Em A Restante vida, segundo volume da trilogia “Geografia de Rebeldes”, o leitor se depara novamente com a escrita enigmática da autora portuguesa Maria Gabriela Llansol – uma escrita que o desafia a romper com os cânones e seguir o seu fluxo em inteira liberdade. Segundo José Augusto Mourão, responsável pelo posfácio, este livro é “um tratado sobre a escrita e a leitura e a servidão: sobre a pobreza e a sobrevivência; sobre o humano e o pré-humano.” O leitor deve aqui “esquecer os lugares comuns da cultura“, “abandonar a ideia de narrativa“ , deve “aprender a ver onde nos leva a escrita“.
As mesmas figuras de O livro das comunidades ressurgem agora: São João da Cruz, Nietzsche, Hadewijch, Müntzer, Ana de Peñalosa e Eckhart, e se renovam no próximo volume, Na casa de Julho e Agosto, fechando o ciclo da trilogia. Se é difícil levantar o véu dos textos de LLansol, eles nos convidam a entrar no mar da sua escrita sem medo de se perder, aprendendo que as palavras, os significados e o próprio vazio em que se inscrevem estão em perene mutação.
MARIA GABRIELA LLANSOL nasceu a 24 de Novembro de 1931, em Lisboa. Licenciou-se em Direito e em Ciências Pedagógicas, tendo trabalhado em áreas relacionadas com problemas educacionais. Em 1965, abandonou Portugal para se fixar na Bélgica. Regressou há alguns anos a Portugal. É um caso ímpar na ficção contemporânea, de jorrante, inesperada e original criatividade. De estilo muito próprio, a sua forte personalidade afirmou-se desde 1957, com as narrativas de Os Pregos na Erva, consolidando-se com O Livro das Comunidades, 1978, e com todas as suas obras posteriores, de que poderemos salientar A Restante Vida, 1978, e Um Beijo Dado mais tarde, 1990, e Lisboaleipzig, 1994 e 1995. Aliando a subjectividade enunciativa a um forte pendor mítico de implicação lírica, que funda numa visão da vida e do mundo de tipo religioso herético, sensualista e naturalista, a sua ficção caracteriza-se por uma hibridez de registos e de convocação, temporal e espacial de entidades, que no entanto assume uma coesão que lhe é dada por uma marca discursiva persistente e inconfundível. Faleceu a 3 de Março de 2008, em Sintra.
"Para lá das janelas uma religiosidade pagã, o meu amor extraordinário pelos troncos de árvores, e pela penetração de qualquer luz. Embora na casa houvesse a própria luz, eu amava especialmente a chama das velas, e a dos candeeiros; eram para mim o dia da noite, o lugar onde os olhos tinham um último despertar antes do sono." Página 80
“Porque eu desejo o que há muito escrevo - que as diferentes formas de vida tentem uma outra ocupação na terra.”
Compreendo a desconstrução, o ver atrás do vazio, mas em muitos momentos a leitura se fez penosa, apesar da poesia que atravessa o texto. É um culto, poderá apaixonar uma série de fieis, entende-se porquê, a mim, só afagou o espírito. Não o penetrou.