Quem matou Joãozinho Treme-Treme no terreno perto do depósito da água? O que aconteceu à virginal Vera, desaparecida de casa dos pais a dois meses de completar os dezasseis anos? Quem foi o homem que, a exemplo do velho Abel, encontrou a paz sob o céu pacífico de Port of Spain? Porque é que os habitantes do Bairro Amélia nunca esquecerão o Carnaval de 1989? Quem é que poderá saber o nome das três crianças mortas por asfixia no interior de uma arca? Onde teria chegado Beto com o seu maravilhoso pé esquerdo se não fosse aquela noite aziaga de setembro? Quantos anos irá durar o enguiço de Laura? De que mundo vêm as sombras de Ernesto, fabuloso empregado de mesa, Fernando T., assassinado a 26 de dezembro de 1999, Jaime Lopes, fumador de SG Ventil, Hortênsia, que viveu e morreu com medo de tudo? Quando é que Roberto, anjo exterminador, chegará ao bairro para consumar a sua vingança? Memórias, embustes, traições, homicídios, sermões de pastores evangélicos, crónicas de futebol, gastronomia, um inventário de sons, uma viagem de autocarro, as manhãs de Domingo, meteorologia, o Apocalipse, a Grande Pintura de 1990, o inferno, os pretos, os ciganos, os brancos das barracas, os retornados: a Humanidade inteira arde no Bairro Amélia.
BRUNO VIEIRA AMARAL nasceu em 1978 e licenciou-se em História Moderna e Contemporânea, pelo ISCTE. Em 2002, uma temerária incursão pela poesia valeu-lhe ser seleccionado para a Mostra Nacional de Jovens Criadores. Colaborou no DN Jovem, na revista Atlântico e no jornal i. É crítico literário, tradutor e autor do Guia para 50 Personagens da Ficção Portuguesa e do blogue Circo da Lama. O seu primeiro romance, As Primeiras Coisas, foi distinguido com o Prémio Literário Fernando Namora e com o Prémio Narrativa do PEN Clube. É editor-adjunto da revista LER e assessor de comunicação das editoras do Grupo Bertrand Círculo.
Uglavnom ne čitam knjige o kojima ne znam ništa. „Prve brazde” su jedan od retkih pokušaja hvatanja u šake nečeg nasumičnog. Rekoh, možda se iznenadim. Al ništa od toga.
Reč je o uokvirenoj zbirci kratkih priča. U široj okvirnoj priči upoznajemo se sa Brunom koji se oseća kao gubitnik nakon razvoda, gubitka posla i, pre svega, zbog povratka u predgrađe Lisabona gde je odrastao. A to je za Bruna najstrašnije; to što nije uspeo da ostvari mit o odlasku iz lošeg naselja u ono neko bolje. Tako da u tom otužnom, marginalnom naselju Bruno započinje da piše o svojim sugrađanima kratke priče (u dužini od 1 do 6 stranica). Te priče su više portreti nego događaji, junaci više društveni tipovi nego psihološki zaokruženi likovi, često sentimentalno umesto osećajno, mestimičnim provejavanjem mačo humora koji mi je stran, sa guranjem prsta u oko kako ne bismo propustili „poentu” iako su te poente često ishabane i izlinjale i, ono što mi najviše smeta, priče su bez duše – narator je ubeđen da je mnogo bolji od onih o kojima pripoveda. Slučajni uzorak se nije isplatio.
O estilo do autor é muito bom, mas o meu Setembro turbulentíssimo não permitiu "que me entranhasse na obra" como queria... Achei-a algo arrastada e forçada em alguns momentos...
Não sei quantos de vocês já ouviram falar em Bruno Vieira Amaral, sei menos ainda se o costumam ler. Bruno Vieira Amaral é presença assídua e reconhecida num determinado círculo da blogoesfera, é crítico literário na revista Ler e, façamos já as apresentações, domina com grande destreza os inúmeros recursos estilísticos desta língua que nos calhou em sorte. Acresce realçar que Bruno Vieira Amaral é um jovem - tem a minha idade! - e, portanto, um forte candidato a juntar ao rol de escritores que têm surgido nos últimos tempos. Feita a introdução, o que quero mesmo é discorrer sobre este "As Primeiras Coisas", que é isso mesmo, o primeiro romance de Bruno Vieira Amaral.
Ainda não tinha lido 15 páginas e estava rendida. Poderia ficar por aqui? Poderia, mas faltaria tudo. Não se pode ser indiferente à escolha de palavras usada para a apresentação deste narrador que, durante todo o livro, irá assumir diferentes posturas e papéis. Há um discurso cuidado e estudado durante a apresentação desta personagem principal - quem sabe se para estabelecer uma distinção em relação ao que se segue -, que, apesar de menos usual e até exagerado, cria imediata empatia com o leitor que não deixará de se identificar com a história de um desempregado, recém-divorciado, que se vê obrigado a regressar à terra de origem. Acontece que a terra de origem é o Bairro Amélia, o verdadeiro protagonista deste romance. O Bairro Amélia, o peculiar Bairro Amélia, situa-se na Margem Sul e, a partir daqui, toda a acção se desenvolve na apresentação das suas peculiaridades e narração da vida e motivações de cada um dos habitantes. A minha vénia. Escolher a Margem Sul como cenário para um romance português é, simplesmente, brilhante.
Não me fico por aqui. Este não é um livro assim tão banal. Há que apreciar a metamorfose do narrador na apresentação de cada um dos elementos desta intricada história que dizem ser um policial. Mais do que o relato, é a dança das palavras, o ritmo e a cadência das descrições, assim como as expressões escolhidas, que dão colorido a este livro. É uma estreia arrojada que, adivinho, colherá opiniões distintas, apaixonadas ou indiferentes. "As Primeiras Coisas" vai ao âmago do que somos e cada um sabe de si. Não é um livro perfeito, lamento dizê-lo. Mas algum é? O deslumbre pelas personagens não me iludiu quanto à quase ausência de enredo. Por favor, senhores críticos literários que aqui venham parar, não me caiam em cima. Como se nota, estou a esforçar-me para que isto resulte bem. Quando me refiro a enredo, falo no mais básico, no guião da história. Não me entendam mal, o livro tem uma história, fascinante até. Como leitora, gostaria apenas de a ter visto mais explorada, de estabelecer ligações e fazer deduções um pouco mais óbvias. Talvez quisesse ter sido levada pela mão do narrador, atrevo-me a dizer. Talvez o objectivo do autor fosse outro, mas eu preferia uma opção um pouco diferente. Posto isto, resta-me dizer que estou ansiosa pelo próximo romance e, quem sabe, pelo regresso ao Bairro Amélia.
Não se tratará, propriamente, de um romance. Está escrito ao género de um levantamento antropológico ou sociológico. Inicia-se com um prólogo longo, em que o narrador nos conta o seu regresso, fruto do falhanço da sua vida, ao Bairro Amélia, onde cresceu. Está desempregado e, com a ajuda do fotógrafo (que se percebe depois ser um alter-ego do narrador) acabará por fazer um levantamento das figuras do bairro (e também de algumas "instituições) que nos são apresentadas por ordem alfabética, havendo pontos de contacto entre estas entradas. Aqui residirá um dos aspetos menos conseguidos do livro, em minha opinião: algumas das entradas são escritas em linguagem ensaística típica das ciências humanas, havendo inclusivamente referências a legislação/ acontecimentos históricos reais; outras vezes as entradas são de grande densidade poética. Ora o casamento entre as duas linguagens é difícil e, parece-me, nem sempre bem conseguido neste livro. Claro que esta é uma opinião pessoal muito discutível. Este livro traz-me à memória "A colmeia" de Camilo José Cella: histórias de muitos personagens diferentes que apenas se cruzam aqui e ali. No caso do escritor galego, histórias d cidade de Madrid. No caso de Bruno Vieira Amaral, histórias de um bairro pobre da margem sul (aqui a noção de bairro fica demasiado vasta, pois há zonas de barracas, outras de prédios sem instalações sanitárias e elétricas, outras de vivendas; neste campo a realidade geográfica do bairro Amélia é demasiado alargada). Todavia trata-se de uma bela obra! Um livro que faltava no nosso panorama literário, retratando uma realidade contemporânea - e sua génese histórica -, esquecida dos nossos escritores. Escrito sem laivos baratos de lirismo poético e patético que muitas vezes caracteriza a contemporânea escrita lusa, numa linguagem por vezes dura como a do bairro Amélia, porém profundamente humana. A ler.
Mais do que uma história, esta obra pode ser vista como um álbum de imagens e recordações de um bairro. Essas “fotografias” têm uma qualidade muito nítida graças à escrita hábil que nos é apresentada.
Acho sinceramente que é uma excelente obra para 1ª livro e mostra o enorme potencial do autor que, se conseguir juntar à sua eloquência e sagacidade, uma construção narrativa cativante, poderá ser um caso sério da literatura portuguesa.
Quatro estrelas pela qualidade da escrita. Pela qualidade da construção, dos materiais, dos acabamentos, o que, ainda assim, não oculta um facto perturbador: que ao edifício faltem as fundações.
Encontrei nas ruas e no personagens deste livro um pedaço de mim e das minhas memórias, ainda que de outras ruas e de outros lugares, não interessa. Adorei cada página e fico agradecida pelas histórias e personagens (mais ou menos reais) que o autor não deixou morrer, pelo detalhe e beleza das descrições, pelas memórias que ressuscitou, pela fantasia que acrescentou.
E quando nos sentimos sós no meio da multidão? E quando nos sentimos uma ilha no meio de tudo o que representa a nossa vida? O emprego, o casamento que acabou, os amigos? As Primeiras Coisas narra a viagem do personagem de volta a casa da sua mãe e ao seu bairro nativo, Bairro Amélia, e a sua sensação de solidão, de se sentir um estranho numa vida estranha. Uma bela metáfora em que concluimos que o Bairro Amélia também faz parte das nossas vidas e de vez em quando nos visita, ou somos nós que o visitamos. É a história de uma viagem por ruas e travessas ao interior de si mesmo.
Prémio Time Out Lisboa 2103 para a categoria de livros. (enfim, os prémios valem o que valem sobretudo porque há uns livros premiados por aí que eu nem consigo passar do quarto capítulo de sacríficio porque a minha vida não é esta! Não é o caso, definitivamente!)
O autor escreve bem, mas odeio livros presunçosos, nos quais nos atiram à cara uma referência cultural a cada linha. Isso misturado com o tema do gueto à la portuguesa... E, mais uma vez, faz-se notar a crença atual de que os livros são «bons» se introduzirem uma amálgama de personagens, quanto mais melhor. Pondo de lado as minhas preferências pessoais, é-me ainda assim difícil entender o porquê de tanto alarido com o livro. Tantos prémios para isto? O autor tem claramente uma certa cultura literária, e se deixar a altivez de lado e se esforçar menos por querer parecer um GG Márquez, talvez venha a apreciar obras futuras.
As primeiras coisas não é propriamente um romance ou, sendo-o, é bastante original. Num prólogo bastante extenso, percebemos que o autor enfrenta uma profunda depressão pós-divórcio que o força a regressar ao Bairro Amélia, onde cresceu. Os restantes capítulos retratam por ordem alfabética todas as personagens que habitam e habitaram o Bairro Amélia, as suas histórias individuais que são ao fim e ao cabo as histórias de tantos outros bairros sociais. Ao ler esta parte do livro, recordei-me de uma reportagem da RTP em que um sociólogo apontava a importância extrema destas pessoas, que pelas suas características únicas, definem a localidade em que vivem e passam a fazer parte do imaginário da mesma (infelizmente não consigo encontrá-la na net para poder partilhar). Resta-me acrescentar que o livro está muito bem escrito, frases bem construídas e estruturadas. Um primeiro romance muito bom.
"as primeiras coisas" o primeiro romance do BVA, é o terceiro que leio depois de "Hoje Estarás Comigo no Paraíso" e da biografia do José Cardoso Pires "Integrado Marginal". É o mundo do bairro "Amélia" com os seu lugares e personagens que será comum a tantos outros da margem sul, entre os quais o Vale da Amoreira na Moita onde cresceu o autor. Provavelmente terá muito de autobiográfico tal como o "hoje estarás comigo no paraíso". Estou rendido à escrita do BVA. Os 2 romances que aqui cito são obrigatórios para quem cresceu ou vive na margem sul e para todos outros que melhor a queiram compreender.
Escrita irrepreensível, rica, bem estruturada, com sub-camadas que interessa explorar. Contudo, a estrutura, parece-me, ao invés de ajudar a empreitada, dificulta-a e talvez, no final, o livro acabe por ser demasiado extenso. Ainda assim, para quem viveu os anos 80 e 90 em subúrbios de Lisboa, será fácil visualizar este bairro e todas as suas nuances. As personagens que conhecemos aqui existem na maioria dos bairros periféricos, mais trejeito, menos trejeito, mais pecadilho menos pecadilho.
Não me arrebatou, mas foi uma leitura muito agradável.
Desconfio que este seja um livro melhor do que aquilo que o soube apreciar. Está muito bem escrito, mas como um todo não funcionou para mim. Senti-me rapidamente perdida e desinteressada e por ter demorado muito tempo a concluí-lo, no fim soube-me mais a antologia do que a romance. Dou no entanto o benefício da dúvida a BVA e já tenho ali o próximo para tirar teimas.
Este é um romance sobre um tema que me interessa: a vida nos meios urbanos, a construção desta realidade e da identidade de quem aqui passa os seus dias. É algo com o qual muitos se identificam e que integra a nossa história pessoal. Um trabalho original, que descreve a vivência de um bairro, da periferia de Lisboa, no período pós 25 de abril Este livro ativou em mim as memórias da minha infância e juventude. Também vivi num subúrbio de Lisboa, numa freguesia do concelho de Sintra. A descrição de algumas das personagens fez-me recuar a esse tempo. Um tempo duro e cheio de pormenores. Um tempo, em que havia tempo, para conhecer o outro e o que nos rodeia. Vivíamos de uma forma simples, com pouca informação e parcos objetos. Aprendíamos uns com os outros e com os acontecimentos. O nosso bairro, a rua onde crescemos era o que conhecíamos e éramos felizes. Esta vivência determinou quem sou. Faz parte da minha identidade. Este é um escritor capaz de descrever a complexidade do ser humano de uma forma bela e ao mesmo tempo brutal. A sua escrita faz flutuar. As descrições são vivas, com intensidade, cor e odor. Sem dúvida um autor a conhecer melhor.
Um universo: o Bairro Amélia, subúrbio da Margem Sul, onde vive ou vegeta, crê ou ludibria, trabalha ou madraça, ri e chora, ama e odeia uma comunidade formada por retornados das Colónias, realojados doutras paragens, pequenos funcionários públicos. Escrito com enorme mestria, usando de ironia raramente distanciada, é daqueles livros cuja leitura tentamos retardar, por não querermos que termine. A observação de Pedro Mexia na contracapa é certeiríssima: "Bruno Vieira Amaral tem o génio do detalhe." A própria estrutura narrativa foi, para mim, uma coisa inteiramente nova. Do autor fiquei freguês.
“As Primeiras Coisas” (2013) do português Bruno Vieira Amaral (1978) e “Antes de Partires” (2000) da irlandesa Maggie O'Farrell (1972) são obras que parecem não ter nada em comum além do facto de serem ambas primeiras-obras. Para mim, que as li em simultâneo, posso dizer que encontrei vários outros pontos de contacto, ainda que quando aprofundados resultem mais em contraste do que em similitude. No entanto, tratando estes pontos da abordagem e das competências de escrita dos autores pareceu-me suficientemente relevante agregar os dois num mesmo texto. Saliento ainda que ambas as obras foram premiadas com prémios nacionais para primeira-obra abaixo dos 35 anos, Amaral com o Prémio José Saramago, no valor de 25 mil euros, e O’Farrell com o Betty Trask Award, no valor de 20 mil libras.
Este não é um romance tradicional, mas sim um livro de memórias — e talvez por isso mesmo seja um dos livros mais interessantes que já li. A narrativa nasce da vivência em comunidade, com um realismo tão autêntico que nos contagia. Ao mergulhar nas histórias do autor, somos levados a refletir sobre a nossa própria aldeia, o nosso bairro, e sobre aquelas pessoas que conhecemos de vista, mas cuja vida permanece um mistério — vidas singulares, cheias de humanidade. É um convite à empatia e à redescoberta do que nos rodeia.
Intenso, original, poético, desconcertante, vários são os adjetivos que me surgem no final desta leitura. Não foi à toa que recebeu prémios. Aconselho vivamente!
Conheci Bruno Viera Amaral, em 2019, na Fnac de Coimbra. Conversámos (uma conversa sobre recibos verdes, impostos ao Estado e despesas de ATL) enquanto vigiávamos os nossos filhos no lançamento de um livro. Fez-me perceber, com muito agrado, que os escritores não são todos seres inalcançáveis. Esta foi a primeira obra que li (não será seguramente a última) e fui logo arrebatada pela escrita cuidada, muito visual (que um cérebro como o meu agradece) e com um excelente uso das palavras, uma escrita crua. "As primeiras coisas" são aquelas pequenas coisas que englobam personagens, situações e locais num "Bairro Amélia". Ficção ou realidade? Ficção E realidade. Aliás, realidades, no plural. Não só ali naquele bairro da Margem Sul - multicultural, onde o peso das palavras "retornados", "pretos", "ciganos", "velhos", "putas" não é o mesmo de hoje - mas um bocadinho por todo o Portugal pré-euro. Em todos os recantos do país há uma história de alguém que desmancha gravidezes sem ninguém saber mas todos sabem, de um desgraçado que vende atoalhados e eletrodomésticos a prestações numa carrinha e se vê aflito para reaver a totalidade do dinheiro, de um retornado com histórias (quiçá agruras) para contar, de alguém que vive numa barraca, de alguém que tem um Mercedes vermelho reluzente, de um dono de café com copos limpos a panos sebentos e escapadelas com a empregada ambiciosa no armazém, etc. É um mix muito à portuguesa dentro de um local português mas não só. A leitura vai-nos mostrando essas realidades: a dos escudos, a das barracas proibidas depois para dar lugar à ocupação de casas (concluídas ou não), a das drogas, do gangster lá do bairro, da merda de cão em todo o lado, da junção de culturas/credos/raças, por exemplo. Não tenho uma personagem preferida mas gostei de ler Abel, o que fala crioulo com pedaços de português e inglês e muito latim. Não é qualquer um que fala latim e sabe mesmo o que significam aquelas palavras que dizem numa língua morta. Gostei de ler sobre o fantasma Manuel Morais, um pé cá e um pé lá, nas Áfricas onde tantos portugueses estavam. Gostei de ler sobre outros que vão ficando na memória. Em última instância, é disso que se trata: não esquecer os vivos e não deixar esquecer os mortos, ao jeito de memórias, na visão, às vezes confusa, do narrador. O "Bairro Amélia" que podem ser tantos outros bairros. Portanto, leitura recomendada, sem dúvida.
“O que é para um homem a vergonha abstracta de um país quando comparada com a sua vergonha pessoal, as dores silenciosas da sua humilhação? No grande plano da História, o sofrimento é sobrevalorizado pelo colectivo e diluído na multidão. No plano fechado do indivíduo, as angústias têm de ser digeridas a frio, na solidão, sem que ninguém nos possa valer.”
Não há dúvida que a melancolia e a nostalgia estão profundamente enraizadas no espírito português, contrastando paradoxalmente com um espírito de luta e superação que manifestas vezes se traduz numa demasiado rápida adaptação a novos estados da realidade, mais remendada e aparentada do que interiorizada., cristalizando a alma e os costumes numa redoma de solidão precoce.
Que estas sejam temáticas de grande parte da nossa literatura não é novidade, mas que se consiga transportar esse universo para histórias de encantar, este é um dom de génio que transparece no falso primeiro romance de Bruno Vieira Amaral, «As Primeiras Coisas». Poucos consagrados da literatura terão tido estreias tão auspiciosas com esta. Depois de uma primeira parte com cinquenta páginas, que dá o mote ao romance, seguem-se pequenas histórias de poucas páginas (a maioria com uma ou duas) que se vão entrelaçando umas nas outras, de acontecimentos e personagens mergulhados numa atmosfera que faz lembrar as notícias do Correio da Manhã e os seus leitores.
Não é fácil, depois de ler este livro, pegar noutro livro de um autor recente. No sentido em que se sente logo uma queda na qualidade de escrita, mal habituados que ficamos com a escrita de Bruno Vieira Amaral, que certamente muito escreveu antes de publicar este seu primeiro livro. Sublinho, porque bem as senti na leitura deste romance, as opiniões de Pedro Mexia “Bruno Vieira Amaral tem o génio do detalhe” e de Renes de Carvalho “Surpreendente, de rara e comovente beleza”, presentes na capa e contra-capa do livro. Recomendo sem qualquer dúvida, embora dúvidas tivesse quando li as primeiras páginas, curioso pelos vários prémios literários que este livro, justamente, ganhou.
Comprei este livro na feira do livro de Lisboa (2017), por ocasião de uma sessão de autógrafos. Confesso que o que me chamou a atenção foi o facto de o autor ser meu "vizinho" (crescemos no mesmo concelho e em bairros sociais) e, após uma breve conversa, a sua simpatia. O livro conta a história de Bruno, que após perder o emprego e se divorciar, volta para a casa onde cresceu, no Bairro Amélia. Para fazer face ao ócio e apatia, Bruno ganha uma série de hábitos, entre os quais visitar a biblioteca. É lá que encontra Virgílio, uma das "personagens" do bairro, daquelas pessoas que parece que tudo e todos conhece e que o ajuda a recordar eventos e outras personagens. O livro é pois um levantamento das pessoas, locais e eventos que fizeram e continuam a fazer parte da vida do Bairro Amélia, sempre camufladas com nomes falsos e com as suas histórias pautadas com apontamentos que fazem com que o leitor, mesmo que quisesse, não conseguisse descobrir quem elas realmente são. O livro é maravilhoso: apesar de ser um romance, não tem um enredo e todas as personagens são principais; é difícil não sentir empatia pelas mesmas ou uma ligação às suas histórias, tão semelhantes às da realidade que durante estes anos me rodeou. Recomendo a todos os que queiram descobrir autores portugueses contemporâneos,
E quando nos sentimos sós no meio da multidão? E quando nos sentimos uma ilha no meio de tudo o que representa a nossa vida? O emprego, o casamento que acabou, os amigos? As Primeiras Coisas narra a viagem do personagem de volta a casa da sua mãe e ao seu bairro nativo, Bairro Amélia, e a sua sensação de solidão, de se sentir um estranho numa vida estranha. Uma bela metáfora em que concluimos que o Bairro Amélia também faz parte das nossas vidas e de vez em quando nos visita, ou somos nós que o visitamos. É a história de uma viagem por ruas e travessas ao interior de si mesmo.
Prémio Time Out Lisboa 2103 para a categoria de livros. (enfim, os prémios valem o que valem sobretudo porque há uns livros premiados por aí que eu nem consigo passar do quarto capítulo de sacríficio porque a minha vida não é esta! Não é o caso, definitivamente!)
Na medida em que parti para esta leitura sem ter uma ideia do tipo de livro que era, "As Primeiras Coisas" surpreendeu-me em absoluto. Desde logo, pela opção feita ao nível da estrutura do livro, que, embora a compreenda, considero discutível, uma vez que tornou o conjunto do livro demasiado retalhado. No entanto, é esta mesma estrutura que possibilita sermos presenteados com textos completamente deliciosos escritos num tom quase poético que não esperava. No fim, retenho em especial a capacidade que Bruno Vieira Amaral demonstra na análise e descrição das coisas comuns da vida, mas também das menos comuns, assim como da compreensão dos espíritos humanos que povoam o bairro-livro. Fora este um livro somente de pequenas histórias soltas, não teria pejo em classificá-lo com 5*, mas, como chegado ao final percebi haver um sentido global que infelizmente não logrei abarcar (atribuo a culpa disso à estrutura, mas pode também ter a ver com o tempo que demorei a lê-lo), atribuo-lhe 4.
كان من المفترض أن المحتوى يلائم عنوان العمل الذي يحمل السؤال الأغرب " ماذا فعلت غدا " ليتلاعب الزمان بطريقته الخاصة. ولكن خابت التوقعات حينما رأيت أن هذا الكتاب ليس إلا سردا للمغامرات في حي أميليا الشعبي بلشبونة، ليست إلا قصصا مختلفة تعكس المعاناة في سكان هذا الحي. من خلال ذكر القصص الواقعية عن هذه الحياة الشعبية في البرتغال. بكل أمانة لم يعجبني الكتاب لطغيان الأوصاف الجنسية به إلى شكل لايطاق. وأعجبتني النوادر من الحكايات فقط مثل قصة ساحر خدعه سحره فصار لا يؤمن بها. وعن سخرية الطبيعة للسيدة لوبيليا المهتمة بها. وعن آل ماشادو المعروفون بتأخير الأوقات عندهم بشكل أغرب مما نتصوره.أو عن تلك الخياطة التي ذهبت مع زوجها ليستلقوا على رمال الشاطئ وتكون المفاجأة عند المرتادين إليه، عراة كما ولدتهم أمهاتهم. عن شحاذ اختفى ولم يعد. هذه النسبة القليلة هي التي أعجبتني في الكتاب. أما غيره وبكل أمانة من التفاصيل الكثيرة المملة، فلم تعجبني إطلاقا!!