O Chão dos Pardais

by Dulce Maria Cardoso

Afonso é um homem muito poderoso. Inatingível. A não ser pelos anos, que passam e o envelhecem quase como a outro qualquer. Há muito que já só encontra a juventude nos corpos das amantes. Como o de Sofia, que o odeia e ama Júlio. Entretanto Alice, a mulher de Afonso, desistiu, nem sabe ela bem de quê.
Os filhos cresceram e partiram, sem partir. A filha, Clara, traduz livros inúteis e apaixona-se por Elisaveta. O filho, Manuel, é um cirurgião plástico à espera de ser julgado por negligência e entregue ao amor adiado por uma mulher longínqua com quem se encontra no ecrã do computador. Mas tudo está perfeito na festa dos sessenta anos de Afonso.
Antes e depois dessa festa, antes e depois da tragédia que a estraga, o romance dá conta das forças que atiram umas personagens contra outras. Seja para se amarem ou para se odiarem.
E, vertical, por entre todas as forças, a força da gravidade que estatela no chão os corpos que caem. Mesmo assim, parece simples ser feliz.

Genres: Portugal, Fiction

256 pages, Hardcover

First published January 1, 2009

About the author

Dulce Maria Cardoso nasceu em Trás-os-Montes, em 1964, na mesma cama onde haviam nascido a mãe e a avó. Tem pena de não se lembrar da viagem no Vera Cruz para Angola. Da infância guarda a sombra generosa de uma mangueira que existia no quintal, o mar e o espaço que lhe moldou a alma. Regressou a Portugal na ponte aérea de 1975. Licenciou-se em Direito pela Faculdade de Direito de Lisboa, escreveu argumentos para cinema, gastou tempo em inutilidades. Também escreveu contos. Tem fé, uma família, um punhado de amigos, o Blui e o Clude. Continua a escrever e a prezar inutilidades. Vive em Lisboa.

Reviews

[Ana · Rating 4 out of 5]

4,5*
Este é o quinto livro da Dulce Maria Cardoso que leio, tendo já lido Campo de Sangue, Os Meus Sentimentos, O Retorno e Eliete, creio que por esta ordem. O meu preferido continua a ser Os Meus Sentimentos e em comparação, este O Chão dos Pardais fica um pouco a trás.

É uma escrita e um estilo de que gosto bastante, de modo que quando pego num livro dela, sei que não me vou arrepender. Gostei muito do livro. Das histórias das vidas comuns e desencontradas, dos dilemas, tristezas e contradições do ser humano. A única coisa que tenho a apontar são os últimos capítulos, que poderiam ter sido estruturados de forma diferente.

[Paulla Ferreira Pinto · Rating 4 out of 5]

A raiar as 5 estrelas... esta escritora é excepcional

[Matilda · Rating 5 out of 5]

Sem nunca ter lido nenhum livro da autora, e tendo somente ouvido boas críticas, O Chão Dos Pardais apanhou-me de surpresa. Fez-me reler parágrafos vezes e vezes sem conta para garantir que tinha percebido o que estava a ler, cheio de metáforas inteligentes e reflexões que efetivamente me fizeram refletir.
Ler este livro fez-me sentir que estava a ver um filme, de tal maneira que as personagens se interligam e as cenas passam de umas para as outras, com boas e sucintas descrições do espaço envolvente, dos sons e cheiros presentes.
Sem dúvida, lerei outro dela (o próximo na lista é O Retorno) 🌟🌟🌟🌟

"Saber os segredos um do outro não significa um conhecimento mais profundo. Somos mais do que os nossos segredos. O desvendar dos nossos segredos não nos desvenda a nós." (página 121)

"Não há sabedoria que nos faça aceitar sem sofrimento a perda da juventude." (página 242)

[Inês Gomes · Rating 3 out of 5]

Uma história contada a várias vozes.
As vozes que mais me interessaram foram, infelizmente, as que menos expressão tiveram.
Queria saber mais sobre a confusão de línguas/linguagens. Esse desencontro que acontece quando dois interlocutores não comunicam num mesmo nível, mesmo acreditando que sim.

Sobre Clara, que se apaixona por uma rapariga com quem não partilha quase nada. Falam línguas diferentes. E ao contrário de Clara, Elisaveta, vinda de um país distante, nunca se tinha encantado por uma mulher.
Adivinha-se a descoberta de formas de se dizer(em). De um encontro identitário, de conflitos internos geradores de tumultos incomunicáveis.

Sobre Manuel, que encontra o amor numa mulher que de tão inacessível (por morar do outro lado do mundo) é idealizada/fantasiada e pode por isso ser depositária de toda a sua verdade, de uma forma desarmada, quase inocente. A intensidade da relação virtual, sentida como tão autêntica mas que não resiste à prova da realidade, e o desencanto acontece no momento do encontro.

(O livro tem também algumas reflexões desnecessárias por tão óbvias.)

Mas no geral é sempre um prazer ler Maria Dulce Cardoso.
Não é o livro que mais gostei dela.
No topo está o “Retorno” logo seguido por “Eliete” (cuja sequela aguardo com curiosidade!)

[Sonia189 · Rating 3 out of 5]

A escrita não foi assim tão apelativa como eu imaginava, pelas descrições que vi de outros leitores.
A história é muito banal e não achei interesse nem senti empatia com nenhuma das personagens mas admito que há algumas passagens que merecem uma reflexão.
Este é um livro de poucas páginas, serviu para ficar com uma ideia do estilo da autora e embora não seja algo que não se consiga ler e apreciar em partes, também não foi nada de especial para mim e nem para me fazer ir ler os outros livros da autora propositadamente.

[Filipa Ribeiro Ferreira · Rating 4 out of 5]

A escrita desta autora é mesmo sensacional, mas desta vez não me senti tão identificada com as personagens. Não deixa de ser um livro belíssimo e perturbador (já percebi que devem ser todos assim), mas a sordidez da história acaba por preencher um bocado demais, não achei tão equilibrado.

[Beatriz · Rating 4 out of 5]

Um romance cheio de adágios, sobre vidas sem romance. É maravilhoso, mas encontro-lhe algum desequilíbrio no último quarto, como se se prolongasse o que não precisava, de facto, de mais explicação.

[Teresa Cintra · Rating 4 out of 5]

aconteceram bué coisas. Dou 4 estrelas porque entretém e está bem escrito, mas provavelmente daqui a uma semana já não me lembro de nada

[Ana Rita Silva · Rating 4 out of 5]

lido em menos de 24h. quarto livro de Dulce Maria Cardoso (terceiro romance) e continuo fascinada com a sua belíssima escrita e com os enredos e as personagens que cria.

[Rita Castro · Rating 4 out of 5]

Primeiro livro que leio desta autora. Adorei a escrita e o facto de ser escrito a várias vozes. Quero conhecer e ler mais obras suas.

[jeand99 · Rating 4 out of 5]

Look at the sleeping cat. Look at the tiger chasing a gazelle. Look at sparrows fighting about a piece of bread. Look at Sofia who cheats her boyfriend Júlio with Afonso for jewellery, expensive clothes, traveling and luxury dinners. Look at Júlio who wants to kill Afonso at his 60th birthday ... but in the end kills himself and not Afonso.

What distinguishes 'homo sapiens' from the other species on planet Earth? Suicide! Only human beings are able to commit suicide. No other animal ever will.

Last weekend I read Dulce Maria Cardoso's book 'O Chão dos Pardais' (2009). Translated in English its title is 'The Floor of Sparrows'. (Mark that this book can only be read in Portuguese. It's not translated in any other language, yet.) Lovely book. Full of wisdom. Dulce doesn't condemn or judge. She is registering. She records how people's lives evolve. Can evolve. Usually evolve. And could have evolved completely differently by a breeze. An almost-breeze.

This is one of those books you should read yourselves and not some book review. If not, you would not grasp the opening poem and more than 10 "philosophical" quotes which serve as chapter titles.

This book is not about Afonso who cheats his wife Alice with a girlfriend. This time her name is Sofia. It's not about his wife Alice who has many more reasons than Júlio to kill Afonso. But never found a good alibi to actually do it. It's not about their children Manuel and Clara. Nor about migrant, maid Elizaveta who falls in love with lesbian Clara. Nor about Manuel who after many months finally meets his online chat-lover Lilly.

This book is about the cruel art of desert (read: Mother Nature). The cruel art of human beings - the only species that is able to commit suicide - that fight like sparrows on the ground (read: planet Earth) for ...? Money? Beauty? Privileges? Intelligence? Bread? Or ...?

[Jorge Filipe · Rating 3 out of 5]

cansei-me a meio

[Marta Verissimo · Rating 5 out of 5]

Creio que nunca vou descobrir um livro da Dulce que não gosto. A escrita dela, a maneira como nos faz envolver com as personagens, a previsão do que vai acontecer, mas mesmo assim ansiando pela descrição dela. Adorei.. E adorei especialmente a Alice!

[maciel]

acabar livros tem sido complicado

[Márcia Figueira · Rating 4 out of 5]

“O homem continuava a querer matar. Disso tenho a certeza. Não houve perdão. Continuava a querer matar, mas desistiu. Esse facto por si só tem de nos levar ao esforço civilizacional”

[Madi · Rating 4 out of 5]

Muito bom! Adoro livros em que o escritor claramente escreveu 10x mais sobre as personagens do que pôs no texto final

Obrigada pela recomendação (?) Teresa🐏

[Pedro Cruz · Rating 3 out of 5]

3.5/5 ⭐️

[David Pimenta · Rating 5 out of 5]

Artigo completo no Espalha Factos: http://bit.ly/1nX0uQX

E se chegasse à conclusão dos sentimentos e sensações que sente por determinadas pessoas na sua vida ou mesmo por familiares? E se sentir um ódio inexplicável pelo seu irmão mesmo tendo-lhe tanto amor? É essa a permissa d’O Chão de Pardais, publicado primeiramente em pelas Edições ASA. Desde a mudança para a Tinta da China, algumas das obras da autora estão a ser reeditadas como é o caso deste terceiro livro de Dulce Maria Cardoso. Mesmo não sendo uma das obras mais badaladas da carreira desta escritora revela-se uma óptima surpresa à venda nas livrarias portuguesas.

O enredo da obra traz personagens com vitórias e desgraças a misturarem-se ao mesmo tempo. Temos Afonso, um homem de sucesso aos sessenta anos, quase inatingível a não ser pelo tempo e pelas falhas biológicas provocadas por essa passagem, a sua esposa Alice, típica dona de casa e sem emprego pelo dinheiro que o marido traz para casa. Tudo poderia ser cor-de-rosa não fossem as mentiras que reinam no seu casamento. Mentiras que passam pela falta de amor e comunicação entre os dois, desde o primeiro momento em que se conheceram. E por essa falta de tudo no casamento supõe-se a alimentação de amantes na vida de Afonso e, desta forma, o leitor conhece Sofia.

Sofia tem uma vida que ama e odeia ao mesmo tempo e é tão bem retratada esses dois sentimentos em simultâneo. Ama Júlio mas há momentos em que o odeia, não se imagina sem ele mas sai com homens mais velhos e com dinheiro para ser um pouco mais rica, para lhe pagarem tudo. É no ódio que mantém uma relação com Afonso.

Os filhos de Alice e Afonso são peculiares. Clara, tão atormentada pela constação bem cedo de que aprecia e gosta de mulheres, e apaixona-se pela empregada ilegal Elisaveta. Manuel, que depois de um casamento falhado estabelece uma relação à distânica – pelas redes sociais, supõe-se. Pode ler-se que este Chão dos Pardais dá a conhecer as forças que atiram as personagens umas contra as outras e esta a frase perfeita para descrevê-lo. É exatamente isso que acontece a todas as personagens neste livro de Dulce Maria Cardoso: são atiradas umas contra as outras por acontecimentos, comportamentos e sentimentos e quando se choca contra outro ser humano podem nascer, repentinamente ou não, sensações de amor ou ódio.

Ao quase chocar com Elisaveta, Clara apaixona-se freneticamente e quer estar mais tempo com ela. Ao encontrar-se com Afonso, a esposa Alice fecha-se numa concha e conserva-se como uma pérola pura para dar lugar a um ser humano vazio, nos momentos em que se encontra vazia. Em cada página há uma reflexão sobre os seres humanos, caraterizados a meu ver como animais tão complexos pelas palavras desta escritora portuguesa. Digamos que Dulce Maria Cardoso dá a conhecer um leque de personagens tão ricas a todos os leitores, por uma linguagem tão rica e bem estruturada – talvez seja aqui que se nota a obsessão que a escritora diz ter em todas as entrevistas que dá.

Digamos que há duas partes n’ O Chão dos Pardais : antes do acontecimento trágico oferecido por Júlio, noivo de Sofia, e depois disso. Reflete-se sobre cada personagem, já que cada capítulo conta e explora a história pessoal de cada um e aí entende-se os sentimentos pelas outras personagens da história. Um dos pormenores mais ricos da obra é a sua atualidade, mesmo publicado há já alguns anos atrás e tendo em conta que tudo passa de moda em poucas semanas, especialmente no meio literário. Ao serem expostas a um momento trágico, quer Alice quer Afonso e todas as outras personagem mudam suave ou drasticamente.

É essa impressionante mudança, reveladora de algumas surpresas no final do livro, que coloca esta obra como um dos melhores livros de uma escritora portuguesa atualmente à venda, apesar de ainda não ter lido O Retorno. Talvez nem seja necessário nos próximos tempos, a prova do talento de Dulce Maria Cardoso está presente neste livro.

O Chão dos Pardais , publicado pela Tinta da China, é uma delícia para todos os que apreciam histórias sobre os seres humanos. Todas as personagens colocadas e retratadas podem ser protagonistas, cada uma tem o mesmo “tempo de antena” e cada uma é uma peça fundamental para se entender o enredo. Somos o que queremos ser? Modificaríamos algo no nosso passado para preparar o futuro?

Nota final: 4,5/5

[jeand99 · Rating 4 out of 5]

Zie de poes die slaapt. Zie de tijger die jaagt op een gazelle. Zie de mussen die vechten om een stuk brood. Zie Sofia die voor juwelen, dure kleren, reizen en luxe etentjes haar vriend Júlio bedriegt met Afonso. Zie Júlio die op het punt staat om Afonso dood te schieten op zijn 60e verjaardag.

Wat onderscheidt mensen van de andere dieren op planeet Aarde? Zelfmoord! Alleen mensen zijn in staat om zelfmoord te plegen. Geen enkel ander dier is daartoe in staat.

Dulce Maria Cardoso heeft een heerlijk boek geschreven. Vol wijsheid. Zonder te oordelen. Enkel door te registreren. Ze registreert zoals de dingen in het leven van mensen gaan. Kunnen gaan. Meestal gaan. En ook anders hadden kunnen gaan door een briesje. Een bijna-briesje.

De titel 'De vloer van mussen' (O Chão dos Pardais') in het Portugees doet wat mij betreft meer recht aan de inhoud van het boek dan het Nederlandse 'Keerzijde'. De vloer van mussen is meer aards. Meer verbonden aan dat wat alle dieren op Aarde bindt.

Dit is een van die boeken die je zelf moet lezen om het te vatten. Zelf lezen om het openingsgedicht te vatten en een tiental citaten van "wijsgeren" die een deel van de hoofdstuktitels vormen.

Het gaat niet om Afonso die zijn vrouw bedriegt met een vriendinnetje. Ditmaal Sofia. Het gaat niet om zijn vrouw Alicia die meer nog dan Júlio redenen heeft om Afonso te doden. Maar nooit een goed alibi heeft kunnen vinden. Het gaat niet om de kinderen Manuel en Clara. Evenmin om dienstmeid Elisaveta die verliefd wordt op de lesbische Clara. Evenmin om Manuel die na een maandenlange chatrelatie eindelijk Lily in het echt leert kennen.

Ook de mensen in het boek zijn als mussen die op grond vechten om ... Ja wat? Geld? Schoonheid? Intelligentie? Macht? Privileges? Eten (lees: brood)?

[Carolina · Rating 3 out of 5]

Terminei este livro há cinco minutos e permaneço intrigada. Sobre é que ele é? Sobre a condição humana, talvez? A narrativa segue conjuntos de personagens distintas que, de uma forma ou outra, se encontram ligadas a uma família abastada. Nos percursos individuais dessas personagens, encontramos mapeados segredos e dilemas que testam o limite do ser humano para se conseguir adaptar/para os suportar.

Esses testes tomam diversas formas: uma relação complexa entre classes, a revelação de uma infidelidade, uma relação à distância iniciada através da Internet trazida para o real, a descoberta da própria homossexualidade, etc. Todos estes tratam-se de simplificações pela minha parte, uma vez que nesta obra nenhum destes problemas surge isolado.

Contudo, este livro pode também tratar o desequilíbrio de relações de poder entre ricos e pobres. Todos os membros da família no centro da narrativa têm dificuldades em estabelecer relações empáticas e recíprocas com agentes exteriores com menor vantagem económica. Se alguns têm dificuldade em compreender o desequilíbrio impresso à partida nestas relações, outros têm plena consciência do desnível e usam-no sem escrúpulos de qualquer espécie. Também existe quem abdique de qualquer objetivo a não ser o de manter a divisão entre classes a todo o custo, tornando esta divisão na sua própria definição identitária.

E por fim, este livro pode ainda ser sobre a falta de sentido. Os ricos ganham sempre e escapam incólumes. Resta-nos o consolo de que não ficarão na história.

[Joaquim Martins · Rating 4 out of 5]

⭐ 4.0

Todas as personagens apresentadas quase podem ser protagonistas, já que acabam todas por ter o seu próprio espaço e tempo de exposição, tornando-se, cada uma delas, peças necessárias e que se juntam para se entender o enredo e toda a teia de amores ou ódios, vitórias ou desgraças, e mesmo de como viver o esperado e o inesperado. No fundo, a obra retrata de uma forma interessante a imperfeição do ser humano e também as consequências dos seus atos.

[Henrique Vogado · Rating 3 out of 5]

Um livro com um ritmo que logo nos habituamos, como se fossem pequenas caixas de interações entre 2 ou 3 personagens de cada vez. A meio encontram-se todas.
Gostei da forma, apesar da história ser simples. O melhor é o que não é dito mas pensado.
Quase todas as personagens sofrem e por isso as torna mais reais. Uma certa desilusão e cinismo.
Muito mais não posso dizer sem revelar o resto.
Uma boa leitura.

[Marta Silva Martins · Rating 3 out of 5]

A escritora dispensa qualquer apresentação. Uma ode à escrita. As personagens e as suas historias não me impressionaram….Talvez o Gustavo mereça especial atenção:)

[Carolina Ramos · Rating 5 out of 5]

Segundo livro da Dulce Maria Cardoso que leio, depois do Eliete, e estou cada vez mais rendida à sua escrita. Já há muito tempo que não ficava viciada com um livro como fiquei com este, apetecia-me pôr tudo em pausa para o poder ler até ao fim.
Um caldeirão de personagens que se vão entrelaçando; cada uma com as suas particularidades, mas também com uma coisa em comum: todas podiam ser, e serão, reais.


"Clara ouve-a como se estivesse interessada. Alice não gosta de muitas coisas acerca de Clara e uma delas é esta maneira que a filha tem de fingir que está interessada. Clara não gosta de muitas coisas acerca da mãe e uma delas é esta maneira de a mãe não parar de falar mesmo sabendo que ela não está interessada. Continuam aquilo a que se pode chamar conversa."

"As copas das árvores do jardim tocavam umas nas outras, enchendo a rua de uma sombra que Clara definia como desoladora. Ivânia discordava. Dizia que era uma sombra pacificadora."

"Gostava muito de calendários, que usava de forma diferente. Em vez de assinalar datas passadas que tendencialmente  se repetiriam no futuro como, por exemplo, os aniversários, assinalava com um círculo vermelho dias ao acaso e esperava que esses dias se revelassem especiais."

"Elisaveta sabia que não devia beijar Clara porque nenhuma mulher deve beijar outra na boca. Elisaveta tinha aprendido isso como tinha aprendido a bocejar. Ou a coçar-se quando tinha comichão. Não era preciso ser ensinado que as mulheres não podiam beijar-se umas às outras na boca.  (...) Os lábios de Clara faziam o corpo de Elisaveta esquecer-se de tudo o que de mau lhe havia acontecido."

"Gustavo sabia que não tinha jeito para metáforas, mas gostava muito de utilizá-las. O mau gosto colava-se à língua dele como o cheiro do tabaco se colava às roupas. Mesmo naquela sala tão grande, tão bonita e luminosa era possível sentir o cheiro a tabaco das roupas dele, o que o aborrecia."

"Ainda era mãe. Não havia nome para o que se tinha tornado. Nunca haveria. Se houvesse isso quereria dizer que era possível que os filhos morressem, o que não podia acontecer. Nunca. Como os filhos não podem morrer, não pode haver nome para quem perde um filho. Os filhos têm de sobreviver às mães e aos pais que os embalaram como agora a mãe embala a pequena urna."

E os títulos de capítulos mais lindos que me lembro de ter visto:

"A realidade apenas se forma na memória. As flores que hoje me mostram pela primeira vez não me parecem verdadeiras flores"
"Tens ideia de quanto mal nos fazemos por essa maldita necessidade de falar?"
"Se os macacos chegassem a experimentar o tédio, podiam tornar-se gente"

[Andreia Morais · Rating 4 out of 5]

TW: Referência a Bulimia, Suicídio, Linguagem Explícita

Um livro com várias histórias e várias vidas dentro. Vidas essas que, em algum momento, acabarão por se cruzar, mas que, antes disso, já tinham um elo em comum: a falta de amor. É sempre fascinante ler Dulce Maria Cardoso, porque há qualquer coisa na sua escrita e na forma como tece as narrativas que nos inebriam, mesmo quando o enredo parece simples. Mas não é. E a prova disso é a quantidade de mensagens que crescem nas entrelinhas. Ainda assim, senti falta de um pouco mais de desenvolvimento em relação a algumas personagens, porque fiquei com questões pendentes; porque queria saber mais sobre os seus futuros. Deambulando por cenários de profunda indiferença, vazio, relações disfuncionais e formas de comunicar distintas, percebemos que, apesar de todo o drama, continuamos a resistir. E que, por mais complexa que seja a estrada, estamos sempre à procura de um propósito - e de amor.

[Leandra · Rating 5 out of 5]

Alice procura o presente ideal para o marido - um homem que tem tudo.
Afonso e Sofia usufruem de uma suite de luxo num hotel fora do país.
Gustavo e Margarida são um casal "normal" a viver o dia a dia sem ambições ou projetos para o futuro.
Lilly e Manuel têm uma relação à distância e anseiam pelo encontro cara a cara.

Estas são algumas das histórias que o leitor vai acompanhar neste magnífico livro de Dulce Maria Cardoso.
Ao longo da narrativa, as personagens cruzam-se e influenciam-se uns dos outros.
Adorei ser testemunha destas vidas e torci por alguns desfechos que nem sempre foram os esperados.
As personagens são criadas de forma tão real que acredito poderem viver bem perto de nós ou até fazerem parte dos nossos círculos mais íntimos.
Ao chegar ao final senti algum abandono. Parece que estas pessoas vão continuar as suas vidas e eu deixarei de saber delas.
Há personagens com diálogos incríveis e profundos e outras com conversas aparentemente simples mas absolutamente tocantes.

[Dália Da Silva · Rating 3 out of 5]

"Ela não responde. O ódio precisa de ser alimentado e o silêncio é uma maneira bastante eficaz de o fazer. Caso enfraqueça, o ódio transforma-se numa mágoa que contrai um bocadinho o estômago ou amarga um bocadinho na boca. Nada mais. Ao contrário do ódio, a mágoa é muito desinteressante. Há tanto a dizer sobre as mágoas como há a dizer sobre os sapatos que apertam demasiado. Nem uns nem outros matam e nem uns nem outros dão vontade de matar
"Nada em Eugénia irrita Alice. Também nada em Alice irrita Eugénia. (...) Não foi fácil para Alice e Eugénia atingirem a quase perfeita indiferença que sentem uma pela outra. Nenhuma delas deseja mais do que isso.
"A maior ambição da humanidade é alcançar o divino.
"Eram suficientemente velhos para terem a obrigação de saber que a maneira mais banal de as coisas acontecerem só se tinha tornado banal por se ter revelado a mais eficaz."

[Teresa Cameira · Rating 4 out of 5]

Afonso, Alice, Sofia, Júlio, Clara, Elizaveta, Manuel, Lilly, são as personagens que vivem neste romance como se de um novelo emaranhado se tratasse. E à medida que o novelo se desenrola, a tragédia acontece e as forças que os unem são também as forças que os separam.
A história é contada a várias vozes, o que traz dinamismo, mas que por outro lado me deixou a desejar ouvir mais de uma voz, de uma história dentro da história, do que de outras.
Como todos os livros da Dulce, é soberbamente bem escrito (as expressões, I vocabulário, as frases que brincam) mas não posso dizer que tenha sido o meu favorito (sem fazer spoiler, achei o fim um pouco sem sentido)

[Cátia Madeira · Rating 4 out of 5]

É impossível ignorar a qualidade da escrita de Dulce Maria Cardoso. Provavelmente uma das mais brilhantes escritoras do nosso tempo. 
Uma família de aparências, que manobra e manipula quem consegue. O ser humano que se deixa corromper e molda o seu caracter ao estatuto.
Uma história muito bonita, escrita na terceira pessoa (o que é menos característico na escrita de Dulce) e que merece muito ser lido.

[Cristina · Rating 4 out of 5]

"O tempo trabalha a favor das fraudes. É sempre preciso que alguém queira saber o que se passou. E ninguém quer."

O livro convida-nos a reflectir sobre cada personagem, apresentando algum contexto, familiar, passado ou presente sobre cada um. São todos personagens principais, igualmente relevantes, com o seu contributo para o todo. É a tragédia a que, subitamente, todos são expostos, que traz alguma mudança, drástica ou não, às suas vidas.