«Os segredos das famílias. As mentiras, as histórias falsas, que dão origem a memórias falsas. Os grandes erros que alguém comete, e são pagos pelas gerações seguintes. Mesmo que se queira apagá-los, silenciá-los, estão lá. E voltam à superfície para serem pagos.»
TEOLINDA GERSÃO nasceu em 1940, em Coimbra. Licenciada em Filologia Germânica e Doutorada em Literatura Alemã, com a tese Alfred Döblin: indíviduo e natureza (1976), pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Foi Assistente na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Professora Catedrática da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Nova de Lisboa e Leitora de Português na Universidade de Berlim. Autora de vários trabalhos de crítica literária, recebeu duas vezes o prémio de ficção PEN Clube, atribuído ao seu livro de estreia, O Silêncio, em 1981, e ao romance O Cavalo de Sol, em 1989. Foi também galardoada com o Grande Prémio da Associação Portuguesa de Escritores em 1995 e, na Roménia, com o Prémio de Teatro Marele do Festival de Bucareste (adaptação da obra ao teatro) com o romance A Casa da Cabeça de Cavalo. Em maio de 2003, o seu livro Histórias de Ver e Andar foi galardoado com o Grande Prémio do Conto 2002 Camilo Castelo Branco, da Associação Portuguesa de Escritores. À edição inglesa de A árvore das palavras (The Word Tree, Dedalus, 2010) foi atribuído o Prémio de Tradução 2012. A ficção de Teolinda Gersão desenvolve, na escrita contemporânea, uma poética romanesca original, abrindo a narração, a que o respeito pelas categorias de espaço, tempo, personagens, intriga confere certa verosimilhança, a uma irradiação de sentidos que decorre de um metaforismo assumido de forma estrutural pela narrativa. Não que as personagens e as suas relações, os temas ou os seres se reduzam a um carácter alegórico: o que ressalta é que por detrás da "história" estão em conflito pulsões humanas universais, frequentemente centradas sobre a dinâmica dos opostos (homem/mulher, caos/cosmos, racionalidade/loucura, entre outros). A ilusão da transparência, obtida por uma ordem sintagmática nítida, pela simplicidade da frase, despojada de tudo o que é acessório, pela redução do número de personagens, pela simplificação da ação, confere, então, às suas narrativas o estatuto de uma escrita mítica, cujo objetivo não é a representação, mas o conhecimento. Ao mesmo tempo, cada uma das suas narrativas, desenvolvendo até à exaustão algumas metáforas centrais (o cavalo, o teclado, etc.), desfibra todo o tipo de alienação social e mental subjacente à rutura dos princípios de harmonia invisível e de unidade íntima do homem com o universo. Como a pianista (e a romancista) de Os Teclados, Teolinda Gersão, diante de um "mundo fragmentário" e "indiferente", onde "as pessoas não formavam comunidades e só havia valores de troca", um "mundo vazio", persiste em tentar desvendar enigmas, como se a escrita e a exigência de rigor fossem "a transcendência que restava": "Aceitar o nada, o mundo vazio. E apesar disso, pensou levantando-se e sentando-se no banco - apesar disso sentar-se e tocar."
Conheci a autora Teolinda Gersão numa das sessões da Viagem Literária da Porto Editora em 2016. Gostei da maneira como falava, das suas conversas, das suas histórias. Empatia à primeira vista. E decidi que iria ler alguns livros da autora. Queria conhecer a sua escrita.
Desconhecia totalmente esta história. Fui ao encontro do desconhecido. Ultimamente é assim que gosto de partir para uma leitura. Um romance sobre uma família contado a várias vozes. Gostei da estrutura. Permitiu-nos conhecer todos os pensamentos de cada personagem.
Uma história sobre a família, os segredos, as desilusões, as aventuras. Muito bem escrito, com algumas passagens hilariantes, mas com a brutalidade da vida real. Um livro sobre a nossa passagem pelo mundo. Uma reflexão em jeito de romance.
Perdi a conta de quantos livros li de Teolinda Gersão, guardo na memória Ulisses, Lisboa, os amores e desamores. Os cadernos Os contos Os romances A escrita Mas tb não esqueço as conversas na feira do livro, a simpatia e o sorriso
Passagens A morte de alguém querido As relações familiares, as histórias, as memórias, os segredos, as desventuras, as novas vidas que começam, a Vida, as gerações, A aceitação, o perdão e a culpa.
A morte de quem parte, a dor que se converte em saudades de quem fica. O Amor de Mãe, a entrega, a aprendizagem, o encontro com uma nova vida
Um livro redentor, o encontro na despedida, na última homenagem
Neste romance escutamos diversas vozes, as pessoas soltam-se através delas, reinventando-se, desculpando-se. É pela palavra que somos justificados.
Teolinda Gersão, com uma mestria inigualável, conduz-nos nesta celebração da vida, do destino, das probabilidades, do universo que um dia se tornou transparente, da nossa irredutível finitude. Tudo o que sabemos, tudo o que ainda iremos descobrir em nada alterará esse desígnio. No fim ou perto do fim, a peça (...) quase a terminar, Ana, num momento de paz, desabafa: Fechámos o livro do tempo. Acertei o que queria emendar nele.
Uma reflexão sobre a vida dos membros de uma família, de várias gerações, feita em formato de diálogo, as diversas personagens relatam os acontecimentos do passado ou do presente, conforme a conversação que decorre. Está dividido em três capítulos (o ponto de encontro, a noite e a cerimónia). O melhor é “a noite”. Os capítulos não têm continuidade, por isso, não sei se posso chamar o livro de romance; é sim, uma reflexão escrita com um estilo impecável em forma de diálogos.
Un dialogo tra personaggi che raccontano di una persona, Ana, ma anche di ogni essere umano e di ogni madre. A parte qualche piccolo momento in cui la trama incespica e i personaggi parlano in modo un po' troppo forzato (per quello do solo 4 stelle), questo libro meriterebbe di essere molto più conosciuto e letto.
Adorei certas partes, mas a estrutura do livro é tão confusa que me perdi muitas vezes. É certamente um estilo narrativo muito interessante, só não é a minha praia. As reflexões sobre a morte deram-me muito em que pensar.
Devo a Milan Kundera - A Arte do Romance - a atenção cruzada que concedo a duas aventuras paralelas do espírito ocidental, a filosofia moderna e o romance. Descartes e Cervantes são figuras seminais da cultura europeia e abriram o caminho a duas formas diferenciadas de interrogação sobre os seres humanos e a construção da sua subjectividade. Estas duas linhas têm tecido entre si um jogo, no qual se cruzam, transgredindo as fronteiras que na origem o filósofo francês e o romancista espanhol delinearam, e fazendo transbordar as águas de um dos rios para o leito do outro. Ao ler o novo romance de Teolinda Gersão, Passagens, é a evocação deste jogo cruzado na história da cultura ocidental que me vem de imediato à memória.
A estratégia da narrativa consiste em transportar o leitor para o pensamento de cada uma das personagens. A verdade de cada uma delas não é dada pela acção, o que mobilizaria os corpos, mas pela e na consciência que não se manifesta no espaço público, mas se encontra encerrada em si mesma. O fluxo da consciência - o pensamento - é então o lugar de veridicção, o sítio onde a verdade de uma família e dos seus membros - vivos e mortos - se revela. E aqui estamos numa das linhas de transgressão do campo do romance em direcção ao da filosofia. Vale a pena citar Descartes: por isso, compreendi que era uma substância, cuja essência ou natureza é unicamente pensar e que, para existir, não precisa de nenhum lugar nem depende de coisa alguma material. De maneira que esse eu, isto é, a alma pela qual sou o que sou, é inteiramente distinta do corpo, e até mais fácil de conhecer do que ele, e ainda que este não existisse, ela não deixaria de ser tudo o que é ( Descartes, Discurso do Método, Quarta Parte). Também em Descartes o pensamento (o cogito) é o lugar onde a verdade se revela na evidência. Um dos eixos estruturais do romance de Teolinda Gersão será então o do pensamento recolhido em si mesmo como lugar de passagem para a verdade, e esta será uma das duas passagens estruturantes de todas as outras passagens...
Longe de ser excelente. A fórmula aplicada até à exaustão cansa e só funciona bem no capítulo do meio (Noite). No primeiro (Ponto de encontro) há muito pouco que não seja uma estopada e o último (A cerimónia) é uma colecção de arremessos banais. O verdadeiro murro no estômago está na "Noite" e o material potencial que ali se encontra é desaproveitado no resto do livro.