O que não mudou com o 25 de Abril? Apesar de todas as conquistas de cinco décadas de democracia, há características na sociedade portuguesa que se mantêm quase inalteradas. Este livro investiga duas o elitismo na política e o machismo na justiça. O recrutamento para a classe política dirigente praticamente não abrange pessoas não licenciadas e com contacto com a pobreza, e quase não há mobilidade do poder local para o poder nacional. No sistema judicial, a entrada das mulheres na magistratura e a mudança para leis mais progressistas não alteraram um padrão de baixas condenações por crimes sexuais, cometidos sobretudo contra mulheres. Cruzando factos e testemunhos, este é o retrato de um Portugal onde a revolução pela igualdade está ainda inacabada.
Elitismo na política, machismo na magistratura e justiça e o sistema judicial. Um excelente livro de investigação da FFMS, com dados e conclusões muito preocupantes sobre o que se manteve negativo ou inalterado desde o Estado Novo.
“Concluindo: as drásticas mudanças que o 25 de abril implicou, nomeadamente a entrada das mulheres nas magistraturas (onde agora são maioritarias) e a por demais evidente melhoria das leis, não tem implicado verdadeiramente grande mudanças na segurança das mulheres perante crimes sexuais. As mulheres continuam a ser violadas e os números não registam grande evolução positiva. Continuam a morrer e a morrer muito e sempre numa percentagem regular em relação aos homicídios em geral.”
"Não analiso este tema apenas pela volúpia de escandalizar os burgueses progressistas e bem pensantes dizendo-lhes que, afinal, a revolução se calhar não foi bem uma revolução, havendo ainda muito do tempo da «outra senhora» que, embora eventualmente com outras roupagens, permanece vivo e atuante na sociedade portuguesa."
Este livro é na realidade uma investigação do autor, João Pedro Henriques sobre dois fenómenos sociológicos profundamente enraizados na nossa consciência e na percepção do português sobre o mundo que nos rodeia, são estes o elitismo na política e o machismo na justiça. Os dados são empíricos mas provocam muita estranheza pois é difícil perceber como em pleno século XXI continuam a existir modos de actuar e de pensar tão arcaicos na nossa sociedade. O livro é pequeno, fácil de ler e é um “abre olhos” para aquilo que chamamos de um Portugal Contemporâneo.
Comemoramos agora 50 anos da Revolução de 25 de Abril, mas há duas continuidades antigas, vindas ainda da monarquia, que não se conseguiram mudar: o elitismo entre os governantes; o machismo na justiça. As causas são múltiplas, e as consequências também. Apenas esperava um pouco mais de cuidado com o conceito de anomia (p.36), pois pode ser uma chave interpretativa útil. Deixo para reflexão a conclusão na p. 89:
«Em suma: elitismo na política e machismo na justiça representam dois fenómenos de profunda inércia na sociedade portuguesa que se transportam de regime em regime. (...) Ambos se alimentam e ambos geram o mesmo: desigualdade - ou desigualdade social (no caso do elitismo) ou desigualdade de género (no caso do machismo). Assim continuará a ser enquanto a sociedade portuguesa não perceber, no seu conjunto, que desigualdade rima com indignidade.»
Um retrato interessante e curioso de dois processos que ficaram por concretizar (ou se têm perpetuado ao longo dos regimes) após o 25 de Abril: o elitismo na política e o machismo na justiça.
Ambos são causadores de tremendas desigualdades (sociais e de género), e põem a nu como muitas vezes, apesar das muitas virtudes, as revoluções são processos inacabados ou, por outra palavras, como velhos vícios, costumes ou preconceitos são capazes de resistir à mudança.
Um livro que nos convida o ver estes dois aspectos sob outro ângulo.
o livro em questão retrata aspectos da sociedade que não se alteraram no período do pós 25 de Abril,entre os inúmeros problemas que estão enraizados na sociedade portuguesa o autor destaca o “elitismo da politica” no qual o autor aborda a formação académica dos políticos,e o “machismo na justiça” devido ao facto de a grande maioria dos magistrados do STJ (Supremo Tribunal de Justiça) serem do sexo masculino é possuírem na grande maioria das vezes uma mentalidade retrógrada e de certa forma conservadora,resultando em leis brandas para os crimes contra as mulheres.
Uma visão diferente sobre o 25 de Abril, abordando temas importantes sobre a realidade atual de Portugal. É possível fazer um paralelo, em relação ao machismo no judiciário, ao que também ainda acontece no Brasil. Uma excelente reflexão!
O livro piscou-me o olho na FNAC das amoreiras. É um belo trabalho de investigação acerca basicamente de duas realidades que não mudaram com a rapidez e profundidade que se esperava numa revolução como a de 25 de Abril de 1974. Não gosto especialmente do título, pois é demasiado abrangente, ou seja: dá a entender que descreve tudo o que não mudou 50 anos após o 25 de Abril. No entanto foca-se apenas em dois assuntos: o elitismo na política, nomeadamente na classe dirigente e na continuação do machismo na justiça, seja no aparelho judicial, na evolução demasiado lenta das leis e na forma como os juízes decidem ainda de forma demasiado machista. É um tema com grande actualidade: 50 anos é um número redondo que merece uma reflexão acerca do que ainda não foi feito. Não é fácil mas era o que eu esperava.
Numa altura em que nos preparamos para celebrar os 50 anos do 25 de Abril, um livro como “Revolução Inacabada. O que não mudou com o 25 de Abril” é precioso. Invertendo a natural tendência de elencar o que mudou com a revolução dos cravos, o que ganhámos em matéria de direitos, liberdades e garantias com o abraçar a democracia - “viajar livremente, reunirmo-nos livremente, beijarmo-nos em público, votar, expressarmo-nos livremente, ter acesso a um serviço universal de saúde” -, João Pedro Henriques obriga-nos a olhar os factos de um outro ângulo, a atentar no que não mudou, naquilo que está cristalizado nas relações pessoais e de poder e representa uma ferida aberta no nosso viver em sociedade. Para tal, coloca em cima da mesa dois assuntos prementes e que devem merecer a nossa maior atenção: o elitismo da classe governante e o insistente machismo que continua a marcar a relação da Justiça portuguesa com as mulheres, nomeadamente nos crimes de violência doméstica e nos crimes sexuais em geral.
Olhados em separado, os dois fenómenos são representativos “da profunda inércia na sociedade portuguesa”, perpetuando-se no tempo, “por mais que revoluções e golpes de Estado lhes abalem as fundações”. Ambos se alimentam da desigualdade e ambos contribuem para que essa mesma desigualdade se cave de forma mais profunda, seja de um ponto de vista social, no caso do elitismo, seja nas questões de género, no caso do machismo. “Assim continuará a ser enquanto a sociedade portuguesa não perceber, no seu conjunto, que desigualdade rima com indignidade”. Matérias como estas, escalpelizadas com a ajuda dos números e a contribuição de figuras ligadas à política, às ciências sociais ou à justiça, são de um valor inestimável. Quando, na ressaca duma noite eleitoral, assistimos com perplexidade à meteórica ascensão dos populistas de extrema-direita e constatamos que a liberdade e a democracia não são dados adquiridos, estas páginas representam um contributo importante para a compreensão daquilo que somos e para a forma como nos comportamos.
Apadrinhamento, patrocinato, clientilismo, protetorado, compadrio. À medida que as palavras vão desfilando e tomam o seu lugar na narrativa, vamos percebendo o quanto a tolerância face à desigualdade encerra em si a razão do(s) problema(s). Atentando nas questões ligadas à violência de género, vemos que a Justiça em Portugal foi “feita por homens, pendeu para o lado dos homens”, e que só 35 anos depois daquele “dia inicial inteiro e limpo” é que “emergimos da noite e do silêncio” aprovando no Parlamento (onde os homens nunca deixaram de ser maioritários) uma lei a consagrar a violência doméstica como categoria criminal. Entre o que é e o que parece - com alheiras de Mirandela ao barulho -, os factos vão sendo apresentados e o leque de temas vai-se ampliando, mostrando que há mais assuntos que não passaram do 24 de Abril, nomeadamente “o peso alucinante que os debates sobre futebol têm no espaço público”. À beirinha do fim, João Pedro Henriques deixa uma questão deveras pertinente: “Estará a política a futebolizar-se?”. E lembra que é desses debates televisivos que nasce para o espaço público o líder do partido que está a mostrar o quão pouco sólidas podem ser as fundações da nossa democracia.