Se é verdade que lhes conhecemos os livros, nem sempre conhecemos as histórias que os guiaram no processo de escrita, o seu trajecto de vida, os momentos fulcrais da formação da sua identidade literária, os episódios que desencadearam certas narrativas, as aspirações que acalentam, os desânimos que enfrentam, as peripécias do seu quotidiano. Ao longo destas Conversas com escritores, entramos no espaço restrito de autores incontornáveis da literatura contemporânea. Um livro que promove o encontro com escritores venerados, intrigantes, polémicos, alguns já desaparecidos, e que nos leva à descoberta dos seus livros e da sua face mais íntima.
«Sempre que há uma entrevista, pelo menos duas pessoas expõem-se com responsabilidades e expectativas distintas, mas tendo por base a confiança inerente a uma espécie de pacto. Quem pergunta expõe-se nas perguntas que escolhe fazer. Quem responde quer ser fiel a uma espécie de persona pública […], e espera que aquilo que disser não seja tirado do seu contexto. E, claro, quer acreditar que sempre que pedir um off ele será respeitado.»
Isabel Lucas tem formação em Comunicação Social pela Universidade Nova de Lisboa. Jornalista e crítica literária, escreve regularmente no jornal Público e colabora com várias publicações, sobretudo nas áreas de cultura e viagens. Ao longo dos últimos cinco anos, tem vivido entre Lisboa e Nova Iorque. É autora do livro Conversas com Vicente Jorge Silva (Temas e Debates, 2013). Viagem ao sonho americano resulta de um périplo pela América, a partir da sua literatura, vertido em reportagens publicadas ao longo de um ano no jornal Público.
Muito interessante ler estas entrevistas e conhecer os autores de grandes obras numa outra perspetiva. Fiquei com vontade de conhecer os trabalhos de uns, outros nem tanto, mas gostei mesmo deste registo! Leria mais volumes, sem qualquer dúvida.
Julgo que é o cérebro de Einstein que está guardado num frasco, de modos a ser aberto de quando em quando pelos cientistas, na tentativa de perceber de onde lhe veio o génio. Há sempre quem encontre mais neurónios, ou sinapses mais densas, mas a verdade é que nada de concreto tem saído dessas mensurações. O mistério prevalece. Se abrirmos um escritor ao meio o mais provável é não termos melhores resultados. A escrita é um acto de encantamento e vive de esconder as regras tanto quanto a prestidigitação. Mesmo quando o tema é a própria escrita e os escritores se põem a escrever sobre si mesmos: outra máscara, outra forma de nos enganar. Até porque, diga-se de passagem, nem os próprios sabem bem como chegam ao que chegam, por mais consciência que tenham das técnicas, dos truques e dos hábitos. Neste sentido, a entrevista pode ser um modo de apanhar o génio desprevenido: lemos as palavras que escolheu para se contar a si mesmo, num ambiente propício e frequentemente sob o pretexto de divulgar a obra mais recente, mas a verdade é que haver outro a fazer perguntas introduz um elemento de surpresa que é sempre revelador - nessa presença, que não pode ser o centro e tem de simular sempre o paradoxo de uma neutralidade instigadora, é que opera o talento de quem entrevista, preparando as armadilhas, dispondo-as no terreno e depois reconstruindo a captura numa narrativa que tem ao mesmo tempo de ser fiel ao entrevistado (há uma ética) mas próxima da verdade (no final deste livro, existe um exemplo magnífico deste acto de reconstrução narrativa com fundamento moral, que não é propriamente uma entrevista - mas não vou avançar nisso, que é para evitar spoilers). Mostrar o entrevistado não totalmente como ele pretende mas como o leitor da entrevista estará interessado em encontrá-lo (ou até o próprio escritor, como espectador de si mesmo) é o grande triunfo, conseguido, destas entrevistas. Passa-se muito pelo ar do tempo (há algum COVID, bastante política internacional e muito Trump), mas passa-se sobretudo pelas regras do romance, pela vitalidade do género e sua eterna habilidade para fazer flexões. Destaco as entevistas a Teju Cole (porque o homem tem uma capacidade de articulação discursiva que extravasa muito o papel de quem se apresenta apenas para falar da obra), a Don deLillo (porque o homem é um génio e porque talvez ninguém se tenha lembrado de terminar uma entrevista de modo tão adequado ao livro que se discutia), a Julian Barnes (pela erudição fácil das respostas) e a Patti Smith, porque parece estabelecer-se uma afinidade entre quem entrevista e quem é entrevistado que compele o leitor a comprar de imediato pelo menos um dos livros da autora (a mim aconteceu-me). Terminando pelo princípio: há um prefácio no livro que nomeia muito bem estas complicações especulares das entrevistas, sem meter, como eu meto aqui, os pés pelas mãos.
Conversas com Escritores podia muito bem chamar-se "Conversas com Gente que Gasta Canetas e Perde Horas a Pensar Demais", porque é disso que se trata — escritores a falarem sobre o acto de escrever, as suas manias, bloqueios e paixões, tudo com a mão certeira (e o ouvido atento) da Isabel Lucas. É como entrar numa sala cheia de génios meio desarrumados, com chá ao lado e ideias no ar. Há ali momentos de brilho, outros de "espera, quê?", mas o melhor é que nos sentimos parte da conversa. Ideal para quem gosta de ler... ou só quer espreitar como funciona o cérebro de alguém que escreve 300 páginas por causa de uma ideia que teve no duche.
Se é verdade que lhes conhecemos os livros, nem sempre conhecemos as histórias que os guiaram no processo de escrita, o seu trajecto de vida, os momentos fulcrais da formação da sua identidade literária, os episódios que desencadearam certas narrativas, as aspirações que acalentam, os desânimos que enfrentam, as peripécias do seu quotidiano. Ao longo destas Conversas com escritores, entramos no espaço restrito de autores incontornáveis da literatura contemporânea. Um livro que promove o encontro com escritores venerados, intrigantes, polémicos, alguns já desaparecidos, e que nos leva à descoberta dos seus livros e da sua face mais íntima.
Neste livro podemos encontrar 17 entrevistas a 17 escritores, e apesar de não ter lido todos os autores fiquei com muita curiosidade de ler, após o que pude conhecer sobre eles neste livro. Na realidade só conheço obras de 4 (Paul Auster, Salman Rushdie, Elena Ferrante e Patti Smith), mas sem dúvida que os outros entraram na lista a ler.
Excelentes entrevistas. Algumas no tempo de confinamento por causa do convid 19. Destaco Lydia Davis, Salman Rushdie, Don Delillo, saudoso Paul Auster, oh talvez a que gostei mais Patti Smith, há mais, muito mais. Daqueles livros a que se retorna sem nunca se esgotar a fonte de referências. Parabéns Isabel Lucas, bem haja!
Foi uma leitura de que gostei e à qual sei que irei querer voltar quando me faltar o alento que só quem escreve consegue dar. Conversas com Escritores é o livro para quem escreve, mas também para quem lê. Há sempre algo que se ganha quando se tem acesso ao pensamento de um escritor — muitas vezes isso que se ganha é mundo e faz-nos tanta falta ganhar mundo literário.
Algumas entrevistas são mais interessantes do que outras, e às vezes é culpa da introdução/perguntas de Isabel Lucas, cuja prestação achei longe de brilhante... Só recomendaria este livro a quem seja mesmo muito interessado por literatura e pela maior parte dos autores aqui presentes.