Para comemorar seu aniversário de quarenta e três anos, Tati decide organizar uma festa em seu apartamento, na rua Maranhão, em Higienópolis, bairro nobre de São Paulo. Durante a celebração, ela recebe uma mensagem preocupada de uma amiga contando que errou o endereço e foi parar em "um lugar medonho": o Largo do Maranhão, no Tatuapé, bairro onde Tati cresceu. O pavor da amiga desencadeia em Tati uma crise de pânico, o que a obriga a deixar a sala, os convidados e a certeza momentânea de seu pertencimento de classe.
Com o humor habitual já conhecido pelos leitores de Depois a louca sou eu e Você nunca mais vai ficar sozinha, a escritora, roteirista e podcaster Tati Bernardi entrelaça, neste novo romance, questões sociais, políticas, amorosas e familiares, expondo feridas comuns a todos aqueles que ascendem socialmente. Se o tema já foi amplamente abordado por Annie Ernaux, Didier Eribon, Édouard Louis e, aqui no Brasil, por José Bortoluci, entre outros, em A boba da corte Bernardi dá um passo adiante na tradição da autossociobiografia, acrescentando camadas de ironia e humor às narrativas de mudança de classe. Além de um relato autoficcional, o livro é também um retrato ácido da elite progressista brasileira e suscita uma questão inadiá o que os bem-nascidos e herdeiros deixam de legado para o país?
Mordaz e irônica, a protagonista não perdoa a ninguém — nem a si mesma —, e cutuca a ferida, torce o dedo dentro dela e depois o lambe, rindo. Ao se organizar, a raiva explode, grita "o rei está nu!", vai aos poucos assentando, encontra seu lugar, ora ou outra veste o traje de boba da corte, e nós, leitores, no final, resfolegamos e saímos das páginas com o viço renovado. Como afirma Tatiana Salem Levy na orelha do livro, tudo parece que pode rebentar, mas "é aqui que entra a escrita, a corda que liga os pontos, que mantém firme a narradora e que prende a nós, leitores, numa espécie de fascínio hipnótico por essa mulher".
Tati Bernardi é uma publicitária, roteirista e escritora brasileira. Paulistana e de família italiana, formou-se em propaganda e publicidade pela Universidade Mackenzie.
Me senti o terceiro elemento na sessão de psicanálise da escritora. Todo ser humano tem direito de ser mesquinho, vulgar, caricato e invejoso. Não faço juízo de valor quanto a isso. O maior crime capital dela é achar que escreve bem sobre essas nuances do ser humano. O refluxo de consciência presente nessa obra é uma versão caricata e medonha - daquelas versões de caricaturas bem baratas que exageram nos defeitos da pessoa - de Um Amor Incômodo de Elena Ferrante. Ela descobre que nunca vai deixar de ser a imagem da própria mãe, que se acha melhor do que os outros pobres paupérrimos da vizinhança, só que no caso dela ela também se acha melhor do que todos os ricos que ela lutou e ainda luta para estar perto. Seleciona a dedo as maiores crueldades para descrever quem ela nunca vai se esforçar pra cortar contato, embora se sinta inadequada na maior parte do tempo no meio deles, enquanto é condescendente com todos os pobres que a rodeiam. Seria um livro ótimo se não fosse a pretensão dela de achar que escreve bem e por isso não se esforça para de fato escrever bem, e também a pretenção de quem acha que entende de psicanálise.
A Tati Bernardi parece querer, com esse livro, leitores cúmplices da própria ascensão social e intelectual. Quer que a gente reconheça que ela é mais engraçada, mais esperta e mais sagaz do que todos à sua volta. E que você concorde que as melhores amigas dela e as pessoas que frequentam sua casa (convidadas por ela mesma) são ridículas, patéticas, e que o namorado é um babaca só porque não endossa todo o ódio que ela nutre por tudo e por todos. Afinal, só tem mérito quem saiu do Tatuapé e chegou em Higienópolis (bairros que distam 10 km).
A última frase do livro é um desabafo dirigido ao namorado: os quadros da exposição que eles foram são horríveis. Honestamente, quanta projeção.
O livro inteiro é um grande vômito. Falta edição, corte de frases repetitivas e das dezenas de perguntas retóricas. Sobram parágrafos absolutamente desconectados da narrativa. Faltou uma leitura crítica ou um amigo sincero rs.
Só não dei uma nota menor porque, no fim das contas, essa longa crônica (rs) ou diatribe me prendeu.
Obs: Talvez a Tati seja aquele filme ruim de sessão da tarde que você assiste até o final, que arranca umas risadinhas, mas que você nunca mais vai querer rever.
Muita bile, pouca literatura. Ambiciona ser autossociobiografia como Louis e Ernaux, mas fica na superfície, resumindo-se a enfadonhas picuinhas pessoais sem muito estofo social. Me senti lendo um diário apressado, uma coleção de ressentimentos, sem projeto, tese ou lapidação. Não é para isso que servem as sessões de terapia?
é um livro que fala tanto do outro que acaba falando de si mesmo. me pareceu muito uma pessoa manipuladora, que ao acusar o outro de uma ação, acaba falando as próprias, na tentativa de colocar a culpa no outro. espero que a autora não seja como a personagem, pois a protagonista desta história precisa começar a se amar mais e fazer mais terapia.
sinto muito dó de pessoas que vivem pelo hate. e senti muita dó da protagonista.
dito isso: é um livro que acaba não entregando muito. são pequenos parágrafos soltos (porém organizados para construir capítulos de tamanhos decentes) sobre uma vida, todos misturados, na tentativa de costurar uma grande peça sobre uma vida, mas errando nos cálculos e em algumas linhas deixa de fazer os nós e em outras, faz em excesso.
o desespero por validação é impressionante e a vontade de se auto ridicularizar tb. se a psicanálise serve pra gente se entender e sofrer menos, não sei porque parece que ela prefere resistir a qualquer tipo de mudança. achei murcho, sem fleuma, verve, nem catarse, que é o que entendi que ela acha que o livro tem.
Eu não ria assim com um livro há um bom tempo! Tati consegue ser engraçada e ao mesmo tempo crítica enquanto analisa sua ascensão social e os tipos de pessoas da classe média alta paulistana.
Gosto muito da maneira direta e humorada que ela narra. A sinceridade escorre nessas páginas. Adorei, de verdade.
«É um livro de autoficção em que a autora reflete sobre as diferenças de classe, sobre ter nascido num contexto muito diferente daquele em que se movimenta atualmente. Bem sei que a ideia era mesmo ser um livro autodepreciativo, mas claramente eu não sou o público alvo.»
Comparar a Tati Bernardi à Annie Ernaux é como comparar o Segovinha ao Messi só porque os dois são canhotos. Talvez se ela se elogiasse mais eu acharia o livro mais engraçado ainda, não obstante o teor autoencomiástico nem ser tão baixo assim.
não é nenhuma obra revolucionária, mas sim uma reflexão sobre a vida de uma mulher nos seus quarenta e poucos anos. acho injusto comparar com Ernaux como alguns querem - e por isso a quantidade de críticas.
é ler com desapego, como uma enxurrada de pensamentos de uma pessoa com a necessidade de agradar, ser amada e que se sente inferior por não se encaixar nas "caixinhas" criadas (e reproduzidas) na sociedade.
Tenta ser Ernaux mas frusta a tentativa de um retrato pouco mais que unidimensional do que é uma classe média obcecada com o status. Algumas passagens parecem paródia do que uma pessoa de baixa classe média pensaria, e no entanto, eu já as pensei… Relaciono-me com o luto de Tati com os “figos” (Sylvia Plath) que sente que perdeu quando aparentemente ganhou tudo (a fama, o dinheiro, o estatuto), horroriza-me o quão vulgar e ridículo esse luto é quando traduzido para uma tentativa de sofrimento real. A classe média está destinada a ser um “no man’s land” quando a tradução das suas ansiedades de classe nunca não é ridícula, mesmo quando feita pelos mais versados.
Minha primeira leitura da Tati Bernardi, e confesso que terminei sem saber ao certo o que senti. Não sei se admiro, se tenho repulsa, se compreendo, tenho compaixão ou asco por ela.
A leitura fluiu fácil — gostosa de acompanhar, cheia de contradições de alguém que rejeita sua própria origem ao mesmo tempo em que se enfurece com os que a rejeitam também.
A autora mostra, de forma crua e clara, a verdade do preconceito na sociedade — e o “glamour” que acreditamos existir no que não conhecemos. Ao se aproximar desse universo, ela se questiona e nos faz enxergar que talvez nada seja tão belo assim.
Julguei a protagonista em várias partes da leitura… mas será que somos tão diferentes do que ela mostra? Não estamos todos tentando buscar uma “vida melhor”, seja no trabalho ou nessa eterna busca por nós mesmos? E, ao fazer isso, será que também não acabamos subjugando os outros e nos achando melhores do que quem não segue os mesmos passos?
Apesar de todo o preconceito destilado, achei uma leitura interessante — até o ponto em que virei a página e… acabou. O fim me pareceu meio abrupto, como se faltasse uma despedida.
A vida é muito engraçada. Fui ao lançamento deste livro em Lisboa, com a Tati presente. Não a conhecia. Nunca tinha lido nada dela. Não comprei o livro. Não pedi autógrafo no fim. Parecia-me performativo fazê-lo.
Quem diria que estaria prestes a conhecer uma das autoras que mais me marcou nos último tempos. Finalmente li o livro dela e agora estou em estado de “sofrência”. Sinto quase um luto por uma situação passada que podia ter sido diferente. Se eu soubesse o quanto essa mulher iria mudar a minha vida, eu não só tinha pedido autógrafo, como também teria mendigado uma “conversinha de só 5 minutos” que depois se traduziria em 30 e, quiçá, beijava-lhe os pés (devido à afluência da sala, onde já não cabia mais nenhuma alma morta e, como tal, o que não faltou foram oportunidades para estar perto dos pés da Tati). Piadas à parte, gostei mesmo muito. 🤍
"Amigo íntimo dos monarcas, o bobo da corte é sabidamente o único que conhece a fundo as podridões de todos e, protegido pelo humor, pode humilhá-los. Talvez por isso eu suportasse as benesses daquele mundo? Era um pacto que eu fazia? Sou a fruta exótica deles, mas depois os cuspirei chupados e ressequidos."
“O que é isso que que esses jovens pobres colocam em suas motos para que elas façam tanto barulho? Porque instalam isso? É ódio de classe, concluo. É o som de uma metralhadora. O pobre na moto nos odeia. E eu jamais serei o motoboy que me odeia. Minha moto barulhenta é a escrita?”
Eu já tinha lido crônicas da Tatia Bernardi antes e algum livro dela, nem lembro mais o nome. Nunca achei que tem grande diferença entre ela falando em um podcast e a sua escrita; nesse é bem obvio que ela tá copiando um estilo, mas sem dúvida ler tanta Annie Ernaux e Elena Ferrante fez bem para o texto.
Sobre o conteúdo, às vezes é engraçado, às vezes forçado, às vezes completamente sem noção, e às vezes eu me identifiquei também. Ela critica superficialmente e com ironia tantas hipocrisias que com alguma delas você vai se identicar. Um ponto bom é que a Tati procura ser muito sincera e consegue falar de algumas das suas própias hipocrisias, e fala com mais desenvoltura que o habitual sobre pânico e ansiedade.
Resumindo, como sempre, são as ideias que passam na cabeça da Tati uma atrás da outra e que ela expressamente precisa falar sobre, mas nesse livro o texto está um pouco mais bem acabado. Se as inspirações são a Ernaux e a Ferrante, ainda faltou trabalhar bastante a escrita (e acrescentar substância também).
"Os olhos do homem tinham uma coisa que me intrigava demais. O que era aquilo em seus olhos? Que cara era aquela? Era cara de filho da puta, mas naquela idade eu não tinha como saber." (p. 43).
"Escolheram a escola que forma artistas progressistas de esquerda que tomam vacina e votam em partidos de ideias sociais — mesmo os que votam sem muita alegria nos olhos —, e não a instituição trituradora de alminhas que forma gente para o mercado financeiro ou para falar “nossa, Dubai é linda” (p. 84).
(Ela menciona de passagem Bordieu, fiquei pensando se ela leu, apenas porque acho que poderia deixar mais claro alguns dos questionamentos que ela se faz ao longo do texto).
Estava muito curiosa com este livro e pensei que as reviews negativas fossem exageradas, já que gosto muito de ouvir a Tati nos seus podcasts (em especial o recente 'Reparação Histérica').
Gosto da forma como escreve e como se expõe no papel, nesta onda de 'escrita de auto ficção' mas senti que faltou muito em termos de conteúdo. Interessa-me muito a questão da 'desertora de classe' e a sensação de não pertencimento, mas o que li foi uma história muito superficial de uma privilegiada que passou a mover-se entre outros mais privilegiados, bem 'first world problems'. A jovem prodígio, centro do mundo, que usa o sarcasmo para criticar a elite a que quer a todo o custo pertencer.
Livro curto, direto sobre a batalha entre o ambiente no qual a autora nasceu e cresceu e aqueles pelos quais circula na vida adulta. Repete um pouco histórias e temas de outros livros seus, mas ainda assim foi uma leitura bem divertida.
É de um sarcasmo afiado, de um humor quase sneaky, entra de mansinho, quando não estamos à espera, e de repente estamos a rir alto. Mas rir daquele riso meio desconfortável, meio cúmplice. Porque há vergonha alheia, sim, mas também há reconhecimento. Todos conhecemos pessoas assim. Ou pior: às vezes somos um bocadinho assim.
O livro é um retrato brilhante da sociedade brasileira, de uma geração cheia de contradições, excessos, fragilidades e absurdos. Aquela mesma que fomos conhecendo ao longo dos anos, nas novelas, nas redes, nas conversas, mas aqui tudo é levado ao pormenor com uma precisão deliciosa.
Tati Bernardi tem uma perspicácia rara: capta os hábitos, das manias, das personalidades, sem nunca suavizar demasiado. É cru, é verdadeiro, é desconcertante e por isso mesmo, fabuloso.