«Este é um romance sobre personagens históricas, mas não um "romance histórico", na medida em que pretende seguir/reconstituir/aproximar-se o mais possível da realidade, obrigando-se a usar sobretudo a interpretação (que as torna visíveis), reduzindo ao mínimo a fantasia (que iria "atraiçoá-las"). Apesar da subjectividade inevitável de tudo o que é escrito, procura ser "objectivo", porque alicerçado em documentos.
Uma vez que Freud sempre teve voz e Martha foi até 2011 silenciada e reduzida ao estereótipo de esposa, mãe e dona de casa, descobrir a sua personalidade "real" não me interessou menos do que a do homem célebre, complexo e multifacetado da sua vida. Aliás, neste caso a celebridade não importa, a matéria do livro é o diálogo de duas pessoas em igual medida importantes, que mutuamente se procuram, encontram e desencontram.
É possível que para o leitor (como no início para mim) as figuras de ambos se revelem muito diferentes do que esperaria. O que não considero uma perda, mas uma revelação surpreendente.»
TEOLINDA GERSÃO nasceu em 1940, em Coimbra. Licenciada em Filologia Germânica e Doutorada em Literatura Alemã, com a tese Alfred Döblin: indíviduo e natureza (1976), pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Foi Assistente na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Professora Catedrática da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Nova de Lisboa e Leitora de Português na Universidade de Berlim. Autora de vários trabalhos de crítica literária, recebeu duas vezes o prémio de ficção PEN Clube, atribuído ao seu livro de estreia, O Silêncio, em 1981, e ao romance O Cavalo de Sol, em 1989. Foi também galardoada com o Grande Prémio da Associação Portuguesa de Escritores em 1995 e, na Roménia, com o Prémio de Teatro Marele do Festival de Bucareste (adaptação da obra ao teatro) com o romance A Casa da Cabeça de Cavalo. Em maio de 2003, o seu livro Histórias de Ver e Andar foi galardoado com o Grande Prémio do Conto 2002 Camilo Castelo Branco, da Associação Portuguesa de Escritores. À edição inglesa de A árvore das palavras (The Word Tree, Dedalus, 2010) foi atribuído o Prémio de Tradução 2012. A ficção de Teolinda Gersão desenvolve, na escrita contemporânea, uma poética romanesca original, abrindo a narração, a que o respeito pelas categorias de espaço, tempo, personagens, intriga confere certa verosimilhança, a uma irradiação de sentidos que decorre de um metaforismo assumido de forma estrutural pela narrativa. Não que as personagens e as suas relações, os temas ou os seres se reduzam a um carácter alegórico: o que ressalta é que por detrás da "história" estão em conflito pulsões humanas universais, frequentemente centradas sobre a dinâmica dos opostos (homem/mulher, caos/cosmos, racionalidade/loucura, entre outros). A ilusão da transparência, obtida por uma ordem sintagmática nítida, pela simplicidade da frase, despojada de tudo o que é acessório, pela redução do número de personagens, pela simplificação da ação, confere, então, às suas narrativas o estatuto de uma escrita mítica, cujo objetivo não é a representação, mas o conhecimento. Ao mesmo tempo, cada uma das suas narrativas, desenvolvendo até à exaustão algumas metáforas centrais (o cavalo, o teclado, etc.), desfibra todo o tipo de alienação social e mental subjacente à rutura dos princípios de harmonia invisível e de unidade íntima do homem com o universo. Como a pianista (e a romancista) de Os Teclados, Teolinda Gersão, diante de um "mundo fragmentário" e "indiferente", onde "as pessoas não formavam comunidades e só havia valores de troca", um "mundo vazio", persiste em tentar desvendar enigmas, como se a escrita e a exigência de rigor fossem "a transcendência que restava": "Aceitar o nada, o mundo vazio. E apesar disso, pensou levantando-se e sentando-se no banco - apesar disso sentar-se e tocar."
Um livro urgente e necessário pelo retrato que faz de uma mulher que a vida silenciou. Uma obra literária escrita e desenhada com um particular cuidado e maestria. Um documento que desestabiliza certezas e nos provoca para a reflexão.
Uma desilusão. Uma ideia interessante numa obra inacabada. Não nos transportou da pena de Teolinda para a alma de Martha. O pretendido diálogo interior não passou de um artificialismo de citações sucessivas. Senti estar espreitar o bloco de notas da escritora e não fui arrastado no tempo e no espaço para a cena, nem sequer na plateia como observador.
A ideia era muito interessante e fiquei bastante desiludida com a execução. Todavia, reconheço mérito à autora porque não é uma obra fácil de executar. Mas, na verdade, não consegui visualizar a narradora como Martha Freud. Para mim, enquanto leitora, a voz foi sempre a de uma professora de literatura, que está a analisar cartas escritas. Por vezes esta narradora deixa de ser a Martha, o que mostra que houve de facto dificuldade em interiorizar a personagem (os exemplos mais concretos que posso apontar são os últimos capítulos, em que Anna assume o papel de narradora). Em suma, esperava mais. Perdeu-se a oportunidade de escrever um livro extraordinário.
uma narrativa bem construída baseada na troca epistolar entre o casal Freud, e alguns amigos. Muito bem escrita, a revelar uma imagem de Freud na sua vida particular, muito diferente do Freud homem que deu origem à psicanálise. Com traços narcisistas, dominador da vida da mulher ( e quantas mulheres não passaram já o mesmo, e continuam a passar), a narrativa é dura e segue em crescendo. Nem sempre sendo uma leitura fácil (e talvez demasiado extensa), é uma leitura a fazer.
A jovem Martha, protagonista desta narrativa, mal sabia que se apaixonaria por um dos homens mais irreverentes, influentes e perturbados do século XIX e XX: Sigmund Freud, o pai da psicanálise e, em parte, da Psicologia como um todo. Idolatrado pelos seus seguidores e admirado por diversos intelectuais, Sigmund seria dos primeiros a desbravar os potenciais do estudo da psique para uma tentativa de entendimento total do Homem. Alguns acreditam que conseguiu; outros que falhou miseravelmente, dedicando a vida a tentar refutá-lo. Mas ainda que a sua obra seja impossível de se desassociar da sua pessoa, essa pessoa pode ser dissecável. E nesse ato, a podridão e perturbação são descobertas.
Sigmund tornou a vida da sua família num inferno: no controlo total da esposa, na modelagem integral de Anna para ser a mulher perfeita e nos sacrifícios de vidas internas que fez, Freud revela, na correspondência escrita com Martha e outras pessoas íntimas, um homem doente, amplamente perturbado e perturbador, execrável no trato e, principalmente, negligenciado e sádico. Um autêntico vilão de terror psicológico, que nos arrepia em quase cada palavra que dirige.
Teolinda Gersão encontra e desenrola um conceito magnífico nesta obra: constrói, através da recente divulgação das cartas entre Sigmund e Martha Freud, uma autêntica autobiografia documental, sustentada e elevada por um estudo extensivo das vidas que narra, com um respeito considerável pelas visões pseudocientíficas que expõe. O intercalar de palavras reais com uma escrita em primeira pessoa é genial.
Contudo, e em primeiro lugar, a escrita utilizada desapontou-me muito. Em certas partes, o livro parecia escrito por uma adolescente, com termos desapropriados e infantis, desagregando qualidade e até adaptação à obra. Outra questão é a quebra da personagem da Martha imaginada, ao fazê-la desprezar a psicanálise, mas analisando Freud e outras pessoas diversas vezes ao longo da obra, o que torna a sua opinião dúbia. Para além disso, a Martha que constrói é uma interpretação perigosa, podendo fugir à verdadeira realidade e até possível perturbação da própria figura real. Finalmente, a frequência constante de erros ortográficos e tipográficos é muito infeliz, talvez natural para uma primeira edição, mas um ponto muito negativo para a editora e experiência de leitura, principalmente considerando a reputação da Porto Editora.
No geral, o livro e conceito são deliciosos e a leitura é fácil, apesar dos horrores descritos. Mas as questões práticas e de divergências de estilo impedem-me de, na minha opinião, atribuir uma classificação mais alta. Recomendo-o, ainda assim, a todos os entusiastas pela psicologia, psicanálise ou mesmo pela vida deste homem, que revolucionou a história e o entender da mente humana.
A autora apresenta a troca de correspondência entre Martha e Freud, dá a conhecer o lado mais íntimo de um psicanalista que fez história na terapia dos doentes psiquiátricos; priorizou a escuta do doente, a sua teoria ainda é atual. O lado mais pessoal nos mostra um homem de trato difícil, particularmente com as mulheres, um psicopata que queria ser famoso, não se importou de sacrificar mulheres da sua família para testar as suas hipóteses. O consumo de cocaína, tabaco, álcool também deverá ter contribuído. Defendeu uma teoria homoerética, o diagnóstico de histeria, relacionou todos os problemas com a sexualidade. Martha ficou relevada a um plano secundário e sofreu de agressões psicológicas (começou no noivado com a troca de cartas), foi afastada de familiares e amigos devido aos ciúmes e desejo de posse total que Freud exerceu sobre ela. Devemos separar o Homem da sua obra? Ou devemos penalizar a sua obra pelo seu comportamento? Não há seres humanos perfeitos, há sim seres idealizados no nosso imaginário, depois é uma desilusão.
É a primeira obra que leio da autora e não me cativou. A ideia é interessante, já a execução deixa a desejar. Contudo, serviu para desconstruir algumas ideias preconcebidas de grandes figuras da história .
4 🌟 Ofereceram me este livro e estava curiosa porque não pensava ser algo que escolheria para mim. a redação desse livro tem uma história muito bonita (mulheres a fazerem por mulheres) e triste ao mesmo tempo. Fiquei muito feliz por o ter lido antes de ler algo de freud men are truly evil… o trabalho de teolinda gersao foi incansável <3 gostei muito de ler sobre algo que doutro modo não me era acessível