Jump to ratings and reviews
Rate this book

Chuva de Jasmim

Rate this book
Rasgam as entranhas do meu corpo palestiniano frases e palavras em português, um idioma que ainda vou aprendendo. Resisto com toda a força, só algumas conseguem escapar. Aperto os lábios diante da impossibilidade de falar do meu corpo que não é, do seu lugar que é nunca. Não digo a nenhuma alma que não distingo o «cá» do «lá». Nem que as línguas e os desejos acontecem em mim em simultâneo. Não consigo, não consigo, não consigo soletrar o nome árabe de quem morreu ontem em Gaza, nem no dia seguinte. Fecho a boca perante o caminho da história da minha família que foi expulsa da sua terra após a catástrofe palestiniana Nakba, em 1948. Coloco a mão à frente da minha voz para evitar um erro de português, enquanto conto uma piada ou até um sonho de liberdade, mesmo se toda a liberdade. Não declamo nada. Aguento um golpe atrás de outro de um verso que me quis abandonar. Mantenho o silêncio.

104 pages, Paperback

First published January 1, 2025

7 people are currently reading
53 people want to read

About the author

Shahd Wadi

5 books8 followers

Ratings & Reviews

What do you think?
Rate this book

Friends & Following

Create a free account to discover what your friends think of this book!

Community Reviews

5 stars
21 (45%)
4 stars
19 (41%)
3 stars
3 (6%)
2 stars
3 (6%)
1 star
0 (0%)
Displaying 1 - 10 of 10 reviews
Profile Image for Paula Mota.
1,640 reviews564 followers
April 4, 2025
1948
Minha casa
tornou-se
capaz
de todas as chaves.


Uma coisa que aprendi há uns anos sobre os palestinianos e que me comoveu extraordinariamente foi a simbologia em torno da chave, um desenho comum em cartazes, murais e até em monumentos, como um em Jericó que diz “Havemos de regressar”. Essa chave representa a Nakba (catástrofe) de 1948, quando se iniciou a limpeza étnica dos palestinianos com a expulsão de 750 mil pessoas de suas casas pelo exército israelita.

POESIA ASSASSINA
Carnificina
Chacina
Palestina
Esta rima me mata


Shahd Wadi vive em Portugal desde 2006 e escreveu este livro de poesia em português “com sotaque palestiniano… o sotaque da liberdade". Tendo nascido no Egipto 24 horas depois de a sua mãe ter sido expulsa do Líbano, Shahd é doutorada em Estudos Feministas pela Universidade de Coimbra.
Como diz Alexandra Lucas Coelho, “Shahd Wadi fez de Portugal a sua morada – até que ir para casa seja possível. Enquanto a Palestina estiver ocupada, o mundo é a Palestina.” Espero que lhe reste casa a que regressar, ela e todos os Palestinianos na diáspora, e que a bandeira com as cores de “uma fatia de melancia” deixe de servir de mortalha.

SONHOS PROIBIDOS
Antes de ser despedida,
o patrão encontrou na sua mala:
uma fotocópia da primavera,
um boletim do Euromilhões fora de validade,
as cores proibidas de uma fatia de melancia,
um livro de poesia
em segunda mão, claro,
uma chave antiga que se assemelha a um regresso,
e muitos pedaços de sonhos sujos e incompletos
que já ganharam a cor do fundo da mala.
Tudo foi apreendido, exceto ela.
À saída a chuva de setembro
e um guarda-chuva de uma mulher passageira
de sapatos amarelos na mão, esperava.
Entrelaçou sem hesitação o seu braço com o dela,
fixou o olhar para a câmara do número 16 da Rua António Enes
e levantou devagar o dedo do meio.
A partir desse dia,
o seu dedo do meio permaneceu no meio
entre as nuvens,
a bandeira,
e o arco-íris
O seu dedo do meio permaneceu no meio
dos sonhos proibidos
jamais serão vencidos.
Profile Image for Katya.
474 reviews
Read
November 26, 2025
CHUVA DE JASMIM
Um bairro inteiro exilou-se deixando a solidão num estendal
longínquo na janela de uma vizinha. Hiba responde, estendendo toalhas, que mudam de cor e posição todos os dias. A mulher da janela distante, faz o mesmo.
Uma toalha, estou viva.
Outra, estou de verde.
Estou contigo.
Estamos juntas.
Resistirmos.
Prosa, o caraças!
[...]
Mas aquele meu povo palestiniano não largou ainda a tal doença incurável chamada esperança?


Há uma fotografia de Shahd Wadi que acho particularmente enternecedora. Há de ter sido tirada para uma publicação jornalística e, em si mesma, nada tem de extraordinário: nela a autora debruça-se sobre um muro, meio busto acima da linha de visão. A sua beleza é evidente, como aliás, em todas as demais fotografias, mas um pormenor salta à vista: as duas fatias de melancia que lhe emolduram rosto. Dito assim, parece supérfluo. Mas os brincos que adornam o rosto sorridente da autora são um símbolo maior da resistência palestiniana - vermelho, preto, branco e verde: as cores da bandeira do Estado da Palestina. O último reduto contra a ocupação. Ocupação a que a autora palestiniana, a viver em Portugal há quase 20 anos, resiste de uma forma que aos portugueses não é estranha: através da poesia.

O CORPO QUE NÃO É
Sou um cruzamento
com mapas a invadirem o meu ser.
Ocupada, mas livre.
As minhas línguas são um muro.
Acontecem em mim em simultâneo
tal como os meus sonhos.
[...]
Na linha que nos separa eu habito.
Nem a pátria, nem o exilio é aqui.
Nem isso, nem aquilo: sou eu.
Sou a própria fronteira.


Shahd encontra em Portugal uma pátria emprestada e uma língua que lhe matiza o colorido da voz.
Estudiosa do activismo das mulheres palestinianas, o seu trabalho mune-se de roupagens coloridas (não só da cor da melancia) neste Chuva de jasmim em que fala sobre identidade, exílio, legitimidade de discurso e sororidade.

DESCALÇAS
Faremos o caminho até o último dedo.

Num país que acolhe diferentemente o emigrante e o migrante, o refugiado e o exilado, fico feliz por saber que Shad Wadi aqui tenha encontrado uma pátria temporária. E ficarei ainda mais feliz se um bocadinho dessa pátria regressar um dia com ela a casa, ao mesmo tempo que um bocadinho da Palestina fica connosco nas suas palavras.

LADO A LADO
No olhar, palavras sem garganta,
como se o meu eu
fosse o vosso ontem.
Entrego-vos a minha inquietação do nada
para que se torne nossa.
Palavra dita
escrita
nunca é em liberdade.
Profile Image for Margarida Magalhães.
99 reviews9 followers
March 28, 2025

O problema do nó na garganta
é não achar o fio à meada.

CHUVA DE JASMIM
(...)
O nó na minha garganta é agora uma vala comum.
Que verso aguentaria ao lado da pergunta:
«pai, os mortos vão para o céu, o mesmo lugar de onde nos caem as bombas?»
Profile Image for Ana Marinho.
598 reviews31 followers
October 23, 2025
O desejo de chuva de jasmim também é partilhado pelos leitores, querida Shahd.

Não tenho muitas palavras para este livro. Fico feliz por saber que a autora encontrou na poesia a sua catarse e espero que nunca pare de escrever.

É um livro inquietante, que nos desassossega e nos faz refletir sobre o que se passa na Palestina. Uma obra atual e de urgente leitura.
Profile Image for Sofia de Castro Sousa.
200 reviews40 followers
March 19, 2025
Ontem, ao ler “Chuva de Jasmim”, de Shahd Wadi, senti-me pendurada numa corda de secar a roupa, balançando para a frente e para trás, questionando-me sobre o significado de uma palavra já de si frágil, mais ainda nos tempos que correm: Humanidade.

Este é o primeiro livro de poesia portuguesa escrito por uma palestiniana que vive em Portugal e que encontrou a liberdade através da escrita, arte e investigação. 

Os poemas de Shahd Wadi respiram. Respiram de saudade e amor pela Palestina, pelo seu “Povo Pássaro” que, nas palavras de Shahd, sofre da “tal doença incurável da esperança”. 

É impossível ficar indiferente à sua escrita, cirúrgica e sem anestesia. Este livro inquieta, desassossega, como o pedaço de vidro enterrado na sola do pé. Ergue-se, alta, a voz de Shahd: “Ó mundo, estás aí?”. 

De entre os meus poemas preferidos, destaco aqueles que mais me sensibilizaram e que são: 

“Casa Palestiniana”
“Nunca Mais Vai Chover”
“Nó”
“Alucinações Sobre Flores Meio Ano Depois”
“Chuva De Jasmim”

Assim como a autora, também eu acredito que um dia, na Palestina, “haverá chuva de jasmim.”

Não poderia ter sido melhor a minha estreia com a escrita de uma voz feminina palestiniana.
Obrigada, Shahd Wadi.

____

A par deste livro, sugiro a escuta do podcast “A Beleza das Pequenas Coisas” dos dias 14 e 15 deste mês.
Profile Image for Alexandra  Rodrigues.
234 reviews
November 3, 2025
TROPEÇAR

Quando os verbos se desengonçaram à porta da
conjugação.
Quando as frases se entupiram no corpo em
tradução.
Quando os sons que não lhe pertenciam
cortaram a respiração.

Quando lusas as vogais se reproduziram sem
contraceção.

Quando os acentos pássaros.
Quando a entoação habitou a desafinação.
Quando as letras fugitivas eternas.
Quando uma língua se tornou nunca.
Quando o agarrar da caneta e o moldurar da
boca fizeram acontecer palavra-ausência.

Tropeçou num poema.
Profile Image for Beatriz.
10 reviews
July 24, 2025
Tropecei nestes poemas por duas vezes e, embora tenha caído longe do meu planeta literário habitual, seria impossível levantar-me indiferente.
Shahd Wadi entrelaça, nos seus versos, as duas terras dos cravos. A sua ânsia de resistir, existir e sonhar manifesta-se numa escrita colhida na pureza das pétalas de jasmim.
Mas é também a prensagem da desumanidade da qual fazemos parte: da Palestina que, impedida de ser ela própria, é por hoje o restante do mundo.
Profile Image for Márcia Figueira.
138 reviews3 followers
April 29, 2025
Isto foi uma das melhores poesias que li.
Ter a Shahd Wadi, palestiniana, a escrever poesia em português é de um espanto inquietante: conhecem-se bem as palavras que usa mas a realidade que as escreve é estranha ao - meu - português, o que torna cada palavra um nascimento - novo mas ligado por ancestralidade - a cá e a lá.
841 reviews
July 27, 2025
Leio estes poemas, escritos por uma mulher palestiniana que aprendeu a ler em árabe, mas que, a viver em Portugal, é na nossa língua que sonha e escreve. Sonha por algo, o reconhecimento da humanidade dos palestinianos, com frontalidade e muita ternura, numa língua que já é a sua.

Subitamente
Respiro toda a morte,
E morro-me morrendo devagar
ao morrer do sol.

P. 69
Displaying 1 - 10 of 10 reviews

Can't find what you're looking for?

Get help and learn more about the design.