O formato não convencional dos contos de Entre moscas imprime um ritmo arbitrário à leitura, exigindo que o leitor se concentre na melodia para alcançar seu encantamento. EPorém, o que mais impressiona nas narrativas é o alcance do olhar de Everardo Norões. Ele constrói os personagens com nuances de medo, coragem, desprezo, desejo, ternura, solidez, tudo envolto em embalagem de sombra, em sentimentos mais resguardados do que revelados, deixando forte impressão sobre os leitores.
EVERARDO NORÕES nasceu no Crato, Ceará. Além de poeta, com poemas traduzidos para diversas línguas, é cronista e tradutor, tendo organizado antologias de poesia peruana, além das obras de Joaquim Cardozo, do poeta mexicano Carlos Pellicer, do poeta italiano Emilio Coco e de poetas franceses contemporâneos. Autor de uma dezena de livros, entre eles Miguel Torga e o dicionário da terra (2007), Retábulo de Jerônimo Bosch (2008), W.B. & os dez caminhos da cruz (2012) e O fabricante de histórias (2012), consta em diversas antologias nacionais e internacionais, entre elas, a edição nº10 da Revista Granta, onde o conto "Na varanda, sobre o bulevar", presente neste livro, foi originalmente publicado.
"Entre moscas" é um livro de contos do escritor e poeta cearense Everardo Norões; a escrita é labiríntica e cada conto é escrito com um ritmo desnorteador, para que nos percamos nas nuances dos personagens e seus medos, desprezos, ternuras e sentimentos sutis, misteriosos e muito difíceis de acessar.
Confesso que a leitura dos contos não foi fácil, mas foi uma experiência única com cada enredo e narrativa; encontrei esse livro do Everardo num sebo depois de sair de uma aula na universidade, li rapidamente e decidi levar - ou o livro me levou? Ler o livro foi uma das primeiras coisas que fiz assim que cheguei em casa e logo nos dois primeiros contos, intitulados "O exercício do asco" e "entre moscas", me dei conta de que estava diante de um livro raro.
A obra é um labirinto narrativo, ela desmonta a nossa maneira racional de apreender o real. O trivial é elevado ao extremo da força poética, mas não se engane: a narrativa não se entrega fácil. É um livro desafiador e inquietante. A condição humana é um dos temas principais do livro, que por sinal traz a representação de uma mosca na capa, que logo se revela como uma inquietação profunda da existência individual e coletiva.
Um dos contos que mais me cativou foi o conto "O Frio da Lâmina", mas poderia ser facilmente o conto "O menino toca clarinete" (ou "Elevador"), e neles somos convidados a enfrentar a realidade do "outro" sem ilusões alguma, num desafio constante de abraçar o crueza do mundo. O simples, o caótico e o bruto são examinados poeticamente de um modo que nunca havia lido antes. Para usar uma expressão de um ensaio sobre o autor que li recentemente, podemos definir o livro como uma "bússola para os inquietos", e eu acrescentaria: um mapa para quem quer se perder para encontrar novas perspectivas.