Estranhezas e corpos crip emergem por toda parte e não apenas em redutos distantes e exóticos. Eles estão na nossa casa, na vizinhança, nas histórias cotidianas, nos sonhos e, não raramente, fazem parte de nós. Mais do que abjetos sociais paralisantes, corpos crip movimentam novas perspectivas e estão sempre nos surpreendendo. Para introduzir a vasta bibliografia em torno das cripistemologias, escolhi focar em. estudos publicados a partir dos anos 2000, buscando uma noção expandida de vida e inteligência. Além dos depoimentos pessoais, há um questionamento do antropocentrismo que ajuda a pensar a constituição de si como uma operação anárquica. O que me interessa é perceber como se dá a instauração de diferentes modos de existir a partir de circunstâncias fora dos padrões. Trata-se de uma lógica de reinvenção que testa desidentidades e despossessões como manifestos micropolíticos sem nenhuma expectativa ou desejo de sucesso neoliberal. Para levar adiante essa pesquisa tem sido importante dançar com alguns fantasmas. São espectros de gestos, imagens e narrativas, vivas e mortas, que insistem em desafiar certezas. Mas também é bom lembrar das vidas absolutamente comuns que, aos poucos, vão erodindo barreiras e abismos, abrindo caminhos para decantar os movimentos e garantir que ainda vale a pena acreditar.
"Corpos Crip" é um pequeno livro da pesquisadora Christine Greiner pela editora independente n-1. O livro, conforme a autora propõe, é uma espécie de revisão bibliográfica do termo "crip" e "cripstemologias" na literatura atual. Mas, e aí ao meu ver se insere o problema, esta revisão não parte de um ponto mais ou menos neutro, conectado principalmente ao tema dos estudos da deficiência clássicos. A pesquisa da autora entra dentro de seu próprio campo de pesquisa, da entidade "corpo".
Por conta desse fato, a autora faz inúmeras referências a suas leituras e escritos prévios e traz o que pesquisou sobre corpo como uma espécie de fio condutor para apresentar os "dados" de sua "pesquisa" bibliográfica. No início, parece interessante e até instigante essa sensação de não haver um direcionamento claro, e tantas referências a autoras que pensam o corpo que são sobrepostas no texto. Mas, passando 1/3 do livro, essa característica se torna extremamente chata e desengajadora. Como se a autora mesma roubasse a cena daquilo que veio a pesquisar com suas fabulações pós-modernas que muito vemos na academia, que no final dizem pouco ou nada.
Sinto que o livreto finaliza com nenhum dado relevante entre os poucos autores que fizeram uma grande diferença no modelo social da deficiência e mesmo na intersecção entre queer, sexualidade e deficiência. As referências todas ficam planificadas, apenas servindo de arremedo para as ideias de baixa a mediana criatividade da autora sobre corpos que não se colocam numa matriz normal e no modelo do neoliberalismo. Não há nada muito novo aí, sério. Recomendo que leiam o livro da Débora Diniz sobre deficiência que é muito mais enriquecedor.
Encontrei esse livrinho pequeno e curto na Livraria Paralelo 30, perto do Parque da Redenção. Achei muito interessante como a autora, Christine Greiner, faz uma aproximação dos corpos crip (de creep, apavorantes, que são corpos com necessidades especiais, na concepção dela) com a condição dos corpos queer. Além disso, ela vem discutir a cripestemologia, ou seja, a produção e o debate do conhecimento desenvolvida através dos (e dos estudos) dos corpos crip. Foi neste livro que descobri a expressão "fabulação especulativa", algo que poderá me ajudar futuramente em meus estudos sobre a relação entre ficção e gênero. Muitas vezes eu leio livros de mais de trezentas páginas e saio dele sem ter tido um insight ou ter sublinhado qualquer parte que seja dessa obra. Este livrinho aqui, de menos de cem páginas trouxe várias ideias, várias formas diferentes de entender o mundo e através de prismas não-convencionais, da mesma forma que faz a teoria queer.