Vencedora do Prêmio Camões 2004, Agustina Bessa-Luís narra, neste livro, a história da apaixonante Ema, cujo rosto perfeito desnorteia a vida pacata do médico da cidade, com quem se casa por comodidade quando ele enviúva. O convívio do casal é determinado pela frieza da jovem no trato com seu marido de idade mais avançada. Sem demonstração de amor ou carinho, o dinheiro rege a união, mascarada pelos casos extraconjugais da mulher, sabidos e tolerados. O ambiente, supostamente clássico, no qual avança a narrativa - de casas senhoriais e decadentes - não passa de mero artifício de despiste. A linearidade que se poderia esperar dos elementos escondem a profundeza de uma personalidade que, ao mesmo tempo, se liga ao personagem de Flaubert e faz o retrato de um Portugal inadaptado à modernidade.
Agustina Bessa-Luís was born in Vila Meã (Amarante) in 1922. Her father's family was from the north of Portugal and her mother was Spanish.
She lived her childhood and teenagehood in the region of Douro, Minho and then Coimbra in 1948. She married Alberto Oliveira Luís in 1945 and after 1948 she moved to Oporto.
She started writing at the age of 16 and in 1950 she published her first novel, Mundo Fechado. In 1952 her talent was recognized with the award Delfim de Guimarães, for her book Sibila, which also received the award Eça de Queirós the next year.
In 1958, she gave her first steps in theatre, writing the play O inseparável.
Between 1986 and 1987 she was the director of the diary O Primeiro de Janeiro in Oporto. Between 1990 and 1993 she was the director of D.Maria II Theatre in Lisbon and a member of the Alta Autoridade para a Comunicação Social.
She is a member of the Academie Européenne des Sciences, des Arts et des Lettres in Paris, of the Academia Brasileira de Letras and the Academia das Ciências de Lisboa, being also recognized at Ordem de Sant'Iago da Espada (1980), Medalha de Honra da Cidade do Porto (1988) and degree of "Officier de l'Ordre des Arts et des Lettres", given by the French government (1989).
Various works have been translated in various countries and some were adapted to the cinema, such as Francisca, Vale Abraão and As Terras de Risco by Manoel de Oliveira. Her novel As Fúrias was adapted to the theatre by Filipe La Féria.
At the age of 81, Agustina Bessa-Luís received the Camões Award, considered the most important portuguese award.
Agustina Bessa-Luís nació en Vila Meã (Amarante, Portugal) en 1922, de madre española y padre portugués. Es miembro de la Academia Europea de las Ciencias, las Artes y las Letras de París, de la Academia Brasileña de las Letras y de la Academia de las Ciencias de Lisboa. Sus numerosos libros le han valido las más importantes distinciones, como la de Santiago da Espada (1980), la Medalla de Honor de la Ciudad de Oporto (1988) o el grado de Oficial de la Orden de las Artes y las Letras del gobierno francés (1989). En 2004 recibió el galardón literario más importante en lengua portuguesa, el Premio Camôes.
Inspired by Charles and Emma by Gustave Flaubert, Agustina Bessa-Luís introduces us to Carlos and Ema, later nicknamed “Bovarinha”. Having grown up in Romesal, the protagonist, after her marriage to Carlos, moves to Vale Abraão. Together with Vesuvius, these three locations will be the backdrop for this narrative, with Agustina Bessa-Luís using numerous phrases to highlight the portentous beauty of the Douro region. In Romesal, Ema was “a danger to traffic [on] the road” (p.25). This harbinger comes to caution the reader, making him more vigilant. However, the big turning point occurs at a ball at Casa das Jacas - a party that Ema would never forget. This event triggers an identity crisis in the protagonist, which essentially brings men and women into a confrontation in a kind of titanic war. From then on, Ema, in a fight against dissatisfaction that is intrinsic to her, seeks everything that is disorderly, bold and perverse. Breaking with the slump and frivolity that dominated Portuguese rurality, we witnessed the absolute decline of that region of the Douro.
Thus, Agustina Bessa-Luís not only critically criticizes Portuguese rural society and demonstrates absolute mastery in writing the psychological sphere of these characters. We should also point out the writer’s deconstruction of a female stereotype deeply rooted in provincial Portugal. This mentality put women in a state of vegetation - or, as Agustina Bessa-Luís called it, under a ‘zombie effect’ - to protect the status of men. As a result, women had thought of as a body without a soul, identity thought.
The mythology of Agustina Bessa-Luís as a complex writer whose texts are obsolete and dull must end to discover a sublime work without any prejudice. Agustina Bessa-Luís has to (re) start to be read, as it continued to ignore this writer, and this work says a lot about us as Portuguese and readers.
3,4 Não foi o livro de Agustina de que gostei mais. Baseado na história de Ema Bovary de Flaubert, Ema é uma mulher bonita que cedo se casa com um humilde médico viúvo e respeitável, Carlos Paiva. A acção decorre na zona do Douro vinhateiro, e acompanha a mudança de costumes de uma certa classe alta e aristocrática já algo decadente e depauperada na segunda metade do século XX. Ema é de uma rara beleza que intimida os homens e amedronta as mulheres. Torna-se infiel ao marido que tem uma relação platónica com uma senhora mais velha. O livro quase todo é uma filigrana à volta das ligações afectivas de Ema, que toma amantes, que trai os ditos amantes com outros amantes, etc, etc. A escrita é prodigiosa, e tiro sempre um prazer grande quando leio a Agustina, mas a metade do livro já estava farta da personagem, que, considerando tudo, é bastante desprezível e nem por isso mais interessante.
“Uma coisa Ema apreciava na casa de Vale Abraão: a varanda. Dizem que a varanda é uma palavra celta, que significa barreira. Talvez seja. Não se sabe porque teve tão alto crédito na arquitectura rural e urbana. É uma espécie de ventre que se projecta sobre a rua; é uma demonstração de poder e afectação de desejos. Serve para cortejar o mundo e dar prova das condições do indivíduo, comparando-o ao imaginário em que a sociedade cresce e perdura. A varanda, tanto permite o olhar que avalia, até ser pecaminoso (…), como serve de recreio às mulheres demasiado fechadas e consumidas de obrigações. A varanda é mais sensual do que licenciosa. É um lugar de aprazível pausa; enquanto que a reixa é uma forma de confessionário e um obstáculo permissivo dos apetites.”
A narrativa de Vale Abraão flui em círculos que são simultaneamente espirais; somos frequentemente remetidos para acontecimentos passados que a autora nos conta de outro prisma, acrescentado isto e desmentindo aquilo, talvez. Desta forma Agustina rompe com a convencional narrativa linear e torna-se mestra da sua história, narrando-a com um conhecimento absoluto das suas personagens, e tendo para tal ao seu serviço a língua portuguesa em esplendor, reiventando palavras e redescobrindo outras tantas. Ler Agustina foi deixar-me surpreender a cada frase, ficar confuso naquela e rir na seguinte.
Um dicionário tornou-se imprescíndivel para a compreensão da obra, o que tornou a leitura demorada e obrigou a interregnos mais ou menos longos. No entanto, de cada vez que a retomava era de imediato atraído para o universo de Vale Abraão, o que facilitava o esforço de tomar o fio à meada.
Não recomendo esta obra ao leitor que apenas procure mergulhar na história de Ema “Bovary” mas àquele que tenha também o prazer (e a paciência) de se enredar na complexidade humana e nos seus inúmeros paradoxos, onde poderá não achar sentido, mas com certeza uma impressão de realidade - creio que cada leitor terá a sua percepção.
Terminei a leitura mais penosa dos últimos tempos. A escrita rica e densa de Agustina não compensou - quiçá até, neste caso, tornou mais dura - a leitura da história pouco cativante de uma protagonista com quem não consegui simpatizar. Não sei porque me mantive obstinado na ideia de levar este livro até ao fim. Talvez por ter adorado A Sibila e, por conseguinte, ter estabelecido que Agustina merece ser lida sem desistências. Lição aprendida: nem o autor que mais nos impressiona numa(s) obra(s) está obrigado a corresponder a essa expectativa em todas. E tinham-me sugerido, quando comprei Vale Abraão, que era uma das obras menos interessantes da autora! Teimei que tinha curiosidade e assim me lancei a leitura que se arrastou por meses. O desfecho era o esperado pela simples leitura do nome do último capítulo e insisti em ler até aí só para perceber o percurso da personagem, mas dou por mim a pensar em quão desperdiçado foi o meu tempo. Um terço das páginas era o quanto bastava para a história de Ema e teria, mesmo assim, sido fastidiosa.
quem me dera dar 0 estrelas! livro horrível, prosa aborrecida. não fosse a obrigatoriedade imposta à leitura, teria abandonado nas primeiras cinco páginas — é impossível ler algo tão nojento, tão absurdo. tenho pena de ema e raiva de agustina, que sempre ouvi ser uma grande escritora. quanto à flaubert, os excertos que li da obra original são mais suportáveis e fáceis de ler.
como é que uma menor de idade possui um «ar violável»? se foi uma crítica ou algo do género, agustina falha em transmitir a mensagem e perde-se em descrições longas, tediosas e repetitivas, além de, é claro, não deixar a aparência física de ema em paz por um segundo sequer. já entendemos que ela é bonita. que mais há nela? termina-se o livro sem conhecer a protagonista. toda a obra constitui-se como um rascunho, um manuscrito, a informação se repete e a ação não progride; caso o faça, dá saltos temporais bruscos que nos deixam sem compreender bem a matéria. e a adaptação de manoel de oliveira «merece» a sua resenha à parte...
Em Vale Abraão, deparamo-nos com uma releitura de Madame Bovary, de Flaubert. A história de Ema, a “Bovarinha” portuguesa vai desenrolar-se nas margens do Douro senhorial e vinhateiro. Ao longo da obra, admiraremos a beleza da região ,magnificamente descrita, e assistiremos à decadência das suas casas, das famílias rurais e à imposição da “burguesia de jeans”. “Sim, é certo, das janelas do Romesal via-se o Vale Abraão, terra de Paivas e Semblanos. Destacavam-se as propriedades mais sumptuosas, entre maciços das árvores de jardim; o resto eram casas agaioladas com mansardas revestidas de lousa, mas raras. Que o vale era sobretudo recatado na sua abastança, que decaíra muito com a alta dos salários e as vocações migratórias.” (p.43)
Ema que casou com um dos Paivas, Carlos Paiva, o médico medíocre e apático, vai manter uma vida que romperá com os valores tradicionais atribuídos à mulher da província. Inteligente e de uma beleza exorbitante, por isso considerada de perigosa quer pelos homens, que a desejam e rejeitam simultaneamente, quer pelas mulheres que a invejam. “Desde que se dispôs a frequentar uma sociedade acima do seu meio e educação. Ema optou por usar, a título de ameaça, um comportamento desequilibrado. Encarnou a personagem associal, primeiro desajeitadamente, o que era quase o segredo do seu sucesso.” (p. 200)
Ema, à semelhança de muitas protagonistas agustinianas, vai ter uma vida tumultuosa, de constantes crises, sempre em busca de algo que a satisfaça. Invejada e inconstante, rejeita o fracasso e repele o sofrimento. Inconformada com a passividade e mediocridade do marido, considerado por muitos como um santo e o “cornudo simpático”, procura fora de casa uma forma de consolo, de prazer carnal, já que verdadeiramente, não ama ninguém. Insatisfeita com os seus próprios desejos, leva uma vida mesquinha e fútil tentando escapar de uma mediocridade há muito interiorizada. “ Os mimos, os pequenos sonhos perdulários que o pai lhe permitia, estavam proibidos naquela casa que era pior do que pobre, era mesquinha.” (p. 47).
Ao longo da narrativa, e à medida que vamos assistindo ao desgaste físico e psicológico da protagonista, vamos igualmente acompanhando a degradação e a ruína das casas do vale. Desde cedo que se antevê um final trágico para Ema e para a região.
Recomendo a leitura desta e de outras obras. A autora que tem uma obra riquíssima é, por muitos, ignorada porque se considera a sua escrita complexa. Pode ser verdade, mas se lida com cuidado e atenção, verificaremos que é afinal sublime e veiculadora de uma história bem portuguesa.
‘Quando era criança e perguntava o nome duma flor, diziam-lhe «rosa», ou «malmequer»; ela punha em dúvida essa resposta. — Porquê rosa? — Porque é assim que se chama. Que disparate! — Tia Augusta impacientava-se como se tivesse de provar a existência de Deus. Ela percebia que a existência de Deus estava implícita, e alheava-se daquele diálogo, Rosa, como Ema soube mais tarde, significava, de origem sânscrita, balançante ou a que baloiça. Tão breve imagem duma flor na sua haste, tocada pelo vento e prestes a deixar cair as suas pétalas, dera ocasião a um sem-número de ideias, sentimentos, símbolos e expressões. Profundo foi o movimento que se apoderou do espírito que o notou. Rosa não responderia nunca à pergunta: «Porquê rosa?» Mas a resposta respeitava o princípio universal nela reconhecido, o princípio que harmoniza duas coisas, o vento e a flor que, ao contacto, deixa de ser. No balouçar é; e deixa de ser. Continua apenas noutras pretensiosas demonstrações de uso, como nome próprio, cor, formato, objecto, estado de alma; mas partiu dum princípio surpreendido na sua origem pelo olhar humano - o acto de baloiçar, e nisso negar-se imediatamente.’
‘Dizem coisas infamantes a teu respeito. Porquê? - Querem ver uma lógica no que faço. Maria Semblano dizia: «Ela vai acabar no muro da Estação.» Não era especialmente cruel dizer isto. Era a maneira de achar lógica no que parece desarticulado e sem significação. Ninguém suporta a não significação. Toda a catadupa de palavras que se inventam todos os dias serve para nos aproximar da significação das coisas. A técnica não substitui o pen-samento; o que é, é muitíssimo mais calmante, a técnica traz com ela o folheto com a significação. A pessoa, não. Eu não. Maria Loreto não se cansa de me chamar nomes, mas não são insultos, são signi-ficados, que lhe escapam, essa é a verdade.’
‘Sabes porque somos um país de poetas? — Eu não. Perdi uma luva, e atirei a outra fora porque tinha perdido a primeira. Depois encontrei-a e tive que atirá-la ao lixo, que era o que tinha feito à segunda. Isto é poesia ou o que é?’
Para alguém que adora Madame Bobary, Vale Abraão é familiar, sem ser demasiado semelhante (a Ema do Romesal é mais cínica, indecente). Para alguém que completou a primeira leitura de Agustina, Vale Abraão é uma maravilhosa surpresa.
Os cenários e descrições fluem como as ondas. Cada frase parece conter nela um mundo. Encantei-me com a escrita complexa, filosófica e paradoxal de Agustina.
A narrativa não é linear, raramente segue uma ordem cronológica; por vezes, isto torna-a confusa. Contudo, na maioria das vezes, estes “saltos” são magistralmente fluídos.
De escrita, as vezes, difícil de ler à primeira vez é sem dúvida um bom livro pela história e pelo trabalho de investigação que terá tido por trás e que se reflete ao longo do livro na descrição das personagens, da cultura social e dos sitios.
"Dizem que a varanda é uma palavra celta que significa barreira. Talvez seja. Não se sabe porquê teve tão alto crédito na arquitectura rural e urbana. É uma espécie de ventre que se projecta sobre a rua; é uma demonstração de poder e afectação de desejos. Serve para cortejar o mundo e dar prova das condições do indivíduo, comparando-o ao imaginário em que a sociedade cresce e perdura. A varanda tanto permite o olhar que avalia, até ser pecaminoso (...) como serve de recreio às mulheres, demasiado fechadas e consumidas de obrigações. A varanda é mais sensual do que licenciosa. É um lugar de aprazível pausa; enquanto que a reixa é uma forma de confessionário e um obstáculo permissivo dos apetites."
Inspirada no aclamado Madame Bovary de Flaubert, Agustina apresenta-nos Vale Abraão, que nos conta a história da Bovarinha portuguesa - também chamada Ema. Ema, por vezes, vista como ser onírico, irreal, naquelas terras vastas do Douro vinhateiro, mas insuficientes para tanta fantasia e delírio. O baile das Jacas foi o gatilho mais forte para despertar as ardências das necessidades fantasiosas de Ema. A partir daí, sentiu-se dona do seu destino, fugindo ao tédio do seu matrimónio, evadindo-se da realidade. Extasiava-se com as vassalagens demonstradas pelos súbditos, que inflamavam os seus devaneios.Vivia como se o pecado lhe fizesse falta para respirar. Todavia, sentia as fantasias do desejo com mais prazer, do que a realização das mesmas. Num nevoeiro de bovarismo, Ema acentuava a sua desaptação social, com consumismos exarcebados que prometiam tudo saciar. Nesta narrativa,as mentes, tal como as vinhas, também elas são devastadas pela praga da "filoxera do preconceito". Ema foi sempre incompreendida, mas protagonista. Cedo se ditou o seu final trágico, como se a beleza fosse um mau agouro. Agustina faz uma homenagem à riquíssima língua portuguesa. Sem pudor de usar as palavras, não deixa nada por dizer, acrescentando um humor sarcástico, que tanto aprecio. E tal como António Lobo Antunes escreveu no prefácio, "podemos dar graças a Deus por o seu idioma ser o nosso." As suas palavras de apreço por Agustina, frisam muito a singularidade desta voz feminina portuguesa.
Livro próprio mas com semelhanças assumidas com o livro madame Bovary de Flaubert. Desde logo pelo tema geral: a insatisfação de uma mulher no casamento e a sua conduta quase insana devido a tal situação. a heroína chama-se Ema (no outro Emma) o marido Carlos Paiva (o outro Charles Bovary), ambos médicos de província. ambos tiveram uma primeira mulher, rica, de que enviuvaram e de que não tinham saudades. ambas morrem no fim, tragicamente mas a portuguesa por acidente no rio, afogada, a francesa suicidando-se com veneno. ambas levam a fortuna do marido à ruína pelo esbanjamento, sendo que estes morrem pouco depois roídos de saudades, apesar das traições. diferenças: a francesa tinha uma filha, criança, a portuguesa, duas que no livro crescem até casarem e terem elas próprias má vida. as traições na francesa são mais explícitas e os amantes têm um papel mais importante que na portuguesa. Ou é a emma francesa que é mais protagonista que a emma portuguesa. O Carlos português apesar de tudo não é uma personagem tão bisonha como no outro aqui até tem uma personagem feminina que por ele se interessa e o aprecia apesar de ser apenas num aspeto intelectual, a senhora rica e nobre maria Semblano. Vale Abrãao fica no Douro. Provavelmente perto da Régua e Lamego
Não gostei nada deste livro.. Tendo em conta que é um romance inspirado na "Madame Bovary", de Gustave Flaubert, achei a obra francesa muito melhor do que esta adaptação portuguesa. A ação é extremamente monótona, o vocabulário é demasiado pesado e acaba por enfadar o leitor. Se não tivesse que o ter lido para a universidade, jamais teria pensado em lê-lo.
Escrita densa, de várias camadas em que se sobrepõem descrições incisivas das personagens e sátira social portuguesa. Inteligentemente escrito com forte carga cinematográfica, não só da paisagem do Douro, mas da paisagem humana, cujas personagens coexistem e se interligam de forma surpreendente.
Da entrevista dada pela Mónica Baldaque à Joana Emídio Marques, no Observador: "Todas as palavras se entendem, a escrita é transparente, fluída, mas o olhar de Agustina sobre a Soberba é inquietante. E aí recuam vocês, os leitores, porque a leitura não é inofensiva, como esperavam. Então dizem ser 'difícil' e fecham o livro, não pelo que não percebem, mas pelo que sentiram - como que uma qualquer ameaça, e um ligeiro ardor inexplicável de ferida que se abriu. Vamos voltar ao princípio e ler, palavra por palavra, ver como são belas e sábias as imagens encontradas à nossa volta para revelar um estado de Soberba escondido em cada um de nós. Ler, é aprender a ouvir, e a pensar."
Ler este livro foi assim. Com muita paciência e cuidado.
Escrita densa e por vezes difícil de seguir. Dito isto, e agora que terminei a leitura do terceiro livro de Agustina reconheço na sua escrita uma estranha atração que me impele a ler mais e mais desta escritora duriense cujas personagens femininas se tentam infiltrar acima da criação, contrariando os vestígios de uma posição subalterna originada pelo facto da mulher ter sido criada depois do homem.
Eu entendo. Se queremos chegar ao fundo temos de escavar sempre no mesmo sítio. Assim Agustina, que faz rodar os elementos desta história no mesmo ponto, mesmo que de quando em quando dê notícias cronológicas, não vá a gente não perceber a pouca confiança da autora na revolução e o luto pelo declínio das razões antigas que alimentavam a alta burguesia do Douro, estacando-a no rio como a um penedo bizarro. O retrato desta Ema (parado, como é uso dos retratos) é o registo repetido, burilado ao pormenor, de uma impaciência inumana, de quem apostada a ser uma personagem de Flaubert acaba por ser só uma personagem portuguesa, em que nem o adultério pode reclamar o dramatismo das paixões ou uma centelha de intensidade existencial, por falência total das personagens - a Ema de Agustina falha por não ter um teatro à escala das suas mentiras. E talvez seja precisamente por isso que Agustina também falha. O vale Abraão não tem tamanho para Ema, como Portugal não teve para Agustina. Agustina foi maior que o país e que o sexo onde nasceu, que o sítio que decidiu povoar com as suas histórias, com a pequena burguesia portuense onde vagueou, de onde bebeu o veneno para as suas histórias sem ter com ela o antídoto com que defender-se (veja-se o prefácio escolhido, do António Lobo Antunes, que nem foi escrito de propósito mas roubado a uma crónica, onde luz a habitual mistura de inveja e altivez, o tom elogioso nem sequer tentando esconder o escárnio a que autor vota todos os que não estão por ele, poupando apenas os amigos e exclusivamente, parece, porque o são). Agustina foi provavelmente maior que o género literário onde decidiu campear. Cada vez me convenço menos de que Agustina tivesse em tanta conta o romance, ou que não tivesse preferido expressar a profundidade dos seus raciocínios de um modo mais sistemático, houvesse no país que lhe calhou a mínima tradição para o pensamento filosófico, ou o mínimo interesse pelo ensaio complexo. Porque é uma exploração do pensamento, o que Agustina parece sequiosa de fazer nos seus romances, que não são o terreno preciso para essas afoitezas. Talvez por isso sobressaia na sua obra esse tom inacabado, de algum enfado, displicência mesmo, a julgar pela quantidade de repetições involuntárias (ou deixadas para parecerem enganos, o que dá na mesma), de frases que talvez conviesse rever, de figuras cujo desenho acaba por perder destaque. Senão olhe-se para os personagens e para as suas cenas, e veja-se se não se repetem, como se fossem tentativas frustradas de explicar iluminações, de que se desiste porque o público nunca está atento. Atente-se nos diálogos, onde a voz é sempre a mesma, seja Ema que fale ou um dos figurantes inventados a jeito de ilustrarem o dramatismo da bela (é a voz da autora, não dos títeres). De como parecem intermutáveis as caracterizações dos amantes efectivos e por serem, sobretudo se comparados com as pessoas menores (em geral criados, pessoas do povo, gente acenando desde o fundo de um quadro de Bruegel). A superioridade de Agustina face ao detalhes que narra nota-se, infelizmente. E desespera o leitor, por mais que este tente rodear os paradoxos e se submeta com paciência à constante demonstração de génio - porque afinal sempre era um romance, o que pretendíamos ler, e não uma inalcançável dissertação sobre o desejo.
Vale Abraão, de Agustina Bessa-Luís, publicado em 1991, é sobretudo um exercício interartístico e de intertextualidade. Encomendado por Manoel de Oliveira, visando a sua adaptação para a tela cinematográfica, este romance é também uma espécie de reescrita do célebre texto Madame Bovary, do escritor francês, Gustave Flaubert.
Inspirados em Charles e Emma, Agustina Bessa-Luís apresenta-nos Carlos e Ema – mais tarde, também apelidada de “Bovarinha”. Tendo crescido no Romesal, a protagonista, após o seu matrimónio com Carlos, desloca-se para Vale Abraão. Juntamente com o Vesúvio, estes três locais serão o pano de fundo desta narrativa, sendo que Agustina Bessa-Luís recorre a inúmeras écfrases para salientar a beleza portentosa da região do Douro.
Já no Romesal, Ema era “um perigo para o trânsito [na] estrada” (p.25). Prenúncio este que vem acautelar o leitor, tornando-o mais vigilante. O grande ponto de viragem verifica-se, porém, num baile que decorre na Casa das Jacas – uma festa que Ema jamais esqueceria. Este acontecimento espoleta uma crise identitária na protagonista, que coloca essencialmenteem confronto homens e mulheres, numa espécie de guerra de titãs. Afinal:
“O que elas invejavam nos homens não eram os órgãos genitais, mas o que eles representam: uma criatura completamente prestável aos jogos do acaso e livre da submissão que constrange o perverso, o malvisto, o delirante do seu próprio mérito, a lançar para debaixo dum comboio ou a comer um punhado de arsénico.” (p.36)
A partir de então, Ema, numa luta contra uma insatisfação que lhe é intrínseca, busca tudo o que é desordenado, atrevido e perverso. Rompendo com o marasmo e a frivolidade que dominavam a ruralidade portuguesa, assistimos à absoluta decadência daquela região do Douro.
Assim, Agustina Bessa-Luís não só critica de forma exímia a sociedade rural portuguesa como evidencia uma absoluta mestria ao escrever a esfera psicológica destes personagens. Deveremos assinalar, ainda, a desconstrução que a escritora faz de um estereótipo feminino profundamente enraizado num Portugal provinciano. Esta mentalidade colocava a mulher num estado de vegetação – ou, como Agustina Bessa-Luís designou, sob um ‘efeito zombie’ – de modo a proteger o estatuto do homem. As mulheres eram pensadas como corpo sem alma; corpo sem identidade; corpo sem pensamento. Apenas corpo:
“Carlos não queria admitir que ela sofria, isso punha em causa a sua fundamental ideia de homem (…). Para quê reconhecer-lhe uma consciência humana, e aquele doloroso poder de articular pensamentos? Ele permitia-lhe tudo como prova da sua degradação que a amarrava ao homem. Permitia-lhe amantes quantos quisesse; linguagem obscena, vícios de todos os tipos (…) – porque não? Contanto que ela fosse parte do seu autor, que era o homem.”
A mitificação de Agustina Bessa-Luís enquanto escritora complexa, cujos textos são obsoletos e maçudos, tem de acabar, para que se possa descobrir uma obra sublime sem qualquer preconceito. Agustina Bessa-Luís tem de (re)começar a ser lida, pois continuar a ignorar esta escritora e esta obra diz bastante de nós enquanto portugueses, e enquanto leitores.
Artigo publicado originalmente em Comunidade Cultura e Arte. Para mais críticas, sigam-me no Instagram: @booksturnyouon
E à segunda vez que tento ler este livro consigo acabá-lo, não sem algum esforço e paciência. :) Fico sempre frustrada quando pego em autores, clássicos e acarinhados pelo público, como é o caso de Agustina Bessa-Luís e, não gosto do que leio. Deixa-me sempre uma sensação de não estar a perceber alguma coisa... Encontrei beleza nas palavras escritas e nalgumas ideias e descrições, que chegam a ser poéticas. Mas a sensação final foi de aborrecimento mortal. A história é chata, cheia de ideias confusas e repetitivas e a maneira como está escrita não me cativou nem um pouco. A parte inicial até se lê bem, mas a páginas tantas a história é difícil de seguir e o livro começa a ficar muito chato. Já só espero o momento em que Ema finalmente acabe com o seu (e meu) sofrimento e se suicide, porque achei que seria o fim mais provável para ela. Enganei-me, mas sinceramente nessa altura já não me interessava e já estava a a saltar parágrafos... :/
Em todas a páginas existem reflexões sobre o sexo, o prazer e o amor, feitas de uma forma confusa e repetitiva. A linha temporal do livro é muito difícil de seguir. A morte das personagens é anunciada, mas algumas páginas à frente lá estão elas em amena cavaqueira. É frustrante não conseguir discernir no meio de tanto andar para a frente e para trás, que coisas já aconteceram na vida de Ema que a levam a ter determinada atitude naquele momento. Já tinha conhecido o homem X? As filhas já tinham nascido? Que idade tinham? Que idade tem Ema? Neste livro, salvo raras excepções, como breves referências aos cabelos brancos e às rugas, Ema não tem idade. É impossível saber quanto tempo passou desde que a conhecemos, ainda criança até ao dia em que morre.
A acreditar no que vem na parte detrás do livro, que este terá sido escrito para servir de guião ao filme homónimo de Manuel de Oliveira, aceito este livro como algo mais afastado do universo da autora. Quero acreditar que os outros livros dela é que contam para a aclamação de que é alvo.
não foi a melhor escolha para conhecer Agustina uma vez que me foi penoso ler esta obra.
o livro podia facilmente ter 150 páginas a menos já que a cada folha somos lembrados e relembrados que Ema é encantadora e Carlos é cornudo.
Dei por mim a ficar desconcentrada durante a leitura, continuar onde tinha os olhos no momento e a sentir que estava exatamente no mesmo sítio. Aconteceu me várias vezes.
A ação ou se passa num desenrolar vigoroso ou temos 6 páginas seguidas a voltar a dizer o mesmo: que Ema é linda e Carlos consente tudo à esposa.
Abrem se e fecham se portas a diversos temas que tiram interesse ao guião. Ema engravida de um terceiro filho que simplesmente desaparece da história? porque é que este elemento foi introduzido?
Várias personagens também aparecem e desaparecem deixando incompleto ou por conhecer o seu perfil. Qual foi no fundo o interesse das cunhadas na história?
Não é uma leitura que recomende, a que regresse ou que sinta que mudou alguma coisa na minha vida. Contudo não abandonei o livro, talvez por teimosia talvez por a escrita de Agustina ter realmente o efeito de lhe querer mostrar respeito.
Brilhou pouco. A história não é mais que uma reprodução aportuguesada de Madame Bovary, mas com personagens mais intricadas e descritas com mais incoerências. Enfim, mais humanas. É essa a génese da escrita de Agustina: traçar perfis. E fá-lo com génio e autoridade! Mas o livro é monótono ainda que com trechos carregados de argúcia, mas mal aproveitados – Agustina dispersa muito. Um prazer que fatiga. Pronto.
Vale Abraão is the story of a woman who has a permanent hunger for something bigger than herself. However, she doesn't truly understand how and what she wants to achieve. Hence we see a series of action and behaviors through which she expects to distinguish from everybody else, while still being restricted by her what she considers the others' perception on herself and what grandeur is.
Gostei, sendo este o segundo livro que leio da Agustina. O enredo situa-se no Douro vinhateiro, onde a personagem principal é Ema uma mulher diferente, desencaixada dos costumes e tradições da região. A narrativa por vezes perde-se e repete-se mas o romance vale a pena pela análise social e psicológica feita pelo narrador e pelas paisagens descritas.
Infelizmente chegou a minha primeira desistência do ano (de muitos anos, na verdade), esta minha estreia com a Agustina. Não é uma escrita fácil nem uma história cativante, tudo isto numa altura em que pouca ou nenhuma vontade ando a ter para ler, em geral. Fica para uma próxima :)
Se gostei da escrita, das viagens entre o presente e o passado para contextualizar a vida de Ema e da descrição (ainda que curta) do norte rural, não consegui gostar do enredo e das personagens (com exceção do Lumiares).