Produzida especialmente para assinalar a homenagem a Drummond na próxima Flip, em julho, esta edição de José é especial por diversos motivos. Em primeiro lugar, é a primeira vez que o livro, publicado originalmente em 1942 — incluído em Poesias, pela editora José Olympio —, aparece num volume separado. São apenas doze poemas, e dos mais representativos da obra do poeta mineiro, como “Edifício Esplendor”, “O lutador” e “Viagem na família”. Sem falar, é claro, do poema que empresta título ao livro, e que se tornaria, graças ao seu verso inicial (“E agora, José?”), uma frase-emblema na vida de todos os brasileiros. Repetido, parodiado e homenageado em outros poemas, reportagens, peças publicitárias e slogans políticos, o verso de Drummond penetrou rapidamente no espírito brasileiro, quase a ponto de muitos sequer desconfiarem que fazem parte de um poema do nosso modernismo.
Carlos Drummond de Andrade foi um poeta, contista e cronista brasileiro. Formou-se em Farmácia, em 1925; no mesmo ano, fundava, com Emílio Moura e outros escritores mineiros, o periódico modernista "A Revista". Em 1934 mudou-se para o Rio de Janeiro, onde assumiu o cargo de chefe de gabinete de Gustavo Capanema, Ministro da Educação e Saúde, que ocuparia até 1945. Durante esse período, colaborou, como jornalista literário, para vários periódicos, principalmente o Correio da Manhã. Nos anos de 1950, passaria a dedicar-se cada vez mais integralmente à produção literária, publicando poesia, contos, crônicas, literatura infantil e traduções. Entre suas principais obras poéticas estão os livros Alguma Poesia (1930), Sentimento do Mundo (1940), A Rosa do Povo (1945), Claro Enigma (1951), Poemas (1959), Lição de Coisas (1962), Boitempo (1968), Corpo (1984), além dos póstumos Poesia Errante (1988), Poesia e Prosa (1992) e Farewell (1996). Drummond produziu uma das obras mais significativas da poesia brasileira do século XX. Forte criador de imagens, sua obra tematiza a vida e os acontecimentos do mundo a partir dos problemas pessoais, em versos que ora focalizam o indivíduo, a terra natal, a família e os amigos, ora os embates sociais, o questionamento da existência, e a própria poesia.
Pai morto, namorada morta. Tia morta, irmão nascido morto. Primos mortos, amigo morto. Avô morto, mãe morta (mãos brancas, retrato sempre inclinado na parede, grão de poeira nos olhos). Conhecidos mortos, professora morta. Inimigo morto.
Noiva morta, amigas mortas. Chefe de trem morto, passageiro morto. Irreconhecível corpo morto: será homem? bicho? Cão morto, passarinho morto. Roseira morta, laranjeiras mortas. Ar morto, enseada morta. Esperança, paciência, olhos, sono, mover de mão: mortos. Homem morto. Luzes acesas. Trabalha à noite, como se fora vivo.
Bom dia! Está mais forte (como se fora vivo).
Morto sem notícia, morto secreto. Sabe imitar fome, e como finge amor.
E como insiste em andar, e como anda bem. Podia cortar casas, entra pela porta.
Sua mão pálida diz adeus à Rússia. O tempo nele entra e sai sem conta. Os mortos passam rápidos, já não há pegá-los. Mal um se despede, outro te cutuca. Acordei e vi a cidade: eram mortos mecânicos, eram casas de mortos, ondas desfalecidas, peito exausto cheirando a lírios, pés amarrados. Dormi e fui à cidade: toda se queimava, estalar de bambus, boca seca, logo crispada. Sonhei e volto à cidade. Mas já não era a cidade. Estavam todos mortos, o corregedor-geral verificava etiquetas nos cadáveres. O próprio corregedor morrera há anos, mas sua mão continuava implacável. O mau cheiro zumbia em tudo.
Desta varanda sem parapeito contemplo os dois crepúsculos. Contemplo minha vida fugindo a passo de lobo, quero detê-la, serei mordido? Olho meus pés, como cresceram, moscas entre eles circulam. Olho tudo e faço a conta, nada sobrou, estou pobre, pobre, pobre, mas não posso entrar na roda, não posso ficar sozinho, a todos beijarei na testa, flores úmidas esparzirei, depois. . . não há depois nem antes. Frio há por todos os lados, e um frio central, mais branco ainda.
Mais frio ainda. .. Uma brancura que paga bem nossas antigas cóleras e amargos.. . Sentir-me tão claro entre vós, beijar-vos e nenhuma poeira em boca ou rosto. Paz de finas árvores, de montes fragílimos lá em baixo, de ribeiras tímidas, de gestos que já não podem mais irritar, doce paz sem olhos, no escuro, no ar. Doce paz em mim, em minha família que veio de brumas sem corte de sol e por estradas subterrâneas regressa às suas ilhas, na minha rua, no meu tempo — afinal — conciliado, na minha cidade natal, no meu quarto alugado, na minha vida, na vida de todos, na suave e profunda morte de mim e de todos.
“Com a chave na mão quer abrir a porta, não existe porta; quer morrer no mar, mas o mar secou; quer ir para Minas mas Minas não há mais. José, e agora?”
não foi um dos meus favoritos do Drummond, mas o poema que dá o título ao livro, “O lutador”, “Viagem na família” e “Tristeza no céu” são bem especiais.
sobre a morte nos olhos imóveis; do medo da morte com a chave na mão; do desejo da morte entre os peixes sem tempo boi sem solidão.
sobre não estar vivo nem morto e por isso suspenso, mas não no presente o instante-já que é vida. preso viagem na família família de farda selvagem sem articulação, josé o bem sabe sem definição, porque no grito não cabe palavra fechada a qual não se abre ao olho.
“Vem, farol tímido, dizer-nos que o mundo de fato é restrito, cabe num olhar.”
carlos:::::::: a vida que eu joguei fora, você traz de volta pelas janelas. ainda há pouco seu livro anunciou vida a meu lado.
obs.: esse volume autônomo foi uma edição comemorariva da flip quando drummond foi o homenageado. além dos poemas selecionados, um pósfacio que faz bem a função que se propôs de analisar brevemente o poema que cunhou o título do livro e a obra desse gigante que marcou nosso brasil(zão, imenso, expoente).