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O cultivo de flores de plástico

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No fundo é isso. Ninguém nos vê. Somos invisíveis. A miséria é uma poção de invisibilidade. Quando as roupas ficam rotas, quando estendemos uma mão, puf, desaparecemos. Somos as pombas dos ilusionistas. Isto dava para um negócio, dava para ganhar a vida com os turistas. Levava-os a ver fantasmas numa cidade assombrada. Levava-os a verem-nos. Olhem, damas e cavalheiros, meninos e meninas, esta é a Lili, tem saudades de ser criança, tem no nariz o cheiro do tabaco dos dedos do pai e crostas nos braços, por aqui, por favor, cuidado com os pés, não pisem as camas, parecem cartões, eu sei, ali ao canto está o couraçado Korzhev, que se deixou ficar, com os ícones na lapela, sigam-me, é um deserto meio russo e traz o barulho do mar nos bolsos, atenção, cavalheiro, saia de cima do cobertor, vejam, ali, ali ao fundo, uma genuína senhora de fato, que ainda há poucos meses andava a alcatifar o mundo, minhas senhoras e meus senhores, e ainda tem na voz restos da sua vida anterior, do tempo em que havia casas. Palmas, por favor. E eu? Eu sou o Jorge, também invisível como qualquer fantasma, vivo nas ruas. Obrigado, obrigado, e agora, se me permitem, vou comer a minha sopa que está a arrefecer há tantos anos.

102 pages, Paperback

First published July 1, 2013

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About the author

Afonso Cruz

98 books1,975 followers
Nasceu em 1971, na Figueira da Foz e estudou nas Belas Artes de Lisboa, no Instituto Superior de Artes Plásticas da Madeira e na António Arroio. É escritor, músico, cineasta e ilustrador.
Escreveu seis livros: A Carne de Deus (Bertrand), Enciclopédia da Estória Universal (Quetzal - Grande Prémio de Conto Camilo Castelo Branco 2010), Os Livros Que Devoraram o Meu Pai (Caminho - Prémio Literário Maria Rosa Colaço 2009), A Contradição Humana (Caminho - Prémio Autores 2011 SPA/RTP; escolha White Ravens 2011; Menção Especial do Prémio Nacional de Ilustração 2011) e A Boneca de Kokoschka (Quetzal), O Pintor Debaixo do Lava-Loiças (Caminho). Participou ainda nos livros Almanaque do Dr. Thackery T. Lambshead de Doenças Excêntricas e Desacreditadas (Saída de Emergência), O Prazer da Leitura (FNAC/Teodolito) e O Caso do Cadáver Esquisito (Associação Cultural Prado).
Ilustrou, desde 2007, cerca de trinta livros para crianças, trabalhando com autores como José Jorge Letria, António Torrado, Alice Vieira. O livro Bichos Diversos em Versos foi seleccionado pela Biblioteca Internacional de Juventude /White Ravens 2010 e Galileu à Luz de uma Estrela ganhou o Prémio Ler/Booktailors 2011 - Melhor Ilustração Original. Também tem publicado ilustrações em revistas, capas de livros e publicidade.
Em 2007 gravou um disco (Homemade Blues) com a banda de que é membro, The Soaked Lamb, para o qual compôs todos os originais, escreveu letras, tocou guitarra, harmónica, banjo, lap steel, ukulele e cantou. Em 2010, lançou um novo CD, Hats and Chairs, apenas de originais e com vários convidados.
Trabalhou como animador em vários filmes e séries tais como A Maravilhosa Expedição às Ilhas Encantadas; pilotos de A Demanda do R, Toni Casquinha, Óscar, As aventuras de João sem Medo; e vários filmes de publicidade.
Fez layouts para alguns episódios da série Angelitos e realizou vários filmes de O Jardim da Celeste, Rua Sésamo e Ilha das Cores.
Juntamente com mais duas pessoas, realizou uma curta-metragem chamada Dois Diários e um Azulejo, que ganhou duas menções honrosas (Cinanima e Famafest), um prémio do público e participou em diversos festivais internacionais. Também foi o realizador de O Desalmado e da série Histórias de Molero (uma adaptação do livro de Dinis Machado, O Que Diz Molero). Para publicidade destaca-se a campanha Intermarché onde realizou mais de duzentos filmes durante os anos de 2006 e 2007.

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Community Reviews

5 stars
129 (34%)
4 stars
184 (49%)
3 stars
57 (15%)
2 stars
2 (<1%)
1 star
1 (<1%)
Displaying 1 - 30 of 58 reviews
Profile Image for Ana.
633 reviews119 followers
April 18, 2019
Afonso Cruz é maravilhoso em tudo o que escreve. Fazendo uma crítica à nossa sociedade consumista e individualista, é incrível como apesar de ser um livro tão pequeno pode ser tão belo e poderoso.

"Andamos a regar flores de plástico, é isso que fazemos. Temos coisas que não sevem para nada. É tudo plástico. E nós regamos essas flores e esperamos que cheirem a coisas boas. Mas é plástico. Temos coisas, em vez de tentar-mos ser felizes, substituímos a vida por plástico, a felicidade por plástico e o próprio plástico por plástico. Trabalhamos para regar uma vida destas."

Só não consegui ler a parte toda sobre o cão... muito duro... 😥
Profile Image for Sofia.
1,034 reviews129 followers
February 19, 2020
"Andamos a regar flores de plástico, é isso que fazemos. Temos coisas que não servem para nada. É tudo plástico. E nós regamos essas flores e esperamos que cheirem a coisas boas. Mas é plástico. Temos coisas, em vez de tentarmos ser felizes, substituímos a vida por plástico, a felicidade por plástico e o próprio plástico por plástico. Trabalhamos para regar uma vida destas."

Pequeno livro sobre 4 pessoas muito diferentes no seu percurso de vida, mas que têm em comum o facto de viverem na rua.

Para pensar.
Profile Image for Adriano Abreu.
18 reviews80 followers
December 10, 2016
Em primeiro lugar quero dizer que não sou grande apreciador de teatro como estilo narrativo. (Odiei quando fui obrigado a ler Felizmente ao Luar no 11º ano.) Teatro para mim não se reduz apenas ao guião, completa-se com a performance do mesmo. Mas como se trata de Afonso Cruz, como fã que sou, fico curioso com a sua capacidade criativa.

O Cultivo de Flores de Plástico transporta-nos para uma realidade que nos é bem próxima e que por vezes é-nos invisível aos olhos - os sem-abrigo. A história centra-se em quatro personagens distintas: Jorge, Couraçado Korzhev, a senhora do fato e Lili. Sendo que esta diversidade não é ao acaso. Nas palavras de Cruz:

" Um livro que acompanha as histórias de 4 sem-abrigo. São todos muito diferentes. Um pouco também para espelhar essa mesma diversidade que encontramos nas ruas, visto que não há o estereótipo de um sem-abrigo. Qualquer pessoa pode ser um sem-abrigo."

Jorge: - é um sem-abrigo já há muitos anos. diz-se sem abrigo por feitio. contudo consegue ver o lado bom de viver nas ruas.

Senhora de fato: - personagem que aparece muito recentemente na rua. Tinha uma empresa de decoração. "Alcatifava o mundo."

Couraçado Korzhev: - Um marinheiro russo que foi abandonado pelos seus camaradas em Lisboa. Transporta conchas no bolso para que o mar esteja sempre presente. viciado em dobrar mapas.

Lili: - uma rapariga que foi bastante cicatrizada pela vida e que acabou nas ruas. Anda sempre com umas chaves em busca da sua casa.

Esta peça abarca aspectos bastante pertinentes e que deviam ser de interesse de toda a gente. Apela para uma sociedade de consumo. o culto do ter assume uma tal importância na nossa vida que tudo acaba por ser artificial. Também é muito importante salientar de que encaramos estas pessoas como seres invisíveis, somos incapazes de encara-los como parte do nosso mundo.

À parte disto, a peça revela um pequeno carácter humorístico (à la Afonso Cruz) na medida em que cada personagem lida com a sua perturbação psicológica bem característico dos sem-abrigo de hoje em dia que lutam pela sua sobrevivência e que facilmente se vão acostumando a essa realidade perdendo assim a dignidade que lhes resta.

Concluo ao fim de ler esta peça que tanto apela à reflexão do leitor, que devemos prestar mais atenção ao que nos rodeia. Esta peça reforça cada vez mais a minha admiração por Afonso Cruz (que homem <3) com o seu talento inato para a escrita.
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Favorite Quotes

- “No fundo é isso. Ninguém nos vê. Somos invisíveis. A miséria é uma poção de invisibilidade. Quando as roupas ficam rotas, quando estendemos uma mão, puf, desaparecemos. Somos as pombas dos ilusionistas. Isto dava para um negócio, dava para ganhar a vida com os turistas. Levava-os a ver fantasmas numa cidade assombrada. Levava-os a verem-nos.” (pp. 33-34)

- “Andamos a regar flores de plástico, é isso que fazemos. Temos coisas que não servem para nada. É tudo plástico. E nós regamos essas flores e esperamos que cheirem a coisas boas. Mas é plástico. Temos coisas, em vez de tentarmos ser felizes, substituímos a vida por plástico, a felicidade por plástico e o próprio plástico por plástico. Trabalhamos para regar uma vida destas.” (pp. 53-54)


Profile Image for Rosa Ramôa.
1,570 reviews85 followers
October 17, 2014
«Só papéis, há papéis em todo o lado. Burocracias e tal. Foda-se! Um dia morremos e vemos Deus cara a cara e percebemos: olha, é o Kafka.»
Só fazemos coisas que não servem para nada...
Profile Image for ☕️ Inês.
156 reviews79 followers
December 28, 2021
«Andamos a regar flores de plástico, é isso que fazemos. Temos coisas que não servem para nada. É tudo plástico. E nós regamos essas flores e esperamos que cheirem a coisas boas. Mas é plástico. Temos coisas, em vez de tentarmos ser felizes, substituímos a vida por plástico, a felicidade por plástico e o próprio plástico por plástico. Trabalhamos para regar uma vida destas.»
Profile Image for Inês.
217 reviews65 followers
July 25, 2013
A intensidade e a diversidade de emoções que este livro provoca faz com que seja difícil falar sobre ele. É, aliás, cada vez mais evidente que devemos desistir da tarefa de tentar rotular Afonso Cruz. Não é só talento, é uma incrível capacidade de surpreender, de nos levar em poucas linhas a passar da introspeção ao riso, da angústia ao reconhecimento de certos padrões sociais que nos envergonham.
A história destes quatro sem-abrigo que partilham as ruas e a miséria está muito mais próxima de nós do que gostamos de acreditar. Faça-se um grande SOS nas avenidas. Ainda assim, talvez não haja quem nos salve, porque não há quem queira ver.

(é uma edição limitada. corram.)

«Andamos a regar flores de plástico, é isso que fazemos. Temos coisas que não servem para nada. É tudo plástico. (...) Temos coisas, em vez de tentarmos ser felizes, substituímos a vida por plástico, (...). Trabalhamos para regar uma vida destas.»

«Só papéis, há papéis em todo o lado. Burocracias e tal. Foda-se! Um dia morremos e vemos Deus cara a cara e percebemos: olha, é o Kafka.»

«Couraçado Korzhev: Tenho medo que Deus não veja muito bem, que não tenha janelas e não veja o que se passa cá em baixo. Todos os dias ando uma letra.
(...)
Vejo no mapa que ruas tenho de percorrer até ter, por exemplo, a letra "R". Vejo que itinerário tenho de percorrer para fazer essa letra. Quinhentos metros de uma avenida, viro à direita num largo, volto à avenida principal, apanho uma oblíqua para fazer a perna do "R". Vou escrevendo frases que se vejam do céu, blya, frases gigantes que consigam ler-se, mesmo quando não lemos bem ao perto.
(...)
Lili: O que vais escrever agora?
(...)
Couraçado Korzhev: Hoje é um percurso em "v". Vou escrever "vai-te foder".»
Profile Image for Susana Frazão.
249 reviews2 followers
November 20, 2023
De facto ia dar um 4 estrelas… mas a parte da historia do cão… talvez desnecessário, ou sou eu que gosto demasiado de animais…

Sem ser essa questão… um livro muito bom😊
Profile Image for Joana Gonçalves.
127 reviews
January 1, 2024
Só não dou as 5 estrelas devido à descrição de tortura animal. Sinto que arruinou um pouco a experiência (fantástica) de leitura até ao momento.
Tirando essa parte específica, é uma história com uma escrita belíssima tal como Afonso Cruz nos tem habituado, recheada de frases que nos fazem pensar sobre a vida vivida nas ruas e a dificuldade de se sentir “pessoa”, invisível aos olhos da sociedade.

4 estrelas
Profile Image for Mary Limes.
60 reviews
August 4, 2013
"Um dia morremos e vemos Deus cara a cara e percebemos: olha, é o Kafka."
Profile Image for Alexandra  Rodrigues.
236 reviews
December 6, 2019
Acerca dos sem-abrigo...

"Somos pessoas que são cactos e ninguém quer chegar perto de nós com medo de se picar (...) somos sozinhos como os desertos (...). Cheios de céu aberto, pessoas cheias de ar livre. É assim. Há muitas portas no mundo."
Profile Image for Tânia.
97 reviews10 followers
February 9, 2024
Mais uma obra-prima de Afonso Cruz

“Andamos a regar flores de plástico, é isso que fazemos. Temos coisas que não servem para nada. É tudo plástico. E nós regamos essas flores e esperamos que cheirem a coisas boas. Mas é plástico. Temos coisas, em vez de tentarmos ser felizes, substituímos a vida por plástico, a felicidade por plástico e o próprio plástico por plástico. Trabalhamos para regar uma vida destas.”
Profile Image for Tânia.
97 reviews10 followers
February 9, 2024
“Andamos a regar flores de plástico, é isso que fazemos. Temos coisas que não servem para nada. É tudo plástico. E nós regamos essas flores e esperamos que cheirem a coisas boas. Mas é plástico. Temos coisas, em vez de tentarmos ser felizes, substituímos a vida por plástico, a felicidade por plástico e o próprio plástico por plástico. Trabalhamos para regar uma vida destas.”
Profile Image for Martina .
202 reviews
August 23, 2024
“Andamos a regar flores de plástico, é isso que fazemos. Temos coisas que não servem para nada. É tudo plástico. E nós regamos essas flores e esperamos que cheirem a coisas boas. Mas é plástico. Temos coisas, em vez de tentarmos ser felizes, substituímos a vida por plástico, a felicidade por plástico e o próprio plástico por plástico. Trabalhamos para regar uma vida destas.”
Profile Image for Maria Luz.
62 reviews
January 29, 2025
Comecei a ler este livro hoje e acabei-o hoje.
Li-o por causa do concurso de leitura.
É simples, mas cumpre o seu papel de despertar a atenção do leitor para os invisíveis da cidade, que já foram alguém. E destaca o facto da minha entre o visível e o invisível é muito ténue, que um dia somos tudo e no outro nada.
Profile Image for Mónica Silva.
60 reviews2 followers
February 5, 2025
Pequeno e brilhante livro que nos faz pensar como é tão ténue a linha entre estarmos confortavelmente no sofá (e na vida) e deixarmos de estar.
Há muito que Afonso Cruz se tornou num dos meus autores preferidos e, quanto mais leio, mais perto se torna de ser O preferido.
Poesia em forma de prosa, são tantas as passagens bonitas que nem sei escolher.
Profile Image for Rafael Rodrigues.
7 reviews2 followers
January 31, 2021
Este livro foi quase como a tiragem de um penso rápido. Rápido, sim, mas doloroso, também.
Com a diferença de que este continua a doer com profundidade, independentemente de já estar na estante há uns dias.
Profile Image for Carlos Brandao.
144 reviews3 followers
June 3, 2024
Um autêntico murro no estômago. Esta obra do Afonso é uma abordagem dura que entra olhos a dentro para uma realidade tantas vezes invisível na sociedade.
É algo que mexeu comigo e que em certas passagens, foi emocionalmente difícil de ler.
Profile Image for Sónia.
141 reviews9 followers
March 10, 2025
Ao fim de meia dúzia de páginas lidas, soube que este iria ser um favorito.

Indescritível a forma como, numa simplicidade quase ingénua, a crueldade da realidade é retratada.

Fiquei fascinada pelas personagens, pela narrativa, pela forma como se desenvolvem e desvendam as particularidades de cada um.

É um livro que vou, seguramente, revisitar muitas e muitas vezes.

⭐️⭐️⭐️⭐️⭐️
Profile Image for Andreia Morais.
449 reviews33 followers
Read
August 1, 2023
TW: Morte, Suicídio

Perdi a conta ao tempo que procurei por este livro, mas, agora que o terminei, sei que valeu a pena, porque a forma como o Afonso Cruz constrói as suas narrativas é sempre fascinante. O Cultivo de Flores de Plástico reforçou o motivo de ser um dos meus autores favoritos.

Com diálogos simples, mas sem serem simplistas, que abrem portas para inúmeras camadas, percebemos que há pessoas que se tornam invisíveis, como se existissem cidadãos de primeira ou de segunda classe. Além disso, percebemos o quanto é ténue a linha que separa uma vida confortável de uma vida de miséria, a facilidade com que a nossa realidade muda, deixando-nos sem chão.

Tecendo uma crítica ao consumismo, ao individualismo, ao lado artificial da nossa existência e, inclusive, aos estereótipos sociais, acompanhamos quatro personagens tão distintas entre si, mas que partilham o facto de serem sem-abrigo. E é interessante ver como cada uma delas luta pela sua sobrevivência
Profile Image for Catarina R..
28 reviews18 followers
September 7, 2013
É difícil expressar as sensações que este livro nos transmite. Ele é pequeno, lê-se perfeitamente em 30/45 minutos mas é daqueles livros que não nos abandona quando o pousamos. Faz-nos reflectir no nosso próprio comportamento em relação aos sem-abrigo e na rapidez com que o nosso mundo pode mudar de um dia para o outro. O autor conseguiu que eu experienciasse uma grande diversidade de emoções: ri-me, senti tristeza e angústia, senti repulsa e vergonha
13 reviews5 followers
September 22, 2016
"No fundo é isso. Ninguém nos vê. Somos invisíveis. A miséria é uma poção de invisibilidade."

"Faço coisas pequenas, pequenas bondades, não é preciso ser Deus, basta fazer pequenas coisas e elas crescem e um dia alastrar-se-ão pelo mundo como uma daquelas pragas medievais. Estou a infestar o mundo com estas sementes. A plantar Deus. Como não existe, faço o que Ele devia fazer"

Profile Image for Ana Pires.
56 reviews1 follower
April 24, 2024
Já li várias histórias fortes durante 2024, esta é uma das mais brutais - a linguagem e os episódios descritos demonstram bem. Uma história com várias histórias dentro e uma tristeza profunda de quem pode fazer quase qualquer coisa mas, na verdade, está vazio e nada tem para fazer. Leiam apenas se tiverem estômago para personagens que fazem o leitor sentir as suas dores de forma bem real.
Profile Image for Leonor Violeta.
71 reviews
August 11, 2024
5 ☆

Estou a infestar o mundo com estas sementes. A plantar Deus. Como não existe, faço o o que Ele deveria fazer. Vais ver que, daqui a uns tempos, o deserto em que vivemos é uma floresta, cheia de água a correr e leite e mel e vamos todos envelhecer de bondade e morrer de bondade e adoecer de bondade. E vamos ser todos felizes com tanta bondade.
Profile Image for Rosie.
459 reviews56 followers
July 22, 2024
A sociedade dos invisíveis.
A era do consumismo desenfreado.
Soma e segue.


"No fundo é isso. Ninguém nos vê. Somos invisíveis. A miséria é uma poção de invisibilidade. Quando as roupas ficam rotas, quando estendemos uma mão, puf, desaparecemos. Somos as pombas dos ilusionistas. Isto dava para um negócio, dava para ganhar a vida com os turistas. Levava-os a ver fantasmas numa cidade assombrada. Levava-os a verem-nos." Pág. 33

"Andamos a regar flores de plástico, é isso que fazemos. Temos coisas que não servem para nada. É tudo plástico. E nós regamos essas flores e esperamos que cheirem a coisas boas. Mas é plástico. Temos coisas, em vez de tentarmos ser felizes, substituímos a vida por plástico, a felicidade por plástico e o próprio plástico por plástico. Trabalhamos para regar uma vida destas." Pág. 53

"Só papéis, há papéis em todo o lado. Burocracias e tal. Foda-se! Um dia morremos e vemos Deus cara a cara e percebemos: olha, é o Kafka." Pág. 59

"Faço coisas pequenas, pequenas bondades, não é preciso ser Deus, basta fazer pequenas coisas e elas crescem e um dia alastrar-se-ão pelo mundo como uma daquelas pragas medievais. Estou a infestar o mundo com estas sementes. A plantar Deus. Como não existe, faço o que Ele deveria fazer. Vais ver que, daqui a uns tempos, o deserto em que vivemos é uma floresta, cheia de água a correr leite e mel e vamos envelhecer de bondade e morrer de bondade e adoecer de bondade. E vamos ser todos felizes com tanta bondade." Pág. 60

Dispensa quase palavras para despertar o interesse na obra. Fala por si própria.

Não obstante odiei e não compreendi de todo a necessidade de incluir a história asquerosa e grotesca do cão. Foda-se! (agora digo eu) E eu não digo palavrões, nunca. E soa-me mal até escrevê-la, mas sinceramente para quê aquilo? Em que acrescenta à narrativa? Tive de ler de viés. Insuportável.
Não quero ser injusta, porque em boa verdade todo o texto retrata dor, humilhação, miséria, morte em vida e morte real, mas ainda assim aquele episódio é demasiado explícito, tortura cruel e desnecessária.
Profile Image for Carla Ferreirinho.
137 reviews5 followers
November 15, 2023
O cultivo de flores de plástico é uma peça de teatro que aborda o tema dos sem-abrigo.
Fazem parte da história o Jorge, a Lili, o russo e a senhora de fato que passou a partilhar a rua e o céu na tentativa de fazer parte de um grupo.
Independentemente da nacionalidade, as dificuldades da vida arrastaram estas 4 pessoas para a rua, quer por terem perdido o emprego, quer por terem sido excluídos da família ou por doença.
Estes personagens podiam ser muitos dos sem-abrigo com que nos cruzamos na rua e trata-se de uma realidade cada vez mais frequente.
Algumas dessas pessoas têm estudos, experiência de vida, e alguns até já tiveram boas condições de vida, mas por vicissitudes da vida acabaram na rua privadas de conforto e da família e perderam a esperança e a capacidade de sonhar com uma vida melhor.
Afonso Cruz faz uma critica feroz à sociedade, mostrando que o “ter” assume uma enorme importância na vida das pessoas ao ponto de as nossas vidas se terem transformado em flores de plástico, como o dinheiro que tudo compra.
“Andamos a regar flores de plástico, é isso que fazemos. Temos coisas que não servem para nada. É tudo plástico. E nós regamos essas flores e esperamos que cheirem a coisas boas. Mas é plástico. Temos coisas, em vez de tentarmos ser felizes, substituímos a vida por plástico, a felicidade por plástico e o próprio plástico por plástico. Trabalhamos para regar uma vida destas.” (Página 61)
Encaramos os sem-abrigo, ou melhor, não os encaramos, e agimos como se os sem-abrigo não existissem, agimos como se fossem invisíveis, como se tivessem perdido toda a sua humanidade e o não querer ver, é uma forma de ignorar um problema da sociedade.
O livro é excelente e faz-nos refletir sobre o nosso próprio comportamento em relação ao sem-abrigo e na rapidez com que a nossa vida pode mudar de um momento para o outro.
64 reviews
November 20, 2023
“O Cultivo de Flores de Plástico” de Afonso Cruz
Vem novamente Afonso Cruz presentear-nos com a sua escrita, a sua imaginação, o seu humor e a forma profunda com que analisa tudo o que se passa à nossa volta.
Desta vez descreve-nos um grupo de “ sem abrigo…”
“Preparam-se para dormir, ajeitam as caixas de cartão … A senhora de fato não tem nada para dormir.
Couraçado Korzhev- Roubaram-te as coisas? Não tens nada para dormir? Tenho uns cartões a mais. Queres?
A senhora de fato aceita. Korzhev dá-lhe também um jornal.
Couraçado Korzhev - É para te tapares, senhora de fato. Para não teres frio.”

“ Senhora de Fato - Realmente. As pessoas que abrem as janelas e vêem que a vida é colorida e bela é porque não nos vêem. Não existimos, pois não?”
“ Lili - Hoje sinto-me mal iluminada. É assim.
A senhora de fato abraça-a.
Lili- Somos pessoas que são cactos, e ninguém quer chegar perto de nós com medo de se picar , pois, pois somos sozinhos como os desertos, mas então. Cheios de céu aberto, pessoas cheias de ar livre. É assim. Há muitas portas no mundo.”

“ Senhora de Fato- Bateram-te?
Lili - Tenho medo de não ter homens porque fico sozinha. Nem é pelo dinheiro, há muitas portas, mas fico perto de pessoas. É muito difícil chegar perto delas, das pessoas.
Senhora de Fato - É?
Lili - São Francisco beijava os leprosos, abraçava-os, não era? Pena que já não haja mais desses santos. Pois, pois, mas há os meus homens. Eles abraçam-me. “

“Lili - Há muitas portas no mundo. As nossas orações não funcionam porque são pequeninas?
Couraçado Korzhev- Não sei, não sei nada,
Lili - O que vais escrever agora?
Couraçado Korzhev - Hoje?
Lili - Sim, o que é que lhe vais dizer com as tuas orações de andar pelas ruas?
Couraçado Korzhev - Hoje é um percurso em “v”. Vou escrever “vai-te foder”.
E o texto diz tudo.
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