Expondo as contradições do corpo de forma solene e intensa, Corpo integra as publicações tardias de Drummond e retorna em novo projeto, com posfácio de Eliane Robert Moraes.
"Meu corpo não é meu corpo, / é ilusão de outro ser." Nos versos de abertura deste livro, publicado em 1984, Drummond se propõe um rompimento o desejo de afastar-se do invólucro de si mesmo, um corpo que lhe apaga a lembrança da mente, que o "ataca, fere e condena", inventando a dor para, entre outros ardis, "torná-la interna, / integrante do meu Id".
Desse corpo já velho e privado, seu "carcereiro", Drummond parte para outros, bem menos exclusivos. O corpo que se desnuda com prazer, tornando-se o "último véu da alma". O corpo feminino, ou a representação pictórica dele, percebido não apenas como linha, curva e volume, mas também como signo e melodia. Os corpos em repouso e os ausentes, os "mortos que andam" e que, apesar de avessos à sua condição essencial de carne, já se veem como fértil "terra estrumada" — o corpo feito jardim.
"Por que nascemos para amar, se vamos morrer? / Por que morrer, se amamos?" É o que Drummond se pergunta, sempre oscilando entre a materialidade e a metafísica dos corpos que investiga. Põe-se a falar do tempo, do "pão do ano passado", que o corpo mastiga, mas não consegue eliminar; do céu e da grandeza ambígua dos corpos celestes; da vergonhosa desigualdade do nosso corpo social. "Um dia", prevê o poeta, "virá tudo de roldão", e "as classes se unirão entre os escombros".
As novas edições da obra de Carlos Drummond de Andrade têm seus textos fixados por especialistas, com acesso inédito ao acervo de exemplares anotados e manuscritos que ele deixou. Em Corpo, o leitor encontrará o posfácio da crítica literária e pesquisadora da USP Eliane Robert Moraes; bibliografias selecionadas de e sobre Drummond; e a seção intitulada "Na época do lançamento", uma cronologia dos três anos imediatamente anteriores e posteriores à primeira publicação do livro.
Bibliografias completas, uma cronologia de vida e obra do poeta e as variantes no processo de fixação dos textos encontram-se disponíveis por meio do código QR localizado na quarta capa deste volume.
Carlos Drummond de Andrade foi um poeta, contista e cronista brasileiro. Formou-se em Farmácia, em 1925; no mesmo ano, fundava, com Emílio Moura e outros escritores mineiros, o periódico modernista "A Revista". Em 1934 mudou-se para o Rio de Janeiro, onde assumiu o cargo de chefe de gabinete de Gustavo Capanema, Ministro da Educação e Saúde, que ocuparia até 1945. Durante esse período, colaborou, como jornalista literário, para vários periódicos, principalmente o Correio da Manhã. Nos anos de 1950, passaria a dedicar-se cada vez mais integralmente à produção literária, publicando poesia, contos, crônicas, literatura infantil e traduções. Entre suas principais obras poéticas estão os livros Alguma Poesia (1930), Sentimento do Mundo (1940), A Rosa do Povo (1945), Claro Enigma (1951), Poemas (1959), Lição de Coisas (1962), Boitempo (1968), Corpo (1984), além dos póstumos Poesia Errante (1988), Poesia e Prosa (1992) e Farewell (1996). Drummond produziu uma das obras mais significativas da poesia brasileira do século XX. Forte criador de imagens, sua obra tematiza a vida e os acontecimentos do mundo a partir dos problemas pessoais, em versos que ora focalizam o indivíduo, a terra natal, a família e os amigos, ora os embates sociais, o questionamento da existência, e a própria poesia.
Um livro recheado de temas e de indagações, cujas teses se escondem nos corpos que leem, nas escolhas cínicas, na recusa que desumaniza, descorporifica. Aqui, o corpo se anuncia espaço: do erotismo, da fé, da memória, da revolta, da frustração. Espaço tantas vezes negligenciado, mas que se faz sempre presente, no sexo, na prece, na contemplação, na fúria e na lamentação. Impossível silenciar, porém, para a centralidade que "Favelário nacional" assume. É mais que poesia; manifesto. Pela humanidade negligenciada, rica, vitimada; pela humanidade que recusamos nos corpos das favelas.
Publicado em 1984, na finaleira da vida de Drummond, Corpo reúne vários temas que perpassam sua filosofia poética. O corpo e seus desafios internos, externos e sociais, a autobiografia que canta Itabira e outros momentos do poeta. Excelente.
É um pouco difícil a leitura de Drummond. Na verdade, a leitura do estilo de poesia dele é, em geral, complicada pra mim. Ao passo que é uma leitura que deve ser sentida, o que faz com que a pausa para uma busca por significados seja algo que interrompe a conexão com o texto e, em consequência , com o fluxo do sentir, o não entendimento de algumas palavras fundamentais também prejudica a leitura. Daí difícil a conexão em ambos os casos. E, no que se refere a leitura do "Corpo" em específico, alguns textos são até simples e divertidos, mas boa parte se apresentou densa pra mim no sentido dessa compreensão, além de possuir uma lógica que entendi como muito subjetiva do autor, dificultando a acesso. Apesar disso, alguns poemas me interessaram muito, "favelário nacional" é um deles, assim como, "as contradições do corpo", "ausência", "a chave" "o ano passado" e " balanço", "história natural". No mais, imagino que com um repertório maior, que pretendo adquirir, o retorno à Drummond seria um prazer.
Quando eu era adolescente eu li Sentimento do Mundo e odiei e meio que criei distancia do Carlos Drummond desde então, esse foi o primeiro livro que li dele desde então (faz uns 8 anos), e serviu pra tirar o gosto ruim. Comprei no sebo na faculdade porque tinha uma dedicatória interessante, mas foi uma grata surpresa encontrar poemas que me identifico e um poema de Ouro preto.
Relendo o livro, me pareceu já muito mais bonito do que há uns anos. Favelário Nacional é uma obra de arte de fôlego, talvez um dos melhores poemas brasileiros já feitos.