Uma longa viagem no tempo revela-nos como as noções ocidentais sobre o amor, o desejo, a sexualidade e o casamento se alteraram profundamente da Pré- História até o século XVII. Distrações ou aflições para os gregos da Antiguidade Clássica, questões repudiadas pelos primeiros cristãos, assuntos do demônio e temas idealizados pelos trovadores na Idade Média, sujeitos a intensa repressão durante a Renascença, as reações de cada época às práticas amorosas deixam marcas profundas ainda em nossos dias.
Regina Navarro Lins, psicanalista e escritora, trabalha há 47 anos em seu consultório particular. Ex-professora de Psicologia do Departamento de Comunicação Social da PUC-Rio, foi colunista de diversos jornais e apresentou programas de rádio. Teve, durante oito anos, uma coluna no portal UOL e realiza palestras sobre relacionamentos amorosos em várias cidades do país. É especialista fixa do programa Amor&Sexo, da TV Globo. Durante quatro anos, foi colunista semanal e comentarista da Globo News. É autora de 14 livros sobre relacionamento amoroso, entre eles o best-seller A cama na varanda, O livro do amor, Novas formas de amar e Amor na vitrine.
Tem muito conteúdo interessante, mas não senti muita coesão entre eles. Fatos históricos e histórias de pessoas do passado ficam soltas no meio de reflexões sobre os relacionamentos interpessoais. Ainda que tenha ficado um pouco repetitivo, a ideia de fazer links com o presente é ótima. No geral senti falta de perspectivas não-europeias e não-heterossexuais, mas é um livro bacana para começar a se informar sobre o tema.
Interessante o fato de o livro fazer um levantamento sobre a história do amor e do casamento desde a pré-história. A linguagem me parece desconexa e bagunçada muitas vezes, apesar disso o livro traz elementos muito legais e importantes para entendermos a imposição de uma única forma de amor possível que temos na sociedade hoje.
--- CRISTIANISMO
- Repressão do prazer; sexo é o maior pecado; desvalorização do corpo; sexo para cumprir exiências do processo reprodutivo, celiabado é superior ao casamento; amar unicamente a Deus; possuidores de desejos sexuais normais tornam-se obcecados pela culpa.
"Outras sociedades ocidentais condenaram, com graus variáveis de seriedade, o adultério (geralmente), a contracepção (raramente), o aborto (às vezes), a homossexualidade (às vezes), o infanticídio (raramente), a zoofilia (às vezes) e a masturbação (nunca). A Igreja condenou todos". Pg 146.
"A homosexualidade masculina, valorizada entre os gregos e tolerada entre os romanos, foi vigorosamente condenada pelo cristianismo". Pg 186.
IDADE MÉDIA
" O amor na Idade Média deveria ser unicamente dirigido a Deus. fora isso, o termo amor nunca era empregado num sentido positivo. O que chamamos de amor foi totalmente ignorado, era sempre visto como paixão sexual irracional, selvagem, destrutiva. Nunca o amor se aplica ao casamento". Pg 177.
" Mulher diabolizada; desejo sexual reprimido; trabalho manual depreciado; homossexualidade banida; riso e gesticulação reprovados, máscaras e maquiagem condenadas, luxúria e gula associados... O corpo é considerado a prisão e o veneno da alma. O culto do corpo praticado na Antiguidade cede lugar, na Idade Média, a uma derrocada do corpo na vida social". Pg 179.
Amor cortês: "Uma das grandes transformações da Idade Média foi a passagem do amor unilateral- amor a Deus- para o amor recíproco. Por volta do fim do séxulo XI, alguns poetas e nobres do sul da França idealizaram uma relação amorosa original entre homem e a mulher que ficou conhecida como amor cortês. "Quando o desejo insatisfeito fopi colocado no centro da concepção poética do amor, deu-se uma virada importante na história da civilização. A Antiguidade também tinha cantado os sofrimentos doa mor, mas nunca os tinha concebido como esperanças de felicidade ou como frustações lamentáveis dela". [...]". O amor cortês corporifica a relação entre amantes desejosos e suas nobres damas. Os trovadores compunham poemas e canções, exprimindo um código cujas afimações principais eram: o poder enobrecedor do amor, a concepção do amor como paixão ardente, a impossibilidade do amor entre marido e esposa, a elevação da amada a uma posição superior àquela do suplicante e a ideia de fidelidade entre os amantes". Pg 196.
" Os trovadores, ao introduzirem a imagem dos amantes como nobre e valiosa, subvergiam a ordem. Afinal, até então, o amor entre homens e mulheres era considerado pecado e vulgar. Retratar o amor como um sentimento majestoso, um ideal a ser buscado, na realidade era chocante. Outro aspecto revolucionário foi o pael da mulher. Ela deixou de ser inferior e submissa para adquirir igualdade de condições no amor e ser enobrecisa por ele". Pg 196.
" Um jovem solteiro assedia uma dama casada, portanto impossível de ser conquistada. A mulher pertence à nobreza, seu marido é um poderoso senhor, mas, apesar dos perigos, o seu apaixonado nada teme. Dedica-lhe seu amor, seu objetivo é servi-la e cumprir suas ordens. A subservência do homem o transforma por completo. Quanto mais sofre pela dama, mais se sente elevado espiritualmente". '' É a sensualidade transformada em ânsia de sacrifício, no desejo revelado pelo macho de mostrar sua coragem, de correr perigos, de ser forte, de sofrer e sangrar diante da amada". Pg 197.
" A dama era figura inerte e não se conseguiu encontrar, nos escritos porvençais, coisa alguma a respeito do que ela dizia, sentia ou fazia. Ela era simplesmente amada". Pg 203.
" O amor cortês era o adultério! As emoções e os costumes do amor cortês eram inteiramente impróprios e inadequados para as intimidades e as necessidades da vida conjugal. E visto que o prazer sexual e o amor não podiam comninar-se na mesma pessoa, o casamento ficava apenas com o sexo, sendo negada totalmente a possibilidade de amor". Pg 201.
" Na Corte do Amor todos se reuniam num grande salão para debater questões amorosas". "Ninguém pretendia obter soluções para tantas questões difíceis, mas brincar e ter o prazer de falar sobre o amor em público". Pg 206.
" Mas importante assinalar que esta posição sublime da pessoas amada provavelmente não refletia a vida das esposas de verdade e era a realidade de apenas uma pequena camada da população feminina, isto é, das mulheres da nobreza. Para estas mulheres, geralmente casadas com homens mais velhos por razões políticas, sociais e econômicas, a visão de um jovem cavaleiro em uma armadura oferecia uma saída para a imaginação erótica". Pg 198.
" Na Grécia, encontramos o amor ligado ao enobrecimento do caráter, mas associado à homossexualidade. Em Roma, o adultério tinha sido sistematicamente praticado, mas se fazia isso pelo puro prazer sexual, sem nenhum objetivo de louvar a pureza. Os primeiros cristãos tinham dado ênfase à restrição sexual e ao amor puro, mas não havia nenhuma adoração pela mulher nem humilhação do homem diante de sua dama. O amor cortês fundio vários componentes do passado e criou algo totalmente novo na história do amor". Pg 208.
" A partir do século XII a Igreja começou a estender aos poucos seu poder sobre o casamento- que se tornou um sacramento, sobretudo no século XV, quando passou a ser celebrado dentro das igrejas- e impôs seu modelo: casamento indussolúvel e monogamia. Assim, ela passou a controlar melhor a vida cotidiana dos fiéis". Pg 211.
" O marido era considerado em tudo responsável pela conduta da esposa e tinha o direito e o dever- dentro de certos limites- de puni-la e de bater nela para impedir mau comportamento ou simplesmente para lembrar-lhe sua superioridade". Pg 220.
RENASCENÇA
Humanismo: homem é o centro do universo.
"Os homens passavam mais horas dentro ou perto dos seus lares. Assim, a escolha de uma companheira desejável passou a ter uma nova importância". Pg 267. "O sexo e o amor combinados começam muito lentamente a infiltrar-se no casamento". Pg 268.
" A mulher era vista pelos médicos como uma criatura inacabada, um macho incompleto, daí sua fragilidade e sua incosntância. Inútil, canhestra e lenta, desavergonhadamente insolente, mentirosa, supersticiosa e lúbrica por natureza, havia a ideia de que era insdispnesável uma rigorosa vigilância para controlar este ser imperfeito". Pg 271.
" O conceito de mulher foi se tornando gradativamente dualista: ela não era mais Mulher; passara a ser Dama ou Feiticeira- Virgem abençoada ou Eva pecadora- objeto de adoração ou depósito de luxúria abominável". Pg 274. " Testemunhos disso são o avanço da devoção à Virgem Maria e, ao mesmo tempo, a caça às bruxas, que culmina entre 1580 e 1630 na Europa ocidental".
" Quando uma mulher era estrupada e assassinada na prisão, a culpa era colocada no Diabo. As mulheres, o sexo e o Diabo eram constantemente misturados com a feitiçaria. "É impressionante o alto nível de violência física, frequentemente usada nos processos; o uso gratuito da tortura que ia além dos limites judiciais. Chama a atenção a natureza sexual dessa violência. Foi o maior assassinato em massa europeu, do povo pelo povo, não causado por guerra". Pg 290. " Como as mulheres nunca tinham sido aprosionadas em grande número, os homens pela primeira vez tinham acesso irrestrito a elas". Pg 291.
" O terrorismo sexual é o sistema pelo qual os machos amedrontam e amedontrando, dominam e controlam as fêmeas. Há uma multiplicidade de maneiras como isso é feito: pelo estupro, pelas revistas corporais, ofensas verbais e pela tortura. O principal artifício do século XVI para ensinar a ambos os sexos o controle definitivo dos homens sobre as mulheres, porém, foi a execução pública das feiticeiras". Pg 291.
" É sobre a insatisfação sexual de homens e mulheres que o sistema competitivo se constrói, na medida em que a energia reprimida é conduzida para o trabalho compulsivo e sem gratificação nesta vida. Foi a caça às bruxas que normalizou o cpmportamento das populações em pânico de serem julgadas e troturadas pela Inquisição, que não era só católica, mas também protestante". Pg 294.
" O fim das perseguições contra supostos adeptos do Diabo está ligado ao enfraquecimento da crença no demônimo, às dúvidas sobre a realidade do sabá e do pacto infornal. O motivo não foi só a arrancada racionalista e científica, que previa os debates de ideias do século XVIII, mas também um questionamento mais geral dos modos de sentir e de pensar até então dominantes". Pg 296.
" Na Idade Média as pessoas não se percebem como individuos. Cada um só é consciente de si por meio de uma raça, um povo, uma família". Pg 317. "O Renascimento inaugura uma trajetória contínua de individualização da pessoa. O ser se torna realmente um indivíduo do ponto de vista espiritual, capaz de se reconhecer como tal". Pg 318.
" Uma das consequências dos progressos da repressão sexual foi a de levar a sociedade ocidental, em princípio condenada a respeitar a decência e o pudor, a uma obsessão erótica ligada, muitas vezes, ao culto clandestino da pornografia". Pg 320.
LEGAIS:
"O grau de intimidade que se sente na relação com uma pessoa não depende do tempo que você a conhece. Além disso, o prazer sexual também independe do amor ou do conhecimento profundo de algúem. Para o sexo ser ótimo basta haver desejo de obter e proporcionar prazer. E uma camisinha no bolso, claro". Pg 162.
" Um ditador francês diz que uma relação sexual é a harmonia de duas almas e o contato de duas epidermes". [...] "é possível ficar muito tempo acariciando alguém sem repetir nunca a mesma sensação". Pg 166.
Ashley Montagu: "[...] a experiência tátil, ou sua ausência, afeta o desenvolvimento do comportamento humano". "[...] acredita que a estimulação tátil é uma necessidade primária e universal". Pg 166. " O tocar e o acariciar representam modos primários e essenciais de conhecer e de amar". Pg 166.
A probabilidade de que o marido ou mulher venham a ter um caso extraconjugal pode chegar a 76%. Pg 332.
" Muitos ainda acreditam que as mulheres fazem sexo para ter amor e os homens dão amor para ter sexo. Esse padrão de comportamento, assim como a ideia de que as mulher só tem relação extraconjugal motivada por uma grande paixão, e o homem só para fazer sexo, estão saindo de cena". Pg 333.
Crença de que mulheres são monógamas por natureza e que mulheres com casamentos felizes não cometem adultério. Ter um caso extraconjugal é uma maneira das mulheres de tentar resgatar a individualidade que achavam ter perdido no casamento. Pg 333.
" Um caso pode ser uma recarga sexual". "Os casamentos podem realmente melhorar com os casos extraconjugais. Embora haja insatisfação na maioria dos casamentos, as relações extraconjugais ocorrem principalmente porque as pessoas gostam de variar". Pg 334.
" Isso sem falar no fato de ser possível amar duas pessoas ao mesmo tempo. E podemos amar com a mesma intensidade, do mesmo jeito ou diferente. Acontece o tempo todo, mas ninguém gosta de admitir. A questão é que nos cobramos a rapidamente fazer uma opção, descartar uma pessoa em benefício de outra, embora essa atitude constume vir acompanhada de muitas dúvidas e conflitos". Pg 334.
'' Todo o moralismo em torno das relações extraconjugais só produz efeitos contrários, na medida em que a repressão das necessidades sexuais serve sobretudo para exarcerbar sua urgência. Os estímulos sexuais, que apenas podem ser contrariados eficazmente por uma inibição sexual neurótica, despertam em qualquer pessoa sexualmente saudável o desejo de outros objetos sexuais. Quando mais saudável é a pessoa, mais consciente, isto é, não recalcados serão esses desejos e, consequentemente, mais fáceis de controlar. Evidentemente, tal controle é tanto menos nocivo quanto menos for determinado por considerações morais". Pg 334.
" É impossível possuir o outro por completo, por isso inventaram a fidelidade, que no fim das contas ;e uma reciprocidade possessiva. Cada membro do casal compromete-se a ser fiel ao outro para não perdê-lo, para assegurar-se de que "está atado e bem atado". O argumento de que o ser humano é "predestinado" à monogamia é díficil de sustentar. Portanto, uma vez que nós humanos nos damos tão mal com a monogamia, outras estruturas de relacionamento livremente escolhidas também devem ser consideradas". Pg 335.
" O medo de ficar sozinho é tanto que é difícil encontrar quem reinvidique privacidade e tenha maturidade emocional para saber que, se tiver um episódio extraconjugal, isso não diz respeito ao parceiro. A única coisa que importa numa relação é a própria relação, os dois estarem juntos porque gostam da companhia um do outro e fazerem sexo porque sentem prazer". Pg 336.
" Uma das graves hipocrisias históricas do casamento é constatar que em quase todas as sociedades quase todos dizem que a fidelidade é fundamental, mas em todas havia relações extraconjugais em demasia, mesmo quando existiam horrorosos tormentos e suplícios para a pessoa que prevaricasse. " Houve sociedades muito cruéis nessa área. Apesar disso, sempre houve infidelidade. Então o casamento sempre foi aberto. Ponto. Vamos partir deste premissa. Estamos discutindo a hipocrisia coletiva, e não um fato". Pg 336.
" Homens nunca tiveram a expectativa de serem monogâmicos. Sempre tiveram concubinas, amantes e acesso a prostitutas. Isso poderia ter ocorrido com as mulheres a partir da revolução feminina. Mas em vez de estender às mulheres a mesma latitude, permissão e válvula de escape que os homens sempre gozaram, nós estendemos aos homens o mesmo regime de confinamento ao qual as mulheres senore estiveram submetidas. Isso foi um desastre para o casamento". Pg 338.
" A exclusividade sexual do(a) parceiro(a) é a grande preocupação de homens e mulheres. Mas ninguém deveria ficar preocupado se o parceiro se relaciona sexualmente com outra pessoa. Homens e mulheres só deveriam se preocupar em responder a duas perguntas: sinto-me amado(a)? Sinto-me desejado(a)? Se a resposta fo "sim" para as duas, o que o outro faz quando não está comigo não me diz respeito. Sem dúvida as pessoas viveriam bem mais satisfeitas". Pg 339.
" O recalcamento- resultado da interiorização da repressão sexual- enfraquece o "eu" porque a pessoa, tendo que constantemente investir energia para impedir a expressão dos seus desejos sexuais, priva-se de parte de suas potencialidades. O objetivo da repressão sexual consiste em fabricar indivíduos para se adaptar à sociedade autoritária, submetendo-se a ela e temendo a liberdade, apesar de todo o sofrimento e humilhação de que são vítimas". Pg 340.
" Controlar os prazeres das pessoas é controlá-las". Pg 341.
Extremamente interessante ver a evolução do relacionamento heterossexual ao longo dos séculos. Esse livro é um apanhado de trabalhos internacionais ao longo do tema. Explora muito bem todas as épocas e traz ao leitor uma série de auto questionamentos sobre como vivemos atualmente. Por que estamos tão atrasados na forma de lidarmos com nossa vida sexual? Para as mulheres especialmente essa pergunta chega a doer. A parte dos "Links" ao final de cada capítulo é a melhor. Muito concisa e interessante. Nessa enumeração de sequências históricas, sinto que a Regina se perde um pouco, ficando com tópicos muito desconexos, o que quebra bastante o ritmo de leitura. Mas ainda assim, recomendo bastante!