Coração, Cabeça e Estômago é um dos romances mais aclamados de Camilo Castelo Branco e uma das suas principais obras que junta a sátira e o humor para fazer um retrato de época e da sociedade literata do país. Dividida nas três partes que lhe dão o título, o livro segue o percurso de Silvestre à medida que este se vai desapegando do romantismo. Na primeira parte, a do coração, a personagem é dominada pela paixão e pelos episódios românticos que o arrebatam. Na segunda, a da cabeça, prevalece a razão e vemos Silvestre da Silva na sociedade portuense e nos seus meandros políticos. Na terceira e última, a do estômago, a personagem volta ao que é primordial ao Homem e à vida pacata da ruralidade. Mas conseguirá Silvestre encontrar o seu propósito? Poderá Silvestre encontrar nas mulheres que vai conhecendo o seu sentido de vida? Numa caricatura magistral do modo de vida português contada na terceira pessoa, Camilo faz uma retórica da sensibilidade e do gosto que desconstrói não só o romance, mas toda uma escola.
«Camilo Ferreira Botelho Castelo Branco (1825-1890) foi um dos escritores mais prolíferos e marcantes da literatura portuguesa contemporânea tendo sido romancista, cronista, crítico, dramaturgo, historiador, poeta e tradutor. Teve uma vida atribulada, que lhe serviu muitas vezes de inspiração para as suas novelas. Foi o primeiro escritor de língua portuguesa a viver exclusivamente do que escrevia. Durante quase 40 anos, entre 1851 e 1890, escreveu à pena, logo sem qualquer ajuda mecânica, mais de duzentas e sessenta obras, com a média superior a 6 por ano. Prolífico e fecundo escritor, deixou obras de referência na literatura lusitana. Apesar de toda essa fecundidade, Camilo Ferreira Botelho Castelo Branco não permitiu que a intensa produção prejudicasse a sua beleza idiomática ou mesmo a dimensão do seu vernáculo, transformando-o numa das maiores expressões artísticas e a sua figura num mestre da língua portuguesa.» Fonte; http://www.luso-livros.net/biografia/...
Camilo Ferreira Botelho Castelo-Branco (1st Viscount de Correia Botelho), was born out of wedlock and orphaned in infancy. He spent his early years in a village in Trás-os-Montes. He fell in love with the poetry of Luís de Camões and Manuel Maria Barbosa de Bocage, while Fernão Mendes Pinto gave him a lust for adventure, but Camilo was a distracted student and grew up to be undisciplined and proud.
He intermittently studied medicine and theology in Oporto and Coimbra and eventually chose to become a writer. After a spell of journalistic work in Oporto and Lisbon he proceeded to the episcopal seminary in Oporto in order to study for the priesthood. During this period Camilo wrote a number of religious works and translated the work of François-René de Chateaubriand. Camilo actually took minor holy orders, but his restless nature drew him away from the priesthood and he devoted himself to literature for the rest of his life. He was arrested twice, the second time due to his adulterous affair with Ana Plácido, who was married at the time. During his incarceration he wrote his most famous work "Amor de Perdição" and later it inspired his "Memórias do Cárcere" (literally "Memories of Prison"). Camilo was made a viscount (Visconde de Correia Botelho) in 1885 in recognition of his contributions to literature, and when his health deteriorated and he could no longer write, Parliament gave him a pension for life. Going blind (because of syphilis) and suffering from chronic nervous disease, Castelo Branco committed suicide in 1890.
The first part - Heart Seven women The woman the world respects The woman the world despises Second part - Head Journalist Serious pages of my life Third part - Stomach How I got married
There is a sense of maturity in the book but also hopelessness. The "heart" part is when Silvestre da Silva dedicates his life to love, love, and be loved and despised (it is an anguish that… ah!). The second part, "head", is when the character gives up looking for great love and dedicates himself to the profession. The third part, "stomach", is about that maturity, but it also leads to accepting simple life without great feelings. The stomach makes a connection to food. Do you know that "wisdom" that says: when a person marries, he gets fat? Yeah.
Silvestre amou – Coração - sete mulheres e com todas elas se decepcionou. Achou por bem usar a Cabeça para encontrar o par ideal e, deu-se mal. Acabou a confirmar o ditado: homem conquista-se pelo Estômago.
Neste livro Camilo consegue construir um estilo em que utiliza três escolas oitocentistas: Romantismo, Realismo e Naturalismo e ainda consegue fazer uma crítica severa, mas cheia de humor, ironia e sarcasmo, à sociedade da época.
Camilo sendo Camilo e eu a gostar cada vez mais deste autor.
Não é um livro fácil. Tem partes muito interessantes em que o autor escorre os acontecimentos e a leitura flui muito bem, e tem outras muito difíceis, as quais tive de reler e reler infinitamente para depreender algum sentido do texto. Gostei da história no geral. É uma sátira ao romantismo, e enquanto sátira cumpre muito bem o seu papel. O começo é maravilhoso, muito engraçado mesmo, e ficamos logo aí a entender o estilo de narração. As peripécias do Silvestre, as notas do "editor", a ironia presente aqui e ali, que dá muita vida à história, e a explicação do título que vamos entendendo ao longo da leitura, tudo isto vale muito a pena. O livro só peca pelas partes chatas, que parecem intermináveis, que eu nem sei dizer muito bem sobre o que é que falam. Enquanto mera leitora, que lê para aprender mas sobretudo para se divertir, se a história não me prende e não me suscita a mínima curiosidade, não vou redobrar os esforços para entender o que o autor quer dizer. É certo que o palavreado difícil (o livro foi publicado em 1862) não ajuda em nada. Resumindo, gostei da experiência, ri algumas vezes e não me arrependo de ter conhecido mais um bocadinho do trabalho do Camilo.
Apesar de geralmente não gostar de livros mega velhos este teve bastante vibes 👍 leitura de verão divertida recomendo a todos os amigos (têm que ignorar todas as palavras que não percebem e ler simplesmente pelas vibes dramáticas e pelas piadinhas)
Essa foi a segunda, talvez terceira vez que li “Coração, Cabeça e Estômago”, de Camilo Castelo Branco. Mas, como o tesouro da parábola evangélica, a releitura me trouxe coisas velhas e coisas novas.
Entre as coisas novas que me trouxe, devo destacar, curiosamente, alguns dados que não estão no texto, mas sim no seu prefácio, assinado, na minha edição (Civilização Brasileira), pelo português radicado no Brasil Adolfo Casais Monteiro.
Dentre as muitas observações de interesse que ele tece está a indicação de que este romance é uma grande exceção na obra camiliana, no sentido de que tem uma estrutura e um plano de execução ao qual o autor obedece, fielmente, até às últimas páginas.
Se algo se pode afirmar da obra de ficção do escritor português é que ela se divide, perfeitamente, nas obras que fazem rir, e ridendo castigat mores, e as obras que fazem sentir profundamente, com laivos de romantismo. Nem é preciso entrar muito na leitura deste romance para classificá-lo, contudo: Camilo, em procedimento já vulgarizado após Cervantes e Lawrence Sterne, finge que não é autor, mas apenas editor não de um romance, mas de um diário de seu falecido amigo Silvestre da Silva, um tipo notável, cuja história entendeu por bem contar e comentar. Esse tipo de procedimento coloca a narrativa sempre em dois níveis e permite, na verdade quase impelindo, ao comentário irônico, lateral, do narrador.
Assim é que somos apresentados à comicidade do romance logo no preâmbulo:
“O meu amigo Faustino Xavier de Novais conheceu perfeitamente aquele nosso amigo Silvestre da Silva... – Ora, se conheci!... Como está ele? – Está bem: está enterrado há seis meses.”
Definitivamente, aqui não é o Camilo sério, choroso e pungente dos romances românticos. Então, qual será?
Coração, Cabeça e Estômago são três partes das “memórias” de Silvestre da Silva e correspondem às partes do corpo pelas quais o autor pretendeu viver: quando jovem, pelo coração; depois de desiludido, passou a escutar a penas a racionalidade; e, quando esta também lhe falhou, finalmente encontrou a felicidade pelo estômago, isto é, no atendimento às necessidades naturais, com sufocamento dos sentimentos transbordantes e da atividade cerebrina e fleumática.
No terreno do estilo, o Coração corresponde ao romantismo, a Cabeça ao realismo de tipo balzaquiano e o Estômago ao naturalismo, então nascente, sendo divulgado por traduções da primeira onda de escritores escandinavos e dos primeiros romances de Zola.
Longe de ser incorreto definir assim o livro, pois é verdade que se vê em cada parte a imitação virtuosa desses estilos, essa definição acaba saindo simplificada demais.
Silvestre da Silva de fato quer ser e se comportar como romântico, realista e naturalista em cada uma das partes: disto não há dúvida. Mas o estilo não é assim tão adequado, chegando mesmo a ser inconstante. No coração, por exemplo, temos uma bela amostragem do melhor estilo romântico de Camilo no trecho “A mulher que o mundo despreza”, quando o português dá uma folga à mordacidade e ironia para desafogar a vida de Marcolina e sua história comovente. Contudo, fora disso, o comentário sarcástico, as tiradas hilárias, como a passagem de Silvestre da Silva por Santarém ou o poema do periquito, tornam-se incompatíveis com o estilo rebuscado, verboso e choroso do romantismo, tanto assim que há pouca variação, no que toca ao estilo, entre o texto principal e as notas do editor, onde Camilo faz o comentário de raisoneur, ao estilo de Molière.
Essa infidelidade ao plano estilístico da obra também se sente na parte do Estômago. Embora haja uma ou outra descrição naturalista de atividades meniais ou mesmo sensações orgânicas, predomina, novamente, o sarcasmo camiliano.
A única parte em que essa transição não é sentida de forma grave é na cabeça, o que nos leva, silogisticamente, a uma conclusão incontornável: quando quer criticar – e Camilo quer muito criticar – o estilo do português é perfeitamente realista, balzaquiano.
A graça dessa constatação, da qual realmente não há fugir, é que Camilo se considerava romântico, e como romântico queria ser lembrado, chegando mesmo a considerar “Coração, Cabeça e Estômago” como uma obra menor, da qual não se orgulhava.
Ocorre que o romance que lemos é uma verdadeira obra-prima, maior que muitas das outras páginas chorosas do novelista do minho, inclusive as incensadas pela crítica contemporânea e imediatamente posterior.
Em primeiro lugar, é uma obra pensada, constituindo, como dito no início, uma exceção entre seus romances. Camilo, operário das letras, escrevia muito, e para tanto acabava por confiar demais em sua prodigiosa imaginação e capacidade criativa – é um metafísico do romance – para, ajuntando grandes cenas com truques mais ou menos convencionais e se fiando em um punhado de personagens fortes, encher o número de páginas necessário para que seu editor fizesse sair determinada obra e com isto pagar suas contas. Acaba que Camilo se tornou, em Portugal, um escritor a ser lido em antologias de trechos, devido à frouxidão de suas narrativas, que já não atenderam mais ao gosto de um povo acostumado com um Balzac, um Zola, um Stendhal ou, para citar um patrício, um Eça de Queirós.
Não se sabe o que levou Camilo a escrever Coração, Cabeça e Estômago, estruturando tão bem o romance e criando uma personagem tão tipológica quanto Silvestre da Silva, o intelectual inépto que passa de revoltado a político e, de certa forma, senhor de sua sociedade, ainda que para isso tenha que retirar-se das dimensões de Lisboa e do Porto para os rincões onde vai se meter ao fim da vida.
Certamente, não foi uma súbita conversão. Camilo não nasce romântico e se amadurece em realista ou naturalista, e prova disso é que Amor de Perdição, o romance de que mais se orgulhava, saiu no mesmíssimo ano que Coração, Cabeça e Estômago.
Como explicar esse prodígio então? Não me consta que, seja na época em que viveu Camilo, seja antes, algum escritor tenha conseguido variar tanto assim de estilos e tônicas num tempo tão curto. Camilo é senhor soberano de sua língua e, através do amor que lhe devotou, tornou-se uma espécie de vate, de profeta malgré lui.
A divisão das partes, as alusões, as imitações bem feitas dos estilos mostra que Camilo, que queria se ver como romantista, estava a par das mais recentes novidades literárias, mesmo num Portugal atrasado, onde as modas do mundo das letras vinham dar frutos muito mais tarde, disputando o espaço com a permanência insistente de formas e modos antigos de expressão - penso aqui na briga entre Alencar e João da Ega, n'Os Maias.
O atraso econômico e, de certa forma, político de Portugal não fornecia às letras a base social necessária para que um realismo e um naturalismo dessem frutos, desde epígonos até verdadeiros renascimentos literários, como ocorreu com tantos outros países. Isto fez com que uma inteligência sensível como a de Camilo recebesse esses estilos não como alguém que encontra na nova expressão os meios de esclarecimento das experiências pessoais, mas com a distância necessária que convida à ironia e ao “uso” da lingua, no lugar de sua absorção.
A realidade de Camilo era ainda a que só poderia aceitar o romantismo e enxergar realismo e naturalismo com a típica desconfiança portuguesa. Isso, contudo, explica só uma parte da obra: o resto, é explicado pela absoluta genialidade do autor em manejar os meios de expressão não só a ponto de empregá-los seriamente, mas já sendo capaz de, antecipando a decadência natural dos movimentos estilísticos, fazer-lhes a caricatura, através de um maneirismo que ironiza ao mesmo tempo em que ri de si mesmo. Tem coisas que, realmente, só em Portugal!
Talvez haja ainda outro motivo para o estranhamento de Camilo com esse seu rebento. Como um vate poético, Camilo acabou, no momento criador, excedendo seus próprios limites de compreensão, e passando em seguida a estranhar a criatura como algo no qual não se reconhece. E embora Silvestre da Silva não guarde nada, ou quase nada, de Camilo Castelo Branco, a vontade de se encaixar na sociedade, encaixe este para sempre vedado a quem está dotado de tamanha perspicácia e profundidade de pensamento, é quase como uma confissão involuntária que o autor faz de si para si mesmo: de seu eu social, que quer aceitação e um fim para as labutas e arengas que dominaram sua vida, para o seu verdadeiro eu, um crítico ferrenho da sociedade no qual a mordacidade e polêmica eram uma segunda natureza.
Nessa sua mordacidade, Camilo é realista, talvez mais realista que Balzac. E é onde se demonstra mais genial: com efeito, descrevendo a sociedade do Porto, Camilo chega mesmo a antecipar observações sociológicas de Veblen e outros teóricos do fenômeno das elites financeiras, os quais não alcançou antes pela barreira da língua difícil e de pouca divulgação. Como romântico, tem expressão bela, o que fica claro pelos romances românticos e o trecho dedicado à Marcolina; mas como comentarista ácido da sociedade é um gênio, um campeão, e um quase filósofo.
Não encontrando na sociedade portuguesa as condições para o realismo, Camilo quis se ver como romântico, para ser aceito pelos seus. Mas era mau ator. Quanto mais tentou fazer chorar, mais compensou pelo riso e a admiração involuntários que nos arranca com seus comentários e giros de frases, iluminando a situação e apagando logo em seguida a vela, para que não fique exposta em demasiado a feiura. Foi realista escondido, acossado a uma forma literária que lhe permitia essa liberdade, e da qual se valia com algum sentimento de culpa; não muito diferente de seu contemporâneo Cesário Verde que, após a morte, se descobriu um dos maiores poetas portugueses, mas apenas num tempo e em condições em que finalmente poderia ser compreendido.
Resta, contudo, o problema da seção do estômago. Que o Silvestre do coração e da cabeça sai ridicularizado, e com ele toda uma gama de tipos bisonhos, não há dúvida. Mas a ironia não convence na terceira parte. Apesar das cenas e trechos engraçados, como a “pregação” de Silvestre a seus conterrâneos, sempre puxando pelo estômago e pelas necessidades vitais, e sem nos esquecer dos comentários finais de Camilo, mal se esconde a admiração do autor pela vida de Silvestre no campo, com Tomásia, cheio de traços impressionistas de uma ideia sufocada de Paraíso, atingindo seu cume com a cena do casamento. O idílio criado – um verdadeiro fracasso para quem queria imitar e caricaturar o estilo naturalista – denuncia em Camilo um sonhador da felicidade que não conseguiu encontrar em São Miguel de Seide e em lugar algum.
E, após ver-se sonhador de idílios e entreter-se com o acusador que era por vocação, balança a mão em frente aos olhos, como a dissipar mais rápido uma névoa, e fecha com amargura o livro, como quem descompõe um imbecil qualquer: “Bem se vê que o soneto era o da morte. Um grande merecimento tem ele: é ser o último”.
'Coração, Cabeça e Estômago' é uma excursão sentimental onde cada um destes três órgãos serve de analogia às diferentes fases experimentadas por Silvestre da Silva, sem que nesta falte, claro, o típico humor, ironia e sentido crítico de Camilo Castelo Branco. Assim, passamos da fase romântica em que o jovem Silvestre se deixava guiar pelo 'coração', à fase realista depois do desgosto e da desilusão levarem Silvestre a optar pela 'cabeça'. O naturalismo chega, por fim, quando Silvestre põe de lado pretensões e idealismos, orientando-se pelo 'estômago'. No entanto, apesar do aparente crescimento pessoal e amadurecimento do protagonista, cada órgão parece ter seus males - uma simbiose entre os três órgãos é preferível à atividade exclusiva de qualquer um deles.
Gostei muito deste livro não tanto pela história que conta mas pela concretização de cada uma das 'fases' de Silvestre Silva e da sua evolução ao longo das mesmas. Gostei também da ironia a que Camilo Castelo Branco recorre para descrever a sociedade da época, satirizando-a. Tal como a dissoluta sociedade lisboeta, Silvestre divide-se entre tentações materiais e sensuais, e nem mesmo ele fica à margem das críticas do autor.
Em eras ancestrais eu fazia engenharia. Não foi a melhor das experiências. Eu demorei para conseguir me libertar daquilo, para subjugar a "cabeça" e tomar coragem de fazer algo que eu desejasse com a minha vida, por maior que fossem as chances de fracasso. Enquanto eu ainda estava na fronteira, com medo de mergulhar, eu sai a esmo pegando umas matérias de Letras enquanto ainda engenheiro para ver o que sentia. Uma delas foi de poesia portuguesa, focada em Camões e Pessoa, com a Camila, que tinha acabado de entrar como professora na UFscar. Ali eu tive certeza de tudo.
Foi um semestre muito difícil para mim, mas que se tornou mais fácil com aquela injeção semanal de utopia. Era excelente, e eu aprendi que a literatura não tem muita utilidade no vácuo, ela importa unicamente quando se conecta com você, e quando sua alma e a arte se conectam de uma forma ou de outra. Hoje, eu percebo que eu tomei a melhor decisão da minha vida. Hoje, eu me encontrei no ler e escrever, eu consegui descascar a minha própria alma e descobrir quem eu sou, e mais importante, quem eu quero ser.
Hoje. Esse também vem sendo um semestre difícil. Um que foi maravilhoso, que foi desesperador, e que agora é melancolicamente esperançoso. Um onde eu me permiti ser mais vulnerável e aberto que em qualquer outro momento da minha vida. E em algumas das sextas feiras mais difíceis e dolorosas (foram mais do que eu gostaria de admitir), eu tive aulas do romantismo português. Camila novamente. Arte mais uma vez, e mais importante, arte capaz de importar algo para você. Quase chorei em um par de aulas, mas sempre sai delas mais feliz, mais inspirado, meu coração um pouco menos despeçado.
E é para essa matéria que eu li esse livro. É um livro interessante. Divido em três partes, indicadas pelo título, cada uma marcando diferentes fases da vida de Silvestre. Na primeira, ele tenta amar, e se fode. Vez após vez. Maldito coração. Na segunda, amargurado e ressentido, ele resolve se tornar racional, no controle, beirando papo de incel. E se fode, claro. Não dá pra confiar na cabeça. E na terceira ele só mete o fodasse, casa com qualquer uma, come até morrer. Bem pouco romântico para um livro do romantismo, carregado de ironia e críticas à sociedade da época.
É uma obra pessimista, mas ao mesmo tempo carregada de humor. Que implica na necessidade de seguir em frente, de tentar, de rir da desgraça. Onde sempre que algo parece estar dando certo, quando se encontra uma alma sincronizada, tudo colapsa. E machuca. Bem sei. A primeira parte do livro é a mais interessante, de um ritmo rápido e divertido, honestamente inesperado. É engraçada a busca pelo amor, apenas por ser o amor, o desespero para ser romântico e apaixonado. A própria figura do editor (segunda voz que de tempos em tempos comenta os manuscritos de Silvestre), aparece para criticar a poesia dele e se recusar a colocar na obra por ser humilhante demais. Ótimo. Se minha poesia apaixonada vazasse tenho certeza que seria igual. Coração costuma desapontar.
A cabeça é mais chato, uma passagem mais arrastada do livro, menos divertida. Como a cabeça costuma ser. Termina em multas e fracasso e decepção. Sozinha, ela não funciona, assim como sozinho o coração igualmente falha.
Resta o estômago, que trás a morte de tanto comer. Pessimismo, e qualquer escolha termina em desgraça. E talvez seja, quem pode dizer? Mas vale a tentativa, o risco, torcer para que os ecos da arte possam confortar os momentos difíceis. E podem, pelo menos para mim. Todos momentos desesperados me chamam para buscar algo que contenha um mínimo reflexo de mim. E acho que é possível encontrar reflexos de si mesmo em qualquer coisa, apenas olhando direito.
Sobrevivi ao primeiro grande fracasso do coração. Haverão outros. E tudo bem. Pelo menos não vai me matar igual caso se o estômago me falhasse.
Obrigado Camila por sempre me guiar a encontrar um toque pessoal na literatura. A culpa de todas minhas reviews serem assim é dela. Não me arrependo de nada.
Do que li até agora de Camilo, talvez seja o livro mais difícil de avaliar. É uma espécie de compilação das desilusões da vida, seja as injustiças amorosas (coração) ou injustiças sociais (cabeça). A conclusão parecia ser que o melhor era a vida simples, pacata e rude da aldeia (estômago), mas se é disso que morre Silvestre...a beleza deste livro está na impossibilidade de o leitor não se identificar e relacionar. Talvez seja um livro melhor para pessoas com uma maior experiência de vida, mas acho que todos, novos e velhos, acabamos por ter um coração, uma cabeça e um estômago. Com cada um destes órgãos Silvestre da Silva procura encontrar o sentido na vida nas mulheres, e a forma de se comprometer, e cada leitor deve descobrir qual foi a melhor tentativa.
Coração, Cabeça e Estômago é um interessante romance satírico sobre a sociedade portuguesa da época. Camilo Castelo Branco apresenta-nos uma sociedade hipócrita que valoriza as aparências e que procura o enriquecimento fácil.
Silvestre da Silva, o protagonista é o narrador desta história dividida em três partes. Na primeira – Coração, Silvestre é um idealista que acredita no amor e nas mulheres por quem se apaixona de forma leviana. Porém, desiludido com as atitudes hipócritas das mulheres amadas, decide mudar de vida e opta pela razão, pela vida intelectual - Cabeça. Ataca ferozmente a sociedade e os poderosos através de artigos que publica nos jornais. É levado a tribunal e acusado de “caluniador convicto”. Renuncia às manifestações intelectuais e agarra-se às necessidades do estômago.
“ Nem já coração, nem cabeça. Principia agora o meu auspicioso reinado do estômago.”
Camilo Castelo Branco foi um escritor importante no desenvolvimento do Romantismo no nosso país. Período marcado pelo amor e sofrimento extremos. Contudo, nesta obra ele próprio satiriza esses padrões. Ele ataca brilhantemente a sociedade, ninguém lhe escapa. Para tal, usa a voz sarcástica de Silvestre, no relato das suas memórias e a voz de um amigo editor (incumbido pelo protagonista de organizar os seus escritos). É este que abre e fecha a narrativa e vai colocando notas ao longo do texto e, assim, emitindo opiniões, de forma irónica, sobre Silvestre e o seus exageros.
Não o acabei mas irei relê-lo. Fiquei na página 145.
Preciso de mais experiência literária e vocabulário para o compreender. No entanto, o sarcasmo de Camilo apraz-me e quero ler mais dele. Num futuro distante, claramente
A leitura em si é bem maçante. Pra ser sincera, não sei se conseguiria termina-lo se não fosse necessário para um trabalho.
O personagem principal é pedante e extremamente cansativo. Ora é dramático demais, ora é arrogante demais, ora é forçado demais. Seus discursos eram fastidiosos. De forma mais simples: chato. Silvestre da Silva é um dos personagens que a gente não quer encontrar num livro nunca mais.
O desenvolvimento da história também é bem água com açúcar. Por vezes, a narrativa se torna uma série de repetições, quase infinitas.
O que realmente é interessante é a estrutura do texto, que achei bem criativa. O jogo de perspectivas dado pela mescla do editor e do narrador-personagem deixa tudo em suspenso, como se o leitor tivesse que desconfiar das visões e tomar sua própria impressão.
A ironia também é bem utilizada, bem direta à sociedade oitocentista. E é o que salva o livro: a pitada de humor. Não há grandes sorrisos, muito menos gargalhadas. Apenas o suficiente pra você termina-lo sem surtar.
Ainda quero dar uma chance para o Camilo, já que é bem falado quanto às novelas passionais. Quem sabe haja a redenção em Amor de Perdição?
Bom saber que no séc XIX se faziam roasts de 190 páginas por entre as quais se enalteciam mulheres. Obrigada por não poupares o Silvestre, Camilo. Gostei.
« […] Perguntado-lhe eu se tinha saudades do seu tempo de casada, respondeu-me: - O boi solto lambe-se todo. Devia dizer vaca se gostava do anexim. […] »
Bom romance de Camilo Castelo Branco, da década de 1860, período mais produtivo do escritor. Em “Coração, cabeça e estômago”, publica-se um manuscrito fictício que contém um relato autobiográfico do protagonista Silvestre da Silva e foi herdado pelo “editor” do livro, que o prefaciou e lhe juntou variadas notas para elucidar "as escuridades do texto" do amigo morto.
É tanto uma digressão sentimental, de mulher em mulher, quanto relato do desencanto com o "mundo-elegante" que ostenta riqueza e falência moral, em que prevalece uma espécie de novilíngua que classifica como “honestos” os mais capazes na arte de intrujar. O romance contém algumas das páginas mais viscerais - de “imprecações (...) contra a sociedade”, como lho censura o “editor” - encontráveis na obra de Camilo, para me manter próximo das metáforas orgânicas que estruturam o livro. A resistência de Silvestre aos condicionalismos sociais soçobra na terceira parte do livro, antecipando o tema de “A queda dum anjo”, dando-se, neste caso, a corrupção moral e material do protagonista em sentido contrário, da cidade para o “campo”.
Os constantes reparos do “editor”, sob a forma de comentário em notas, acrescentam à obra uma tensão meta-textual entre “editor” e “autor” que é relevante. Em 1862, Camilo aproximava-se dos 40 anos e estava fresco o escândalo da relação com Ana Plácido, com quem já vivia. “Coração, cabeça e estômago”, com o seu fundo temático das tentações sensuais e materiais, é como que um balanço semi-autobiográfico, auto-reflexivo, construído em cima do diálogo tenso entre alter-egos de um escritor complexo nos afectos amorosos como nas lealdades artísticas e políticas, e dependente na sua subsistência das flutuações do "gosto", da "moda" no mundo emergente do capitalismo das letras.
Adenda: para quem se interesse, há quase sempre pequenos apontamentos etnográficos nos livros de Camilo, como é o caso deste - "Ainda agora nas aldeias, afastadas dos focos da corrupção, coisa que eu nunca ouvi dizer é: 'A Maria do Ribeiro ama o António da Capela.' Lá não se diz ama; é - querem-se. 'Quererem-se' é outra coisa; é amalgarem-se num só ser, em uma só vontade, numa identidade d'alma e corpo tal, e tão uma, que nem sequer cogitam se há desgraça com força de desuni-los àquem da morte. E para lá da sepultura ainda eles têm como segura a vida imortal em união de penas ou glórias" (p. 205).
Nem tudo de Camilo é ouro. Ás vezes apanha-se níquel, mesmo que bem lavrado. Lendo esta enfiada de histórias corriqueríssimas e reberverantes (as de Coração uma versão afantochada do Amor de Perdição, as de Cabeça tão melhor urdidas em A queda de um anjo) duas conclusões se tira: 1) Camilo precisava de ganhar a vida e isso incluiu aproveitar as sobras; 2) é possível combinar os mesmos elementos em vinte narrativas diferentes, mudando apenas os pormenores (elos familiares, lugares do país, nomes, indumentária): se não melhora em tédio dá-se pelo menos prova de jeito para o pormenor narrativo. Dito isto, Camilo é Camilo e ninguém atira mais longe uma palavra, na língua portuguesa, mesmo quando o alvo não importa grande coisa.
NOTA: calhou andar a ler isto juntamente com Per, o Afortunado, cuja leitura cruzei com as impressões trazidas pelas incumbências escolares da descendência, que este Verão incluíram Os Maias. Para concluir que, mudando qualidades e meios, a obsessão literária do século era a mesma: casamentos, heranças, adultérios e incesto.
Entendem cordatos fisiologistas que o amor, em certos casos, é uma depravação do nervo óptico. A imagem objectiva, que fere o órgão visual no estado patológico, adquire atributos fictícios. A alma recebe a impressão quimérica tal como sensório lha transmite, e com ela se identifica a ponto de revesti-la de qualidades e excelências que a mais esmerada natureza denega às suas criaturas dilectas. Os certos casos em que acima se modifica a generalidade da definição vêm a ser aqueles em que o bom senso não pode atinar com o porquê dalgumas simpatias esquisitas, extravagantes e estúpidas que nos enchem de espanto, quando nos não fazem estoirar de inveja. E tanto mais se prova a referida depravação do nervo que preside às funções da vista quanto a alma da pessoa enferma, vítima de sua ilusão, nos parece propensa ao belo, talhada para o sublime e opulentada de dons e méritos que o mais digno homem requestaria com orgulho".
Um livro que, apesar de pequeno, não achei fácil de ler. Algo massudo. Ao mesmo tempo, acaba por ser muito interessante, uma vez que todo o conceito em torno do livro o torna diferente. É um livro de Camilo em que o verdadeiro autor é Silvestre, um amigo que lhe deixa os seus escritos depois de morrer. Estes são centrados na relação homem-mulher e espelham uma época, com todas as especificidades a que o contacto entre géneros obrigava. Adicionalmente, a utilização dos separadores Coração, Cabeça e Estômago, que fazem uma ligação entre a forma como a relação homem-mulher é encarada pelo autor, ainda mais originalidade trazem à história. Não será, decerto, o melhor livro de Camilo Castelo Branco, nem será o pior. É acima de tudo interessante.
Excelente obra de Castelo Branco de experimentação metalinguística a respeito da natureza da novela romântica oitocentista além de também montar habilmente personagens icônicos como a fidalga Paula na primeira parte. O aspecto mais interessante, ainda, é a multiplicidade de autores e narradores ficcionalizados. A obra supostamente narrada por Silvestre da Silva passa pelo crivo de um editor anônimo que, assim, molda a novela em comentários de estilo. Uma obra imperdível que, na edição da Martins Fontes ainda acompanha um excelente ensaio do prof. Dr. Paulo Franchetti dO IEL/Unicamp.
No panteão das grandes obras da literatura universal, Coração, Cabeça e Estômago de Camilo Castelo Branco brilha com um esplendor peculiar, refletindo a genialidade de um dos maiores escritores portugueses do século XIX. Publicado em 1862, este romance é uma exploração profunda e perspicaz das três forças que movem o ser humano: o amor, a razão e os desejos mundanos. Através de uma narrativa rica e envolvente, Castelo Branco nos convida a uma viagem pela complexidade da alma humana, tecendo uma tapeçaria de emoções e reflexões que ressoam até os dias de hoje.
A história é narrada por Silvestre da Silva, um personagem que, ao fim de sua vida, decide contar suas memórias divididas em três partes, cada uma dedicada a um dos elementos fundamentais: o coração, a cabeça e o estômago. Com uma habilidade narrativa magistral, Castelo Branco explora as vicissitudes do amor e da paixão, as armadilhas da lógica e da razão, e as demandas insaciáveis dos apetites físicos. Camilo Castelo Branco, com este livro, não só solidificou sua posição como um dos grandes escritores de Portugal, mas também contribuiu significativamente para o desenvolvimento da literatura psicológica. Sua capacidade de entrelaçar narrativa poética com introspecção filosófica faz de "Coração, Cabeça e Estômago" uma obra-prima que transcende o tempo e o espaço.
A importância deste livro na literatura portuguesa e universal é inegável. Castelo Branco, com sua prosa rica e multifacetada, oferece uma obra que é tanto um estudo psicológico quanto uma crítica social. Seu olhar agudo sobre a natureza humana e sua habilidade em capturar a essência de suas personagens fazem deste romance uma leitura indispensável para qualquer amante da literatura. Coração, Cabeça e Estômago é uma obra monumental que combina a beleza poética com uma profundidade intelectual impressionante. Camilo Castelo Branco, com sua prosa lírica e sua visão penetrante, nos oferece um retrato inesquecível da alma humana, explorando as três forças fundamentais que moldam nossas vidas. Este romance permanece como um testemunho duradouro do poder da literatura em revelar as verdades universais sobre a condição humana.
O livro começa com o coração. As emoções é que nos dominam. Na fase adulta, quando somos obrigados a escolher uma carreira, um futuro, somos então governados pelo intelecto que ditará, inclusive, as nossas ambições. Já a última fase que corresponderia à terceira idade, é aquela que já não temos tantos desafios. É uma fase mais acomodada, de gozar os prazeres da vida, em que normalmente o ser humano engorda e, por isso, foi chamada de estômago. Na fase do coração ele relata sete desilusões amorosas. Na fase da cabeça, Silvestre já está mais velho e não se deixa mais levar pelas ilusões amorosas. É a fase em que a carreira é a principal preocupação. Na fase do estômago ele inicia uma vida política e tem uma relativa melhora financeira. É nesse momento que ele conhece Tomazia, filha do sargento-mor, e se interessa pela moça que já tem vinte e seis anos. Ele então se casa, se acomoda e engorda, morando na casa do sogro e sendo muito bem cuidado pela esposa.
Que obra excecional deste autor. Camilo Castelo Branco não escreveu apenas a obra Amor de Perdição. Camilo foi muito mais do que o criador do amor entre Teresa e Simão.
Na primeira parte do livro - Coração - somos confrontados com a apresentação de 7 mulheres que Silvestre da Silva amou. Descontente com os infortúnios do seu coração, o jovem decide procurar o amor, sendo racional - Cabeça. No entanto, também não é bem sucedido. Por fim, na última parte - Estômago - Silvestre comprova que, por vezes, os homens são conquistados pelo estômago, acabando por se casar.
Recomendo totalmente a leitura desta obra. Emocionante, divertida e especial.
"A melancolia, sem flatulência nem perturbações estomacais, a que tanto ataca os inteligentes como os idiotas, era esse o meu fito. Horas e dias terríveis passam por nós como períodos negros da existência. Cai-nos a fronte para o seio, onde o coração nos dói premido por mão de ferro. Não há lembrança feliz que possa estrelar-nos o caos da imaginação: não há raio de sol que faça abrir flor de esperança em nossa alma arada pelo desconforto. (...) A melancolia é sorna e estéril. Camões escreveu a sua epopeia nos dias da esperança".
Esta foi a primeira leitura de Camilo que não gostei, algum dia tinha de ser. O livro está dividido em três estruturas, como o título sugere é e apenas a primeira (Coração) é uma leitura agradável. As notas são quase tão grandes como o livro e tornam-se muito desagradáveis e, na minha opinião, estragam a leitura da obra. Não é um livro que vai mudar a minha opinião sobre Camilo, um dos melhores da literatura portuguesa, e tenho a certeza que voltarei a ler outro livro seu em breve.
Surpreendi-me com duas coisas nesse livro: o humor e o vocabulário. Iniciei a leitura com certa dificuldade devido ao vocabulário rebuscado e as expressões portuguesas, o que por si só já vale a leitura como exercício da língua lusitana, e logo em seguida estava rindo em voz alta de tão cômicas as situações do nosso querido Silvestre. O livro me pareceu particularmente factível, como se fossem relatos realistas. Creio ser da habilidade do autor esse ar de autenticidade dos personagens.
In heart, head and stomach Camilo Castelo Branco writes the autobiography of a friend. The author pretends to be another author describing the three stages of his life - love from the heart (passion), love from the head (love to get ahead in life / convenient love) and love from the stomach (love for settling). It is a critic of home men see women and their love lives.
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Um Camilo surpreendentemente divertido. Desta vez a Unicamp acertou em colocar na lista do vestibular, bem mais interessante que o distante "a brasileira de Prazins" do meu tempo de prova. Mas, mudou Camilo ou mudei eu? ^.^
Li para a UERJ, então não estava com muito saco. Por esse motivo, e por ser língua do século 18 (se eu não me engano) de Portugal, achei extremamente chato e maçante de ler. Até cheguei a rir em algumas partes e é um livro interessante que critica a burguesia, mas não faz meu estilo.