A presente edição de Geografia integra-se num novo plano de publicação da Obra Poética de Sophia de Mello Breyner Andresen. Para além da fixação definitiva do texto, a cargo de Luis Manuel Gaspar, regressa-se à edição autónoma de cada um dos livros de poemas da autora, de acordo com critérios definidos em Nota final. Assim, a Obra Poética de Sophia em três volumes, que a Editorial Caminho publicou entre 1990 e 2003, deixa de existir, cremos que com vantagem para os leitores, em nome de uma mais adequada difusão da obra da autora. Editorial Caminho
Geografia, oitavo livro de poesia de Sophia de Mello Breyner Andresen, teve três publicações autónomas (1.ª ed., Lisboa, Edições Ática, 1967; 2.ª ed., aumentada, Lisboa, Edições Ática, 1972; 3.ª ed., reproduzindo o texto da primeira, Lisboa, Edições Salamandra, 1990). Foi incluído, com variantes, em Obra Poética III, Lisboa, Editorial Caminho, 1991. A presente edição definitiva respeita as emendas da autora a esta última versão e inclui um poema (Atelier do Escultor do Meu Tempo) que nela não figurava, retomado da 2.ª ed. autónoma. A revisão de texto obedece às normas ortográficas vigentes, não ocorrendo neste livro nenhum dos casos em que a autora deliberadamente delas se afasta, e que têm, noutras obras, um exemplo significativo na palavra «dansa». L. M. G.
SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDERSEN nasceu no Porto, a 6 de Novembro de 1919. Entre 1936 e 1939 frequentou o curso de Filologia Clássica na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, que não concluiu. Foi Presidente da Assembleia Geral da Associação Portuguesa de Escritores e Deputada à Assembleia Constituinte, pelo Partido Socialista (1975). A sua obra reparte-se pela ficção e pela poesia, embora seja nesta última que a sua inspiração clássica dá ao seu verso uma dimensão solar e luminosa, que permite ouvir nitidamente a palavra com todo o peso da sua musicalidade limpa, ao encontro do modelo clássico. Entre as suas obras poéticas contam-se Coral (1950), Mar Novo (1958), Livro Sexto (1962), Geografia (1967), Navegações (1983), Ilhas (1989), Musa (1994) e O Búzio de Cós e Outros Poemas (1997). Em ficção publicou Contos Exemplares (1962) e Histórias da Terra e do Mar (1983). Da sua literatura infantil destacam-se O Rapaz de Bronze (1956), A Menina do Mar (1958), A Fada Oriana (1958), O Cavaleiro da Dinamarca (1964) e A Floresta (1968). Em 1999 é-lhe atribuído o Prémio Camões, pelo conjunto da sua obra, e em 2001 ganha o Prémio Max Jacob de Poesia. Foi condecorada pela Presidência da República com a Grã-Cruz da Ordem de Sant’Iago da Espada, em 1998. Faleceu em Lisboa, a 2 de Julho de 2004.
POESIA DE INVERNO IV Meu coração busca as palavras do estio Busca o estio prometido nas palavras
O meu único problema com a poesia de Sophia de Mello Breyner é a saudade que me faz sentir do verão. Ainda falta muito…?
POEMA A minha vida é o mar o Abril a rua O meu interior é uma atenção voltada para fora O meu viver escuta A frase que de coisa em coisa silabada Grava no espaço e no tempo a sua escrita
Não trago Deus em mim mas no mundo o procuro Sabendo que o real o mostrará
Não tenho explicações Olho e confronto E por método é nu meu pensamento
A terra o sol o vento o mar São minha biografia e são meu rosto
Por isso não me peçam cartão de identidade Pois nenhum outro senão o mundo tenho Não me peçam opiniões nem entrevistas Não me perguntem datas nem moradas De tudo quanto vejo me acrescento
E a hora da minha morte aflora lentamente Cada dia preparada
“Geografia” foi dado pela primeira vez ao prelo em 1967, época de repressão e silenciamento em que a vida interior teria de prevalecer para se manter a sanidade mental. Quase 60 anos depois, ainda fazem sentido as palavras de Sophia.
Lá fora, na rua, sob o peso do mesmo sol, outras coisas me são oferecidas. Coisas diferentes. Nada têm em comum comigo nem com o sol. Vêm de um mundo onde a aliança foi quebrada. (…) Mundo que pode ser um habitat mas não é um reino. O reino agora é só aquele que cada um por si mesmo encontra e conquista, a aliança que cada um tece. Este é o reino que buscamos nas praias de mar verde, no azul suspenso da noite, na pureza da cal, na pequena pedra polida, no perfume do orégão.
That's a work marked by lyrical language and poetic images by Sophia de Mello Breyner, which characterize the geographic content. Landscapes, places, and cities that have a sense of the living represent imaginative and affective resonances of their existence.
PT: Estou longe de ser uma entendida em poesia, portanto esta opinião vale o que vale. Gostei muito deste livro e vou certamente ler mais da obra poética de Sophia.
Se já dei estrelas a menos por causa do final dos livros, neste dou mais uma pelo mesmo motivo.
Sendo Sophia é sempre muito bonito. Mas pareceu-me disperso e saltitante entre temas. Volta muito à Grécia e, talvez sem motivo, não estava à espera disso depois de um início muito centrado na casa, na luz e na interioridade.
Termina com dois pequeníssimos ensaios (ou talvez nem isso se possam chamar) sobre a Arte Poética. E é aí que me reconcilio e não consigo deixar de voltar ao ponto que sempre encontro na Sophia: é verdadeiro de forma muito próxima, mostra-se verdadeiro na nossa vida sem ser preciso grandes elaborações ou explicações. Instintivamente verdadeiro.
“Pede-me antes a inteireza do meu ser, uma consciência mais funda do que a minha inteligência, uma fidelidade mais pura do que aquela que eu posso controlar.”
“Por isso o poema não fala de uma vida ideal mas sim de uma vida concreta (…).”
“O verso é denso, tenso como um arco, exactamente dito, porque os dias foram densos, tensos como um arco, exactamente vividos.”
O olhar de Sophia de Mello Breyner Anderson possuir uma dupla dimensão que pender às pequenas coisas e, num dado momento, a uma paisagem que se une ao todo, uma relação que acaba por definir uma vivacidade dos instantes.
Instante, solidão e silêncio. Três palavras/temáticas que a autora refere neste livro. A poesia de Sophia instala-se na relação com o espaços e a realidade (material ou espiritual, histórica e até mítica).
Em Geografia percorremos praias do Algarve, as ilhas gregas e até o Brasil. Toca na política e na cultura. Mas são os poemas sobre a solidão, a noite e o tempo que mais me fascinaram. Os poemas encerram-se na sua generalidade com brevidade, são sintéticos e diretos, há uma grande riqueza melódica que se alia a contraposições rítmicas.
- Geografia no sentido literal da palavra: Sophia leva-nos por uma viagem pelo mediterrâneo, pela Grécia, Itália e por toda a sua história. Leva-nos até casa. Deixa-nos com o desejo de conhecer in loco todos estes locais da sua vida.
"Eu me perdi na sordidez do mundo Eu me salvei na limpidez da terra
Eu me busquei no vento e me encontrei no mar"
- Geografia histórica: as guerras civis e a ditadura portuguesa presentes de forma pungente e muito clara.
- Geografia religiosa: a busca por Deus e pelos deuses aqui presente, a espiritualidade presente mais que nunca.
"Não trago Deus em mim mas no mundo o procuro Sabendo que o real o mostrará"
Geografia nas suas várias vertentes, inicialmente parecendo tudo um pouco caótico e desconexo, até que o fio condutor chega e liga todas estes pedacinhos de mais uma magistral obra de Sophia.
A quem nunca leu a poesia de Sophia recomendo este como primeiro livro. Aos brasileiros há um gosto especial por conta de um capítulo dedicado ao português brasileiro, a Brasília e a Manuel Bandeira.