Um dos mais desafiantes escritores da actualidade propõe um conjunto de 11 contos, alguns deles anteriormente publicados em revistas como Granta ou Egoísta. Em estilo de grande crueza lírica, expande aqui o seu universo para o tema omnipresente da família, desenhando com inusitada autenticidade extraordinárias personagens e ambientes apocalípticos. Na capa, um pequeno espelho, que o tempo e o uso riscarão, lembra que ninguém, nenhum dos incautos leitores, consegue escapar do retrato de família, uma qualquer família.
«Tal como algumas das personagens, Valério não se coíbe de usar o bisturi e são precisamente as incisões no corpo da narrativa – breves apartes líricos (por exemplo, alguém a desenhar no prato de arroz “um rudimentar jardim japonês com a forquilha do garfo” – que lhe conferem brilho e uma força invulgar.» José Mário Silva, Expresso
Este pequeno livro reúne doze contos, alguns deles já publicados em revistas como a Granta ou a Egoísta.
Como o título do livro indica, o tema comum a todos estes contos é a família. As relações familiares, a doença, o luto, a violência doméstica, os conflitos entre gerações. Quase todos estes contos pertencem a um universo negro, provocando emoções fortes, repulsa, incómodo, surpresa.
A escrita de Valério Romão é forte, causa vertigem, leva o leitor quase em transe até ao desfecho. E no final, muitas vezes, levamos um murro no estômago ou uma facada que nos remove as entranhas.
Neste livro não é diferente. Talvez seja um bom livro para quem nunca leu Valério Romão. Parece-me uma boa introdução às obras do autor.
Depois de ler “O da Joana”, “Autismo” e agora “Família”, finalmente tenho a certeza … gosto de ler Valério Romão! Este terceiro e último livro da coleção Paternidades Falhadas, constrói-se com um conjunto de onze contos, bem ao estilo de Valério Romão. Pequenas histórias a que não se consegue ficar indiferente; de e sobre famílias, carregadas de imprevisibilidade e tensão. Ao ler Valério Romão, cada palavra, cada frase magoa e deixa-nos algumas dores de alma. “Esta escrita não é para meninos. (…) estamos diante de um universo carregado de negrume, que atua no leitor como uma faca a ser revolvida num braço em carne viva. (Pedro Miguel Silva) Destaco a conceção gráfica deste livro, com muitos detalhes deliciosos no interior e uma capa linda, que nos faz duvidar, se este é um Livro-Espelho ou um Espelho-Livro, onde poderia estar refletida a história da família de cada leitor.
O quarto livro que leio deste autor. Desta vez trata-se de uma coletânea de 12 contos. O universo temático similar ao da trilogia que li: relações familiares, doença, saúde mental... Neste contos, alguns dentro realismo mágico outros quase Ionescos viajamos por uma paleta de emoções e ficamos a conhecer um outro registo, menis realista do autor.
Continuei a gostar da escrita do autor e sendo este um livro comaprativamente menos pesado que os da trilogia parentalidades falhadas será um bom ponto de entrada para a obra do autor.
Há muito tempo que não encontrava um autor português que me proporcionasse tão grande divertimento pela sua linguagem tão própria e pelas situações insólitas que vai apresentando ao longo dos contos. Uma nova voz literária que quero definitivamente seguir.
Foi-me aconselhada a leitura do autor e fiquei agradavelmente surpreendida. É invulgar. "(...) como daquela vez, resumia a mãe, num sufoco de quem sente cada batida do coração como sente um terramoto, em que ela metera os sapatos no frigorífico, desencadeando uma busca apenas finda quando um de nós, desistindo ou intervalando, foi procurar no congelador uma musse de maracujá acabada de fazer e deu com os sapatos na prateleira dos lacticínios, ladeando dois enormes baldes de iogurte grego, com os quais a mãe tentou, sem sucesso, cosmopolitizar as nossas papilas gustativas, normalmente calibradas para o pão com manteiga e para a pêra-rocha madurinha."
Contos não vendem. Dizem as editoras, diz quem escreve e às vezes, até, quem lê. Porque teoricamente o formato não é tão valorizado, nem capaz de captar os leitores que, à escassez de boas colectâneas, até acabam por não explorar o formato. E verdade seja dita, nem todos os autores sabem escrever bons contos, capazes de condensar em poucas páginas uma história que não aliene o leitor e que, no final, conceda o sentimento de fecho, necessário. Muitos mais parecem episódios de uma história maior, quebrando, no meu entender, totalmente o propósito do conto.
Mas não é o caso em Da Família, uma colectânea de contos que foi apresentada recentemente em conjunto com o livro da Joana Bértholo, na Casa Portuguesa há umas semanas, em conversa moderada por Joana Neves, a responsável pelo Projecto Contos Não Vendem (onde podemos ouvir bons contos, dos mais variados géneros). Da Família contem 11 histórias, quase todas centradas ou partindo da família, cada uma contendo uma sinalética diferente nas suas páginas, num trabalho gráfico bastante interessante e peculiar.
Quase todas as histórias intercalam pensamentos à principal linha narrativa, diferenciáveis pela indentação, cada novo pensamento nova indentação, à semelhança do que são os pensamentos, mesmo os mais coesos, que se vão derivando e reatando. A primeira, perfeito exemplo desta estrutura, é No Beco da Aorta, uma história muito curta de um taxista que projecta, nas ruas de Lisboa, a anatomia da filha falecida, por um defeito na válvula mitral.
Segue-se À medida que fomos recuperando a mãe, a história traumática de uma família que da farsa reconstruiu a figura feminina. Esgotada nas quimioterapias, terá deixado órfãos os filhos e deprimido o marido, Como forma de trazerem o pai novamente para o convívio familiar os filhos acabando simulando a presença da mãe, sacrificando-se um dos irmãos para a farsa conjunta. Apesar de a premissa ser simples, a sua exploração consegue ser perturbadora, sensação exacerbada pela lentidão com que evolui.
O Abysmo Também Olha Longamente para Ti demonstra o trauma causado por uma infância enferma carregada pelos medos infantis derivados da errada interpretação do que os adultos dizem, frases tomadas de forma demasiado literal que, num período febril se tornam em obsessões permanentes. O quarto conto, Quando o pai começou a meter ar retrata o afastamento do pai do dia-a-dia familiar, pela bebida que, ao contrário de desenvolver uma cirrose, começa a acumular ar, inchando e voando que nem balão de hélio.
A avó foi sendo esquecida é dos contos mais fortes do conjunto centrando-se no dilema que aflige diversas famílias quando os mais idosos começam a apresentar sinais de senilidade. Cuidar do idoso, ou entregá-lo para que seja cuidado por terceiros? O que torna o conto forte não é só o tema, mas a forma como um dos netos se afeiçoa à avó e se habitua à sua companhia silenciosa. Sobre a física das partículas e a teoria do multiverso quando o bosão de Higgs apresenta uma massa inesperada de 125 Gev é o longo título da história seguinte que explora a identidade ao apresentar um casal que duplica o filho, deixando de reconhecer qual dos dois será o original.
Mau tempo no quintal descreve um futuro distópico em que o país foi dividido, qual espólio, entre diversas nacionalidades: os do Norte da Europa comandam todos os grupos económicos, os portugueses ficam com os empregos menores e os do leste formam gangs protectores que não batem em quem lhes paga. O frio propagou-se e quem pode viajou para Sul, em busca de ambiente mais quente. Enquanto isso a nossa personagem principal trabalha num talho. Não que se encontre lá a variedade actual de carnes.
Se este conto pode ser apelidado de distópico, o próximo quase pode ser apocalíptico. Em O meu avô era o único que tinha guelras além de pulmões a chuva alonga-se por dias, semanas – de tal forma que o nível da água sobe o suficiente para que a família seja obrigada a abrigar-se, não no primeiro andar, mas na cave. Felizmente o avõ tem umas guelras fabricadas na China que lhe permitem permanecer debaixo de água e recolher mantimentos. Todo o sustento depende do velhote que, fraco, vai mergulhando até ao dia em que o oxigénio da esposa se esgota.
Quando se pôs o meu irmão fora de casa é um conto peculiar de zanga familiar por divergências de opinião – zanga esta que vai mantendo afastada parte da família, alienada do quotidiano dos restantes, excepto em momentos excepcionais. A colectânea fecha com Para Não ter ver, o conto que foi lido na apresentação e que me levou a adquirir o livro, uma história psicótica que escala lentamente de violência, mas apresentada em tom assustadoramente brando. A história apresenta-se do ponto de vista do narrador, um homem que escreve à esposa, indignado pela incompreensão – enfim, que são umas chapadas justificadas de vez em quando? E porque tenta ela traí-lo, instigando os filhos a abandoná-lo, se se divertem tanto a torturar bichinhos?
Reconstruindo a cada história a família, o autor espelha diversas facetas através de cenários psicologicamente complexos e perturbadores. São recorrentes as figuras de estilo como forma de conferir surrealidade a episódios que, de outra forma, quase seriam mundanos e que ganham, assim, peso e maior relevância. Um bom conjunto de histórias que não devem ser lidas de enfiada.
Adorei os contos e o estilo peculiar de escrita e temática. Fortíssimo! Foi o primeiro livro que li do Valério Romão, vou agora começar a ler a trilogia.
Recueil de 11 nouvelles sur le thème de la famille et des différentes structures familiales. Certaines sont complètement absurdes, cruelles, d'autres sont coup-de-poing et m'ont laissé bouche-bée.