"A Rosa do Povo", escrita durante a II Guerra Mundial, publicado em 1945 e jamais reeditado isoladamente. Se sua repercussão na época foi imensa, quase quarenta anos depois podemos dizer que ele não perdeu o vigor da emoção poética e a atualidade nervosa. Este livro propõe o mesmo debate inesgotável sobre a situação do artista no mundo e sua posição em face dos problemas políticos e sociais do seu tempo. Drummond tomou posição e manteve-se fiel a seu ideário, embora reconhecendo a falácia de ilusões que se misturavam a perenes interesses de justiça, liberdade e paz. Ao lado disso, o livro é de intenso lirismo existencial.
Carlos Drummond de Andrade foi um poeta, contista e cronista brasileiro. Formou-se em Farmácia, em 1925; no mesmo ano, fundava, com Emílio Moura e outros escritores mineiros, o periódico modernista "A Revista". Em 1934 mudou-se para o Rio de Janeiro, onde assumiu o cargo de chefe de gabinete de Gustavo Capanema, Ministro da Educação e Saúde, que ocuparia até 1945. Durante esse período, colaborou, como jornalista literário, para vários periódicos, principalmente o Correio da Manhã. Nos anos de 1950, passaria a dedicar-se cada vez mais integralmente à produção literária, publicando poesia, contos, crônicas, literatura infantil e traduções. Entre suas principais obras poéticas estão os livros Alguma Poesia (1930), Sentimento do Mundo (1940), A Rosa do Povo (1945), Claro Enigma (1951), Poemas (1959), Lição de Coisas (1962), Boitempo (1968), Corpo (1984), além dos póstumos Poesia Errante (1988), Poesia e Prosa (1992) e Farewell (1996). Drummond produziu uma das obras mais significativas da poesia brasileira do século XX. Forte criador de imagens, sua obra tematiza a vida e os acontecimentos do mundo a partir dos problemas pessoais, em versos que ora focalizam o indivíduo, a terra natal, a família e os amigos, ora os embates sociais, o questionamento da existência, e a própria poesia.
The collection of poems A Rosa do Povo, published in 1945, presents a deep political imprint without necessarily falling into the superficial exposition of ideological principles. It is a work aimed at recording a precise historical moment but transcending this moment, reaching all times and places in which the struggle against individual oppression occurs. The poems in A Rosa do Povo were written, for the most part, between the last years of the 1930s and the first of the following. It is a time of solid social upheavals: the war in Europe and Vargas' Estado Novo in Brazil.
Era preciso que um poeta brasileiro, não dos maiores, porém dos mais expostos à galhofa, girando um pouco em tua atmosfera ou nela aspirando a viver como na poética e essencial atmosfera dos sonhos lúcidos,
era preciso que esse pequeno cantor teimoso, de ritmos elementares, vindo da cidadezinha do interior onde nem sempre se usa gravatas mas todos são extremamente polidos e a opressão é detestada, se bem que o heroísmo se banhe em ironia,
era preciso que um antigo rapaz de vinte anos, preso à tua pantomima por filamentos de ternura e riso dispersos no tempo, viesse recompô-los e, homem maduro, te visitasse para dizer-te algumas coisas, sobcolor de poema.
Para dizer-te como os brasileiros te amam e que nisso, como em tudo mais, nossa gente se parece com qualquer gente do mundo - inclusive os pequenos judeus de bengalinha e chapéu-coco, sapatos compridos, olhos melancólicos,
vagabundos que o mundo repeliu, mas zombam e vivem nos filmes, nas ruas tortas com tabuletas: Fábrica, Barbeiro, Polícia, e vencem a fome, iludem a brutalidade, prolongam o amor como um segredo dito no ouvido de um homem do povo caído na rua.
Bem sei que o discurso, acalanto burguês, não te envaidece, e costumas dormir enquanto os veementes inauguram estátua, e entre tantas palavras que como carros percorrem as ruas, só as mais humildes, de xingamento ou beijo, te penetram.
Não é a saudação dos devotos nem dos partidários que te ofereço, eles não existem, mas a de homens comuns, numa cidade comum, nem faço muita questão da matéria de meu canto ora em torno de ti como um ramo de flores absurdas mando por via postal ao inventor dos jardins.
Falam por mim os que estavam sujos de tristeza e feroz desgosto de tudo, que entraram no cinema com a aflição de ratos fugindo da vida, são duras horas de anestesia, ouçamos um pouco de música, visitemos no escuro as imagens - e te descobriram e salvaram-se.
Falam por mim os abandonados da justiça, os simples de coração, os parias, os falidos, os mutilados, os deficientes, os indecisos, os líricos, os cismarentos, os irresponsáveis, os pueris, os cariciosos, os loucos e os patéticos.
E falam as flores que tanto amas quando pisadas, falam os tocos de vela, que comes na extrema penúria, falam a mesa, os botões, os instrumentos do ofício e as mil coisas aparentemente fechadas, cada troço, cada objeto do sótão, quanto mais obscuros mais falam.
II
A noite banha tua roupa. Mal a disfarças no colete mosqueado, no gelado peitilho de baile, de um impossível baile sem orquídeas.
És condenado ao negro. Tuas calças confundem-se com a treva. Teus sapatos inchados, no escuro do beco, são cogumelos noturnos. A quase cartola, sol negro, cobre tudo isto, sem raios.
Assim, noturno cidadão de uma república enlutada, surges a nossos olhos pessimistas, que te inspecionam e meditam: Eis o tenebroso, o viúvo, o inconsolado, o corvo, o nunca-mais, o chegado muito tarde a um mundo muito velho.
E a lua pousa em teu rosto. Branco, de morte caiado, que sepulcros evoca mas que hastes submarinas e álgidas e espelhos e lírios que o tirano decepou, e faces amortalhadas em farinha. O bigode negro cresce em ti como um aviso e logo se interrompe. É negro, curto, espesso. O rosto branco, de lunar matéria, face cortada em lençol, risco na parede, caderno de infância, apenas imagem entretanto os olhos são profundos e a boca vem de longe, sozinha, experiente, calada vem a boca sorrir, aurora, para todos.
E já não sentimos a noite, e a morte nos evita, e diminuímos como se ao contato de tua bengala mágica voltássemos ao país secreto onde dormem os meninos. Já não é o escritório e mil fichas, nem a garagem, a universidade, o alarme, é realmente a rua abolida, lojas repletas, e vamos contigo arrebentar vidraças, e vamos jogar o guarda no chão, e na pessoa humana vamos redescobrir aquele lugar - cuidado! - que atrai os pontapés: sentenças de uma justiça não oficial.
III
Cheio de sugestões alimentícias, matas a fome dos que não foram chamados à ceia celeste ou industrial. Há ossos, há pudins de gelatina e cereja e chocolate e nuvens nas dobras do teu casaco. Estão guardados para uma criança ou um cão. Pois bem conheces a importância da comida, o gosto da carne, o cheiro da sopa, a maciez amarela da batata, e sabes a arte sutil de transformar em macarrão o humilde cordão de teus sapatos.
Mais uma vez jantaste: a vida é boa. Cabe um cigarro: e o tiras da lata de sardinhas. Não há muitos jantares no mundo, já sabias, e os mais belos frangos são protegidos em pratos chineses por vidros espessos.
Há sempre o vidro, e não se quebra, há o aço, o amianto, a lei, há milícias inteiras protegendo o frango, e há uma fome que vem do Canadá, um vento, uma voz glacial, um sopro de inverno, uma folha baila indecisa e pousa em teu ombro: mensagem pálida que mal decifras o cristal infrangível. Entre a mão e a fome, os valos da lei, as léguas. Então te transformas tu mesmo no grande frango assado que flutua sobre todas as fomes, no ar; frango de ouro e chama, comida geral, que tarda.
IV
O próprio ano novo tarda. E com ele as amadas. No festim solitário teus dons se aguçam. És espiritual e dançarino e fluido, mas ninguém virá aqui saber como amas com fervor de diamante e delicadeza de alva, como, por tua mão a cabana se faz lua.
Mundo de neve e sal, de gramofones roucos urrando longe o gozo de que não participas. Mundo fechado, que aprisiona as amadas e todo o desejo, na noite, de comunicação.
Teu palácio se esvai, lambe-te o sono, ninguém te quis, todos possuem, tudo buscaste dar, não te tomaram. Então encaminhas no gelo e rondas o grito.
Mas não tens gula de festa, nem orgulho nem ferida nem raiva nem malícia. És o próprio ano-bom, que te deténs. A casa passa correndo, os copos voam, os corpos saltam rápido, as amadas te procuram na noite... e não te vêem, tu pequeno, tu simples, tu qualquer.
Ser tão sozinho em meio a tantos ombros, andar aos mil num corpo só, franzino, e ter braços enormes sobre as casas, ter um pé em Guerrero e outro no Texas, falar assim a chinês a maranhense, a russo, a negro: ser um só, de todos, sem palavra, sem filtro, sem opala: há uma cidade em ti, que não sabemos.
V
Uma cega te ama. Os olhos abrem-se. Não, não te ama. Um rico, em álcool, é teu amigo e lúcido repele tua riqueza. A confusão é nossa, que esquecemos o que há de água, de sopro e de inocência no fundo de cada um de nós, terrestres. Mas, ó mitos que cultuamos, falsos: flores pardas, anjos desleais, cofres redondos, arquejos poéticos acadêmicos; convenções do branco, azul e roxo; maquinismos, telegramas em série, e fábricas e fábricas e fábricas de lâmpadas, proibições, auroras. Ficaste apenas um operário comandado pela voz colérica do megafone. És parafuso, gesto, esgar. Recolho teus pedaços: ainda vibram, lagarto mutilado.
Colo teus pedaços. Unidade estranha é a tua, em mundo assim pulverizado. E nós, que a cada passo nos cobrimos e nos despimos e nos mascaramos, mal retemos em ti o mesmo homem,
aprendiz bombeiro caixeiro doceiro emigrante forçado maquinista noivo patinador soldado músico peregrino artista de circo marquês marinheiro carregador de piano
apenas sempre entretanto tu mesmo, o que não está de acordo e é meigo, o incapaz de propriedade, o pé errante, a estrada fugindo, o amigo que desejaríamos reter na chuva, no espelho, na memória e todavia perdemos
VI
Já não penso em ti. Penso no ofício a que te entregas. Estranho relojoeiro cheiras a peça desmontada: as molas unem-se, o tempo anda. És vidraceiro. Varres a rua. Não importa que o desejo de partir te roa; e a esquina faça de ti outro homem; e a lógica te afaste de seus frios privilégios.
Há o trabalho em ti, mas caprichoso, mas benigno, e dele surgem artes não burguesas, produtos de ar e lágrimas, indumentos que nos dão asa ou pétalas, e trens e navios sem aço, onde os amigos fazendo roda viajam pelo tempo, livros se animam, quadros se conversam, e tudo libertado se resolve numa efusão de amor sem paga, e riso, e sol.
O ofício é o ofício que assim te põe no meio de nós todos, vagabundo entre dois horários; mão sabida no bater, no cortar, no fiar, no rebocar, o pé insiste em levar-te pelo mundo, a mão pega a ferramenta: é uma navalha, e ao compasso de Brahms fazes a barba neste salão desmemoriado no centro do mundo oprimido onde ao fim de tanto silêncio e oco te recobramos.
Foi bom que te calasses. Meditavas na sombra das chaves, das correntes, das roupas riscadas, das cercas de arame, juntavas palavras duras, pedras, cimento, bombas, invectivas, anotavas com lápis secreto a morte de mil, a boca sangrenta de mil, os braços cruzados de mil.
E nada dizias. E um bolo, um engulho formando-se. E as palavras subindo. Ó palavras desmoralizadas, entretanto salvas, ditas de novo. Poder da voz humana inventando novos vocábulos e dando sopros exaustos. Dignidade da boca, aberta em ira justa e amor profundo, crispação do ser humano, árvore irritada, contra a miséria e a fúria dos ditadores,
ó Carlito, meu e nosso amigo, teus sapatos e teu bigode caminham numa estrada de pó e de esperança.
"É noite. Sinto que é noite não porque a sombra descesse (bem me importa a face negra) mas porque dentro de mim, no fundo de mim, o grito se calou, fêz-se desânimo. Sinto que nós somos noite, que palpitamos no escuro e em noite nos dissolvemos. Sinto que é noite no vento, noite na água, na pedra. Que adianta uma lâmpada? Que adianta uma voz? É noite no meu amigo. É noite no submarino. É noite na roça grande. É noite, não é morte, é noite de sono espêsso e sem praia. Não é dor, não é paz, é noite, é perfeitamente noite. Mas salve os olhos alegres! E salve o dia que surge! Os corpos saltam do sono, o mundo se recompõe. Que gôzo na bicicleta! Existir: seja como fôr. A fraterna entrega do pão. Amar: mesmo nas canções. De novo andar: as distâncias, as côres, a posse das ruas. Tudo que à noite perdemos se nos confia outra vez. Obrigado, coisas fiéis! Saber que ainda há florestas, sinos, palavras; que a terra prossegue seu giro, e o tempo não murchou; não nos diluímos! Chupar o gôsto do dia! Clara manhã, obrigado! O essencial é viver!"
Passagem da Noite
***
Este livro representa uma das surpresas mais bonitas que tive nos últimos tempos. Já andava de olho na poesia do Carlos Drummond de Andrade, e sabia que este livro estava editado pela Companhia das Letras, quando o encontrei num site chamado Booktique a 1 euro. Li esta versão fac-símile, imagino que as edições mais recentes tenham sofrido algumas modificações, mas não houve nada no português aqui escrito que resistisse ao entendimento. Por falar nisso, boa parte da beleza destes poemas passa, precisamente, pela acessibilidade linguística — seja para descrever a morte de um leiteiro, para falar sobre a chegada da noite ou sobre Charlie Chaplin (tão enternecedora que é a homenagem que Drummond faz a Chaplin), não corremos nunca o risco de encontrar discursos herméticos ou as ditas "palavras caras". Destaquei a "Passagem da Noite" porque foi durante a leitura deste poema que o tempo parou. Quanto terminei a leitura não mudei de página, fiquei retida nele: não estava preparada, simplesmente não estava preparada para esta transformação. Adoro a forma como fala da espessura da noite, da forma como a noite se inscreve nos corpos, como se infiltra, como passa a fazer parte de tudo o que é material e vive — e o poema poderia, para mim, valer só por isso, para mim já seria um belíssimo poema, mas passar desse tom menor para tom maior (sim, quase como se fosse uma melodia), agarrar as rédeas da noite, agitá-la entre os dedos e fazer erguer o dia... é maravilhoso, inesperado e maravilhoso. Sinto mesmo a alegria no "Existir: seja como fôr": ser, estar, resistir a mais uma noite. Isso, simplesmente isso...
"Não grites, não suspires, não te mates: escreve. Escreve romances, relatórios, cartas de suicídio, exposições de motivos, mas escreve. Não te rendas ao inimigo. Escreve memórias, faturas. E por que desprezas o homem, papel, se ele te fecunda com dedos sujos mas dolorosos? Pensa na doçura das palavras. Pensa na dureza das palavras. Pensa no mundo das palavras. Que febre te comunicam. Que riqueza. Mancha de tinta ou gordura, em todo caso mancha de vida. Passar os dedos no rosto branco... não, na superfície branca. Certos papéis são sensíveis, certos livros nos possuem."
Um dos melhores e mais fortes livros do autor. Quanto ao prefácio de Affonso Romano de Sant'Anna, poderíamos - os leitores, o autor e a editora - ter passado sem. Abusa de trocadilhos com os títulos de outros livros de Drummond e o ranço anticomunista é forte demais, o que destoa muito da proposta e da feitura do livro.
«Antes de qualquer comentário a este título permitam-me confessar-vos que nunca fui, creio que nunca serei, facilmente atraída pela poesia. Sempre que me era proposta a leitura ou análise deste género fazia-o de forma contrariada e o resultado nunca foi bonito… No entanto, não nego a mim mesma experiências e, por isso, quando a Companhia das Letras me brindou com esta publicação de Carlos Drummond de Andrade, A rosa do povo, eu soube que acabaria por lhe pegar. Assim fiz, numa tarde com cheiro de primavera, temperada de sol quente e com o peito desperto para emoções, afinal eu tinha a curiosidade do renome mesmo que me faltasse a vontade. (...)»
"A Rosa do Povo" é, para mim, um dos livros mais difíceis do Drummond; não sei exatamente se gosto, se admiro ou se acho palavroso demais. De fato, alguns poemas são excessivamente discursivos para meu gosto mais sintético, e não poderiam deixar de ser: são exortações, conclamações, ora, discursos mesmo, pela revolução. É justo, mas ocasionalmente cansativo. Mesmo assim, "Áporo", por exemplo, está nessas páginas, e é um exemplo de concisão admirável. Não ignoro que a preocupação social é apenas uma das faces do livro; ela é, no entanto, a que mais salta aos meus olhos, e a que produziu menos poemas que me dão prazer.
A rosa do povo = a última esperança em meio à destruição. A beleza crescendo no concreto cinza duro e enrustido. Aplicável inclusive à atualidade, a esperança de um povo por dias melhores nunca poderá morrer.
Se de tudo fica um pouco, mas por que não ficaria um pouco de mim? no trem que leva ao norte, no barco, nos anúncios de jornal, um pouco de mim em Londres, um pouco de mim algures? no consoante? no poço?
Minha experiência passada com Carlos Drummond não tinha sido muito positiva. Li “Alguma Poesia” e “Sentimento do Mundo” ano passado, e foram duas coleções que me decepcionaram bastante.
Lembro de não ter me conectado com nenhuma poesia, de ter achado o cunho político-social, principalmente da segunda obra, cansativo e tedioso. Gosto, no geral, de poesias subjetivas. Gosto de ler sobre sentimentos, amores e sofrimentos, e não tinha encontrado nada disso em Carlos Drummond.
Bom, minha experiência com “A Rosa do Povo” foi completamente diferente. A discrepância foi tão grande que quero reler as duas primeiras obras para rever minhas opiniões e tentar encontrar o poeta que conheci agora em seus outros trabalhos.
“A Rosa do Povo”, até comparado com “Sentimento do Mundo”, é uma coleção ainda mais voltada para o cunho social, o que me deixa surpresa, considerando o tanto que consegui me entreter com ela e o tanto que isso foge da minha zona de conforto quando se trata de poesia.
O poeta trata de diversos temas relacionados ao momento em que vive, retratando a Segunda Guerra Mundial, Ditadura de Vargas e outros acontecimentos históricos da época, e deixa transparecer seus ideais políticos, voltados a movimentos de esquerda.
Porém, em meio a suas poesias, é possível sentir uma subjetividade que não lembro de ter experienciado em “Sentimento do Mundo”. O apelo do poeta, o sentimento de impotência em relação ao que o mundo vivencia, as repercussões emocionais de acontecimentos na sua vida pessoal, são fatores que tornaram essa coletânea tão diferenciada para mim.
São poemas, em sua maioria, extensos e uns chegam a ser cansativos. Me perdi várias vezes nas diversas ideias que só um poema conteve, mas isso não tornou a experiência de leitura cansativa, pois logo após encontrava um texto que me dava vontade de ler e reler incansavelmente, por conta de sua genialidade.
Meus destaques - A procura da poesia - A flor e a náusea - Carrego comigo - Anoitecer - Rola mundo - O mito - Resíduo - Noite na repartição - Consolo na praia - Como um presente - Os últimos dias
Eu gostei bastante dos poemas, alguns são tristes, outros são bonitos, meu favorito foi "Carta a Stalingrado", não meu favorito como número um, mas está num TOP 5.
"Já agora te sigo a toda parte, e te desejo e te perco, estou completo, me destino, me faço tão sublime, tão natural e cheio de segredos, tão firme, tão fiel… Tal uma lâmina, o povo, meu poema, te atravessa."
Nesse livro, Drummond leva sua poesia para o mais íntimo de suas idiossincrasias em relação ao mundo da modernidade, em relação ao sistema capitalista, em relação à II Guerra, em relação à arte e em relação ao eu próprio envelhecimento.
Drummond perpassa com maestria sobre todos esses temas, mesclando-os várias vezes e trazendo artifícios externos que só acrescentam. Com certeza, esse foi um livro que não só tranquilizou a minha alma, mas também terminou por me tornar um ser humano um pouco mais politizado, consciente de suas próprias problemáticas frente à vida e, principalmente, um ser humano melhor.
Um muito obrigado a Drummond por ter deixado essa obra prima antes de partir.
This book is beautiful, but it is not easy. Drummond covers a variety of topics in a very philosophical and highly reflective way. Stylistically, the themes are often between the lines and are expressed by images, fragments e metonymy. Each verse is full of meaning. I thought about giving up reading this book several times, but I could not get away from his sensitivity, lucidity, values and idealism.
väldigt fina dikter, de är nog ännu finare på originalspråket. mina favoriter var vaggsång, stora vida värld, så går ett år tillända, de sista dagarna och skymning
Pôr fogo em tudo, inclusive em mim. Ao menino de 1918 chamavam anarquista. Porém meu ódio é o melhor de mim. Com ele me salvo e dou a poucos uma esperança mínima.
É a primeira vez que leio poesia brasileira e a verdade é que fiquei maravilhado. Eu já tinha lido poesia política antes mas jamais eu teria pensado que issa misma poesia, con tintes abertamente socialistas, pudesse ser escrita durante a ditadura de Getúlio Vargas. Nota-se a relação estreita com a clase trabalhadora em muitos destos poemas. Mesmo nos poemas mais sentimentais, aqueles onde o poeta fala de coração a coração, percebe-se uma ligeira e fina conotação política. É como se Drummond de Andrade entendesse que quem sofre, vive também em uma sociedade e sua dor não fosse independente daquelo que sucede ao redor dele ou dela. É uma sensibilidade sem igual, tão pouco julgadora e com uma visão tão ampla da realidade social.
Vou destacar vários poemas, não todos os que gostei, mais bastantes porque o livro em geral há bastantes poemas.
*Consideração do Poema *A Flor e a Náusea *Carrego Comigo *Passagem do Ano *Movimento da Espada *Omito *Resíduo *Noite na Repartição *Consolo na Praia *Cidade Prevista *Carta a Stalingrado *Visão 1944
55 poemas de pura magia. Gostei deste livro ligeiramente menos do que o “Sentimento do Mundo”, mas continua a ser uma grande obra e faz parte dos meu top 10 de livros de poesia favoritos. Este livro que foi escrito pouco depois da 2ª Guerra Mundial (1945) e em pleno “Estado Novo” , reflecte bem a indignação do poeta com a violência no mundo e no Brasil. É este tipo de humanismo que todos precisamos de ler! Óptima leitura.
Adoro:
A flor e a náusea
Preso à minha classe e a algumas roupas, vou de branco pela rua cinzenta. Melancolias, mercadorias espreitam-me. Devo seguir até o enjoo? Posso, sem armas, revoltar-me?
Olhos sujos no relógio da torre: Não, o tempo não chegou de completa justiça. O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera. O tempo pobre, o poeta pobre fundem-se no mesmo impasse.
[. . .]
Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde e lentamente passo a mão nessa forma insegura. Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se. Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico. É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.
Um dos livros mais incríveis da história da poesia de nosso país. Drummond é um gênio, um moderno quase contemporâneo, que muito bem combina a experimentação formal com a precisão das palavras, como se procurasse ser entendido e ao mesmo tempo livre de amarrações de sentido, isto é, procurou a fácil compreensão de su poética, mas também dificilmente codificada em todos os planos possíveis.
No caso de "A rosa do povo", abandona totalmente a metafísica para reluzir os versos mais imanentes de sua produção. E para nada isso tira sua potência estética, muito pelo contrário; com maestria evidencia que a poesia pode e deve ter um caráter ético, sem perder com isso sua beleza:
"Assim nos criam burgueses. Nosso caminho: traçado. Por que morrer em conjunto? E se todos nós vivêssemos?"
ou
"Em vão percorremos volumes, viajamos e nos colorimos. A hora pressentida esmigalha-se em pó na rua. Os homens pedem carne. Fogo. Sapatos. As leis não bastam. Os lírios não nascem da lei. Meu nome é tumulto, e escreve-se na pedra.".
Como qualquer livro de poesia, não é possível apreciá-lo de sopetão, em uma leitura contínua, sem paradas para reflexão; porém consegui sentir "o barato" em alguns momentos. Visivelmente com viés político e crítico em relação aos anos finais da segunda guerra.
Creio que Drummond é essa rua que começa em Itabira, humilde caminho da América.
"Uma rua começa em Itabira, que vai dar em qualquer ponto da [terra. Nessa rua passam chineses, índios, negros, mexicanos, turcos, [uruguaios. Seus passos urgentes ressoam na pedra, ressoam em mim. Pisado por todos, como sorrir, pedir que sejam felizes? Sou apenas uma rua na cidadezinha de Minas, humilde caminho da América"
Aqui tem alguns dos meus textos favoritos dele, e pra mim a imagem mais potente que ele criou — a rosa do povo — e que só se intensifica, a cada vez que aparece.
Só não vou dar 5 estrelas porque em alguns poemas sinto um esforço tão grande que dá num resultado um pouco prolixo; nesses, como sempre, admiro o que ele cria, mas às vezes o sentimento me perde. Mesmo que aqui estejam alguns dos melhores e a maioria seja incrível, prefiro o conjunto dos poemas dele desamparado e revoltado em Sentimento do Mundo, que dei 5 estrelas.
O próximo que vou ler dele é Claro Enigma, tô bem ansioso.