Minha Senhora de Mim, o nono livro de poesia de Maria Teresa Horta, foi editado em Abril de 1971 pela Dom Quixote, na colecção «Cadernos de Poesia». Em 3 de Junho seguinte, a editora foi objecto de um auto de busca e apreensão da obra por parte da PIDE/DGS, operação que foi extensiva a todas as livrarias do país. A proprietária da editora, Snu Abecassis, foi advertida por César Moreira Baptista, subsecretário de Estado da Presidência do Conselho, então ocupada por Marcello Caetano, de que a Dom Quixote seria encerrada caso voltasse a publicar qualquer obra de Maria Teresa Horta.
Maria Teresa de Mascarenhas Horta Barros was a Portuguese feminist poet, journalist and activist. She is one of the authors of the book Novas Cartas Portuguesas (New Portuguese Letters), together with Maria Isabel Barreno and Maria Velho da Costa. The authors, known as the "Three Marias," were arrested, jailed and prosecuted under Portuguese censorship laws in 1972, during the last years of the Estado Novo dictatorship. The book and their trial inspired protests in Portugal and attracted international attention from European and American women's liberation groups in the years leading up to the Carnation Revolution.
Com recurso ao lirismo e à forma das cantigas de amigo, a autora, através de uma linguagem forte e dominante, impõe e reclama todos seus desejos femininos, incluindo os sexuais.
É pois, compreensível que a sociedade preconceituosa e patriarcal, como a portuguesa de 1971, tenha tido necessidade de censurar a voz corajosa e inteligente de Maria Teresa Horta.
SEGREDO
Não contes do meu vestido que tiro pela cabeça
nem que corro os cortinados para uma sombra mais espessa
Deixa que feche o anel em redor do teu pescoço com as minhas longas pernas e a sombra do meu poço
ROSA Desenha no meu ventre a rosa com o teu esperma
Ó meu amor!
Como a tua boca é doce no cimo das minhas pernas
Basta esta amostra para perceber por que razão “Minha Senhora de Mim”, um livro onde o desejo feminino é explícito e incontrito, foi apreendido pela PIDE/DGS assim que foi publicado, em 1971.
INFORMAÇÃO Excelentíssimo Senhor Encarregado superiormente da apreensão de 113 exemplares da obra “Minha Mulher Minha” [sic] da autoria de Maria Teresa Horta, na livraria “Antecipação”, cumpre-me informar V. Exa. que somente foram apreendidos dois exemplares, em virtude de 75 dos quais haverem sido devolvidos à editora e vendido os restantes 36. Setúbal, Posto de Vigilância da DGS, 15 de Junho de 1971 O Agente de 2ª. classe José Cláudio da Conceição Foz
Apreciei este livro pela ousadia e como marco histórico do feminismo português, mas sendo o terceiro de poesia que leio da autora, percebo que é um lirismo que não me instiga nem emociona.
ABRIGO Abrigo-me de ti de mim não sei há dias em que fujo e que me evado
há horas em que a raiva não sequei nem a inveja rasguei ou a desfaço
Na época das “50 Sombras de Grey” é incrível imaginar que um livro de poesia, tão subtil e belo na sua evocação da paixão feminina, possa ter sido censurado, queimado e a sua autora espancada na via pública. “Minha Senhora de Mim” foi publicado nos inícios dos anos 70 e, numa sociedade patriarcal e machista, abanou muitas mentalidades.
Mas, ainda bem que tivemos mulheres corajosas para romper com o politicamente correto! Mais de 40 anos depois, a poesia de Maria Teresa Horta continua atual nos sentimentos que transmite. Lê-se num instante e sabe muito bem!
Que ato de coragem foi escrever estes poemas em 1971! Assume-se o erotismo e o desejo feminino em plena ditadura, afrontando-se o ideal feminino de então.
A poesia febril de Maria Teresa Horta não deixa ninguém indiferente. Adoro toda a energia feminina, a magia de mostrar os seus desejos mais íntimos e secretos com as palavras certas e a capacidade que tem de deixar alguns versos a ecoar em nós. Como se as suas palavras quisessem também ocupar um lugar nas minhas emoções.
Reli este livro que foi uma pedra no charco quando foi publicado, e que esteve também na origem das Novas Cartas Portuguesas. O desejo e o amor são os protagonistas numa poesia delicada mas destemida e que ainda hoje assusta muita gente. Ler e reler é um prazer, mais do que um dever.
Especial, pela pessoa que mo ofereceu ter a sensibilidade de me entender enquanto mulher e feminista e ter olhado para este livro e me ter visto nele. E tinha razão. E Maria Teresa Horta, que mulherão. Que algum dia seja igualmente dona de mim própria.
POST-SCRIPTUM “Afasto de ti com raiva surda
o corpo as mãos o pensamento
e apago secreta uma a uma as velas acesas do teu ventre
Foi uma boa surpresa, com poemas simples e próximos e com um lirismo curioso, que lembra Natália Correia mas com uma construção mais simples.
Fala de amor, bem mais do que contava, de uma forma próxima e descomplicada e relacionável.
Talvez pela simplicidade não consegui que me movesse totalmente quando os temas não era facilmente relacionáveis. Pareceu-me um livro de poesia que ou fala ao coração ou pouco fala. Talvez me falte alguma sensibilidade para o entender na totalidade.
que honra poder ler este livro imediatamente a seguir à biografia. que bom estar perto do que sempre me acompanhou e aconchegou, poesia. há muito tempo que não sentia poesia desta forma. só me arrependo de não ter conhecido Maria Teresa Horta mais cedo. mal posso esperar para ler mais. é estranho sentir e pensar que, com este livro, me senti mais perto de mim do que alguma vez estive. :)
Nono livro de poesia de Maria Teresa Horta, “Minha Senhora de Mim” foi editado em Abril de 1971 pela Dom Quixote, na colecção “Cadernos de Poesia”. A 3 de Junho desse mesmo ano, a editora foi objecto de um auto de busca e apreensão da obra por parte da PIDE, operação que se estendeu a todas as livrarias do país. A proprietária da editora, Snu Abecassis, foi advertida por César Moreira Baptista, subsecretário de Estado da Presidência do Conselho, então ocupada por Marcello Caetano, de que a Dom Quixote seria encerrada caso voltasse a publicar qualquer obra da autora. Acusada de atentar contra “a moral tradicional da Nação”, Maria Teresa Horta foi perseguida e chegou a ser interceptada por três homens que a espancaram na rua. Se trago para primeiro plano as vicissitudes por que passou “Minha Senhora de Mim” e a sua autora, é porque importa, ao pegarmos neste pequeno livro de capa vermelha, lembrarmos que a luta contra a ditadura se fez muito da palavra escrita e que, “por seu livre pensamento”, foram inúmeros aqueles que sofreram com a censura, tiveram as suas carreiras interrompidas, as suas vidas suspensas e foram alvo das mais variadas medidas intimidatórias, vexatórias e repressivas.
Conjunto de 59 poemas, “Minha Senhora de Mim” traz consigo, no próprio título, a expressão da liberdade e autonomia da mulher nas relações de género, face à moral e às convenções vigentes. “Trago para fora / o que é secreto / vantagem de saudade / o que é segredo”, lê-se em “Regresso”, poema de abertura do livro, sendo clara a intenção de romper barreiras e quebrar tabus, rejeitando o lugar secundário que a sociedade reservava à mulher e o papel passivo que dela se esperava. Aqui, dar prazer é poder recebê-lo, tal como aceitar a submissão implica poder submeter. As vias são de “dois sentidos”, postulado sobre o qual devem assentar os princípios universais da igualdade entre homens e mulheres. É um livro feminista na verdadeira acepção da palavra - como não podia deixar de ser face à condição da autora, lutadora de uma vida pelos direitos das mulheres -, que assume com frontalidade e verdade o seu caracter, falando de dentro para fora com a certeza de quem sabe o que quer e a força de quem domina o que sente.
“Senhora de meu / silêncio / com tantos quartos fechados”. Centrados na mulher, os poemas despem-se de preconceitos e falam do corpo como fonte de desejo, sensualidade, erotismo e sexo. Libertar do silêncio palavras como “espasmo” ou “esperma”, ou exprimir as coxas entreabertas “no início dos teus beijos” ou “a raiva do punhal que enterras / no sol pastoso / do meu ventre” é afastar a mulher dos estereótipos que se lhe associam, é libertá-la da sua condição de inferioridade face a convenções racionais, morais e sociais, castradoras da manifestação do ser humano num contexto em que o corpo e o desejo foram alvo de uma censura que se prolongou muito para lá do dia inicial inteiro e limpo. Mas Maria Teresa Horta não se limita, de forma poética, a trazer para um plano primordial a sexualidade da mulher, antes fá-lo de forma imperativa, a mulher como ser activo que se arroga o direito de comandar a relação e indicar aquilo que o homem deve fazer no sentido de lhe agradar, ao mesmo tempo que toma a iniciativa e diz como agradar ao homem. Sexo e prazer são aqui faces de uma mesma moeda, prontos a abespinhar e enfurecer aqueles que vêm nele o acto de procriar e um pilar da relação de poder do homem sobre a mulher.
Não foi de forma fácil que consegui entrar na leitura desta obra. Inserida na colecção "Censura no Feminino" e com um auto de apreensão da PIDE como prefácio, a expectativa era a de se estar a pegar em algo perigoso, algo com um grau de transgressão tal que saltaria ao olhos. Só que não é assim. O sentimento que fui tendo ao longo de toda a primeira parte não é um sentimento de transgressão.
Falei acima das expectativas e é justo que reflicta um pouco sobre como elas podem ter toldado a forma como entrei na obra. É que à primeira parte falta quer a energia desaforante de um O vinho e a lira, quer o erotismo explícito de Decadência: Poemas. O que perpassa toda a primeira parte deste Nossa Senhora de Mim é um tom de lamentação e comiseração. Há uma mulher que sofre e que se agarra a sim mesma, aos seus desejos insatisfeitos, às suas vontades silenciadas, às suas agruras, e tudo isso num tom de ladaínha religiosa chorada. E é quando finalmente reflito sobre o que li que a transgressão vem à superfície. Ela afinal sempre esteve lá, eu é que não a (vi)via!
No Portugal Marcelista aparece aqui, no fundo, uma Mulher que não procura em Fátima e na Mãe do Céu o seu consolo e o seu exemplo de entrega e aceitação. É uma mulher que reza a si mesma. Não é a ajuda Divina que esta Mulher quer, é a superação própria para se assumir como Pessoa. É as suas forças que ela procura desenterrar.
Quando me embrenho na segunda parte da obra, o tom de lamentação vai progressivamente desaparecendo. Sou agora confrontado com uma Mulher que se lamenta menos e começa a exteriorizar as suas vontades. De uma forma simbólica, o eu poético começa a verbalizar as suas paixões amorosas, mas sem dar a ideia de ser sobre as suas paixões que fala. Há algo mais que se sente ali, e a breves espaços sente-se um erotismo latente em que a Mulher tem um papel activo, porque tem vontades e não é apenas uma boneca nas mãos do seu objecto de paixão.
Chegado ao culminar da obra, na parte terceira, é agora a Mulher emancipada quem assume o eu poético. Plenamente realizada, uma sombra da mulher da Primeira Parte, já não tem agora nada de pessoa passiva que pouco mais pode fazer do que lamentar-se e rezar, mas é um ser de desejos, com agência, que procura e que recusa. A Mulher Emancipada, a desta terceira parte, é por si só motivo para a PIDE apreender todos os exemplares da obra. Não só pelas ideias, mas pela linguagem com que o faz, por muito simbólicos que sejam os alfanges e as flores onde eles se espetam! E foi chegado ao fim desta última parte mais ousada que voltei ao início para reler a obra.
Foi com essa segunda leitura que algumas das relações saltaram à vista. Porque eu quisesse fazê-las? Porque só então as minhas preconcepções sobre a obra haviam sido eliminadas? Ou faltou-me na primeira leitura um ser Mulher?
Um livro extraordinariamente bonito, feminino e feminista. Uma escrita simples, bonita, elegante e poderosa. Descoberto graças às Bibliotecas de Lisboa, que o tinham no destaque dos livros censurados. Um excelente livro para celebrar Abril!
Foi o segundo livro que li de Maria Teresa Horta, o primeiro apenas dela. Maria Teresa Horta emociona, provoca e incita. A sua poesia é de uma ternura enorme, de uma sensualidade sublime, de uma solidão aterradora e de uma coragem arrepiante. Maravilhosa.
𝑴𝒊𝒏𝒉𝒂 𝑺𝒆𝒏𝒉𝒐𝒓𝒂 𝒅𝒆 𝑴𝒊𝒎 é um livro maravilhoso. MTH constrói uma poética íntima e erótica, com identidade própria, muito feminista, negando a subordinação e opressão impostas às mulheres da época, em Portugal. Em 1971, foi editado e, de imediato, censurado sob o regime conservador e patriarcal do Estado Novo.
Nos 59 poemas que compõem o livro, verifica-se uma forte piscadela de olho à poesia trovadoresca. Quero acreditar que o fez como desafio e provocação, já que este tipo de composições era estritamente assinado por homens. Desta forma, MTH reivindica uma escrita muito própria que dá voz à mulher como autora. Este aspecto também sobressai no título. O recurso aos possessivos “minha” e “mim” não deixam dúvidas de que o discurso será na primeira pessoa. No poema inicial “Regresso” , colocado em jeito de preâmbulo, a autora confirma o título e dá o mote ao conteúdo do seu livro, ou seja, que é de si que vai falar e que vai expor “ o que é secreto”. “Regresso para mim e de mim falo e desdigo de mim em reencontro (…) Trago para fora o que é secreto vantagem de saudade o que é segredo (…)
Assim, o sujeito poético vai revelar-se nas memórias do “eu”, na descoberta do seu corpo como desejo próprio e desejo do outro, na descoberta do prazer, no apelo do amante, no deleite amoroso. Cito “O Meu Desejo”(p. 82) como exemplo. “Afaga devagar as minhas pernas Entreabre devagar os meus joelhos Morde devagar o que é negado Bebe devagar o meu desejo”
MTH ao escrever abertamente sobre o seu corpo e sobre o corpo do homem objecto de desejo, transgride os cânones da literatura e ultraja a moral dos puritanos. Ora, no nosso país era inaceitável que uma mulher escrevesse “tais vergonhas” pelo que MTH foi violentamente agredida na rua e o seu livro foi retirado de circulação.
Claro que MTH sempre usou um discurso transgressor, mas esta obra marca uma viragem pela ousadia de escrever sobre o desejo feminino, atribuindo o papel central à mulher numa inversão do pré-estabelecido na sociedade e literatura portuguesas.
Para concluir, resta-me referir que, apesar de já ter lido alguns livros de MTH, descobri este aquando da leitura da biografia - 𝑨 𝑫𝒆𝒔𝒐𝒃𝒆𝒅𝒊𝒆𝒏𝒕𝒆- de autoria de Patrícia Reis.
“Minha Senhora de Mim” parece ter sido escrito por uma necessidade absolutamente febril e desesperada - da melhor forma possível - da autora para traduzir em palavras tudo aquilo que sentia com e no seu corpo. A ideia de um livro de poesia escrito por uma mulher, publicado pré-25 de abril em Portugal, que tem como uma das temáticas principais sexo, erotismo e amor, parecia-me muito interessante. Não acho que o livro me tenha surpreendido imenso - o que não é uma coisa má porque comprova o que devia ser óbvio para muitos, a mulher não sente nem vê sexo de uma forma assim tão diferente da do homem, sentindo desejo de igual forma -, mas foi uma leitura muito interessante. Gostei muito da honestidade e simplicidade dos poemas que o compõem, e fiquei verdadeiramente arrebatada com dois ou três - de destacar o último do livro, que foi provavelmente aquele de que gostei mais! Recomendo muito!!!
O próprio título desta obra espelha liberdade, autonomia e uma certa provocação. E, quando avançamos na leitura, sinto que acompanhamos uma mulher a florescer, a mostrar a sua vulnerabilidade sem culpas, a explorar lamentos, desprendimentos e uma identidade que renasce à medida que se vai conhecendo. Além disso, coloca um foco nos desejos da mulher, principalmente nos desejos sexuais, porque também eles fazem parte da nossa existência. Embora não me tenha relacionado com as três partes da mesma forma, o que mais gostei no livro foi este crescimento, foi perceber que os versos tinham cada vez menos filtro e cada vez mais vontade de impor a sua voz.
Que ato de coragem ter escrito e publicado estes poemas em plena ditadura e sociedade machista. Minha Senhora de Mim, foi editado em abril de 1971, pela Dom Quixote. No ano seguinte, a editora foi objecto de um auto de busca e apreensão da obra por parte da PIDE. A proprietária da editora, foi advertida, de que a Dom Quixote seria encerrada caso voltasse a publicar qualquer obra de Maria Teresa Horta.
Minha senhora de mim
Comigo me desavim minha senhora de mim
sem ser dor ou ser cansaço nem o corpo que disfarço
Comigo me desavim minha senhora de mim
nunca dizendo comigo o amigo nos meus braços
Comigo me desavim minha senhora de mim
recusando o que é desfeito no interior do meu peito
Este livro prova que a simplicidade pode ser avassaladora. Com uma capacidade sintética enorme, com recurso às cantigas de amigo, aos jogos fonéticos e com resquícios de Florbela Espanca, Maria Teresa Horta vozeia, através da sua poesia, o que o universo feminino anseia poder dizer. Violentamente atual e obrigatório, Minha Senhora de Mim fala de forma sumária, mas profunda, do que é ser-se mulher e da sua relação com o outro e com o seu próprio corpo.
Poesia de uma autora nacional contemporânea. Só isto devia dar motivação para lermos tudo da autora. Poesia intima mas facilmente sentida por qualquer leitor sensível . Poesia sensual mas com bom gosto. Fiquei fã.
"Há dias em que nego / e outros onde nasço" “Meu labor insano a descrever-te / (...) / país que tenho a sul de dizer-te / e bordar-te o perfil com palavras"
meu deus, que viagem em verso indescritível, esta mulher era mesmo qualquer coisa