Desde as primeiras páginas de Makunaimã morî palavras belas de Makunaimã, Trudruá Dorrico nos desafia a imaginar — e reconhecer — um mundo sem as fronteiras e formas de ocupação que fomos levados a crer que sempre estiveram onde estã "meu povo Makuxi, cujo território ancestral, o Circum-Roraima, localiza-se em três paí Guiana, Venezuela e Brasil". É desse mundo grande, livre, ancestral, antes dos nomes e mapas, que vem sua poderosa voz poética.
Para Dorrico, jovem poeta e pesquisadora que tem se destacado na recuperação da literatura e da cultura originárias, cada nova página é também um reencontro com a língua de seus ancestrais, a língua makuxi, de tronco linguístico karib, depois de gerações forçadas a "esquecer" o idioma nativo para serem aceitas em escolas, igrejas, trabalhos. Um povo que sofreu a "diáspora em sua própria terra", sob os ataques da doutrina do progresso e da civilização, precisando apagar sua cultura para "ser brasileiro".
A plaquete reúne poemas em português e na língua makuxi, bem como traduções de pandoni (histórias de seres da floresta) e textos em que essas línguas se unem. Ao final do volume, um pequeno vocabulário "maimu-português" ajuda a orientar os leitores de português nessa riquíssima travessia entre culturas.
Os poemas nos apresentam o "ecossistema dos deuses", lançando luz sobre as diversas camadas de um modo de viver e se relacionar com a terra que não apenas conta algo fundamental sobre nosso passado, mas também mostra caminhos para um futuro menos destrutivo. "Ser makuxi hoje é um orgulho, mas antes, não muito tempo atrás, era uma condenação". Por isso, contar a história é reiniciá-la, abrir possibilidades para que a vida se reinvente. Nas palavras da "Escrever me ensina a ser floresta".
Trudruá Dorrico, nascida Julie Dorrico, é uma escritora indígena brasileira, de etnia Macuxi. Doutora em Teoria da Literatura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e Mestre em Estudos Literários pela Universidade Federal de Rondônia.
Tive a alegria de encontrar Trudruá em Paris, no lançamento do livro que eu e mais alguns escritores estávamos lançando, e na noite deste mesmo dia consegui adquirir o livro pessoalmente com ela. Eu gostei muito da experiência, iniciada por um convite, de adentrar os poemas-histórias encantadas do povo makuxi, a qual pertence também a autora que, por sua vez, utiliza dos poemas para um tempo de retomada de uma língua, território e cosmovisão caladas durante muito tempo. Ler essas histórias e poemas é nos darmos conta do quanto precisamos nos deixar ocupar pela ancestralidade das vozes e histórias indígenas reconhecendo a um só tempo que elas falam muito também sobre quem somos.