Episódios de Fantasia & Violência, ensaio-poema autoteórico, estreou-se como leitura-performance em várias salas intimistas, entre Lisboa e Porto, e ganha aqui nova materialidade enquanto objecto-livro.
P. Feijó fala-nos de um mundo violento para com o que não é binário ou, em geral, não encaixa na experiência masculina dominante. Rememorando alguns episódios, tenta entender o papel e a natureza da fantasia pornográfica violenta, obscena, errada, e presta atenção ao corpo em metamorfose que incita a fantasia e a transformação noutros corpos. Esse processo contagioso de experimentação somática voluntária e involuntária é também uma monstruosidade que anuncia o fim deste mundo.
dois dos aspetos positivos de trabalhar numa livraria são: estar em constante com as novidades do mundo literário e ter acesso a uma data de livros. estes dois têm a outra face da moeda, porque de repente pode surgir aquela vontade incessável de comprar um livrinho ou dois 🤪. na última semana de agosto, a minha colega disse-me “tens de ler este livro” e passou-me para a mão. dei uma vista de olhos à edição belíssima da orfeu negro e comprei-o. no dia seguinte li-o para o #agostuga.
eu não sabia o quanto precisava deste livro. é um testemunho incrível sobre a violência, e a visão preconceituosa e binária no género. é um livro que luta pelo que não encaixa nos padrões de uma sociedade patriarcal e machista. senti uma voz carregada de sofrimento e injustiça. a autora reflete sobre vários episódios da sua vida onde a discriminação não teve limites. e como responder ao ódio? com ódio? com amor? dando a outra face? o que é isto de viver uma vida em que para o outro não se é digno - de viver, amar, ser amado, de desejar e ser desejado? e assim a autora vai fantasiando, repetindo na sua cabeça cenários de vingança para que estes se tornem realidade e finalmente sobreviva. não é a minha experiência e por isso não consigo imaginar este sentimento de desamparo.
senti que a partir do último terço/quarto do livro há uma mudança na voz. sente-se a violência, a raiva, mas já não é tão audível “digo-o com a calma do óbvio, num sussurrar que faz tremer as carnes. Não estou aqui nem para ser entendida nem para os combater. Estou cá de passagem, e devolvo-lhes, sem esforço, uma violência que já os permeava, mas que não esperavam sentir.”
há poucos ensaios em que eu tenha sentido tão bem concretizada uma viagem para dentro de outra identidade e uma reflexão tão iconoclasta sobre ser-se forçado a lutar para ter direito a existir, e continuar a lutar todos os dias para continuar a existir. grande leitura, dolorosa e violenta