Abrir Caderno de Constrangimentos pela primeira vez é segurar um bilhete para uma exibição da mais canónica experiência feminina, que é o embaraço. Nesta primeira publicação de ficção desde a adolescência, Rebeca Csalog ordena o seu imaginário em histórias que, mais que pequenos contos, se lêem como cenas que se desenrolam no tempo real da leitura. Apresentam-se elaborados dioramas de constrangimentos, reproduções exatas dos lugares mais incómodos da mente. A autora extraiu, construiu e dispôs as encenações iluminadas por focos em corredores escuros; depois sabotou-as, em protesto a si mesma e às vivências colaterais que teimam em se prender na memória —como a omnisciente crueldade da infância; adolescência transpirada de vergonha; ou a família nuclear. A cada leitor/a de Rebeca Csalog oferece-se esta mesma experiência de exposição e sabotagem; a vertigem de se dissolver o vidro protector e de cair para dentro de um diorama que se mostra acolhedor primeiro, perigoso em segundo. Ao longo de cada engolir em seco, os constrangimentos titulares aguentam-se em suspensão, de cena em cena, aguçados como estalactites. Rodeada pelos objectos desses lugares, molhada pela chuva insolente de Portugal, resta ao leitor replicar o acto final da experiência e assumir-se cúmplice da inevitável sabotagem; imbuído da perversidade de voluntariamente trilhar um percurso que anuncia um descarrilamento, ou do penoso prazer de se viver como mulher.
Luso-húngara nascida em Lisboa em 1996, cresceu numa família de músicos e por aí enveredou, estudando primeiro violino e depois harpa. Depois de completar o Conservatório Nacional de Música, decidiu seguir outros caminhos: licenciou-se em Antropologia e é Mestre em Migrações, Inter-Etnicidades e Transnacionalismo pela FCSH Nova de Lisboa. Trabalhou em projectos de investigação sobre trabalho sexual e tráfico de seres humanos, e foi tradutora e assistente de produção na Leopardo Filmes. Em 2020 regressou à música: fez um Mestrado em Harpa na ESML, e de seguida uma Pós-graduação na Civica Scuola di Musica Claudio Abbado em Milão, com Irina Zingg. Actualmente trabalha como harpista, tocando com as principais orquestras do país mas também a solo e em música de câmara, cruzando as fronteiras da música clássica. Gosta de projectos interdisciplinares e de tocar para todos os públicos. Acredita que tudo é político e a música não é excepção, e por isso procura usá-la para comunicar sobre o mundo. Os livros foram sempre paixão e companhia, desde o momento em que aprendeu a ler. Em 2013 publicou Glyrmandia pela Planeta Editores, um romance infanto-juvenil que escreveu na adolescência. Hoje é mãe, tem um cão e um gato, lê tanto quanto consegue e escreve tanto quanto pode.
Facilmente um dos melhores livros que li nos últimos tempos. A forma como a autora capta a essência dos pequenos momentos, transporta a leitora diretamente para o coração da ação e nos faz acompanhar as protagonistas como se fossem nossas amigas é simplesmente impressionante. São pequenos contos, mas todos se lêem como fragmentos de uma grande história, e é uma honra termos a oportunidade de estar umas horas da vida destas mulheres.