Leque de impressões de uma infância vivida e imaginada, Bambino a Roma tem nas memórias de Chico Buarque a matéria-prima para sua ficção.>
Via San Marino, 12. No primeiro andar do prédio baixo e amarelo, o menino traça rotas no mapa-múndi que cobre a parede do quarto. A náusea sentida durante a navegação do Brasil à Itália ficara para trás e as viagens cartográficas vão sendo deslocadas, em escala menor, para os percursos pelas ruas de uma cidade a ser descoberta. Reminiscências diversas compõem esse trajeto: as primeiras manifestações do desejo; as partidas no gol a gol com Amadeo, o filho do quitandeiro; a escola e suas fugas; cartas, bilhetes e romance, toda uma escrita endereçada a Sandy L., sua paixão juvenil; a dor da apendicite. Em sua bicicleta niquelada com pneus brancos, Chico Buarque faz o zigue-zague por Roma, solta às vezes a mão do guidom e ensaia um equilíbrio fino entre lembrança e imaginação. Nesse passeio delicado, vislumbres da relação com o pai, a mãe e os irmãos somam-se às experiências formativas projetadas por um narrador às voltas com o passado.
Francisco Buarque de Hollanda is popularly known as Chico Buarque, is a singer, guitarist, composer, dramatist, writer and poet. He is best known for his music, which often includes social, economic and cultural commentary on Brazil and Rio de Janeiro in particular.
Son of the academic Sérgio Buarque de Hollanda, Buarque lived in several locations throughout his childhood, though mostly in Rio de Janeiro, São Paulo and Italy. He wrote and studied literature as a child and came to music through the bossa nova compositions of João Gilberto. He performed music throughout the 1960s as well as writing a play that was deemed dangerous by the Brazilian military dictatorship of the time. Buarque, along with several of his fellow musicians, were threatened by the government and eventually left Brazil in 1970. He moved to Italy again. However, he came back to Brazil in 1971, one year before the others, and continued to record albums, perform, and write, though much of his material was not allowed by government censors. He released several more albums in the 1980s and published three novels in the 1990s and 2000s, all of which were acclaimed critically.
Buarque came from a privileged intellectual family background—his father Sérgio Buarque de Holanda was a well-known historian, sociologist and journalist and his mother Maria Amélia Cesário Alvim was a painter and pianist. He is also brother of the singer Miucha. As a child, he was impressed by the musical style of bossa nova, specifically the work of Tom Jobim and João Gilberto. He was also interested in writing, composing his first short story at 18 years old[1] and studying European literature, also at a young age.[2] One of his most consuming interests, however, was playing soccer, beginning at age four, which he still does today.[2] Though he was born in Rio de Janeiro, Buarque spent much of his childhood in Rio de Janeiro, São Paulo and Italy.
Before becoming a musician, Buarque decided at one point to study architecture at the University of São Paulo, but this choice did not lead to a career in that field; for Buarque often skipped classes.
He made his public debut as musician and composer in 1964, rapidly building his reputation at music festivals and television variety shows when bossa nova rhythm came to light and Nara Leão recorded three of his songs.[3] His eponymous debut album exemplified his future work, with catchy sambas characterized by inventive wordplay and an undercurrent of nostalgic tragedy. Buarque had his first hit with "A Banda" in 1966, written about a marching band, and soon released several more singles. Although playing bossa nova, during his career, samba and Música Popular Brasileira would also be widely explored. Despite that, Buarque was criticized by two of the leading musicians at the time,Caetano Veloso and Gilberto Gil as they believed his musical style was overly conservative.[3] However, an existentially themed play that Buarque wrote and composed in 1968, Roda Viva ("Live Cycle"), was frowned upon by the military government and Buarque served a short prison sentence because of it.[3] He left Brazil for Italy for 18 months in 1970, returning to write his first novel in 1972, which was not targeted by censors.
Sou fã de tudo aquilo que o Chico Buarque faz. Este "Bambino a Roma" não sendo um livro arrebatador, nem o pretendendo ser, é um livro querido, com uma leitura leve, divertida e muito prazerosa sobre os anos que o Chico viveu em Roma. É um bom livro para ler depois de uma leitura pesada.
largar mão da ideia de um diário e deixar que o esquecimento faça o seu trabalho: no futuro a imaginação cobre as lacunas da memória e os acontecimentos reais se revezam com o que poderia ter acontecido.
É tudo verdade na ficção Bambino a Roma, novo livro de Chico Buarque.
O texto traz à tona o período em que os Buarque de Hollanda viveram na capital italiana nos anos 50, quando o país ainda estava em processo de reconstrução, pouco depois da guerra.
Chico Buarque retrata o período do início do "miracolo economico", que duraria até meados da década de 70, a partir dos olhos de uma criança imigrante, mas ao mesmo tempo bem ambientada à classe média romana da época. (O pai, Sérgio Buarque de Hollanda, foi catedrático de estudos brasileiros na Universidade de Roma por dois anos.)
Há por todo o livro uma atmosfera que remete ao cinema do neorrealismo italiano, e, de fato, figuras do movimento, como a atriz Alida Valli e seu filho Carlo de Mejo, são personagens importantes na narrativa.
O autor transita pelas ruas e monumentos históricos da Cidade Eterna, quase sempre em sua bicicleta cromada, enquanto relata descobertas da infância, como as amizades, as rivalidades e a sexualidade. Ao mesmo tempo, busca não perder a ligação com o Brasil, do qual se aproxima principalmente por meio das marchinhas de Carnaval e do futebol.
Neste sentido, o relato sobre a tentativa de assistir pela televisão ao lendário jogo entre Brasil e Hungria na Copa do Mundo de 1954 é certamente um dos pontos altos do livro, bem como o da notícia do suicídio de Getúlio Vargas.
Às vezes, entretanto, parece que simplesmente contar os seus anos na Itália não basta a Chico Buarque. O autor, em alguns momentos, insiste em nos fazer questionar se os casos contados ocorreram de fato ou se são pura invenção.
Na página 81, ele dá a chave para compreender o texto: “[...] meu papel de parede era a imitação de um muro de tijolos. Devido à umidade, o papel estava se soltando nas emendas, deixando entrever por baixo uma parede de tijolos verdadeiros. Meu sonhado livro de memórias poderia ser bem isso, um papel de parede reproduzindo o que ele ao mesmo tempo esconde”.
A analogia de Chico Buarque é perfeita, mas se aplica a todo e qualquer livro de memórias, se não ao fenômeno da memória em sentido geral. Ela é sempre “editada”, intencionalmente ou não, e feita também de esquecimentos, supressões e criações. Para usar outra analogia, é como se Chico Buarque estivesse tentando explicar a piada, minuciosamente.
Como leitor, penso que o valor de um texto deste tipo está mais na narração de uma boa história do que propriamente na correspondência do que é contado com a realidade. Afinal, a ficção também tem sempre muitas verdades a revelar. A insistência no tema “ficção versus realidade” parece desnecessária, e até um pouco receosa.
Nada disso, contudo, tira o mérito de Bambino a Roma, uma narrativa singela e prazerosa sobre a infância de um dos ícones da nossa cultura.
[facto curioso: comecei a lê-lo no voo para roma e li logo 57 páginas]
gostei, especialmente, por conseguir reconhecer com carinho o ambiente romano que Chico Buarque descreve. há coisas que não mudam, nem com o passar do tempo.
e as descrições retratam uma boa dose de “ingenuidade” e curiosidade, características típicas de uma criança.
estas foram algumas frases que acabei por deixar sublinhadas:
“havia aprendido as primeiras palavras em italiano: calcio, pallone, fuorigioco, và a fancullo, coisas de futebol.”
“Para a maioria deles eu era Francesco, pois talvez me imaginassem mezzo italiano”
“Aos domingos, em vez de ir a pé como todo mundo, eu percorria de bicicleta os duzentos metros até a igreja.”
“subimos a pé pela Villa Borghese até o Pincio, de onde se tinha a mais linda vista dos telhados, cúpulas e torres de Roma, especialmente na hora do tramonto, ou pôr do sol.”
“Agora, no verso do mapa de Roma, eu projetava minha cidade imaginária, que por acaso também era cortada por um rio com uma ilha no meio e tinha muitas praças com fontes, além de basílicas, arcos, muralhas e ruínas aqui e ali.”
“Diziam que era um arremedo de Roma, que era uma Roma invertida, mas eles não entendiam nada; eu estava impregnado de Roma, eu a recriava de dentro para fora.”
“Quando a cidade ficou pronta, enfiei-a no canudo e a dei de presente à minha irmã”
“meu velho projeto de escrever um livro de memórias romanas.”
“Vou simplesmente me deixando levar aonde eu queria”
“(…) não posso morrer sem vir mais uma vez a Roma.”
A poignant and evocative exploration of identity, culture, and the complexities of the human experience. Through the eyes of its young protagonist, the novel beautifully captures the tension between innocence and the harsh realities of the world
«Também pode ser que eu deixasse Roma sem fazer drama por pressentir que estaria de volta em dez, quinze anos no máximo. Realmente, retornei a Roma inúmeras vezes e, ontem como hoje, amo falar e ouvir a lingua italiana quase como se fosse a minha. No entanto, há sempre alguma coisa na cidade que me provoca um vago mal-estar. Eu saía por aí só e despreocupado por belas praças e ruas tantas vezes caminhadas, quando do nada, ao dobrar uma esquina, deparava com uma espécie de névoa que me envolvia e me acompanhava de volta ao hotel» p. 117
Há livros que guardam muitas artes nas suas páginas. Este é um deles. Páginas deliciosas, cheias de sensações, sons e atmosferas. E literatura claro, porque o Chico tem uma forma maravilhosa de escrever. Gostei muito do passeio das páginas finais.
O que falar de Chico que já não tenha sido dito, meu deus? Em poucas páginas as sensações de lembranças profundas de histórias da infância que quando vividas, são banais, mas que depois fazem todo sentido pra entender quem ele é. Tão simples e tão lindo. O final é uma faca no coração.
um sólido 3.5; de uma forma leve e divertida, Chico convida-nos a viajar consigo pelas ruas de Roma, de antes e de agora. Há qualquer coisa de melódico na escrita de Chico, o que surpreende um total de 0 pessoas.
delícia, amo livros assim. é engraçado e aí às vezes você esquece que essa criança é o chico buarque, até que ele vai aparecendo em coisas que você identifica. e fica mais engraçado. e nesse meio tempo vai se perguntando até que ponto aquilo aconteceu ou não...
eu realmente me peguei pensando nessa história de ficção... não sei como só fui parar pra pensar nisso agora rs. pra quem não tem memória e não tem diário é um pouco um alívio, mas precisa aprender a (se deixar) inventar.
Diziam que era um arremedo de Roma, que era uma Roma invertida, mas eles não entendiam nada; eu estava impregnado de Roma, eu a recriava de dentro para fora.
Esta é a minha primeira leitura de Chico Buarque. Neste pequeno livro, ele revive tempos passados em Roma, enquanto criança. As amizades, as aprendizagens e a descoberta de um novo local completamente diferente do seu dia a dia. Passados 60 anos, regressa e procura os locais que lhe foram queridos. Esta foi uma leitura ligeira mas com algumas expressões brasileiras que, apenas pelo contexto, consegui perceber o que significavam.
Livro oferecido na troca de prendas de Natal do #fixthecrimebookclub
Um livro maravilhoso que nos embala sem percebermos que as páginas vão passando nas nossas mãos. Quando leio Chico, é a voz dele que narra na minha cabeça e pensei muitas vezes na música João e Maria. Chico aquece sempre o meu coração, ele que nunca evita as partes mais crus e tristes.
"Achei melhor largar mão da ideia de um diário e deixar que o esquecimento fizesse o seu trabalho. No futuro a imaginação cobriria as lacunas da memória e os acontecimentos reais se revezariam com o que poderia ter acontecido."
Simples, direto e muito divertido. Foi bem legal passear por Roma e pela década de 1950 com um guia tão especial quanto o pré-adolescente Chico Buarque!
DEAR FRANCISCO YOU ARE CRAZY O pouco que li sobre Bambino a Roma, a mais recente ficção do Chico, é invariável. Jornalistas, resenhistas e entusiastas discutem se o relato dos anos primaveris na capital italiana é factual ou não, mesmo que seja para concluir que não importa. Ainda bem que alguns, ao menos, chegam a essa conclusão, porque senão estariam se igualando em tolice a Courtney Novak, a americana que anda repetindo uma discussão há muito ultrapassada, quer dizer, se Capitu traiu ou não traiu. E os memeiros pulam junto no precipício dos compartilhamentos. Prestei bem atenção, entretanto, foi na relação do moleque com suas empregadas, italianas buçudas e velhas que não lhe despertavam qualquer virilidade, e então Aparecida, a preta brasileira que fazia o melhor feijão-preto e cujo nome ele sequer tem certeza de ser esse mesmo. Ora, um branco, filho de intelectual, que não se lembra nem do nome da subalterna a quem ele, livre de qualquer pudor ou culpa, gostava de se mostrar pelado… Está certo que já lá vão 70 anos de memória para recordar, mas a gafe cheira a conjuntura mais cabeluda do que criancices e puberdades; fede a herança escravocrata. Chico Buarque está querendo pensar diferente do comum, que tal pensarmos diferente do comum com ele; está querendo, também, rir de nervoso, como costuma fazer, e isso podemos constatar em vários vídeos por aí, sobretudo quando conta uma história em que o mais ridículo é ele próprio. Nada tão risível, no ridículo da questão, quanto a nossa tragédia de há 524 anos pensarmos e até agirmos dentro de um sistema abominável e aliás abolido, conforme lei. Prestei atenção também no futebol, de que somos ambos muito torcedores, principalmente por causa do fanatismo e porque, além disso, nessa toada ele encaixa a explicação que precisou dar a um romano: os Santos da Copa de 1954, os laterais Djalma e Nilton, não eram irmãos, pois direito-preto um e esquerdo-branco o outro. Prestei atenção em muito mais, mas só vou escrever sobre outras maluquices em espaço com mais folga e onde o @chicobuarque possa me notar.
Inacreditável o nível de detalhe e, por mais que seja uma ficção, assim como todo livro dele, sabemos que uns 90% das coisas são reais.
Queria ter ido a Roma para reconhecer os caminhos que ele percorre. Quando ele fala de Paris consegui até visualizar as estações de metrô.
Outro ponto é que ele explora um pouco da relação dele com o pai dele que é algo que eu particularmente sou curiosa - e a verdade é que o Sergio Buarque parecia ser um péssimo pai.
Também gostei dele mostrando o lado dele que fez ele cursar arquitetura por alguns anos na FAU. E também do início da relação dele com a música.
Enfim, interessante ver esse lado da infância do Chico Buarque e como depois ele voltou à Roma agora mais velho e passou por todos os lugares que ele viveu. Bom livro, mas não chega aos pés de Budapeste
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é um bom livro para passar o tempo e ir lendo. tipo não o li seguido, e eu gostava de ler as vezes 3 ou 4 capítulos porque sentia que cada capítulo era uma mini história ou memória, mas n vou mentir as vezes tinha uns momentos meios perturbadores para uma criança pequena 😭 apanhou me de surpresa
Ler Bambino a Roma é como acompanhar alguém que se lança na aventura de visitar a própria memória e descobre que ela não é uma narrativa linear, mas um terreno esburacado, cheio de fragmentos, lapsos e imagens que emergem com mais força do que qualquer enredo organizado. Chico Buarque escolhe encenar o menino que foi. O resultado é uma colagem de lembranças que não obedecem à lógica da progressão, mas sim à espontaneidade do que se lembra e do que se esquece. Há uma cadência quase de improviso, como se o autor fosse anotando as memórias no mesmo ritmo em que surgem, sem se preocupar em amarrá-las num todo acabado.
Esse jogo entre o menino e o homem, entre a pequenez de quem chega a Roma cheio de espantos e a grandiosidade da cidade milenar que o envolve, cria uma tensão que percorre o livro. O narrador parece sempre menor que a cidade, que o tempo, que a própria literatura. Roma se impõe como cenário grandioso demais para um estudante estrangeiro; suas ruínas, igrejas e ruas carregadas de história esmagam a figura do “bambino” que tenta encontrar um lugar entre elas. Ao mesmo tempo, essa grandiosidade serve de contraste para a pequenez íntima de suas descobertas pessoais: os amigos, os encontros amorosos, os tropeços linguísticos, a vida de um brasileiro num espaço tão distante.
Ainda assim, Bambino a Roma não oferece personagens memoráveis além do próprio narrador. Todos os que passam pelo livro são sombras, lembranças tênues, mais nomes ou situações do que presenças vivas. Não há espaço para que se construam trajetórias paralelas ou se estabeleça uma densidade dramática fora da consciência do protagonista. Essa escolha estilística reforça a impressão de que se trata de um memorial íntimo, uma escrita voltada para dentro, que não se preocupa em dar carne a quem cruza seu caminho. O efeito pode ser fascinante para quem busca mergulhar na intimidade fragmentada de uma memória, mas também pode soar restrito, quase claustrofóbico, para quem espera encontrar personagens vivos e conflitos narrativos mais amplos.
O livro acaba funcionando como um retrato caótico de juventude privilegiada. Chico não esconde que foi um menino branco, vindo de uma família de classe alta, vivendo em Roma nos anos 1950, e isso, por si só, marca a narrativa. Suas agruras não são as da sobrevivência, mas as do pertencimento, da insegurança íntima, da tentativa de encontrar uma voz própria em meio a um cenário maior do que ele. Há, portanto, uma ambivalência: ao mesmo tempo em que revela fragilidades universais, o texto também está atravessado por um ponto de vista socialmente muito localizado.
Se a leitura não se sustenta para todos, talvez seja porque Bambino a Roma não pretende contar uma história no sentido clássico. Ele se parece mais com um caderno de memórias, uma tentativa de organizar lembranças quebradas como elas são, sem ordem, sem amarrações. O caos é o próprio estilo. A sensação é de acompanhar uma mente que vagueia, e que, ao vagar, tanto ilumina quanto frustra, pois nunca se entrega por inteiro.
Pessoalmente, ao fechar o livro, fiquei dividida entre dois sentimentos: de um lado, a admiração por ver como Chico Buarque expõe a fragilidade da memória e se coloca nesse lugar de “menino perdido em Roma”; de outro, a distância que se cria porque essa fragilidade é narrada a partir de um lugar seguro, protegido. Eu, leitora, não encontrei um ponto de afeto profundo com o narrador, faltou o choque, o risco, aquilo que me fizesse atravessar o texto junto com ele. Ainda assim, penso que esse é o valor do livro: ele não se oferece como grande romance, mas como espelho rachado de uma memória pessoal, e cabe a cada leitor decidir se esse reflexo toca ou não sua própria experiência.
Bambino a Roma de Chico Buarque. São Paulo: Companhia das Letras, 2024. 156p. Leitura de Setembro 2025.
O octogenário Francisco Buarque de Hollanda, a esta altura do campeonato, não deveria surpreender a mais ninguém com seu talento – sendo um exímio compositor, lindo cantor, sábio ficcionista, como surpreender a alguém mais do que já se fez e ainda faz? Contudo, Bambino a Roma, último romance do autor lançado pela Companhia das Letras, mostra que Chico Buarque ainda pode causar boas surpresas. Lançado em 2024, é uma espécie de autobiografia dos tempos de infância do autor na Itália, viagem realizada a convite da Universidade de Roma para Sérgio Buarque de Hollanda como professor da instituição. Os capítulos, curtos, promovem uma fluidez lírica de Chico, que me surpreendem com uma boa memória expressa – bom, é o necessário para um livro de memoirs, como é a intenção do autor – e um sutil senso de humor que pode soar inesperado para quem conhece o músico apenas pelas músicas sérias do tempo da ditadura militar. Quanto à memoria longeva do autor, me flagro pensando o quanto do conteúdo é verdadeiro e quanto do conteúdo é ficcional. Me encontro sempre nessa desconfiança graças a mitomania fluminense, típica dos sambistas como Buarque, mas a desconfiança nunca é pejorativa, muito pelo contrário!
O livro nos dá pistas do que Chico Buarque seria no decorrer dos anos, principalmente no que se diz a sua sonoridade dos anos 60. A viagem à Roma, inclusive, não foi a última, já que entre 1969 e 1970 o artista se autoexila na capital, junto de Marieta Severo, então esposa, e a primogênita das três filhas do casal. É interessante observar como funcionava a dinâmica da família Buarque de Hollanda, as passagens da relação Chico–Miúcha, que é uma das irmandades mais bonitas da música nacional, as memorias de uma infância travessa e até melancólica, a bicicleta, a bola de futebol, etc. Não é minha primeira leitura de Chico (o posto vai para uma edição de Budapeste furtada da biblioteca da minha escola, nos tempos de ensino médio), mas imagino, com certeza, que não será a última. É um bom livro, diverte, ensina e nos faz refletir. Promessa: Quando estivermos no mês de julho, dedicarei o sexto mês do ano todo ao bambino Buarque de Hollanda.
São deliciosas essas crônicas de Chico Buarque relatando situações divertidas dos dois anos que passou com sua família em Roma, quando tinha de 9 a 10 anos. Dá para perceber que Chico era o mais levado dos sete irmãos e que, desde aquela época, queria mesmo é ser escritor. Ele chegou como um estranho naquela cidade, não falava italiano, estudava em uma escola internacional basicamente para americanos, onde só se falava inglês, e não havia brasileiros por perto. Ainda assim, criou laços afetivos com Roma, pedalando por suas ruas e colinas com sua bicicleta vistosa e fazendo amigos locais com uma bola de futebol. O humor de Chico é sutil e há passagens que beiram o surreal. Pudera, aos 80 anos a memória mistura fatos com ficção, mas isso não importa. Conforme as crônicas vão se sucedendo, os assuntos vão ficando mais sérios e o menino Chico cada vez mais arrojado. Na hora de partir surge um sentimento misto de querer e não querer voltar para o Brasil, por razões bem difíceis de explicar. Já adulto, Chico nos conta que visitar Roma, falar e ouvir a língua italiana, lhe traz um grande prazer, mas há sempre um sentimento de nostalgia que ele não consegue definir. Não são saudades, mas as memórias nos transportam para lugares há muito tempo escondidos e desencadeiam um turbilhão de sensações ambíguas, como na visita na Roma de hoje ao apartamento da sua família. Chico nos transmite esses sentimentos com maestria, com sua escrita direta e concisa, ao estilo Hemingway, como lhe ensinaram naqueles tempos.
Um livro divertidinho, fofo mesmo. É daqueles que se lê em um voo ou em uma tarde sonolenta de um verão nos trópicos. São lembranças de quando Chico Buarque viveu em Roma quando seu pai, o historiador Sérgio Buarque, lá esteve para ser professor durante 2 anos na universidade local. Passados setenta anos dos fatos, Chico Buarque apresenta recordações de um passado que se foi há muito tempo. Ele um menino entre nove e dez anos conta das suas experiências com os nativos e com os colegas da escola americana. Bem escrito, sem dúvida. Uma leitura leve, daqueles que parecem um filme italiano nos anos 50. Tem até a atriz italiana voluptuosa da época, no caso Alida Valli, que não conhecia. Dá até para ouvir com uma trilha sonora. Sugiro a música do compositor Piero Piccioni, citado no livro. Os capítulos finais, que constituem uma espécie de epílogo, trazem o autor idoso, no tempo presente, voltando à Roma. Tem umas partes meio cafonas, nouveau riche. Poderia ter encerrado o livro com a volta da família ao Brasil. Dois trechinhos: “Eu, por exemplo, apesar da formação cristã, sou de má índole, vivo tendo ideias perversas, não raro desejo o mal ao próximo, daí que reconheci intimamente a alma tortuosa de Pio XII” (54) “Tantas vezes pensei em escrever um diário. Seria como um memento que me valeria no futuro, caso eu efetivamente me decidisse a relatar minhas experiências romanas” (83)
E o mistério continua. Já li todos os romances do Chico e posso afirmar que nenhum deles é brilhante. Alguns são bons, outros muito bons e tem uns dois que são bem ruins. Mas o Chico tem algo em sua escrita que é muito sedutor: o jogo de palavras, a carga poética, as personagens confusas e de personalidade dúbia etc.
Em todas as suas estórias, o autor trabalha um mesmo universo de sonho e realidade, desejo e concretude, claro e escuro… Há sempre uma dualidade. E noto que as questões da memória, da lembrança e da (provável) ilusão estão inseridas em todos os detalhes das tramas.
Em “Bambino a Roma” não havia de ser diferente. O escritor octogenário cria um quase romance, em que suas memórias de infância são misturadas intencionalmente com passagens inventadas e criam uma atmosfera onde o leitor não sabe o que é fato verídico e o que é simplesmente ficção.
A sacada do autor é muito boa, a leitura é leve e a leitura vale muito a pena pela poesia habitual que se tornou a marca registrada de Chico Buarque desde sua ascensão na década de 1960.
Portanto, o mistério continua. Apesar de não ser um escritor genial, por que motivos eu gosto tanto da obra literária de Chico Buarque? Ainda estou pensando no assunto e confesso que não vejo resposta satisfatória para a minha pergunta.
A really sweet and heartfelt collage of memories from a long lost childhood. As Buarque puts it near the end, the Rome he knew is gone, changed by the irreversible passage of time. The places are different, the people are no longer there and the narrator himself is much older. All that’s left are these diary-like anecdotes from a simpler and more innocent time, tales about school, friends, first loves and cycling through the eternal city, while glazing over some major events in both the Brazilian and Italian sociopolitical spheres.
In a way, this book reminds me a lot of Hemingway’s “A moveable feast”, a memoir of the author’s youth in 1920’s Paris. In both of them, the city is described as this lively and exciting metropolis, in which they both live the best years of their respective lives. Obviously the content of their memoirs isn’t really that similar so the comparison kind of ends there, but I nonetheless couldn’t recommend it more.
Short, sweet, funny and tender. An endearing glimpse into the life of such an iconic and seminal figure of the Brazilian art scene.
Chico resgata o período em que foi morar em Roma, ainda menino; ler suas reminiscências é também uma viagem. Naquele momento, prestes a se tornar estrangeiro e aprender uma nova língua e cultura, também estava entrando na puberdade. Acompanhamos seu interesse crescente pelas mulheres, a percepção das diferenças sociais, o gosto pelo futebol, pela musica e pela palavra escrita. Um menino curioso que acaba desistindo da vontade de fazer um diário: “Achei melhor largar mão da ideia de um diário e deixar que o esquecimento fizesse o seu trabalho. No futuro a imaginação cobriria as lacunas da memória e os acontecimentos reais se revezariam com o que poderia ter acontecido”. Aqui, fico imaginando o impacto dessas experiências no homem e me sinto mais próxima do poeta! Recomendo!!
Um livro de Chico Buarque com as suas memórias (ficcionadas) da sua infância em Roma.
Escrito de forma simples e directa, Chico relata a sua infância enquanto estrangeiro numa terra estranha, com uma língua estranha e pessoas estranha, falando das suas pequenas aventuras infantis, andando de bicicleta e conhecendo mulheres bonitas sem ainda compreender o efeito da sua beleza.
De certa forma este livro recorda-me a sua própria canção "Doze Anos", presente na sua obra "Ópera do Malandro", pelo que penso que o tema da memória, da recordação de infância, é um tema recorrente nos sentimentos do autor.
Um livro simples, mas de grande teor de entretenimento.
Quando eu era criança, por algum motivo, acreditava que o Chico Buarque era um amigo ou até mesmo um irmão mais velho. Minha mãe era fã e suas músicas era o que ouvíamos quando íamos de carro visitar algum parente que morava distante. Por um tempo não soube que ele escrevia e, acho que por isso, como alguém que descobre um segredo (que muitos já sabiam há muito tempo), quis devorar todos os livros que ele escreveu. E ainda é muito difícil, enquanto leio, imaginar que quem escreve é o mesmo cantor das músicas de viagens longas no carro. Acredito que o Chico Buarque dos livros é o verdadeiro e o das músicas é só os bombonzinhos que ele lançou pra fazer dinheiro.