
Em dado momento Pedro percebe que há uma novidade na viagem tantas vezes feita: por motivos desconhecidos, o ônibus que o conduz tem de mudar sua rota normal, cortar por um atalho e pior, não vai até o ponto final, onde Pedro esperava descer. Protestos individuais, irritações nas caras dos demais passageiros são perceptíveis, a incerteza de como se chegar em casa por essa nova rota, um burburinho de desagrado passa de passageiro em passageiro. Pedro, mesmo cansado e apreensivo, não perde a oportunidade de ler mais uma página de um livro sobre Darwin. E, semelhante ao cientista e desbravador inglês, Pedro vai fazendo suas incursões próprias, analíticas ao extremo em busca de algo que aparentemente não sabe, mas que o Tirol com certeza vai contribuir. Recomendadíssimo!
Devorei o livro em poucos dias. Se tem algo que esse livro é, é fácil de ler. As páginas corriam sem eu nem perceber, ajudadas pelas alternâncias entre o presente, passado e as elocubracões do protagonista. Mais do que contar a história desse personagem, a temática principal do livro pode se dizer que é a luta de classes, narrada em pequenas passagens e tendo a visita de Darwin ao Brasil e sua teoria como um longínquo pano de fundo. Mas, na minha opinião, isso vem com um custo, que é deixar os personagens - especialmente os secundários, mas também um pouco os principais - sem aprofundamento. De qualquer forma eu gostei, valeu demais ter lido.
Um jovem aguarda no ponto final o ônibus que o leverá para a casa da namorada. Muitos aguardam com ele. A dificuldade já se insinua ali.
Uma viagem do centro da cidade à periferia. Desde o primeiro momento da narrativa, lembranças pessoais que se entrelaçam com a memória de um ou vários lugares: nomes que se sucedem ao longo dos diversos cenários para os quais somos convidados e que revelam o limite que se apaga aos poucos entre mim, o protagonista e o outro. Pedro indaga-se sobre sua própria vida e sobre a vida daqueles que compartilham com ele a viagem. Outros ocupam também a atenção de Pedro, os que passeiam por seus sonhos e devaneios.
Pedro aguarda o momento de entrar no ônibus. Depois, a espera até o final da jornada. Antes do início, sua vida já era passada em revista e nesse movimento era toda uma gama de acontecimentos que deslizava por seus olhos. Nomes, lugares, sentimentos, tudo está ali representado e invoca histórias, acontecimentos, personagens.
O final sempre adiado, aparenta prenunciar um problema de grandes proporções, com relação ao qual, um silêncio insiste em se sobrepor. Ao fundo, burburinho. Falas entrecortadas. O silêncio, prevalente, faz-se vizinho do temor diante do inesperado e do desconhecido.
Na geografia que se desenha no mesmo passo que o tempo que passa, as linhas de Rubens Figueiredo deixam ver algo de uma decadência que habita os lugares e que ali está porque reside em nós. O fim que se anuncia em todos os detalhes da vida, a impossibilidade de acreditar no que se diz e faz, a estranheza de tentar entender os significados de palavras como justiça e seleção natural.e seleção natural.
"Ele tinha a impressão de que tudo o que elas dissessem, toda má notícia, precisava ser a maior, tinha de ter a primazia, só porque eram elas que falavam, e não os outros. Para elas, pouco importava que o problema e que aquelas histórias se transformassem num prazer e numa necessidade da qual, sem perceber, já não conseguiam abrir mão". [p. 31]
Dos poucos personagens, um juiz e seus interlocutores no espaço de um sebo, e Darwin, que se presentifica por um livro que o encarna. Entre um e outro, a descoberta do protagonista de sentidos que se ocultam entre o funcionamento da justiça e o da seleção natural. Que a justiça não seja tão justa ou que a seleção não seja tão natural, eis aí uma pista que acaba por se impor a Pedro, o protagonista. E essa imposição alcança a todos nós. Alcança também a namorada de Pedro, Rosane, sua família, o bairro do Tirol e adjacências, os usuários do ônibus, todo mundo.
Contudo, a partir das interrogações que o sentido das palavras justiça e seleção natural fornecem, forças incomensuráveis apresentam o cenário no qual Pedro, sua namorada e a massa sem nome que passeia pelos olhos do protagonista encontram seus lugares. Cenário de luta que acaba por se revelar como encontro inevitável com o fim que, para alguns, no entanto, se faz adiado no último instante.
A espera para o incío da jornada, e o tempo sem fim tomado pela própria jornada, entrecruzam camadas de sentido que se expressam nos dramas subjetivos e nas encruzilhadas sociais, nos quais a desigualdade dá as cartas. É nesse campo que palavras como justiça e sobrevivência do mais apto passam por um questionamento que se estende de ponta a ponta do livro. Essas palavras são reviradas de modo que seu avesso possa traduzir sentidos que nos escapam em uma primeira vista. Sentidos que se ligam indissociavelmente a uma luta que se diz de vários modos e na qual os oponentes jamais se encontram nas mesmas condições. Assimetria.
"Pelo rosto, pela respiração, pela voz, Pedro entendeu que, para o menino, o que havia ocorrido três ou cinco dias antes parecia não ser nada: ele não tinha sido atingido pelo tiro, não houve tiro nenhum e ele não tinha perdido nada — os dedos não eram nada, aqueles dez dias não eram nada, assim como a rua toda não era nada, assim como as casas em volta — e o que mais?" [p. 93]
“Havia obstáculo por todos os lados”. É isso que Pedro diz ou pensa em algum momento. É isso que sintetiza os diversos pontos de ancoragem das lembranças de Pedro. Lembranças que passeiam entre sua vida, a da namorada: pessoas, imóveis, residências, acidentes, comunidades. Um fluxo interminável que se traduz nas páginas do livro que não se divide em capítulos. Que se presentifica em uma viagem que não chega ao fim esperado, embora quase alcance o destino previsto.
Quase lá…chegar ao destino acaba por se tornar algo distinto de uma certeza ou vontade. ‘Chegar ao destino’ acaba por ser pergunta, interrogação insistente: como chegamos até aqui? O que significa ir em frente? O que está acontecendo?
"O que ele queria dizer? Se uns sobrevivem e outros não, era porque alguns eram superiores?" [p. 195]
Ao final, Pedro está quase lá. Que tenhamos feito essa viagem com ele e não estejamos mais no mesmo lugar de onde partimos, com as mesmas certezas e convicções, talvez seja a aposta com a qual Rubens Figueiredo nos brinda no ponto final que nos oferece.
"Alguém lá na frente perguntou e Pedro ouviu o motorista responder que, se o trânsito não piorasse nem tivessem de desviar o itinerário, faltavam só uns quinze minutos para chegar". [p. 197]
FIGUEIREDO, Rubens. Passageiro do fim do dia. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. 197 p.
Deixa um gosto insaciável de quero mais! A história simples que vai sendo desmembrada de acordo com o trajeto do ônibus é realmente interessante. Com passagens tragicômicas que poderiam ser parte da rotina de muitas famílias pobres brasileiras.
Livro muito bom sobre desigualdade social, racismo e injustiça, tudo isso sem ser maniqueísta e nem tentando ser poético ou tendo que criar um suposto mistério que paira sobre a cabeça dos personagens e que no final do livro se mostrara desnecessário, já que não será desvendado e nem terá importância mínima no desenvolvimento do enredo. A maneira como Rubens Figueiredo conta essa viagem de ônibus, tudo o que passa na cabeça de Pedro, suas lembranças, é realista e se atém tão simplesmente aos fatos, sem ser doutrinário. Cada leitor que tire suas conclusões ou identifique-se nas histórias evocadas pelas lembranças de Pedro.
Pedro embarca em um ônibus urbano para um longo trajeto. Por meio de um texto acurado, Rubens Figueiredo nos leva à periferia da cidade, mas também pela consciência de Pedro, seu passado, suas reflexões, seus temores sobre o que pode encontrar no destino, um bairro operário onde mora onde mora sua namorada, Rosane. Vida real numa bela narrativa.
A precariedade material é escrutinada, bem ao estilo de um observador da cidade e de seus atores invisibilizados. Quanto mais fundo nisso o autor vai, mais aparece uma realidade silenciada que maltrata. E maltrata devagar, de um jeito perene, como um ônibus cheio que nunca chega no ponto de destino.
Quando peguei o livro pela primeira vez confesso que fiquei com preguiça, mas ele escreve tão bem, constrói um painel tão complexo e contemporâneo que fiquei triste quando terminou. Muito bom.