O escaldante Verão em que alunas e alunos de liceu foram abertura de telejornais e tema de debate no parlamento.
Os Putos do PREC – Os Estudantes no Verão Quente de 1975, de Pedro Prostes da Fonseca, é o fantástico retrato de um tempo anacrónico aos olhos de hoje, com os liceus e as escolas em delirante sublevação.
1975. Um ano após a Revolução dos Cravos.
Têm 14, 15, 16 anos e estão autorizados a participar em órgãos de gestão das escolas secundárias.
São activos; devoram livros políticos. A sociedade está agitada, eles estão hiperagitados.
No liceu Pedro Nunes, o Ministério da Educação coloca sargentos para controlar a pancadaria entre os alunos. Um dos militares é barbaramente agredido por jovens do MRPP. O caos no D. Dinis, outro liceu de Lisboa em ebulição, chega a ser tema de discussão na Assembleia da República.
Há as passagens administrativas, as aulas a arrancar em Janeiro, o serviço cívico, as campanhas de alfabetização.
Adolescentes que crescem depressa ao ritmo alucinante dos sobressaltos da cena política do país. Eles e elas que, na sua maioria, só após a revolução tiveram conhecimento da existência de uma ditadura e que acreditam na utopia de uma sociedade radicalmente diferente, inspirada em Marx e Engels, Trótski ou Mao. Ou que, pelo contrário, usam a figura de Salazar como símbolo.
No entanto, debaixo da capa de miúdos traquinas, avessos a qualquer tipo de ordem, são ingénuos. A idade assim o ordena.
O escaldante Verão em que alunas e alunos de liceu foram abertura de telejornais e tema de debate no parlamento.
Tendo vivido alguns dos acontecimentos relatados, considero uma pena a abordagem pouco aprofundada dos mesmos e a excessiva ênfase dada aos aspetos da legislação.
Poderia ter aproveitado para descrever de forma mais profunda a vivência diária nos liceus pelos estudantes.
O sair das salas de aula durante as aulas a correr, saltando por cima de carteiras para tomar lugar nos confrontos para nos defendermos de quem queria invadir o liceu e bater em quem lá estava.
Os cercos de alunos de outros liceus, da polícia, do COPCON, as detenções e consequentes protestos à porta do COPCON até à libertação.
As RGA e as sucessivas votações de sim ou não à greve seguidas dias mais tarde de votações de sim ou não à continuação da greve.
Mas também o quebrar de regras e os gigantes jogos do alho na sala de convívio contra os protestos de funcionários. Os cartazes mas também as exposições organizadas por alunos...
Tanto mais haveria a dizer dos miúdos que cresceram a colar cartazes até às tantas da manhã em vésperas de aulas e não tinham sono, e estudaram e tiveram bom aproveitamento sem favores. Dos miúdos pendurados, sentados nas janelas abertas das portas dos carros em caravanas de campanhas eleitorais a empunhar bandeiras desfraldadas. Uma geração que juntou o saltar ao eixo ou à corda com as campanhas de alfabetização e aos 14/15 ensinava os mais velhos a aprender a ler e escrever, com os cartazes, os comícios e as manifestações, sem telemóvel e com ponto de encontro e horas marcadas pelos pais e liberdade de movimentos até esse momento, aos 12/13/14/15.
Forjados na independência e espírito de entreajuda, na responsabilidade e na responsabilização, forjados na luta e politizados para sempre.
Contudo, este livro tem o mérito de fazer recordar excelentes memórias.