João José Mariano Serrão foi um republicano convicto que contribuiu decisivamente para a elevação de Estremoz a cidade e o seu posterior desenvolvimento. Solteiro, generoso e empreendedor como poucos, abriu lojas, cafés e uma oficina, trouxe a electricidade às ruas sombrias e criou um rancho de sobrinhos a quem deu um lar e um futuro. É em torno deste homem determinado, mas também secreto e contido, que giram as cinco vozes que nos guiam ao longo destas páginas, numa viagem que é a um tempo pessoal e colectiva, porque não raro as estórias dos narradores se cruzam com momentos-chave da história portuguesa. Assim conheceremos um adolescente que espreitava mulheres nuas e ria nos momentos menos oportunos; a noiva cujos olhos azuis guardavam um terrível segredo; um jovem apaixonado pela melhor amiga que vê a vida subitamente atravessada por uma tragédia; a mãe que experimentou o escândalo e chora a partida do filho para a guerra; e ainda a prostituta que escondia documentos comprometedores na sua alcova e recusou casar-se com o homem que a amava. Por fim, quando estas vozes se calam, é tempo de ouvirmos o protagonista através de um diário escrito noutras latitudes e ressuscitado das cinzas muitos anos mais tarde. Baseado em factos reais, Uma Outra Voz é uma ficção que nos oferece uma multiplicidade de olhares sobre a mesma paisagem, urdindo a história de uma família ao longo de um século através das revelações de cada um dos seus membros, numa interessante teia de complementaridade.
Gabriela Ruivo Trindade (Lisboa, 1970) formou-se em Psicologia e trabalhou como psicóloga e formadora profissional até 1999. Venceu o prémio LeYa com o seu primeiro romance, UMA OUTRA VOZ, distinguido posteriormente com o prémio PEN Clube Português Primeira Obra, e publicado no Brasil em 2018 (LeYa - Casa da Palavra). Um excerto de UMA OUTRA VOZ, traduzido para inglês por Andrew McDougall, foi publicado na 24ª edição da revista YOUR IMPOSSIBLE VOICE (2021). Publicou o conto infantil A VACA LEITORA (D. Quixote, 2016), AVES MIGRATÓRIAS (poesia, On y va, 2019) e ESPÉCIES PROTEGIDAS (contos, On y va, 2021), para além de contribuições em várias antologias de poesia e conto. A co-tradução inglesa do conto O SÍTIO DOS MORTOS-VIVOS (Espécies Protegias, On y va), da sua autoria e de Victor Meadowcroft, foi publicada no blogue da revista Asymptote em 2022. É presidente do Conselho Cultural da AILD (Associação Internacional dos Lusodescendentes) no Reino Unido, co-fundadora do PinT (Portuguese in Translation) Book Club (www.pintbookclub.com) e Mapas do Confinamento (www.mapasdoconfinamento.com), um projecto cultural que reúne mais de uma centena de artistas de língua portuguesa. Dirige a Miúda Children's Books in Portuguese, uma livraria online especializada em literatura infantil escrita em português (www.miudabooks.co.uk).Traduziu A CABANA DO TIO TOM, de Harriet Beecher Stowe (Sibila Publicações, 2020). Publicou, em edição de autor, UMA MULHER DE PALAVRA (poesia, 2022).
Gabriela Ruivo Trindade (Lisbon, 1970) graduated in Psychology and worked as a psychologist and professional trainer until 1999. She lives in London since 2004. Her first novel, UMA OUTRA VOZ, was awarded the Prémio LeYa, the Prémio PEN Clube Português Primeira Obra, and published in Brazil in 2018. An English translation excerpt of UMA OUTRA VOZ, by Andrew McDougall, was published in the 24th issue of YOUR IMPOSSIBLE VOICE magazine in 2021. She published the children's book A VACA LEITORA (D. Quixote, 2016), AVES MIGRATÓRIAS (poetry, On y va, 2019), and ESPÉCIES PROTEGIDAS (short stories, On y va, 2021), as well as a number of contributions to poetry and short stories collections. The English co-translation of O SÍTIO DOS MORTOS VIVOS, by Victor Meadowcroft and herself, was published in 2022 in the Asymptote Blog. She is chair of the UK Cultural Team at AILD (International Association for Lusodescendants), co-founder of PinT (Portuguese in Translation) Book Club (www.pintbookclub.com) and Mapas do Confinamento (www.mapasdoconfinamento.com), a cultural project by over a hundred Portuguese-language artists. She manages Miúda Children's Books, an online bookshop based in London dedicated to children's literature written in Portuguese (www.miudabooks.co.uk). She translated Uncle Tom's Cabin (Harriet Beecher Stowe) into Portuguese (A CABANA DO TIO TOM, Sibila Publicações, 2020). In 2022 she published the poetry collection UMA MULHER DE PALAVRA as an author's edition.
Neste momento, com livros a acumularem-se de uma forma assoberbante, opto por ser impiedosa com leituras que não me agarrem logo no início ou que, já a meio, me dêem a entender que serão simplesmente medianas, como por exemplo este “Uma outra voz”. Sei que há muita gente que gostaria que a história da sua família virasse livro, sobretudo se ela acompanha a história local, nacional ou mesmo internacional, mas não basta deitá-la para o papel, mesmo que se tenha optado por uma estrutura mais elaborada, porque depois falta o golpe de asa. “Uma outra voz” não tem nada de dramaticamente errado, mas não é, mais uma vez, um livro que mereça um dos prémios mais sonantes do mercado editorial português, porque escolher cinco vozes distintas em tempos diferentes para narrar sempre na primeira pessoa do singular exigiria uma competência que Gabriela Ruivo Trindade não possui. É um livro bem pensado, mas não brilha o suficiente para o terminar.
Uma história contada a cinco vozes que aborda episódios marcantes do nosso passado recente - a implantação da República, o regime salazarista e a sua queda - é, à partida, um bom cartão de visita. Temo que tenha ficado pelas boas intenções. As vozes, de diferentes personagens - masculinas e femininas - em diferentes estados das suas vidas e em pontos distintos na linha cronológica, são todas muito semelhantes. Todas partem do presente mas rapidamente se deixam inundar por memórias que as levam, de forma um pouco óbvia e atabalhoada, ao que realmente se quer contar: o passado. Parece demasiado forçado que se recorra sempre ao registo confessional que acaba, muitas vezes, num registo quase epistolar. Pior do que isso é a crescente desgraceira, cada um mais miserável do que o anterior puxando a si o espírito melodramático dos portugueses. O diário final, da personagem central deste romance, seria perfeito se criasse no leitor a dúvida de poder ser verídico. Descartei essa hipótese por achar que, em 1930, um homem de setenta anos, determinado, destemido e trazendo às costas um passado revolucionário, não escreveria daquela forma nem exclusivamente sobre aquela temática. Ficam as descrições bonitas de um meio rural, das tradições de uma família numerosa e de tempos de mudança que precisam de ser recordados com maior frequência. Fora isso, fico com a sensação que este livro não traz nada de novo. Está bem escrito mas lê-lo pouca diferença fará na vida do leitor.
Gosto muito de livros não-lineares. Todas as vozes deste livro contam-nos histórias de vidas que fazem a história de uma família. Foi um verdadeiro prazer perder-me nestas vozes e, passo a sugestão, daria uma estupenda adaptação ao grande ecrã.
Talvez possa começar por dizer que este não foi o primeiro livro vencedor do prémio Leya que li... Os outros foram O Meu Irmão de Afonso Reis Cabral e O Teu Rosto Será o Último de João Ricardo Pedro e a verdade é que esses livros que ganharam o prémio ficaram sempre aquém das minhas expectativas... Vencer prémios não afere a qualidade de uma obra, mas à partida, é de crer que o vencedor de um prémio tem o mérito literário de o receber...
Quanto a este livro, nem sei bem o que dizer... Não quero ser obviamente injusto para com a autora, pois a leitura até é bastante fluida e sem dúvida que ela o estruturou bem. Isso é um factor a seu favor, obviamente... E no entanto... Por outro lado, o facto de ser demasiado “certinho” acabou por me dar uma certa sensação de artificialidade que preferia não ter sentido... Depois… Devo dizer que não compreendo por que razão se vende este livro como a história de vida de um tal de João José Mariano Serrão. Apenas os dois últimos capítulos se debruçam mais pormenorizadamente sobre ele (e, mesmo assim, o primeiro desses capítulos não o destaca logo à partida nem de forma declarada). Sim, o ti Mariano é referido aqui ou ali, ao acompanharmos os pensamentos das primeiras 4 vozes, mas nesses primeiros capítulos ele é secundário, praticamente não se diz nada sobre ele… Tanto poderia ser o ti Mariano, como outro ti qualquer…. Apenas no capítulo referente a Ana é que ficamos a saber um pouco mais sobre Mariano. A autora terá querido aproveitar várias histórias de família, mas na minha opinião, não soube de todo equilibrá-las, dar mais ênfase nas outras vozes àquela que é a personagem que supostamente quis "biografar". A tal ponto que, na minha opinião, a terceira voz não se enquadra de todo no restante alinhamento… Nem consegui perceber muito bem qual o objectivo desse capítulo no meio dos outros…
Enfim... E voltando ao início do comentário, estes livros ficam sempre um pouco aquém das minhas expectativas, e tenho imensa pena. Gabriela Ruivo Trindade escreve bem, mas para ser sincero (e infelizmente o digo), este livro não me vai deixar nenhuma marca...
Estava realmente à espera de mais deste livro. Parece que as personagens com escolaridade e sem ela não se distinguem pois parecem falar/escrever todas da mesma maneira com as mesmas expressões...Parece uma única personagem...
Este é o segundo vencedor do Prémio Leya que li para o Clube de Leitura de Braga (o primeiro foi "O Teu Rosto Será o Último") e já começo a ver um padrão. Nada de surpresas aí. Mas, confesso que gostei mais deste da Gabriela Ruivo Trindade.
Este livro está contado a 6 vozes, com cinco histórias distintas que acabam por estar interligadas numa sexta. Não são cem anos de história, como o trailer quer fazer acreditar, porque na verdade são só três gerações (embora sejam 6 vozes), mas anda lá perto.
A primeira voz é de um rapaz de 15 anos que os introduz à família mas que, infelizmente, está retratado como um miúdo de 10 anos. Naquele tempo eu duvido que um rapaz de 15 anos fosse tão imaturo e falasse daquela maneira. Especialmente um que queria tornar-se médico. Caramba, eu, que sou de uma geração recente, aos 15 anos não falava assim, quanto mais antes do 25 de Abril. Com 15 anos já eram adultos. Mas, tirando essa imaturidade, ele acaba por ser a persoangem perfeita para introduzir o leitor na história. A segunda voz foi, para mim, a menos marcante. Não fosse a revelação do padre, e parece-me praticamente inconsequente. A terceira está lá para falar do 25 de Abril e pouco mais. Não me liguei particularmente com o narrador e achei que a narração dos eventos poderia ser mais emotiva, mais vibrante. A quarta voz é uma das mais esclarecedoras e uma das que mais gostei. Desvenda muitos dos mistérios colocados nos relatos anteriores e a narradora é das mais ricas. A quinta e última voz (na verdade não é a última) é, sem dúvida, a mais marcante, mas também a mais frustrante. Ana foi, ao mesmo tempo, a personagem mais forte e a mais irascível de todo o livro. Ou não fosse a sua teimosia e falta de auto-estima factor de irritação. Mas, claro, não podia ser de outra maneira, para a história terminar como terminou.
Gostei da forma como a autora usou esta narradora para desvendar mais perguntas levantadas pelos anteriores e como, no fim de contas, tudo ficou mais ou menos esclarecido. No entanto também achei que a Ana foi a mais estereotipada de todas as narradoras. Isto porque a descrição da sua vida como prostituta é muito ... corriqueira. Parece mesmo ficcional. Não há autenticidade.
Por fim, os excertos do diário do Ti Mariano, que acabam por ser a sexta voz, são uma boa adição, mas a voz é muito semelhante ao resto do livro. Teria sido imensamente mais interessante se fosse um diário real, e não algo mais inventado.
Dito isto, eu detectei algumas inconsistências na narrativa: - Na quarta voz houuve uma cena em que o filho de uma das mulheres 'da vida' morria e elas iam ao Padre pedir uma missa, mas ele ficou relutante e só aceitou depois do Ti Mariano intervir. Isto não faz sentido, tendo em conta que na quinta voz nos é dado a saber que o padre, não só é simpatizante destas mulheres, como as respeita. - No Anexo 2 é referido que Constantino Barbosa regressou depois do exílio, antes de morrer e deixar a sua herança ao Ti mariano, coisa que não aconteceu no relato da Ana.
Quanto à escrita, acho que a autora conseguiu dar voz própria a cada uma das personagens e dotá-las de independência. Contudo nota-se uma maior facilidade e genuinidade nas narradoras femininas. Eu teria, no entanto, gostado mais deste livro se fosse possível saber o que é efectivamente real e o que é fictício. Este livro tenta ser real mas, de alguma forma, não convence totalmente.
Em suma, Uma Outra Voz é um livro agradável, com personagens interessantes e que é contado de uma forma dinâmica que dá mais valor à história, do que teria se fosse narrado numa só voz. Não é um livro surpreendente e acaba por estar muito na linha dos aclamados romances portugueses que se passam em tempos inglórios, no interior de Portugal e que se fixam numa história familiar. Enfim, na sua essência acaba por ser mais do mesmo mas a narração está bem conseguida e é um livro que se lê muito bem.
Nots da Edição: A capa é muito semelhante ás outras dos Prémios Leya mas consegue igualmente passar um pouco da história contida no livro. A inclusão das fotos no interior, foi uma boa adição, embora o facto de serem fotos de uma época que não é retratada no livro, seja uma menos-valia.
João José Mariano Serrão é um personagem com ideias republicanas fortes, inspirado num familiar da autora e que teve um papel preponderante na cidade de Estremoz. O que Gabriela Ruivo Trindade nos pretende mostrar é o Ti Mariano pelos olhos dos outros e pelas vozes, mais precisamente cinco, de pessoas que conviveram com ele! Por fim, é-nos apresentada a voz dele, através de páginas de diário.
Depois do primeiro capitulo, ou do primeiro relato lido, aquilo que mais me ficou no olho foi a escrita. Cuidada, sem ser exageradamente rebuscada, profunda mas aos mesmo tempo descontraída. O livro tem um carácter depressivo que pode não cair bem a todos os leitores, mas isso tem a ver com ser uma alma portuguesa a escrever. Quem lê este livro com a capa tapada apercebe-se que é alguém com o fado nos dedos.
Apesar de tecnicamente o livro ser centrado num personagem há muita história paralela contada naqueles relatos todos. Aliás, dentro de relatos do Zé, da Lídia ou da mãe do Zé, há pedaços mais da vida deles do que do Ti Mariano. O que é bom, seria demasiado repetitivo tudo à volta da mesma personagem.
É um livro baseado em pessoas e acontecimento reais, com um cheirinho de romance histórico. Não há grandes momentos de diálogo, há, na maioria das vezes, textos corridos que nos vão transportando para diferentes momentos do tempo e dando-nos a visão de diferentes ângulos. Não é um livro que agradará a todos, mas foi um prémio bem atribuído e pelo que li, merecido. Esperam-se, apenas, novos trabalhos da autora.
Tenho uma queda especial por livros que contem histórias sobre Portugal. Acho que não há obras suficientes que nos elucidem sobre as pessoas, as culturas e mentalidades, pelo menos fora das grandes cidades. Esta é, sem dúvida, uma história que me conquistou por desvendar um pouco de tudo isso, pela riqueza e fidelidade das "vozes", ao longo de várias décadas. É como tentar desembaraçar um emaranhado de narrativas pessoais, tentar perceber o que as une, tentar encaixar várias peças de puzzles que, sendo diferentes, formam um belo painel. A diversidade enriquece-as, tal como os seus "cruzamentos". Enquanto leitora, andei sempre à procura de um sentido para elas. Senti-me (como a autora se deve ter sentido) uma criança à descoberta das histórias da sua família que, apesar de encobrirem segredos às vezes incómodos ou apenas dolorosos, nos fascinam como um legado heróico das gerações que nos antecederam. Apesar das mágoas destas vozes, acho que este é um livro muito feliz - ao contrário do que costumo sentir depois de ler livros de muitos autores portugueses.
Há muito que fiquei cativa de boas estórias em que aprendo mais sobre a nossa história e reflito sobre a nossa forma simples de estar na vida. Apesar disso, abri este livro sem grande motivação e deparei com uma árvore genealógica, o que acho piada e ao qual sei que irei recorrer durante a leitura para perceber quem é quem.
Incrédula e impressionada fiquei com a primeira voz mas não saberia escolher de qual mais gostei. Todas foram firmes e admiráveis em narrativas apaixonantes que li com fervor. Senti-me testemunha do fluxo daquelas vidas em Estremoz, que gostaria de ter conhecido, de verdade, e não apenas na ficção. Um século de vida. E que vida viveu aquela família?! Amaram, temeram, sofreram e lutaram. Vingaram.
Infelizmente, este livro não é meu, mas vou ter que o adquirir. Tomara, que seja mais divulgado porque é maravilhoso.
Que surpresa deliciosa! Não estava a espera de gostar tanto, confesso, mas as personagens prenderam me desde o início. A escrita é leve e muito bonita, os pormenores históricos são muito interessantes. Recomendo.
3,5* Uma história que parte de uma personagem real, importante no desenvolvimento de Estremoz no sec. XX contada a 5 vozes numa escrita cuidada e cristalina. Uma autora que desconhecia mas que recomendo a escrita
Gostei muito. A forma como se escreve cada uma das vozes, como nos prende a história e mostra a versao e perspetiva de cada pessoa que escreve. Espetacular! Só tenho pena de não ter lido antes.
Sinceramente, fiquei um pouco desiludida com esta obra. A culpa é em grande parte minha, como sempre, porque nunca tinha lido um prémio Leya, fiquei com as expectativas elevadas graças ao mediatismo de que o livro e o próprio prémio se revestem e também porque me tinha sido bem recomendado. A leitura do livro é fácil, corrida e bastante acessível. tão acessível que poderia ser lido na praia, já que não se presta a grandes reflexões. O conceito original de cruzar as vozes da história não sei se o torna desconexo, se o enriquece - acho que em diferentes momentos serve diferentes funções. Confesso que não percebi o porquê da terceira voz, pareceu-me a única caída de paraquedas na história da família que, noutras vozes, encaixa melhor. Fiquei particularmente intrigada com o pormenor do bordel de Estremoz onde nos anos 40/50 se bebia champanhe (!!!) e cuja descrição do dia a dia me fez lembrar demasiado "Eva Luna" e os respectivos diários. Mas que sei eu... Em contrapartida, gostei deste parágrafo que destaco abaixo: "Os verdadeiros cobardes escondem o medo sob uma carapaça de coragem e ousadia. Por fora são pessoas determinadas e empreendedoras que possuem o poder de arrastar multidões em acções grandiosas, mas isso é apenas uma forma de negarem o vazio que os corrói por dentro. Precisam de conduzir rebanhos porque não sabem para onde vão e a caminhada para o desconhecido é muito mais fácil acompanhados, pois assim criam a ilusão de estar a lutar por um objectivo comum. E, por muito que este objectivo acabe por desenhar-se nitidamente no horizonte, eles sabem que não passa de uma miragem no deserto." (p. 304-305) Ainda bem que graças às diferentes promoções e descontos, este livro não me custou mais de 7€. É que 100 mil não me parece que valha, certamente.
Uma Outra Voz é o primeiro romance de Gabriela Ruivo Trindade e foi o livro vencedor do prémio Leya 2013.
Gostei muito deste livro, achei muito bem escrito, bem estruturado e muito original a forma idealizada pela autora para contar a história ficcional de João José Mariano Serrão (história baseada na da família da própria autora).
Cada capítulo deste livro é escrito na voz de uma personagem diferente, sendo que cada personagem pertence a uma geração diferente e está numa época diferente. Cada capítulo é a peça de um puzzle, que nos leva a descobrir, não só a história do personagem principal, como a história de uma família e muito subtilmente de Portugal.
Um romance a várias vozes, cada uma narrando uma história pessoal, todas encadeadas a partir da mudança de protagonista, ou de uma morte ou de outra perda qualquer. Cada nova voz surge quando a outra se cala para sempre. A vida que deixamos por viver carrega uma dor que se transmite. As vozes dão-lhe expressão, corpo e alimentam a narrativa deste romance numa estrutura invulgar tecida com inegável sensibilidade.
Uma Outra Voz is a highly original, innovative and rich work of literary fiction. Its clever blend of the collective and the individual – the family story and the personal story, the history of a nation and the lives of ordinary people – ensures that it is compelling, relatable and deeply human. It is a strength of the book that each voice is at once self-contained and important to the novel as a whole. They have their own separate identities, but through each is woven the thread that binds the novel together and only read as a set do we see the full picture. Running themes, stories and intrigues crop up across the different voices and we are given different perspectives on certain events. As we proceed, we can put together the pieces of the overall puzzle and come to understand that it takes many voices to tell a story.
Uma empreitada meritória: a de recordar um democrata e republicano e a de o homenagear. A ideia da narrativa é muito interessante e chega a ser empolgante. Com um “porém”: as “confissões” românticas e as descrições das cenas de amor são muito pobres e chegam a roçar a banalidade e até o ridículo. Este aparatoso estampanço não chega para retirar interesse ao romance… felizmente!
Um romance contado a várias vozes muito semelhante a outros que venceram o prémio LEYA, que remete à época da ditadura. Lê-se bem, segue-se bem a história, mas não é o meu estilo preferido de romance...
Uma espécie de biografia ficcionada, com uma cronologia reversa. A cada "voz", recuamos no tempo, para começar uma nova perspectiva. Um livro com partes distintas, daria 5 à segunda metade, 3 ou 4 à primeira. Ainda assim, uma boa leitura.
3,5* Uma história que parte de uma personagem real, importante no desenvolvimento de Estremoz no sec. XX contada a 5 vozes numa escrita cuidada e cristalina. Uma autora que desconhecia mas que recomendo a escrita
Não sei quanto tempo passou, mas estaremos a falar de três, quatro anos. Da leitura inicial de “Uma Outra Voz” tinham ficado as memórias de uma escrita cuidada e visualmente muito rica sobre o passado de uma família na pacatez de uma cidade Alentejana. Tinham ficado também as várias vozes que, em tempos diferentes, ofereciam uma multiplicidade de olhares sobre uma só paisagem, o real e a ficção amarrados num só. Finalmente, tinha ficado a certeza de que haveria de voltar a este livro, com outro conhecimento e outra disponibilidade, que isto de ler é ofício que cresce e se aprende. A oportunidade surgiu agora, como um desejo forte, uma quase necessidade, a percepção de que a grande história em torno da figura tutelar de João Francisco Carreço Simões (Ti Carreço) se revelaria mais viva e pujante, a convicção de que as pequenas histórias se imporiam com uma força e uma riqueza que não lhes adivinhara antes.
Começando por estas últimas, nelas descobrimos, desde logo, uma homenagem sincera e sentida a Estremoz, cidade da qual são oriundos os pais da autora e onde vive, ainda, grande parte da sua numerosa família. O Café Alentejano ou o Águias d’Ouro, o Teatro Bernardim Ribeiro, a Papelaria Tabaqueira ou a Filarmónica Artística Estremocense não são aqui meros ecos do passado. Atravessaram fomes e farturas, monarquias e repúblicas, ditaduras e revoluções, preservando uma aura que os eleva à categoria de símbolos, marcas vivas de uma cidade que se faz presente neste livro. A grande literatura insinua-se também nas pequenas histórias, quer fazendo de Sebastião da Gama uma das personagens do livro ao evocar a sua passagem pela Escola Industrial de Estremoz onde leccionou Português, quer nos breves apontamentos que remetem para a poesia de Álvaro de Campos ou de Cecília Meireles, quer ainda na forma como faz da Livraria Ulmeiro (e do Zé Ribeiro) um farol na longa noite do fascismo.
Finalmente a grande história, rematada em forma de diário pelo próprio João Francisco Carreço Simões, durante o seu exílio voluntário em Angola, nos alvores do Estado Novo. Escritas com o coração, as várias entradas respondem ao momento alto do livro, a “quinta e última voz”, a dessa mulher que nunca foi menina, corpo que a todos se deu, cabeça e coração em lados opostos, lágrimas de fel bebidas por um amor que nunca se permitiu inteiro e pleno. Numa escrita expressiva, feita de emoção e arrebatamento, Gabriela Ruivo Trindade faz-nos regressar à grande literatura romântica, levando-nos a recuperar o prazer sentido nas palavras de Garrett, Camilo ou Júlio Dinis. Importa dizer que o livro não é todo ele assim, absorvente e belo – sobretudo a “terceira voz”, a de Jorge Falcato, parece “fora da caixa” face ao conjunto de vozes que aqui se escutam -, mas as palavras que os dois amantes se dirigem e que ocupam o último terço do livro valem pelo todo.
Uma incrível história de amor, e de vida, no Portugal do início do século XX, narrada por diferentes vozes. Soberbo!! “Agarra-nos” do princípio ao fim.
Outra autora que desconhecia e outro livro que concluo como um favorito. Percorrer alfarrabistas e descobrir estes pequenos tesouros a preços simbólicos é das melhores coisas que pode acontecer. Um desconhecido que se torna um favorito. Trata-se de um livro que não segue um formato linear. O ideal é fazer o que eu fiz: ignorar a sinopse na contra-capa e seguir à descoberta da história sem ideias pré-concebidas. Cada capitulo corresponde a uma voz que nos conta a sua história dentro de uma família. A sensação que temos é que a cada voz temos uma personagem principal e ficamos totalmente imersos nessa sua intimidade, memórias, feitos e contexto. À segunda voz que nos fala, percebemos que há um homem que aparece recorrentemente nesses testemunhos: João José Mariano. Sob a figura de um tio, tio-avô, irmão ou amante, temos vislumbres dessa personagem entre esse coro de vozes. Creio que a mestria da autora prende-se com o facto de nos fazer sentir que as personagens secundárias são tão importantes quanto a personagem central, essa que vamos conhecendo aos poucos, por entre fragmentos e perspectivas diferentes e à qual só teremos acesso como um todo e na primeira pessoa, mesmo no final. Gostei desta forma atípica de nos dar o herói do livro. Apreciei o facto de que cada voz em cada capitulo me soasse sempre diferente e distinta daí nos sentirmos tão investidos na história de cada elemento.
Encontramos poucos diálogos neste livro sendo que cada voz se expressa em fluxo de consciência, num formato intimo de quase testemunho ou confissão. Ainda assim, cada voz tem a sua história fortemente contextualizada em épocas de grande relevância em Portugal o que confere um toque realista a esta narrativa. Aliás, esta é uma ficção baseada, efectivamente, numa pessoa real da família da autora. Outro aspecto a a exaltar são os maravilhosos regionalismos das personagens. Uma família alentejana com os seus termos especiais, rituais, costumes e maneirismos enraizados que tornam as personagens maravilhosas. Um livro que deixa saudades imediatamente após a ultima página ter sido virada.