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História sem fim: Medidas, tecnologias e conhecimentos de um mundo sem hanseníase

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História sem fim examina vitórias e percalços envolvidos na busca pelo controle da hanseníase (outrora conhecida como lepra).
A partir da análise de materiais documentais, artigos científicos, e de mais de cinco anos de pesquisa etnográfica em ex-colônias hospitalares, em eventos nacionais e internacionais, em reuniões e entrevistas com ativistas, pesquisadores(as), profissionais de saúde e pacientes, a autora nos leva a explorar questões do passado e do presente referentes às políticas de controle dessa doença infecciosa. Mais do que isso, ela demonstra o caráter multitemporal dessas medidas, destacando como elas englobam aquilo que chamou de uma história bacilo-centrada. Nesta obra, somos convidadas(os) a acompanhar o exame de incertezas científicas e de categorizações do conhecimento, além de refletir sobre os instrumentos de medição que moldaram as campanhas de eliminação dessa doença como problema de saúde pública das últimas décadas. Este não é um livro sobre a história da hanseníase, mas se trata de uma obra que explora o enredamento entre materialidades, medidas, tecnologias, conhecimentos e categorizações que, juntos, performam aquilo que foi chamado de “mundo sem hanseníase”.

288 pages, ebook

Published January 1, 2022

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July 1, 2025
Abaixo, um pouco de uma resenha maior que fiz para uma disciplina de Antropologia da Ciência que pude ter o contato com essa obra incrível e até mesmo com a autora!! Com certeza uma ótima leitura pra quem quer se aventurar na Antro da Ciência!!!

A obra "História sem fim: Medidas, tecnologias e conhecimentos de um mundo sem hanseníase", da antropóloga Glaucia Maricato, é uma contribuição fundamental para a antropologia da ciência e da saúde, oferecendo uma análise profunda e multifacetada da persistência da hanseníase no Brasil e no mundo. Por meio de uma etnografia inovadora, crítica e multissituada, Maricato examina e questiona as medidas, tecnologias e conhecimentos que performam o projeto de um "mundo sem hanseníase" e a narrativa vitoriosa da sua eliminação.

Fruto de uma tese de doutorado premiada em 2021 com a 1ª edição do Prêmio de Tese de Doutorado em Antropologia da Saúde “Tabita Bentes dos Santos”, concedido pela Associação Brasileira de Antropologia (ABA), o livro é resultado de mais de cinco anos de pesquisa etnográfica

A estrutura do livro, dividida em introdução e cinco capítulos principais, é bem elaborada, com títulos que trazem curiosidade aos leitores. No primeiro capítulo, "Infraestruturas dobráveis: Entre jalecos e terninhos", a autora inicia o livro com uma análise etnográfica em ex-colônias hospitalares no Brasil, que hoje funcionam como unidades de saúde especializadas, em um movimento pendular entre o contemporâneo e as “políticas da lepra” ainda presentes. No segundo, "Recursos na saúde global: Instrumentos e protagonismos", o enfoque é nas dinâmicas da saúde global em hanseníase. O Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (MORHAN) é enfatizado assim como outros atores, instrumentos, agendas e eventos no campo global da hanseníase. No terceiro, "Certezas em fuga: Efeitos resistentes de evidências mutáveis", são comparadas as concepções do século XIX/XX (lepra como altamente contagiosa, unicausal, com isolamento obrigatório) com as atuais (hanseníase de baixa contagiosidade, multifatorial, multigênica, com potencial zoonótico) e questionamento de algumas “certezas” do passado que continuam a moldar as definições e realidades do presente. No capítulo quatro, “Fábulas do fim: Entre hierarquias ontológicas”, a autora desvela as "fábulas do fim" da hanseníase, que são performadas pela biomedicina e pelas campanhas de eliminação, além de refletir sobre as políticas ontológicas de cura, em específico, através da poliquimioterapia (PQT). No quinto capítulo, "Políticas sob a pele: Do microscópico às estatísticas globais", a autora colocou o modelo biomédico da hanseníase sob a mesa de análise antropológica, dando enfoque aos diversos processos biomédicos que instituem a hanseníase. A autora discute sobre a PQT e seus efeitos que causaram durante as campanhas de eliminação global de hanseníase: de um lado um mundo sem hanseníase era enfatizado, ao mesmo tempo que, paradoxalmente, era habitado por milhares de sujeitos que enfrentam complicações intensas e precisam continuar a frequentar os serviços de saúde.

Um dos aspectos mais interessantes da obra é o uso da metáfora das dobras, inspirada na noção de "objetos dobráveis" de Amade M’charek. Esta metáfora, empregada pela autora, permite explorar como os objetos e as realidades "performam o tempo", capturando a história e tornando-a presente no aqui e agora. Ao cunhar o conceito de "infraestruturas dobráveis", Maricato demonstra como as materialidades, como os antigos leprosários, não são meros resquícios do passado, mas estruturas que continuam a moldar as políticas de saúde e a vida dos afetados no presente. Essas "dobras" revelam como o tempo não flui linearmente, mas se amassa, fazendo com que pontos distantes se toquem, explicitando a persistência de antigas preocupações no cenário contemporâneo.

A obra de Maricato cumpre uma função de salientar uma realidade incômoda: a hanseníase, outrora referida como lepra, não é uma doença do passado no Brasil. Apesar de quase 150 anos desde a identificação do bacilo e dos avanços no tratamento com a PQT, persistem incertezas sobre sua transmissão e manejo de sequelas. O Brasil, alarmantemente, é o único país que ainda não conseguiu "eliminar" a hanseníase segundo as estatísticas da OMS, mantendo as maiores taxas da doença no mundo. A autora evidencia como a declaração de "eliminação global" nos anos 2000 gerou um desinteresse e cortes de financiamento para pesquisa e programas de busca ativa, resultando na perda progressiva de expertise médica e no subdiagnóstico de milhões de casos. Outro fato que chamou-me atenção foi que a pesquisa revela a potencial transmissão zoonótica da hanseníase, com a identificação do bacilo em animais como tatus, esquilos e chimpanzés, um aspecto pouco abordado pelas campanhas globais da OMS, e que é pouco divulgado e comentado.

Maricato explora as hierarquias ontológicas que subjazem à produção da verdade sobre a hanseníase, demonstrando como diferentes formas de existir e de produzir verdade convivem ou colidem num mesmo espaço institucional. Como pode a hanseníase ser considerada "curada" pela biomedicina se, mesmo após a eliminação do bacilo, os pacientes continuam a vivenciar reações dolorosas, sequelas permanentes e a questionar a própria noção de cura?

Em "História sem fim", Glaucia Maricato não apenas narra, mas tece uma análise crítica e envolvente, essencial para a compreensão das complexas interações entre ciência, política e experiência humana no campo da saúde. Evidencio que a escolha de uma etnografia multisituada, ou seja, que percorre por diversos "locais" de pesquisa como as ex-colônias hospitalares no Brasil, eventos nacionais e internacionais, reuniões com ativistas e pesquisadores, entrevistas com profissionais de saúde e pacientes e etc, permitiu trazer aos leitores uma compreensão que integre múltiplas realidades sobre a hanseníase, caracterizando uma leitura muito rica. A escrita da autora permite a aproximação dos leitores com a realidade da hanseníase no Brasil e gera diversas curiosidades sobre a temática que nos é respondida ao longo da obra. A autora tece um complexo enredamento de dimensões sociais, políticas, históricas e científicas no exercício da compreensão da hanseníase.

Ademais, a obra é um convite irrecusável à reflexão sobre as persistências e as resistências da hanseníase. A autora desafia narrativas de encerramento e reafirma a relevância contínua do olhar antropológico sobre as políticas da vida e da doença, em um contexto que, ironicamente, se insiste em chamar de "mundo sem hanseníase", mas que é, na verdade, uma história sem fim.

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