Todas as tardes, ao cair do crepúsculo, no momento em que termina a visita dos turistas à Torre da Barbela, edificada por Dom Raymundo da Barbela, com trinta e dois metros de altura e classificada como monumento nacional por ser a única torre triangular da Península, os Barbela ressuscitam, trazendo consigo ódios e amores de outras épocas. Em volta da Torre transfigurada reúnem-se os parentes modernos e antigos da família, "primos vestidos em séculos diferentes e com bigodes conforme a época". Entre eles contam-se Dom Raymundo, poeta e primo de Dom Afonso Henriques, ao lado de quem combateu contra os leoneses; o Cavaleiro de aventuras, que percorre os montes com Vilancete, grande garrano da Ribeira de Lima, e seguido por Abelardo, o falcão que o auxilia na caça; a linda D. Mafalda, cujo formato dos vestidos copia os modelos de Watteau e Fragonard e se corresponde com Beckford; a princesa Brites, célebre no século XIX; Madeleine, "prima que veio de Paris cheia de cores"; Frey Ciro, o santo da família, e a bruxa de São Semedo. A Torre da Barbela conta-nos as ironias de oito séculos de paixão por enguias fumadas e do amor entre o Cavaleiro mais lendário do mundo e a sua prima francesa, de pessoas que só sabem falar da véspera ou do que já passou e de um local onde é difícil fazer qualquer coisa que não esteja estabelecida há quatrocentos anos.
RUBEN ALFREDO ANDERSEN LEITÃO nasceu em Lisboa, a 26 de Maio de 1920. Formou-se em Ciências Histórico-Filosóficas na Faculdade de Letras de Coimbra. Depois de ter ensinado em Lisboa e no Porto (1945-52), foi professor de Cultura Portuguesa na Universidade de Londres (1947-52). Em 1975 assumiu o cargo de Director-Geral dos Assuntos Culturais do Ministério da Educação e Cultura. Dedicou-se aos estudos históricos, tendo consagrado vários volumes a D. Pedro V e aos arquivos de Windsor. Ficcionista, cultivou o conto, o romance, o teatro, a novela, o ensaio, o diário e a autobiografia. Alheio a modas e escolas literárias, pode detectar-se na sua obra um surrealismo pessoal, apoiado numa grande riqueza vocabular e na sugestão fónica da linguagem (entre outras obras, Páginas, 1946-49, em seis volumes; Caranguejo, 1954; Júlia, 1963, peça de teatro; A Torre de Barbela, 1964, que lhe valeu o Prémio Ricardo Malheiros; O Mundo á Minha Procura, 1964-68, em três volumes; O Outro Que Era Eu, 1966; Kaos, 1981). Foi condecorado pela Presidência da República com a Comenda da Ordem do Infante D. Henrique, em 1973. Faleceu em Londres, a 23 de Setembro de 1975.
Uma premissa interessante que não foi bem desenvolvida. Ou eu não percebi a obra ou definitivamente não é para mim. Infelizmente ficou aquém das espetativas.
Quando visitamos um monumento nacional, para usar a classificação de Ruben A. para a Barbela, raramente pensamos em todas as pessoas que lá podem ter habitado e quando um guia nos menciona uma figura em particular aceitamos o nome como um simples facto. Neste livro Ruben A. leva-nos para o campo da imaginação, diria que desse mesmo visitante, que de repente conjuga tempos históricos, relaciona vários membros de uma família nobre e confronta as suas formas de encarar o mundo – as suas mentalidades. É um livro difícil de entender, mas é interessantíssimo o enredo que junta o Cavaleiro e a Madeleine, a D. Mafalda, o Dr. Mirinho, o Borbóla, a Bruxa de São Semedo e muito outros. «As coisas caminharão na indiferença do destino, alheias ao que nós pensamos ou fazemos. Tudo irá sentir-se num gravar de memória cheio de imprevistos e colhendo os frutos defesos do porvir. (...) Será outra vez a mesma história só com a mudança dos nomes das personagens.»
Picaresco e fantástico, A Torre da Barbela, de Ruben A., tem uma originalidade que lhe dá um lugar único no panorama romanesco português, tanto quanto me é dado saber. Calculo que a reacção no ano em que foi publicado (1964) deva ter oscilado entre o estranhamento e a indiferença, que é o que sucede a tudo que esteja fora dos cânones. Nem era romance psicológico à presença, nem neo-realista e muito menos procurava imitar os franceses do nouveau roman. Embora não me pareça a obra-prima que alguns nela vêem, tem o atractivo de ser iconoclasta para com o romance português da época, e é-o com humor. E o autor, recorde-se, além de escritor desalinhado do mainstream, era também historiador circunspecto, nomeadamente do século XIX, sabendo muito bem o que estava a fazer -- literária e até, digamos, politicamente. Absolutamente marcante, portanto. O que esperar de uma catrefa de personagens de várias épocas que coexistem no mesmo espaço e interagem entre si? O guia burgesso e comerciante para turista entreter e, se possível, enrolar, situa-nos no espaço e no tempo; mas logo aparece um Menino Sancho, ser misterioso e disforme, e o lendário Cavaleiro da Barbela: «De cada túmulo, de cada sarcófago ou fosso anónimo eles iam saindo, meio estonteados pelos séculos da História»... Leio aqui o Portugal profundo de então: um país de mortos-vivos.
"E no aproximar da madrugada um sentimento calmo de renovação intrometia-se vagarosamente no sepulcro de cada um. O começar da luz caleidoscopizava a Natureza. Aos poucos, das bandas do nascente, o clarão do sol estremunhado avisava em contos largos aparecimento do dia. (...) Quem nunca tivesse assistido a essa transformação entre as forças quase vencidas da noite e o ar sorrateiro e alegre do titubear positivo da luz, decerto sentiria no ignoramento um dos momentos mais belos em que se distrai espírito atento dos sentidos. Miragem concreta da realidade onde a fatia prateada das sincopadas águas do Lima se estira silenciosamente no lamber das margens. (...) As pessoas, extorquidas de um mundo noctívago e mortal, abrem então os olhos sem compreenderem o peso absurdo das horas em que a terra é fecundada pelo imediato copular até dos seres mais humildes." Ruben A., "A Torre da Barbela" (Capítulo X)
Texto de leitura difícil devido ao estilo, linhas temporais não lineares, cacofonia constante de vozes e o meu conhecimento deficitário da história de Portugal. Dito isto foi uma leitura interessante onde se consegue entender a diferença entra as varias gerações da família que são representativas de várias fases históricas do país assim como uma imagem muito detalhada da zona de ribeira de lima.
Queria muito gostar do livro mas não percebo nada do que se está a passar, há uma quantidade absurda de personagens e a narrativa parece que se mistura?
Salganhada efabulatória, um letradíssimo a dar ao dedo (coisa que se acha muito no romanceiro nacional). Tom jocosamente peganhento, quase salazarístico. Gramaticalmente bem escrito.
"Tem a Torre trinta e dois metros de altura, é a máor da Península e os degraus contam-se em oitenta e nove, com patamares de descanso. A vista lá de cima é grandiosa."
"De cada túmulo, de cada sarcófago ou fosso anónimo eles iam saindo, meio estonteados pelos séculos da História"
"Aparecesse quem aparecesse, de que século fosse, morto ou vivo, alto ou magro, a Barbela recebi-o. E era vê-los entrar de caleche ou automóvel , logo nos três primeiros dias de Setembro"
"De novo o Cavaleiro trabalhava com os olhos o tornozelo elegante de Madeleine. Não sabia que responder. Era tudo diferente! Paris! - Já em tempos lhe haviam falado de Notre-Dame, uma igreja um pouco maior que a da Moutosa onde havia sermões de sete horas sem interrupção"