«Até chegar aqui, fui-me cruzando com as indicações e regras produzidas pelas organizações femininas do Estado Novo ensinando às jovens portuguesas que as suas criadas mereciam caridade, voz firme e olho vivo. Rica em metáforas políticas sobre a definição do valor de um indivíduo a partir do seu lugar de nascimento, a criada de casa era julgada pela desobediência, preguiça, sujidade e mania, para referir apenas os atributos mais incisivos. Procurei neste livro esclarecer as formas de relacionamento dos criados com os patrões, a natureza dos conflitos e os códigos de tratamento, as origens sociais, os hábitos, os usos do corpo, a linguagem, entre muitos outros aspectos. O que sabemos para além de um conjunto de rasgos de criação literária que ficcionaram a vida das criadas de servir no contexto do século xx português? Na literatura, no cinema e na dramaturgia popular encontrei muitas vezes densidade psicológica atribuída a estas personagens, mas faltava uma interpretação estrutural que dinamitasse ou, pelo contrário, sustentasse as construções sociais da trabalhadora servil doméstica.»
INÊS BRASÃO nasceu nas Caldas da Rainha, em 1972. É doutorada em Sociologia Histórica (2010), pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, com a tese A condição servil em Portugal: memórias de dominação e resistência a partir de narrativas de criadas. Com actividade docente desde 1999, tem publicado nos domínios da sociologia da cultura, da história do corpo e das estruturas da sociedade portuguesa. É autora de Dons e Disciplinas do Corpo Feminino: Os discursos sobre o corpo no período do Estado Novo, obra premiada pela Comissão para a Condição Feminina em 1998. É também co-autora de Leitores de Bibliotecas Públicas e de Comunidades de Leitura: Cinco estudos de sociologia da cultura. Mais recentemente, dirigiu a sua atenção para o estudo dos subalternos, com particular destaque para uma reconstituição da história das criadas domésticas em Portugal, agora levada à estampa, tema que tem merecido crescente lugar no debate sobre as estruturas da sociedade portuguesa.
Retrato muito bom sobre a condição das empregadas domésticas que, apesar da sua representação massiva nas classes mais precárias, raramente mereceram menção por parte das forças comunistas. Foi uma ótima companhia na minha ressaca 🧘🏻♀️
não acabei de ler porque tive de o devolver à biblioteca mas se o conseguirem agarrar por aí 10/10 recomendo. é um retrato bastante detalhado e curioso não só da situação das criadas de '40 a '70 mas também daquilo que era ser uma mulher no interior do país durante a ditadura salazarista
A escrita da Inês Brasão é fluida, o livro interessante e fácil de ler. Um bom retrato de um grupo de pessoas marcante para o século XXI em Portugal, assim como da estrutura social e do seu envolvente. Com bastantes testemunhos
Melhor parte do livro são os relatos das próprias empregadas:
“Éramos pessoas muito humildes. A minha mãe teve oito filhos - todos pobres. Assim que acabei a terceira classe fui logo para Lisboa. As minhas irmãs já estavam todas a trabalhar. Com 12 anos fui para Lisboa. Já lá estavam três irmãs. Lembro-me perfeitamente. O meu pai morreu e a minha mãe disse: "Pronto, já não podes acabar a 4. classe, tens que ir trabalhar e eu fico com os teus irmãos.” … “Uma vez até me bateu na rua! (…) Passaram dois soldados e disseram assim: «Qual delas será a criada?» Eu ia com a minha roupita, toda arranjada. Ela deu-me uma bofetada. Mas ao tempo que me deu uma bofetada para demonstrar aos magalas quem era a patroa, não fiz mais nada. Agarrei e dei-lhe outra. Ela tinha uns óculos que lhe caíram e ela disse: «Apanha-me os óculos! E eu disse: «Apanhe-os a senhora que não é mais do que eu!» Depois fui para casa e disse que ia embora. (…) E uma dessas vezes foi quando me meteu a cabeça debaixo de água.” …
leitura extremamente interessante. estas e muitas mais mulheres tiveram papéis essenciais em várias casas por este país fora e pouco tempo tem sido dispensado em ouvi-las ou a registar as suas histórias. este livro é completo e bem fundamentado, mas as minhas partes preferidas foram sem dúvida os testemunhos. todos beneficiamos de mais livros assim
A Doutora Inês Brasão, a quem tive o privilégio de chamar professora, retrata o êxodo rural de jovens mulheres para o meio urbano, com o intuito de servir em contexto doméstico.
O livro tem uma escrita maravilhosa que facilita a leitura àqueles que não estão tão familiarizados com determinados conceitos afetos à sociologia.
Esta obra díspar, de leitura obrigatória, preserva e interpreta a memória coletiva destas mulheres de grande relevo para a sociedade. Aos que se interessam por dinâmicas relacionais e questões de estratificação social, recomendo seriamente a leitura.
Um verdadeiro abre-olhos. Não tinha a noção do verdadeiro impacto social e económico da movimentação de meninas e raparigas do campo para a cidade. Mas mais do que isso, é importante finalmente dar voz a estas milhares de meninas, raparigas e mulheres que aguentaram o país nas sombras. É injusto terem sido condenadas ainda crianças e adolescentes a servirem os outros e a ter de arranjar manhas para viverem a sua juventude e a sua vida.