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Novas Cartas Portuguesas

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Este livro tem tanto de gênio literário quanto de resistência ao Portugal fascista de 1971. Partindo do clássico Lettres Portugaises, as "três Marias" reclamam o direito à plenitude da existência política, econômica, social, cultural e sexual das mulheres. E fazem-no de uma forma, a todos os níveis, revolucionária. Subvertendo o conceito tradicional de autoria, as três amigas vão se escrevendo cartas, contos, ficções, poemas, ensaios, que compõem um todo dificilmente categorizável e extremamente inovador. Os textos enfrentam o gasto Império de cinco séculos, a exaurida guerra colonial com os seus horrores e mortos, a inefável Censura, a hipócrita subordinação dos cidadãos ao ideal salazarista de Deus, Pátria e Família, a violência sobre o corpo das mulheres e a sua submissão e secundarização na sociedade, no trabalho e no âmbito doméstico. Considerada pornográfica e atentatória à moral pública, a obra foi proibida e as autoras processadas. Neste tempo em que, um pouco por todo o mundo, nos tentam convencer de que é inevitável o lento morrer das instituições democráticas, em que tenebrosas forças reacionárias põem em perigo importantes conquistas civilizacionais, um tempo em que se vai instalando a ideia de que a literatura pouco ou nada pode contra a desesperança que vai minando a humanidade, conhecer ou regressar a Novas cartas portuguesas é uma experiência arrebatadora.

352 pages, Paperback

First published January 1, 1972

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About the author

Maria Isabel Barreno

40 books30 followers
MARIA ISABEL BARRENO nasceu em Lisboa, a 10 de Julho de 1939. Licenciou-se em Ciências Histórico-Filosóficas, pela Faculdade de Letras de Lisboa. Trabalhou no Instituto Nacional de Investigação Industrial, foi jornalista e Conselheira Cultural para os Assuntos do Ensino na embaixada portuguesa em Paris (1997-2002). Publicou um total de 24 obras, entre as quais dez romances e quatro livros de contos. Participou também em diversas antologias de contos e recebeu os prémios Camilo Castelo Branco e do Pen Club Português para o livro de contos Os sensos incomuns, e o prémio Fernando Namora para o romance Crónica do tempo. Em 2009, publicou o seu último romance Vozes do Vento, sobre a história dos antepassados do seu pai em Cabo Verde. Publicou ainda ensaios de índole sociológica sobre a condição dos trabalhadores e, em especial, da mulher. Foi condecorada, pela Presidência da República, com o Grande-Oficialato da Ordem do Infante D. Henrique, em 2004. Faleceu a 3 de Setembro de 2016.

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Displaying 1 - 30 of 135 reviews
Profile Image for Carolina.
166 reviews40 followers
June 18, 2016

Este é o livro mais importante da literatura portuguesa.

Podem dizer: “E então Os Lusíadas? O Livro do Desassossego? O Memorial do Convento? Etc., etc., etc.”. E eu repito, este é o mais importante. Nesta review tentarei justificar a minha opinião. Não espero que muitos concordem com ela, apenas que sintam curiosidade de ir ler esta obra.

A primeira razão para este livro ser tão importante é precisamente o estar tão esquecido. Não se compreende que uma obra com esta significância histórica se encontre ausente do cânone literário português a não ser que este mesmo facto seja também um sintoma do problema que ela própria denuncia. Digo que está ausente porque perguntei a uma colega da variante de Português da Universidade de Coimbra se tinha dado esta obra durante a sua licenciatura, ao que ela me respondeu que nem nunca tinha ouvido falar dela.

A quem se encontre em situação semelhante, esta obra foi redigida em 1971 por um trio de mulheres que a história designaria de “Três Marias”. Com temas que vão desde o papel das mulheres na sociedade, a sua sexualidade, a guerra colonial e a emigração, é escusado dizer que, ainda em período de ditadura, estas suas cartas as colocaram em maus lençóis. Quando sujeitas a interrogatório, as Três Marias recusaram revelar a autoria dos “piores” textos, isto é, os mais eróticos, e as três poderiam ter sido condenadas não fosse a eventual Revolução dos Cravos. Durante o seu período de julgamento, o seu caso foi noticiado internacionalmente, tendo nomes como Simone de Beauvoir, Doris Lessing, Iris Murdoch, Christiane Rochefort, Stephen Spender e Marguerite Duras vindo em defesa pública da sua libertação.

Os textos aqui compilados surgem em várias formas: cartas, apontamentos, poemas e até construções textuais de índole experimental. As cruzadas são variadas, sendo dada particular atenção às várias maneiras de subjugação da mulher, seja esta por meio do papel para ela destinado ou pela violência a que ela é sujeita. É também reivindicada a agência da mulher e esboçadas questões relativamente a como se poderá desenhar uma identidade da mulher que tome controlo do seu próprio destino. E mais complexo ainda: com que se parece uma relação equilibrada entre mulher e homem, sem que nem um nem outro seja consumido ou reduzido ao objecto da acção?

Este é também um livro importante para além das fronteiras portuguesas. O desnível entre sexos é um problema que abraça a humanidade na sua inteireza e que, até hoje, ainda não encontrou respostas ou soluções. Amiúde, não encontra ainda sequer as questões.

E porquê mais importante que os livros que citei acima? Porque em vez de conduzir as suas buscas identitárias no passado remoto que só nos diz nós quando pensamos de cor trá-las para um presente e futuro onde nos tentamos reconstruir inteiros e não apenas às metades. Só seremos portugueses quando formos também portuguesas.

Este livro lembra-nos disto, talvez por isso ele próprio tenha ficado esquecido nos programas de Literatura Portuguesa.
Profile Image for Ana.
753 reviews174 followers
March 20, 2021
Estou demasiado cansada para uma leitura tão, tão desafiante. Houve partes que não consegui, de maneira nenhuma, decifrar... Reconheço o mérito destas 3 Marias, destas "três aranhas astuciosas", faço-lhes uma vénia por tudo o que fizeram, lutaram e escreveram sobre o que é ser mulher, fêmea, mas o estilo de várias partes destas cartas é demasiado entretecido para muitos leitores o entendam e absorvam.

NOTA - 07/10

Obra lida para o projeto #lerastrêsMarias

Opinião completa no meu cantinho: https://www.youtube.com/watch?v=CruMm...
Profile Image for Rita.
905 reviews185 followers
September 24, 2025


O livro Novas Cartas Portuguesas foi publicado em 1972, em plena ditadura do Estado Novo (Salazar já tinha morrido em 1970, mas o regime continuava sob Marcelo Caetano). Era uma época marcada pela censura, pelo patriarcado e pela guerra colonial.

As mulheres viviam sob forte controlo moral, jurídico e social. Precisavam de autorização do marido para trabalhar ou viajar, eram discriminadas no trabalho e na educação, e os ideais de feminilidade passavam por submissão, maternidade e domesticidade. Ainda que algumas vozes já se fizessem ouvir, o feminismo, em Portugal, estava ainda muito silenciado.

As NCP foram “uma pedrada no charco”. A escrita a seis mãos — impossível saber quem escreveu o quê — fragmenta o discurso, desmonta tradições e dá corpo a vozes femininas que recusam ser silenciadas. Essa ousadia expôs de forma crua e poética a condição feminina, ao denunciar o machismo, a repressão sexual e a violência do regime. Tudo isto num registo frontal e provocatório, inédito neste “rectângulo à beira-mar plantado”.

Obviamente que o livro foi imediatamente apreendido pela censura – 3 dias após o lançamento pelos Estúdios Cor, com Natália Correia na linha da frente – e as autoras foram acusadas de pornografia e atentado à moral pública. O caso ecoou pelo mundo e, com o apoio de algumas figuras como Simone de Beauvoir, Jean-Paul Sartre ou Marguerite Duras, tornou-se um símbolo internacional. O processo contra as Três Marias só foi concluído depois da Revolução dos Cravos.

Inspirado nas Cartas Portuguesas de Mariana Alcoforado, o livro recupera a voz da freira bejense do século XVII para a confrontar com a realidade do século XX. Entre cartas, poemas, ensaios e narrativas fragmentadas, as autoras denunciam a repressão do regime, a violência patriarcal e a guerra colonial. Falam de sexualidade, maternidade, violência doméstica, aborto, incesto, pobreza, emigração, exílio e censura, sempre com uma linguagem combativa e desafiadora.

Embora seja, sem dúvida, uma obra maior da literatura portuguesa e um marco no feminismo, Novas Cartas Portuguesas é também um livro exigente. A fragmentação, a multiplicidade de vozes e a densidade dos temas obrigam a uma leitura atenta e paciente. Não é uma obra feita para ser lida de um fôlego, nem para se “consumir” com leveza.
Percebi isso na minha própria experiência: houve momentos em que me senti perdida entre cartas, poemas e ensaios, sem saber bem de onde vinha a voz que lia, ou a que tempo e contexto pertenciam. Essa desorientação faz parte da proposta do livro, mas pode tornar-se dura para o leitor. A edição anotada ajuda muito, mas mesmo assim é preciso disponibilidade e entrega.
Ainda assim, acredito que essa dificuldade é também a sua força. É um livro que nos obriga a parar, a pensar, a sentir desconforto. Mais conhecido do que lido Novas Cartas Portuguesas continua a ser um desafio. Não é fácil, mas é necessário, e por isso mesmo continua vivo e actual.

#incunábulos @mastodon
Profile Image for Diana.
45 reviews15 followers
October 6, 2020
"A repressão perfeita é a que não é sentida por quem a sofre, a que é assumida, ao longo duma sábia educação, por tal forma que os mecanismos de repressão passam a estar no próprio indivíduo, e que este retira daí as suas próprias satisfações. E se acaso a mulher percebe a sua servidão, e a rejeita, como, a quem, identificar-se? Onde reaprender a ser, onde reinventar o modelo, o papel, a imagem, o gesto e a palavra quotidianos, a aceitação e o amor dos outros, e os sinais de aceitação e amor?"
Profile Image for Katya.
485 reviews
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May 10, 2024
[Série As três Marias #2]

De Mariana tirámos o mote, de nós mesmas o motivo, o mosto, a métrica dos dias. Assim inventamos já de Mariana o gesto, a carta, o aborto; a mãe que as três tivemos ou nunca e lha damos. A acusamos, recusando-nos a ilibá-la por fraqueza, cobardia, fazendo dela uma pedra a fim de a atirarmos aos outros e a nós próprias. Nos acusamos, sabendo no entanto do peso de rocha, de planta, da nossa força. Do poder com que «saltamos juntas» - o dizes - e do alimento que sempre de alguém tiramos para com ele nos vestirmos e envergadas de mundo lhe sabermos melhor o gosto e as fraudes com que sempre impediram à mulher o acesso a tudo.

Apesar de ter batido certinho com o mês de abril, a leitura de Novas Cartas Portuguesas não foi pensada como leitura temática - até porque não aprecio e não faço leituras temáticas. Aconteceu, (algo) espontaneamente depois de terminar, e deixar marinar, a leitura de Cartas Portuguesas, de Mariana Alcoforado. Que as NCP assumem o nome de Mariana como autora e arquétipo feminino português, por isso não vamos debater a autoria do livro e apenas apreciar como das Cartas nascem as Novas Cartas, nas quais Mariana(s), Maria(s), Isabel(éis), Fátima(s) figuram como coletivo de vozes que, mais do que servir de personagens, alimentam e sintetizam diferentes/idênticos tipos, representações e realidades da condição da mulher em Portugal (não há cá no Portugal de '70 porque não há mulher neste país que não continue, de uma ou de outra forma, condicionada pela estrutura patriarcal).
É assim que, em NCP, Mariana se inventa e reinventa, despida, de várias maneiras, das condicionantes culturais e sociais que acompanham a história da Mulher, acabando por se posicionar relativamente à obra arquétipo (Cartas Portuguesas) de forma absolutamente revolucionária e aversa aos modelos convencionais:

De súbito se despe Mariana para mãos que a firam, a provoquem, a desvariem na sua própria descoberta. Não sei se sonsa como afirma nas cartas, se esperta na lástima ostentada, assim se desculpando, se ilibando, apossando-se, todavia, do cavaleiro, servindo-se dele como alimento da sua paixão, sustento da sua liberdade.
Que com paixão se desclausura a freira.
Não sendo o cavaleiro mais do que pretexto, motivação. Homem que pensou montar e foi montado.
Encontrará o amor outra maneira senão esta: aquele que utiliza ou é utilizado. Aquele que devora ou é devorado; se finge devorado e por sua vez devora?


Subvertendo texto e normas, a(s) Mariana(s) de NCP faz(em)-se sujeito e objeto de sua(s) própria(as) paixão/ões...

Grande comércio foi pois o nosso, Senhor, que o que tudo e todos de nós era aguardado em nós se trocou — Vós vos deixastes ser tido e visitado e eu, com artes de frieza de ânimo e quentes sentidos mais não f iz que possuir-vos e ter-vos à mercê, como é uso os homens fazerem com as mulheres.

... oblitera(m) a existência amorosa e sofredora destinada às mulheres...

Que desgraça o se nascer mulher! Frágeis, inaptas por obrigação, por casta, obedientes por lei a seus donos, senhores sôfregos até de nossos males...

...e se oferece(m) sem pejo, em plena expressão de libertação, como símbolo maior de um discurso liberto da censura do homem:

Quando o burguês se revolta contra o rei, ou quando o colono se revolta contra o império, é apenas um chefe ou um governo que eles atacam, tudo o resto fica intacto, os seus negócios, as suas propriedades, as suas famílias, os seus lugares entre amigos e conhecidos, os seus prazeres. Se a mulher se revolta contra o homem nada fica intacto; para a mulher, o chefe, a política, o negócio, a propriedade, o lugar, o prazer (bem viciado), só existem através do homem. O guerreiro tem o seu repouso; por enquanto nada há onde a mulher possa firmar-se e compensar-se das suas lutas. Chegará o dia? Até lá fica sem sentido a vida de mulheres como eu.

Porém, NCP é também um mapa no qual confluem os caminhos de outras repressões, um mundo de referências (às quais o aparato crítico procura dar resposta - apesar de os seus responsáveis começarem a dar sinais de cansaço no último terço das anotações). E essas referências vão da hipócrita "oferta" de liberdade...

Dos críticos de televisão, quanto à mostra de fêmeas humanas, nem um protesto. É mesmo um progresso, diz um: a beleza deixou de ser pecado, e a fealdade virtude, presta-se homenagem pública à beleza feminina. A mulher compra máquinas de lavar e pode ir ao concurso de beleza mostrar o rabo e as pernas. Em que mudou a situação da mulher? De objecto produtor, de filhos e de trabalho dito doméstico, isto é, não remunerado, passou também a objecto consumidor e de consumo; era dantes como uma propriedade rural, para ser fecunda, e agora está comercializada, para ser distribuída.

...à coragem da oposição política; da denúncia da estrutura familiar como construção opressiva, à guerra colonial como pano de fundo para violências que ultrapassam a dimensão do físico:

[...] desde já peço desculpa pelo incómodo
que estou a dar e pelo meu atrevimento,
mas sinto-me tão só que gostava de encontrar uma pessoa que me escrevesse duas linhas para me ajudar a esquecer esta maldita vida que é triste e negra até meter medo digo-o sem vergonha. Menina Maria o destino desta carta é pois pedir um favor à menina se a menina queria ser minha madrinha de guerra. [...]
A verdade menina Maria é este medo que
a gente apanha quando para cá vem e não nos larga mais sempre a gastar o peito da gente.
A coragem é pouca e fácil para quem está longe e não ouve os tiros à roda do corpo à porf ia de matar a vida de um homem.

... da fragilidade do emigrante, à violência medieva exercida sobre as mulheres social, histórica, sexual e emocionalmente:

E morreu, por fazer um aborto com um pé de salsa, morreu de septicemia, a mulher-a-dias que limpava o escritório onde trabalho, e soube depois, pela sua colega, que era o seu vigésimo terceiro aborto. E contou-me, há anos, uma amiga minha, médica, que no banco do hospital eram tratadas com desprezo as mulheres que entravam com os seus úteros furados, rotos, escangalhados por tentativas de abortos caseiros, com agulhas de tricot, paus, talos de couves tudo o que de penetrante e contundente estivesse à mão, e que lhes eram feitas raspagens do útero a frio, sem anestesia, e com gosto sádico, para elas «aprenderem». Aprenderem o quê, com um raio?! Aprenderem que sobre elas cai, mascarada de fatalidade do destino, a contradição que a sociedade criou entre a fecundidade-exigida-do ventre da mulher e o lugar-negado-para as crianças? Depois que foram bifurcados, irremediavelmente, o destino do homem e da mulher - mas quando, mas quando? - sobre a mulher veio cair, além de todas as angústias vivenciais e de todas as repressões sociais que são comuns ao homem e à mulher, sobre a mulher veio cair a angústia do seu destino biológico, feito drama seu e não mais experiência dramática da espécie, e veio cair a repressão de que esse seu destino biológico feito drama individual é instrumento.

NCP é um caleidoscópio de excelso valor literário no qual confluem três pares de mãos, três pares de olhos, três corações que oferecem o seu trabalho em irmandade a um coletivo que se espera que o digira, absorva e exsude num mesmo princípio de vulgocracia...

Hão-de de susto dizer-nos até lésbicas, porque sobre este corpo (seis seios da novela também rindo) não se podem pousar mãos a oferecer ou pedir prendas. Frágil e fraco é o sexo do homem se divide sua mãe de si mesma. Amai-nos umas às outras como nós nos amamos órfãs do mesmo bem - quem nos consinta paz e a aventura, a água lisa e o amor industrioso, pão e laranja limpos e a feijoca de fráguas, porque «na terra que Deus criou, nós somos todas iguais, e isto nos dá a coragem de fazer assim uma aventura!»

...num mesmo espírito de sororidade...

Estamos alegres, mas de forma alguma. Também ainda não sabemos o que inventar; como abandonar essa definição pelos limites, como inventar amor que reconheça todos os abismos. De cada uma sim, estamos certas. Cada uma sabe a medida do seu uso e da sua defesa, e aí nos entendemos.
[...]
Não sei quem excluímos, quem matámos. Mas o salto começou, com o cheiro a mosto, o falar de pedra e o raspar de vidro. Fizemos a ara, a taça, o vinho, olhamo-nos de soslaio e perguntamos «quem imolamos, quem vencemos, quem usamos?». Mas já matámos, já excluímos; sugámos-lhe o sangue, o jogo e as armas.
[...]
Há os que morrem por boas intenções, e os que morrem por necessidade. Foi dita a gravidade desta empresa, luta de vida, o que em nosso tempo e nosso sítio não é tido por legítimo, nem por defesa.


...e de rebelião:

a revolta da mulher é a que leva à convulsão em todos os extractos sociais; nada fica de pé, nem relações de classe, nem de grupo, nem individuais, toda a repressão terá de ser desenraizada, e a primeira repressão, aquela em que veio assentar toda a história do género humano, criando o modelo e os mitos das outras repressões, é a do homem contra a mulher. Nenhum equilíbrio anterior nos será possível, portanto, a partir daí, nem sequer o de manipularmos nossos filhos. Tudo terá de ser novo, e todos temos medo. E o problema da mulher, no meio disto, não é o de perder ou ganhar, é o da sua identidade.

Um exagero (estético, físico, metafórico, criativo...) em si mesmo, como toda a reação verdadeiramente revolucionária, NCP é um livro que gira sob o seu centro ab-repticiamente, incitando, contestando, apelando à ação concertada e germana, lembrando que nenhuma mulher está sozinha no seu passado ou no seu futuro, e que a resposta menos vaga e mais concreta para a opressão continua a ser a união.

E em boa verdade vos digo: que continuamos sós mas menos desamparadas.
Profile Image for Daniel.
50 reviews5 followers
December 17, 2016
«Mas o que pode a literatura? Ou antes: o que podem as palavras?» (Terceira Carta V)

Há uns meses veio parar-me às mãos um exemplar da primeira edição de Novas Cartas Portuguesas, o livro maldito escrito por Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa, apreendido horas depois da sua publicação em 1972, e que gerou movimentos de apoio feministas pela Europa e América; um dos livros portugueses mais traduzidos no estrangeiro sem reedição em Portugal até 1998, 25 anos depois.

Assume-se hoje que a mulher portuguesa não é já Mariana, freira resgatada das Cartas Portuguesas publicadas no século XVII aqui feita símbolo pelas Três Marias. Infelizmente, onde cresci, estes textos seriam a mesma ofensa moral que granjeou às autoras um processo judicial durante o Estado Novo, pelo conteúdo obsceno e pornográfico. Além da atualidade transversal que retêm, em temas mais do que o feminismo, as Novas Cartas Portuguesas são um regalo literário, um sistemático quebrar de barreiras temáticas e linguísticas. Leiam todos!
Profile Image for Isabel Lobo.
86 reviews62 followers
May 30, 2025
Vanguardista. Revolucionário. Essencial. Maria Teresa Horta, um obrigada pessoal por escreveres tão bem sobre sexo no feminino.
Queremos NCP na leitura escolar obrigatória!!
Profile Image for Rosa Ramôa.
1,570 reviews85 followers
January 1, 2015
Segredo

Não contes do meu
vestido
que tiro pela cabeça

nem que corro os
cortinados
para uma sombra mais espessa

Deixa que feche o
anel
em redor do teu pescoço
com as minhas longas
pernas
e a sombra do meu poço

Não contes do meu
novelo
nem da roca de fiar

nem o que faço
com eles
a fim de te ouvir gritar
(Maria Teresa Horta)
Profile Image for Zé Filipe Melo.
74 reviews2 followers
August 27, 2024
Tem crítica, tem referências literárias e históricas, tem erotismo, parecia ter tudo para gostar deste livro, mas talvez pela forma (carta atrás de carta entremeada de poema) ou por desconhecimento das "Cartas Portuguesas" que são o pano de fundo desta espécie de romance convento emancipador da mulher, não me satisfez. Há livros que não me encaixam e este foi um deles.

2,5 ⭐
Profile Image for Cat.
805 reviews86 followers
September 10, 2019
os temas e contexto histórico deste livro só por si o tornam leitura obrigatória. é importante refletir como as coisas talvez não tenham evoluído o que deviam, ou como deviam.

porém, esta leitura relembrou-me porque não leio tantos autores portugueses como gostaria. talvez esteja a generalizar mas existe uma forma muito pouco clara e compreensível que associo à escrita de autores nacionais. parece que o quão mais difícil de seguir for, melhor. muitas vezes, a mensagem perde-se ou não é tão bem passada como poderia, pois a forma de escrita aliena muito o leitor.

é uma pena que tenha sentido tanto isso com este livro e talvez seja por isso que ele é tão pouco reconhecido e falado (fora dos círculos e interesses feministas), apesar de toda a sua importância e relevância.
Profile Image for Clarinha.
30 reviews5 followers
July 15, 2025
Absolutamente impressionante a forma como estas três mulheres estavam à frente do seu tempo. Continuam a estar, hoje, infelizmente, e sortudo é aquele que põe as mãos numa obra como esta.
Profile Image for Joaquim Margarido.
299 reviews39 followers
January 14, 2022
Assombroso. Não encontro melhor termo para expressar o sentir sobre as “Novas Cartas Portuguesas”, de tal forma Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa se mostram firmes e livres ao escrever o que escreveram, no tempo em que o escreveram. O tempo é o da longa noite do fascismo, numa fase de estertor do Estado Novo, particularmente audível quando confrontado. E logo por mulheres. Mulheres. Que trocam os filhos e os maridos no recato do lar pela escrita, ousando publicar um livro “de conteúdo insanavelmente pornográfico e atentatório da moral pública.” Mulheres que não hesitam no momento de se afirmarem inteiras, senhoras de si e do seu corpo. Que não se escondem em eufemismos e não recuam perante palavras “proibidas”, como “vagina” ou “clitóris”, “menstruação” ou “masturbação”. Que assumem as suas “manhas” e proclamam a sua determinação e coragem num verdadeiro assalto aos dogmas seculares que envolvem a figura da mulher.

Escrito a seis mãos – as mesmas mãos referidas como as de três “aranhas astuciosas” –, as “Novas Cartas Portuguesas” começaram a ser pensadas menos de um ano antes da sua publicação. Com a chancela da editora Estúdios Cor, da qual Natália Correia era directora literária, o livro conheceria a luz do dia em Abril de 1972 mas viria a ser apreendido quase de imediato pela censura. Movido processo pelo regime contra as “Três Marias”, “por atentado violento à moral e aos bons costumes”, o caso galgou fronteiras, juntando o protesto de figuras como Doris Lessing, Jean-Paul Sartre, Marguerite Duras, Simone de Beauvoir ou Christiane Rochefort e amplificando a mensagem ideológica e política subjacente àquilo que constitui um verdadeiro manifesto feminista. O 25 de Abril apanharia de surpresa juízes e rés e o processo viria a ser arquivado, mas até hoje sobram ecos deste estrondoso “murro na mesa”, a voz erguida contra a repressão ditatorial, o poder do patriarcado católico, a violência sobre a mulher, as injustiças da guerra colonial ou a situação de emigrantes, refugiados ou exilados no mundo e “retornados” em Portugal.

As Novas Cartas têm como ponto de partida uma obra clássica da literatura francesa seiscentista que reúne cinco curtas cartas de amor, publicada e traduzida anonimamente e cuja autoria permanece envolta em polémica. As autoras elegem-na pela imagem feminina que nela se apresenta, a de uma freira num Convento em Beja, estereótipo da mulher que, enclausurada e abandonada, mergulha a dor na relação desfeita com um cavaleiro francês de quem se apaixonara. A partir daqui, as autoras irão tomar posse dos ambientes e da própria linguagem da obra original, desenvolvendo um conjunto de cartas nas quais sobressaem a diversidade de géneros literários e a diferença de abordagens. Textos há que se demarcam do conjunto, oferecendo-se a uma análise individualizada pelo seu impacto e alcance. Há poemas de um lirismo esmagador, senhores de figurar em qualquer antologia. Pelo meio, oferecem-se passagens quase codificadas, herméticas, indecifráveis. Mas é no todo que reside o fascínio da obra, o perceber o pensamento coerente assente na soma das partes, a cumplicidade que espreita no virar de cada página, a mensagem convergente na afirmação do eu, sem distinção de género, raça ou classe.

O livro, porém, não cabe apenas nesta vertente política e sociológica, onde o feminismo desfralda bem alta a sua bandeira. Há nele um enorme interesse enquanto objecto literário, quer pela forma como é resgatado o género epistolar, quer pela própria experiência de criação comum. De enorme diversidade e riqueza, as Novas Cartas oferecem-nos citações directas de obras variadas, poemas inspirados nas cantigas de amor e de amigo, referências a figuras míticas, histórias bíblicas, neologismos ou jogos de palavras, com referências que vão de Camões a Alexandre O’Neill, passando por Bernardim Ribeiro, José Cardoso Pires, Lewis Carroll, Alberto Moravia e William Shakespeare, entre muitos outros. Em simultâneo, as autoras interrogam-se (e interrogam-nos) sobre o acto da criação, sobre o poder da palavra. Nesta edição anotada, uma palavra ainda para o extraordinário trabalho de organização de uma equipa liderada por Ana Luísa Amaral e que oferece ao leitor um conjunto significativo de notas intertextuais e outras que em muito enriquecem a leitura e compreensão da obra. Assombroso!
Profile Image for Carol.
216 reviews109 followers
July 21, 2025
há muito que queria pegar neste livro que é tão, tão importante. no ano passado, influenciada pelo meu colega livreiro, peguei no livro “as cartas portuguesas” e conheci os textos da mariana alcoforado. o que deu alguma base e direção nesta leitura. ainda assim, tomei o meu tempo, fui pegando nele aqui e ali nos últimos dois meses.

as autoras misturam cartas, poemas, textos e memórias numa autêntica colcha de retalhos que grita contra o fascismo, contra o patriarcado, contra o silêncio imposto. é sexo, é política, é maternidade, é linguagem a reinventar-se. é cru, é lírico, é raiva e amor em forma de prosa e verso.

é um livro que ainda hoje incomoda e contraria esta ideia de que uma mulher é boa quando calada, submissa, doce, meiga, carinhosa. que vive à volta do homem e com o objetivo de ter filhos, afinal “uma mulher é e será sempre mãe”. uma mulher não se quer para grandes feitos, quer-se para ficar em casa a cuidar, a cozinhar, a limpar.

sei que o propósito das notas não é explicar os textos, porém senti que alguns se tornaram difíceis de atingir, complexos demais para mim. outros tocaram-me, caso contrário não o teria sublinhado tanto.

continua a ser necessário falar e discutir estes temas. aquando da leitura pensei na annie ernaux, pensei no bobigny 1972, pensei nas tantas mulheres que sofreram ao longo dos anos de ditadura.

e que bom ano para se homenagear as três marias, de modo especial a mth. se calhar ainda pego na “desobediente”! 🤭
Profile Image for Margarida de Sousa (IcthusBookCorner).
130 reviews26 followers
May 14, 2022
TÃO BOM
TÃO RELEVANTE
TÃO BEM ESCRITO, EDITADO
INTRODUÇÃO EXCELENTE

Adoro estas 3 mulheres com todo o meu coração. Fiquei com vontade de ler o que escreveram separadamente. Wow wow wow
Profile Image for Aitana Monzón.
Author 9 books66 followers
July 9, 2025
«Tú, mujer que mira su cuerpo como cosa distinta, como su propio objeto erótico, y no como su yo porque toda la supervivencia de la ciudad se asienta sobre esa práctica, del cuerpo se retiró a la mujer para que aquel pueda ser usado y explotado sin resistencia personal, "¿yo? yo no, a mí me encanta vestirme, y el sexo es la manía de los hombres" y cuando las mujeres se casan llevan su cuerpo como dote, junto con sábanas y servilletas, para uso diario y producción de hijos, y mujer y marido juntan sus cabezas por la noche mirando el cuerpo que crece preñado, y porque el hombre busca su útero, y porque en el cuerpo de la mujer se genera fruto considerado del hombre y de la sociedad»
Profile Image for Carolina.
39 reviews1 follower
August 27, 2024
Uma leitura densa e, para mim, bastante demorada, mas que em nada desvaloriza a qualidade deste livro. Uma coletânea de cartas/ textos/ poemas que transmitem o papel da mulher na sociedade especialmente na época do Estado Novo e que reflete a importância do 25 de Abril para as mesmas. Uma leitura urgente e necessária.
Profile Image for Constança.
69 reviews3 followers
Read
September 5, 2023
4,5 ⭐️

“O que nos resta depois disto? Mas o que nos restava antes disto? - Penso que bastante menos: muito menos, mesmo.”

Leitura obrigatória e mais não digo! Que mulheres incríveis e corajosas.
Profile Image for JBN.
67 reviews
October 8, 2018
"Eu queria hoje louvar a solidão mas com sossego, sem vo-la deitar em cara, que só no colo. Como são belas as coisas quando ninguém se espera hoje para dizer-nos como. Como o mundo está intacto se não nos morremos da ausência de alguém. Mas quem se ri se não se sabe único, preferido, quem se basta e nisso persevera, quantos conhecem ao menos umas horas esta glória de ninguém ter ou carecer algo a suster-nos pela mão e no entanto andarmos, como a escrita anda, como anda o corpo que a mão sabedora sustenta, a mão própria - quantas mulheres, quantos homens se deleitaram já do que podem fazer unicamente somente? Quantas mulheres? Porque a criação que temos é a de podengas, perdigueiras lambidas - ser por e ser para estacar quando se encontra."
Profile Image for Marta Clemente.
750 reviews19 followers
February 22, 2025
À segunda tentativa lá consegui ler este "novas cartas portuguesas".
É um livro difícil de ler. Por vezes bastante erudito. Mas a escrita é tão bonita! E estas três mulheres eram tão corajosas! Como foi possível ousarem escrever um livro destes em plena ditadura?!? É um livro mesmo muito ousado! Até para a época atual, quanto mais para essa altura!
Estou orgulhosa de mim própria por ter insistido! Acabou por se tornar uma leitura muito prazerosa!
Profile Image for Ana.
579 reviews11 followers
October 2, 2022
Indiscutivelmente, um livro marcante que levanta milhares de questões sobre a mulher, a sociedade, valores e crenças. Li um bocado à pressa, para conseguir discuti-lo amanhã na Comunidade de Leitores da Biblioteca das Galveias. Fiquei um pouco entediada. Acho que deve ser lido aos poucos. Tenho demasiada informação na cabeça. Vamos ver como corre amanhã 💪
Profile Image for ritasbooks.
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March 12, 2023
"um (...) disse que podíamos morrer disto. (...) 𝐨𝐮𝐭𝐫𝐨 𝐝𝐢𝐬𝐬𝐞 "𝐭𝐫𝐞̂𝐬 𝐦𝐨𝐧𝐬𝐭𝐫𝐨𝐬 𝐜𝐨𝐦𝐨 𝐯𝐨𝐜𝐞̂𝐬!". eu acho que estamos só fazendo a mãe do rio (ó Augustina só e só) que não nos tolha a mão (...) - que quem amar agora o que fazemos não seja dividido a dividir-nos. 𝐇𝐚̃𝐨-𝐝𝐞 𝐬𝐮𝐬𝐭𝐨 𝐝𝐢𝐳𝐞𝐫-𝐧𝐨𝐬 𝐚𝐭𝐞́ 𝐥𝐞́𝐬𝐛𝐢𝐜𝐚𝐬 (...)" [𝑖𝑛. 𝑁𝑜𝑣𝑎𝑠 𝐶𝑎𝑟𝑡𝑎𝑠 𝑃𝑜𝑟𝑡𝑢𝑔𝑢𝑒𝑠𝑎𝑠, 1972]

***

acabei de sair do cinema e escrevo isto em rescaldo - vi "o que podem as palavras" ouvi maria teresa horta, maria isabel barreno e maria velho da costa.

não há nada que leia ou veja sobre estas três mulheres que não me deixe em estado catártico - num infinito de libertação.

vim a correr escrever isto com medo de me voltar a sentir incapaz de por o que quer que seja relativo a este livro em palavras.

as novas cartas ficaram aqui sem comentário por nada ter a acrescentar ou a comentar - fenómeno natural resultante da obesidade mórbida que as páginas carregam na história da democracia do país, das mulheres mulheres portuguesas e das mulheres à volta do mundo.

não foi para mim um livro de "binge-read", foi um livro de kompensan ao fim de cada carta - mas tal e qual boa comida sinto vontade de lhe voltar todos os dias.

não me canso de agradecer às Marias.

que bom é ser mulher.
Profile Image for lucas.
14 reviews
September 4, 2025
há alguns meses, quando decidi que ia ler as Novas Cartas, fiz questão de ter lido pelo menos um livro de cada autora antes de começar, então comecei a ler isto com um rascunho de expectativa, a imaginar o cruzamento entre a genialidade da Isabel Barreno, as palavras da Velho da Costa que ela "rasga como rosas" e a poesia estonteante da Teresa Horta

esse cruzamento vem de facto com uma força de todo o tamanho a cada virar da página, força que faz questionar se tudo é feito de vidro, que te abandona com a convicção que tudo pode ser estilhaçado como se de facto fosse

ainda bem que estas mulheres existiram, que se encontraram, que ousaram. que livro imenso
Profile Image for Sofia Costa Lima.
Author 4 books127 followers
Read
July 9, 2023
Ler "Novas Cartas Portuguesas" é toda uma experiência complexa, por vezes revoltante, por vezes entediante, sempre interessante. O livro tem um ritmo próprio, um bocadinho diferente do habitual, com a necessidade de consultar as notas finais constantemente para realmente se compreender todas as referências.


[leitura obrigatória da UC de mestrado: Estudos Feministas e Estudos Queer]
Profile Image for Jessica Lima.
20 reviews10 followers
March 7, 2021
Uma leitura densa. Porém, com o apoio das notas intertextuais no final, é possível desfrutar e compreender a obra. Não consegui pousar o livro até terminar. (In)felizmente tão actual em 2021, imagino que choque ainda muitas cabecinhas.
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