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Latim em pó

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Edição com dois textos inéditos do autor

Um passeio pela formação do nosso Português

A fim de expor o trajeto de formação da língua portuguesa, este livro de Caetano W. Galindo instiga o leitor a questionar-se sobre o idioma que utiliza no dia a dia.
Com uma prosa fluida e envolvente, Galindo não só reconstitui a história do nosso idioma como também fala dos desvios, muitas vezes considerados «erros», que formam e modificam a língua desde o seu surgimento.

Começando pela Europa e pelo latim, com especial atenção a Roma, passando pela Reconquista e pelo colonialismo na África e na América Latina, o autor traça um panorama amplo e compreensível da nossa língua materna.

160 pages, Paperback

First published January 1, 2023

119 people are currently reading
989 people want to read

About the author

Caetano W. Galindo

65 books36 followers
CAETANO W. GALINDO nasceu em Curitiba, em 1973, é professor, pesquisador, tradutor e escritor. Sua tradução de Ulysses recebeu os mais importantes prêmios literários do país.

É autor de Sim, eu digo sim: Uma visita guiada ao Ulysses de James Joyce (2016), finalista do prêmio Rio de Literatura, e do livro de contos Sobre os canibais (2019). Ensaio sobre o entendimento humano, livro não comercial, com tiragem limitada, recebeu o prêmio Paraná de Literatura em 2013.

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Profile Image for Alfredo.
470 reviews606 followers
Read
July 1, 2023
Estava maluco para ler "Latim em pó" desde o anúncio de publicação. O livro fala sobre a formação do nosso idioma, os processos de mudança do vocabulário e da gramática, o modo como foi imposto nas populações originárias, as alterações advindas de línguas indígenas e africanas, as diferenças entre falantes a depender da classe/raça/localidade... Enfim, é um livro para o público geral que me parece abranger diversos aspectos do português (brasileirês?), além de a escrita ser muito boa, então foi uma boa porta de entrada para o tema.

Por enquanto, prefiro não dar uma nota para ele. Gostei muito, mas não tenho parâmetro para avaliar um livro sobre o tema. Fiquei com um pé atrás após ver Yuval Noah Harari ser indicado ("[Sapiens é uma] exposição detalhada do surgimento da nossa espécie.") ao lado de Laurentino Gomes nas leituras sugeridas, que, ele justifica, serviram de base para esse livro. Como um leitor que já teve uma péssima experiência com os dois, especialmente com as argumentações absurdas e delirantes do Yuval, essa recomendação coloca em cheque minha confiança no livro.

Apesar disso, deixo aqui a nota de que é empolgante ler sobre temas específicos que, no fundo, são uma lente para enxergar o nosso mundo. O processo de formação de idiomas pode, a princípio, parecer chato. Mas ele tem tudo a ver com a história da humanidade, dos territórios que foram conquistados, das culturas que foram impostas, das mortes causadas, do conflito de classes, das diferenças regionais e por aí vai. É assim com diversos temas: a história da culinária, do meio ambiente, da cultura, da política... Todos nos apresentam uma faceta do mundo em que vivemos — e, nesse sentido, as palavras têm um poder imenso de revelar o passado e espelhar o presente.
Profile Image for Barbara Maidel.
109 reviews43 followers
August 10, 2024
PÓ ADULTERADO

Se você esperava que Latim em pó (2022) fosse apenas “um passeio pela formação do nosso português”, como o subtítulo promete, prepare-se pra ser surpreendido: Galindo está determinado a fazer ativismo no seu último livro. Obcecado por vingar os escravos, temente de fazer emendas a violações da língua perpetradas por ideólogos que dizem representar as minorias sem terem sido eleitos por elas – le roi ces’t moi –, adepto da ideia de que a História precisa ser tratada com emoção e deve viver à caça de culpados, construtor de tribunais anacrônicos, panfletário em excesso: tudo isso – junto à “formação do nosso português” – compõe Latim em pó. O cozinheiro decidiu que no meio do pó que está servindo devem entrar ingredientes que ele acha importante você experimentar nalgumas colheradas. Não gosta do tempero especial que rouba o sabor do prato em partes da refeição? Ora, está impossível cozinhar sem ele. Ademais, tantos clientes aprovam…

*

Antes de comprar o livro, li as primeiras páginas. Gostei, comprei. E parece que ali está quase tudo certo, sendo o “parece” devido à minha leiguice em linguística, e o “quase” por opiniões como esta:

As regras de uso de uma língua não podem ser mais determinantes do que o coletivo de seus usuários. Se uma maioria expressiva de falantes se comporta de forma contrária ao que a regra prevê, isso aponta para a necessidade, sim, de alterar a regra e fazer com que ela expresse mais adequadamente os usos da língua na sociedade. Fazendo um paralelo com a linguagem, um semáforo pode e deve ser removido se for constatado que ninguém mais lhe dá bola, ou melhor, quando ele já não tem serventia.


Curioso esse “sim” terminante no meio da defesa: “[…] isso aponta para a necessidade, SIM, de alterar a regra […]”. De repente o jeito boa-praça e professoral, que sempre achei meio fresco no Galindo, dá lugar a um sutil ranger de dentes.

A língua é viva, gramáticos turrões cheiram a naftalina, a norma culta é apenas um dos modos de expressar as coisas – de fato. Mas o trecho acima, abusando do apelo à pressão popular, também serve pra celebrar a ignorância. Se é a numerosidade que interessa na hora de estabelecer regras gramaticais num país subdesenvolvido em educação como o Brasil, então estamos lascados usando o corriqueiro como nivelador. A massa desconhece a crase? Elimine-a, pois é um entrave aos “usos da língua na sociedade”. A maioria confunde “mas” e “mais” ao escrever? Aglutine. Vícios de linguagem como o pleonasmo e a cacofonia? Talvez sejam “virtudes de linguagem”, já que quase todos utilizam – o próprio autor defende a frase “eu amo ela”, que, embora muito utilizada no linguajar coloquial, soa mal e parece justo que manuais não recomendem. Ele prossegue:

[…] que poder tem o desejo conservador de uma pequena elite invasora diante do volume da voz de toda uma população? Essa elite, como veremos acontecer inúmeras vezes na história dos idiomas, há de espernear, lamentar, tentar conter a mudança (e, por algum tempo, até com certo sucesso), mas o passar das gerações via de regra vai dar razão à vox populi.


No acirramento do espírito de times do qual nunca escapamos, o “nem tanto ao mar, nem tanto à terra” se tornou obsoleto. Ativistas “pelo povo” promovem teorias sobre lutas de classes linguísticas: o povo versus as elites. Essas duas categorias sempre conversaram e fizeram suas trocas, e muitas pessoas transitam entre elas, mas o ativista pega um tutelado pela mão, leva à audiência, começa a gemer e diz “deixem que ele fale como quiser”. Bem, ele já fala como quer, mas é bastante natural que exista uma hierarquia da expressão dentro das sociedades. Riqueza vocabular, complexidade na construção de frases, percepção do que soa mal – “eu amo ela”, “eu vi ela” –, padronização formal da ortografia e da pronúncia: essas coisas não são apenas mais uma narrativa.

Foi longe o relativismo. Tudo vale na comunicação que funciona, mas há formas de expressão que são mais bonitas e elaboradas que outras, e isso não precisa existir apenas em espaços onde vigora a norma culta, como universidades e redações de jornais. Do correto “não devemos execrar a fala das pessoas desinstruídas, que têm também suas regras e se comunicam a seu modo” viajaram pra “se muita gente fala de uma determinada forma, talvez ela deva se tornar a regra, pois que absurdo uma elite de poucos querer regular a maioria – quem vai gramaticar os gramáticos?”

E relativistas com seus “abaixo os valores” estão suando à toa: uma vez que todos os valores venham abaixo, novos surgirão. Somos, que bom, também uma espécie valorativa. Nada impede o questionamento desses valores – é isso que nos move pra alcançar supostas melhorias –, mas quando o rebuliço é excessivo parece que estamos diante de uma incômoda adolescência ávida por revolucionar pela simples paixão em revolucionar.

Valorar formas de expressão é algo da nossa cultura, assim como convencionamos que é bom se alfabetizar. Nem por isso estamos dizendo que membros de culturas linguísticas ágrafas são “inferiores” ou que alguém que diz “pobrema” vale menos como pessoa. E nessa mesma convenção sabemos que todos desviamos da norma, mas também sabemos que há modos diversos de desvio, sendo possível estimar com alta chance de acerto o grau de instrução de alguém que fica desviando ali pelo “me dá um cigarro” e de alguém que diz “iorgute”, “mortandela”, “tauba” (tábua), “eu trusse” (eu trouxe). Qualificamos até o desvio porque ele nos revela status de instrução, e admirável seria se em algum lugar do mundo a espécie humana não tentasse qualificar seus pares por meio de indumentária, linguagem, jeito de se portar, bens.

*

Imagino que alguém saia em defesa de Galindo dizendo que não é papel do linguista fazer julgamentos de valor sobre as diferentes formas de expressão e que seu trabalho é mais descritivo do que qualificante. Essa defesa seria estranha, pois não só Galindo faz julgamentos dentro do seu livro como ao perambular pela História ele arrisca o pior tipo de leitura dos fatos aproximados: a leitura que é incapaz da frieza profissional e da caridade humana diante de quem não respirava nosso ar. Ou seja, seu relativismo tem partido: é “pró-oprimidos”. É assim que a partir de determinado ponto este livro é uma constante denúncia da malvadeza dos “descobridores” contrastada aos “escravizados”. O apelo é à emoção: sinta-se mal por participar de uma sociedade que cresceu com o comércio de escravos. Latim em pó não é só um livro de curiosidades da língua; seu subtexto é proselitista. Já que o autor não está apenas descrevendo como as coisas são – ele as está ajuizando –, o leitor também pode questionar seus juízos.

E ele não usa os mesmos pesos e medidas pra julgar, por exemplo, os árabes. Tudo bem que esses personagens aparecem rapidamente, mas o tom é mais leniente: esses “invasores” – o termo é usado uma vez – são tratados como “conquistadores”, e também contribuintes na riqueza do caldeirão linguístico. No bordado astuto de Galindo, você olhará a peça e, às vezes sem entender bem o que está acontecendo, se sentirá mal sobre o expansionismo europeu, mas não se sentirá mal sobre o expansionismo árabe. Não só porque o expansionismo árabe é tratado com mais tolerância, mas porque informações são omitidas. A omissão pode lavar as próprias mãos invocando a formação do nosso português, o que justificaria não falar sobre o avanço árabe na África e procurando focar na sua atuação na Península Ibérica. Mas como está na moda contemporizar os árabes – no jogo maniqueísta, eles são vistos como oprimidos porque não estão no Ocidente – e como o próprio Galindo vai manipulando o leitor pra usar critérios de bem e mal ao visitar um passado tão distante que deveria ser tratado como outra cultura por nós, acho que vale citar trechos de autores que tiram esse povo do berço de vítimas. Dois trechos:

1. Na apresentação do livro O genocídio velado: investigação histórica, o antropólogo franco-senegalês Tidiane N’Diaye resume a situação do holofote partidário da historiografia:

Se, por um lado, o tráfico transatlântico durou quatro séculos, por sua vez, durante treze séculos sem interrupção, os árabes saquearam e pilharam a África subsaariana. A maior parte dos milhões de homens que foram deportados desapareceram, devido ao tratamento desumano recebido durante a castração generalizada.


Pra quem tenta transformar a escravidão histórica e mundial num problema dos europeus, e vive pelo ativismo os-europeus-eram-horríveis-que-lixo-descender-deles, só a apresentação do livro de N’Diaye já deve causar vertigens e vontade de se deitar.

2. O insuspeito Osvaldo Coggiola, historiador marxista e crítico frequente dos Estados Unidos, escreveu um livro digital chamado A revolução árabe e o islã. No capítulo “Apogeu árabe e escravidão”, ele cita um intelectual árabe que “adiantou em quatro séculos” preceitos racionais que ganhariam força com o Iluminismo europeu, mas que também antecipou ideias racistas que seriam utilizadas pra justificar a escravização de negros. Diz o intelectual árabe:

Os únicos povos que aceitam a escravidão são os negros: devido ao seu grau inferior de humanidade, seu lugar está mais próximo do estádio animal.


Eita, que chato: intelectuais públicos querem nos fazer acreditar que são heróis ao dicotomizar a História, mas aí aparecem esses outros autores com FATOS que arruínam o teatro simplório e simplista montado nessa grande creche que virou o progressismo.

Quem acha que o principal papel da historiografia é chafurdar o passado em busca de Vilões & Vítimas merece uma analogia – a crítica que o antropólogo Napoleon Chagnon faz a colegas ativistas em seu Nobres selvagens – minha vida entre duas tribos perigosas: os ianomâmis e os antropólogos:

O cisma ocorre entre os antropólogos culturais (como eu) que consideram a antropologia cultural uma ciência e aqueles que acreditam, como a antropóloga brasileira Alcida Ramos colocou recentemente, que ‘fazer antropologia’ é fazer algo inerentemente político; ou, como disse Nancy Scheper-Hughes, que a antropologia é uma ‘atividade de investigação criminalística’, na qual hoje se espera dos praticantes que procurem e denunciem as injustiças cometidas contra povos nativos por outros antropólogos que os estudaram. Em suma, o cisma na antropologia cultural é entre aqueles que fazem ciência e aqueles cujo objetivo exclusivo é falar em nome dos povos indígenas – uma atividade que eles definem como sendo incompatível com a ciência. Esse último ponto de vista não é apenas errado, mas chega às raias da irresponsabilidade.


A evolução ideológica opera em saltos? É possível. Saímos da falha de utilizar as ciências sociais pra exaltar vencedores e saltamos pra falha de usá-las pra exaltar vencidos. O resultado dessas ciências que não têm como missão a verdade, mas ajudar alguém, é sempre claudicante.

*

Ainda na parte histórica, faltou Galindo indicar a fonte que utilizou pra produzir este trecho que parece referendar as teses da arqueóloga Niède Guidon:

Durante quase todo o século XX se supôs que o povoamento do continente americano teria acontecido numa única janela cronológica, há cerca de 17 mil anos. Mais recentemente, no entanto, dados da genética das populações ameríndias e novas descobertas arqueológicas parecem ter estendido essa data para 30 mil ou até mesmo 40 mil anos atrás, além de ampliar o número e talvez a origem dessas levas de colonizadores. Parte desses questionamentos, inclusive, surge de pesquisas realizadas no Parque da Serra da Capivara, no Piauí, onde, em 1973, equipes lideradas pela arqueóloga brasileira Niède Guidon estiveram entre as primeiras a encontrar marcas da presença humana que contestavam as datações vigentes.


Até onde sei (e me habilito à correção posterior caso esteja desatualizada), a comunidade científica não considera que Guidon conseguiu provar sua tese de que a presença humana por aqui é muito mais antiga do que se pensa. O que ela chama de artefatos (fenômenos criados pelo homem) descobertos nas regiões da sua pesquisa são elementos entendidos por seus pares como geofatos (fenômenos naturais). O trecho de Galindo citado acima faz parecer que a hipótese de Guidon foi finalmente verificada e se transformou em consenso – não é o caso, pelo menos ainda.

*

Latim em pó é um livro ativista em linhas, entrelinhas e naquilo que silencia.

Das linhas salta o seu modo de se expressar, com palavras e sentenças que isoladamente podem ser justas, mas que somadas e repisadas vão permitindo entender o propósito do doutrinador: “entre uma população que, sim, foi escravizada cedo e muitas vezes exterminada em pouquíssimo tempo”, “violência dos europeus”, “marcha da história branca e europeia”, “preconceitos”, “escravizados”, “ideais europeus de nacionalidade e uniformidade”, “triste apagamento da imensa e verdadeira diversidade original”, “os muras-pirarrã terem sido contatados (eufemismo normalmente empregado para falar da chegada dos brancos ao mundo de um grupo indígena)”, “glotocídio”, “cerca de 5,5 milhões de africanos foram capturados e comprados […], forçados a embarcar […], trazidos como escravizados”, “centenas de milhares de pessoas foram arrancadas da África para morrer no mar”, “preconceituosa sociedade escravista”, “do nosso sempre visível preconceito racial”, “se grande parte do objetivo dos colonizadores, dos traficantes, dos capitães do mato e dos compradores de gente era desumanizar aquelas pessoas, desconsiderar suas singularidades e tratá-las como massa única de exploração”, “nunca fomos um país de brancos”, “pretoguês”, “segundo a linguagem do preconceito racial e linguístico do Brasil colônia”, “o português brasileiro foi um broto africano, flor de Luanda”, “no Brasil, o pretoguês é, num sentido muito importante, o único português real”, “repressivo professor de gramática que a escola por vezes consegue implantar para sempre na parte mais primitiva do nosso cérebro”, “marcar alguns brasileiros como menos do que outros, tenha também um fundo racial”, “em que a grafia latinx virou um dos grandes símbolos da luta contra preconceitos de gênero que estariam embutidos na língua” (Galindo, tão opinante, não opina sobre o tema, apenas deixa a conjugação “estariam” aí), “essas populações, que de maneira ignorante os europeus decidiram chamar de ‘índias’”, etc.

Também nas linhas, o único trecho longo tirado de outra fonte provém de um jornal galego – língua que na escrita é muito semelhante ao português – chamado Novas da Galiza, que trata, claro, do credo que Galindo professa:

É complexo. Para começar, temos que partir da realidade de que todos e todas somos, de certa maneira, racistas. Temos estereótipos, usamos palavras que o som – como usamos expressões machistas, homófobas… – Aliás, nom em todos os lugares se pode falar igual e nom todas as pessoas se sentem confortáveis quando escuitam as palavras ‘antirracismo’ ou ‘racismo’. Isto fai que seja algo que há que trabalhar muito. É um exercício de introspeçom constante e de autocrítica.


Não é por acaso.

Sobre os silêncios de Galindo, dois destaques:

1. Não temos correções às invenções etimológicas do movimento negro brasileiro, que tenta banir do vocabulário expressões como “denegrir”, “criado-mudo”, “feito nas coxas” e “doméstica” porque elas teriam “origens racistas”. Como o assunto tem uma forte pauta, e como grandes jornais e até o TSE publicaram essas mentiras, acredito que um livro sobre “a formação do nosso português” poderia corrigir tais fiascos.

2. No capítulo chamado “Pretoguês”, o autor menciona Lélia Gonzales, que teria se reapropriado desse termo da época colonial. Ele não explica o que ela entendia por pretoguês (ou pretuguês), e dá pra supor que é pra não ter que corrigi-la. Na página da USP encontramos o texto “Racismo e sexismo na cultura brasileira”, que Gonzales apresentou em um evento em 1980. Um trecho bem conhecido é este:

É engraçado como eles gozam a gente quando a gente diz que é FRAMENGO. Chamam a gente de ignorante dizendo que a gente fala errado. E de repente ignoram que a presença desse R no lugar do L nada mais é que a marca linguística de um idioma africano, no qual o L inexiste. Afinal, quem que é o ignorante? Ao mesmo tempo acham o maior barato a fala dita brasileira, que corta os erres dos infinitivos verbais, que condensa VOCÊ em CÊ, o ESTÁ em TÁ e por aí afora. Não sacam que tão falando pretuguês.


Se Galindo citasse o famoso excerto de Gonzales, teria que nos dizer que idioma africano é esse que não tem o L, e por que dentre tantos idiomas africanos ele teria prevalecido “quando a gente diz que é FRAMENGO”, já que em listas de palavras africanas que entraram pro português estão tantas delas com L: candomblé, caçula, moleque, malungo (Aulete: “Nome com que se designavam reciprocamente os escravos que partiam da África no mesmo navio”), quilombo.

*

Por último, Galindo salva construções gramaticais populares como “os menino caiu” fazendo paralelo com outros idiomas, como o inglês, pra dizer que aquela não é uma construção inferior: “the boys fell” é uma frase que também tem plural em só um dos elementos, e está gramaticalmente correta. Vale como curiosidade. Mas dentro da nossa cultura linguística e em ambientes que exigem a norma culta (ou uma aproximação dela) convencionamos que o artigo e o verbo concordam com o número do sujeito: “os meninos caíram”. É o que soa bem, no geral, dada a nossa língua – que é viva, mas não é farra nem instrumento argiloso que uma ELITE IDEOLÓGICA muda na marra: a mesma elite que trabalha pelo ostracismo de quem não aceita seus ditames “inclusivos”. “Elite”, aqui, usei no sentido de “grupo de pessoas influentes numa sociedade, por estarem em posição de poder” e não no outro sentido de “grupo de pessoas influentes numa sociedade, por serem altamente competentes em determinada área” (Aulete).

Galindo se preocupa com a normatização da língua por uma tal elite de classe. Deveria se preocupar com a cama de Procusto onde certa elite política está deitando nossa língua. Por causa de ideologia, o pó que nos serviu veio adulterado.

*

Excetuando o exposto acima, é um bom livro.
Profile Image for Iara Couto.
106 reviews19 followers
October 13, 2023
Todo meu amor por pesquisadores que conseguem fazer suas pesquisas serem interessantes também pra quem não é da área.❤️
Muito bom entender os caminhos que a nossa língua portuguesa/brasileira percorreu e como ela é viva, mutável. Amei!
Profile Image for Renan.
26 reviews1 follower
February 12, 2023
Um livro curto pro público geral que tanto conta uma história (o tal passeio) quanto defende uma tese. E uma tese num livro de ~200 páginas é como a goiaba num doce. Ela entra e voce tem dificuldade de sentir o resto dos ingredientes direito.

Esses dias descobri por acaso um café no Japão chamado "cafuné". Curioso pensar em toda jornada que essa palavra de língua banta fez ao longo dos séculos até parar no título de um café numa ilhazinha em Okinawa.

Como o autor defende uma tese, adianto para o leitor que ele admira o Marcos Bagno, abraça o multicultiralismo como quem canta kumbayá ao redor da fogueira e defende como professor que a maioria expressiva dos falantes deve, sim, ser motivo de mudança de regra gramatical.*
Ao final do livro há mais referencias.


Imagine que, para garantir a posse dessa [nova] terra, e também para dar início à exploração de suas possíveis riquezas, seja necessário enviar para lá 200 mil pessoas, os primeiros colonos dessa ilha. Que tipo de camada da sociedade estaria mais propensa a recomeçar a vida num lugar inóspito e cheio de incertezas, a abandonar o que tem e enfrentar o desconhecido numa aposta para o futuro?


A tese é no fundo a mesma que incentiva a criação de filmes como 'Estrelas Além do Tempo', que protagoniza mulheres negras na corrida espacial, em vez de, sei lá, astronautas (homens brancos). Ou seja, a não-elite foi apagada da história e é responsável por mais do que a gente pensa.
Os fracos e oprimidos —e no caso do Brasil, os negros— foram os maiores responsáveis pela criação do nosso portugues.

Apesar das adversidades, foi a língua falada por negros e mestiços que dominou o Brasil. Somos um país que fala português como fruto direto da presença negra.

Talvez não vejamos nosso “português negro” não porque ele não esteja aqui, mas por estarmos o tempo todo imersos nele. No Brasil, o pretoguês é, num sentido muito importante, o único português real.


E que o "latim" por trás desse portugues nada de puro tem; é um latim em pó, que, tal qual o chocolate em pó, não passa de uma imitação mequetrefe:

a grande mãe do português, (...) e do espanhol não é a variedade clássica da língua latina com que o mundo se familiariza através dos grandes poetas, juristas e filósofos da Roma Antiga. Todo esse patrimônio linguístico deriva, diretamente, do latim vulgar. Da língua dos excluídos, desconsiderados e marginalizados. Da língua daquelas pessoas que ficam de fora dos relatos da história e dos discursos registrados em livros, documentos e depoimentos.


Tudo que é consagrado vem desse pó:

O mais elevado discurso renascentista francês, o sofisticado italiano da Divina comédia , bem como Dom Quixote , Os lusíadas e os romances contemporâneos de Mircea Cărtărescu — tudo isso deriva da língua dos pobres, dos analfabetos. Dos vulgares falantes desse latim popular.


Isso é muito interessante de ler, e sem dúvida o livro me trouxe novos olhares, mas a sensação que eu tive lendo foi a de que o autor está tão entusiasmado com essa ótica que corrobora a tese (a goiaba), que quando eu parei para olhar as flores, ele continuou a 80 por hora na estrada para a revolução.

Por exemplo: teria sido proveitoso ver essa ideia da última citação dialogando com o fato de que, por mais que esses autores aprendessem a falar o latim vulgar, não eram pobres ou analfabetos, e certamente liam e se inspiravam no latim escrito — o não-vulgar.

Ao longo dos capítulos, tive a imagem de que a língua da norma culta era posse de uma elite que vivia em torres de marfim, afastada do povo que, esse sim, ia desenvolvendo e espalhando o idioma, inclusive para a prole dessa elite, que procriava com a rafaméia através do estupro.

O autor afirma, como um americano estiando a bandeira no 4º de julho, que nenhuma língua ou variante é superior a outra. E, ao mesmo tempo, que o pretoguês é o "único português real". Eu seria o primeiro a tacar uma pedra no Pero vaz de Caminha, no cara que escreveu Iracema, etc pelos textos chatos que me assolaram na escola, mas c'mon, man.

Um outro ponto que eu senti falta de uma discussão maior foi quando é mencionado que nossa pronúncia do português é mais parecida com a de Camões do que a dos portugueses atuais é. Até aí, tudo certo, o mesmo acontece entre Inglaterra e EUA, aparentemente.
Mas depois o autor tenta relacionar a pronúncia das línguas tupi e africanas com a evolução da nossa pronúncia. Como línguas de sons tão distintos iriam nos fazer permanecer ou voltar ao som de Portugal?

Agora que eu já desabafei vou falar de pontos que gostei.

Os capítulos Os "bárbaros" e as aspas e Os "árabes" e mais aspas são interessantes por fazer algo que eu sempre gosto, que é dar uma detalhada num termo/ideia e mostrar o que há por trás da simplificação. O livro tem muito disso, felizmente.

Um outro ponto do livro proveitoso foi toda a discussão de como uma língua se mistura na outra. E como uma lista de palavras emprestadas é um dos indicadores mais fracos para medir a influencia duma língua na outra.

A origem da palavra 'fetiche' é ainda melhor do que eu pensava:

Pense no caso de fetiche, que chegou ao português como empréstimo do francês, mas isso só depois de ter chegado ao francês, pasme, como um empréstimo do português! A palavra feitiço foi alterada pela pronúncia dos franceses, virou fétiche e retornou à nossa língua com um sentido diferente.



*
O exemplo dado é o tal pronome átono no começo de frase. Pessoalmente, não ligo pra esse tema. "Sentir-me x Me Sentir" parece algo bobo frente ao quanto a gente sofre por coisas mais elementares, como clareza no texto. E, por bem ou mal, ser claro na escrita parece estar ligado a dominar e usar a dita norma culta.
Profile Image for Suellen Rubira.
954 reviews89 followers
April 9, 2025
O terror daqueles que amam exercer o preconceito linguístico.

O passeio de Galindo é sucinto, ele teve de simplificar muita coisa, mas demonstra o quanto as trocas linguísticas são complexas, não lineares e dependem de muitos fatores que vão muito além da língua.

Gostei bastante, queria mais viagem etimológica, mas isso ele vai fazer em Na ponta da língua.
Profile Image for Nude Literária.
Author 1 book43 followers
July 25, 2023
Adorei o livro e a forma como ele é escrito. Ao contar um pouco sobre a história do português brasileiro (especificamente), o autor passa por diversas curiosidades, sobre o processo de formação de um idioma e, mais diretamente, sobre as influências que caíram sobre o nosso. Contudo, senti que o livro cai em dois problemas: 1) não é profundo o suficiente para ser algo de aprendizado valioso (senti como lendo uma página Wikipédia escrita de uma forma mais casual e como uma linha de raciocínio melhor - um compilado de curiosidades); 2) senti que em vários momentos o autor queria dizer mais, mas ele deve ter sido cortado no processo de edição - seja mencionando vários tópicos e não terminando todos eles, seja no seu ativismo: dá para ver que ele tenta deixar claro que está usando eufemismos para falar da escravidão ou da problemática de classe quando se endereça questões de linguística, mas ele nunca é claro em seu posicionamento ao dizer o que é errado, etc. Por exemplo, ele fala sobre "é miraculoso que uma pessoa aprenda um idioma depois de adulto numa situação adversa", quando claramente ele tá falando de adultos escravizados no Brasil. Uma dança de palavras que me chamou a atenção. Esses dois pontos não tiram o mérito do livro ser o que é, mas foram coisas que notei. No final, me senti ouvindo um TED talk - você sente que aprendeu muito e foi super iluminado, mas acho que tiro pouco pro meu dia ou se sequer vou mudar algo na minha vida - ou no máximo vou lembrar uma das passagens como uma adição curiosa numa conversa de bar. Recomendaria se fosse um tiquinho mais barato.
Profile Image for Fellipe Fernandes.
224 reviews15 followers
August 28, 2023
A última vez em que me lembro de ter lido algo que me provocou uma reorganização identitária enquanto brasileiro fincado na América Latina, fruto de muitos mundos diferentes, talvez tivessem sido os livros de Roberto DaMatta, Sérgio Buarque de Holanda ou Ana Maria Gonçalves. Estou me esquecendo de alguns outros, provavelmente. Junta-se a eles este livro rápido e preciso do Caetano W. Galindo, que é um dos melhores tradutores literários de nosso tempo (senão o melhor). Entender o pó do Latim (e não apenas) na massa que nos alimenta enquanto povo teve impacto que eu gosto de chamar de balbúrdico em mim (sim, essa palavra não existe no dicionário como adjetivo, mas eu a uso mesmo assim). Que lindo é saber que somos feitos de coisas comuns e que sobrevivemos aos preconceitos que aparecem e seguem aparecendo na tentativa de dizer o que é certo apenas para o que é pretensamente errado pene, pague, sofra; que o idioma que falamos é vivo, forte, resiliente, uma caldeirão de influências e, especialmente, uma língua de acolhimento apesar de questões políticas e econômicas. Ao ler este livro, pude me repensar, me reconhecer, me ampliar, me permitir enquanto agente transformador deste mesmo idioma e, logo, ligado a tanta gente no mundo que, a partir de suas histórias geopolíticas, entendem-se irmãos uns dos outros, sem perder aquilo que nos faz o que somos. Seria demasiado importante ter tais discussões em escolas, nas academias, quem sabe com isso não fossem as escolas e academias parte de um projeto de poder e mais acessíveis? Livro importante. Lindo e simples, como as coisas seminais normalmente são
Profile Image for Bia.
252 reviews
July 16, 2023
Gostei demais apesar dele colocar um Yuval Noah Harari como indicação de leitura.
Ao traçar históricos, levantar teorias e reflexões, ele vai ao encontro do que a linguística vem trabalhado recentemente: a língua é viva, mutável, flexível, e ela não gira ao redor da gramática normativa.
Profile Image for Isadora Leon.
8 reviews
September 5, 2025
A curiosidade me levou a começar essa obra de Galindo mais do que o interesse por História. Latim em pó foi um livro que li lentamente e por muitas vezes foi cansativo pra mim, a obra é um apanhado de pesquisas, informações das origens de aquisições linguísticas de muitos cantos e muita, muita História. É uma aula do início ao fim, contada de forma leve e acessível. Termino o livro pensando que todos os brasileiros deveriam lê-lo. Saber mais sobre as nossas origens dá um orgulho danado do nosso país que não arredou o pé pra ser mais um falante do Português lusitano. A maior lição foi entender que não há como nomear e elencar quem fala o melhor ou o mais correto Português, visto que nossa língua diversa vive em constante mudanças oriundas dessa pluralidade sem fim, do povo e da língua…💖
Profile Image for Pedro Vale.
5 reviews
July 19, 2025
nem nos meus maiores devaneios de propagador incessante de curiosidades (nem sempre lastreado no compromisso com a verdade e muito mais comprometido com a mentira recreativa) imaginei que um dia um livro de português me emocionaria tanto
Profile Image for Clarissa.
63 reviews6 followers
May 27, 2024
Em "Latim em Pó: Um passeio pela formação do nosso português", Caetano W. Galindo nos convida a um banquete de conhecimento, onde a língua portuguesa se revela em toda sua riqueza e complexidade. Mais do que um simples guia sobre a história da língua, o autor nos presenteia com uma jornada sensorial e reflexiva, tecendo uma narrativa que nos aproxima da própria essência do português.
Galindo, com seu vasto conhecimento e erudição, navega com maestria pelas origens latinas, pelas influências árabes, pelas transformações medievais e pelas adaptações contemporâneas, tecendo um mosaico vívido da nossa língua. Sua paixão pelo idioma transborda em cada página, contagiando o leitor e convidando-o a se aventurar nesse universo fascinante.
O livro se destaca pela linguagem acessível e convidativa, desmistificando conceitos linguísticos complexos e os tornando palatáveis para um público amplo. Galindo demonstra um talento ímpar em traduzir termos técnicos para uma linguagem cotidiana, sem perder a precisão e o rigor científico. Essa habilidade, aprimorada por sua experiência como tradutor premiado, torna a leitura leve e prazerosa, mesmo para aqueles que não possuem um conhecimento profundo da linguística.
As reflexões presentes na obra são outro ponto forte. Galindo vai além da mera descrição dos fatos históricos e nos convida a ponderar sobre a língua como um organismo vivo, em constante mutação e moldado pelas interações sociais. Ele nos faz questionar nossas próprias concepções sobre o português, instigando-nos a refletir sobre a riqueza de suas nuances e a importância de sua preservação.
A profundidade do conhecimento do autor se revela em cada parágrafo. Sentimos a sua paixão pela língua portuguesa nos menores detalhes, em cada analogia que ele constrói. Sua bagagem cultural e intelectual transparece em suas análises, o que contribui muito para a experiência de leitura.
"Latim em Pó" é um livro imperdível para todos aqueles que se interessam pelos meandros da língua portuguesa, que desejam ampliar seus horizontes e se apaixonar ainda mais por esse idioma tão rico e expressivo.
Galindo nos convida a desvendar os segredos do português, a entender sua história e a apreciar sua beleza singular. É , por fim, um tributo à língua que nos une e nos define como povo.
Profile Image for Laura.
83 reviews7 followers
September 20, 2024
Assim como sou filha não só de D. Sandra, mas também de todas as outras mães que vieram antes dela; felizmente, sou filha do português brasileiro, e também de tantas e tantas outras linguagens que vieram antes dele.

Que coisa linda que é nascer na língua portuguesa ♥
Profile Image for Carolina Vita.
65 reviews
July 29, 2025
Esse livro não vem com a promessa de mudar sua vida nem de reinventar tudo o que você sabe sobre a língua portuguesa. Mas é certamente um passeio gostoso pelos caminhos que moldaram o nosso idioma.

O autor conduz a leitura com humor e leveza, soltando curiosidades e histórias que fazem a gente lembrar do quanto a nossa língua é fascinante. A mensagem que fica é de que o português é vivo, mutável e cheio de jeitos de ser, e é justamente isso que o torna tão bonito.
Profile Image for diario_de_um_leitor_pjv .
780 reviews137 followers
September 30, 2025
Uma narrativa sobre a língua que todos usamos em que aprendi imenso, que me instigou uma reflexão crítica sobre mitos e estereótipos sobre o nosso português.
Profile Image for Guilherme Reis.
26 reviews
December 9, 2024
É como olhar no espelho e se perceber como fruto do tempo, a quarta dimensão de nós mesmos que é tão indissociável que nem conseguimos nos imaginar fora disso.

A leitura do Latim em Pó me trouxe a sensação muito parecida de quando entrei em contato com a nucleossíntese (e me vi como pó de estrelas) ou quando aprendi evolução (e me vi como fruto do acaso). Senti a falta de ter visto isso na escola, em aulas de gramática ou história (e porque não de ambos?), simplesmente porque esse tópico é tão nosso e temos não pouco contato.

No meio do livro já queria dizer que sou falante de "brasileiro", até para englobar com mais força todos os povos que fizeram (e fazem) a nossa língua ser como é e, consequentemente, tirar esse protagonismo tão grande de Portugal de nossas vidas.

Terminei o livro sem saber se era isso mesmo que eu queria, ou se, na verdade, eu não preferiria manter uma ligação contínua com outros falantes do português (não necessariamente portugueses). E, afinal, será que essa questão técnica é tão importante assim?
Profile Image for Eduardo.
244 reviews27 followers
February 3, 2023
Legal ver num livro publicado tantas ideias que já tive acerca da língua portuguesa e do modo como ela existe no Brasil, principalmente sobre a tal da norma culta, uma forma alta, literária, "correta" da língua que existe em um tipo de limbo sociocultural, enquanto a outra forma, baixa e informal, (que na verdade não é uma única forma mas sim um grande amontoado de formas espalhadas por todos os cantos do país), é dita menos que a fala tradicional, baseada no português europeu de séculos atrás. O autor dá evidências de que o nosso português brasileiro não foi um ctrl c ctrl v do português europeu com uns detalhezinhos tupis ou africanos, como se parece pensar, e sim diretamente moldado devido às línguas originárias do país e principalmente das dos escravizados africanos trazidos brutalmente ao Brasil até meados do século XIX.

Uma grande conclusão tirada no livro é que as duas variações da língua portuguesa no Brasil, a norma culta e a língua falada, são formas ricas da língua, cada uma com a sua utilidade e local próprio de uso, e que uma não é melhor que a outra, são apenas modos diferentes de se falar — tese com a qual concordo de coração! O autor tenta convencer o leitor de que ele sabe sim falar bem a sua própria língua materna, mesmo que não se lembre das infinitas regras gramaticais de posição pronominal ou conjugações verbais obscuras abundantes na gramática padrão, e que o português brasileiro falado não é menos que o português europeu ou outras línguas modernas, que muitas das características que a nossa língua tem desenvolvido são comuns em várias outras línguas modernas e/ou prestigiosas.

Apesar de muitas informações interessantes e muitas possibilidades de pensamentos que não se passam nas escolas, a grande crítica que tenho quanto a esse livro é o fato de o autor tratar evidências e opiniões como fatos, ou sugerir que as evidências falam por si mesmas e que se deve encará-las como basicamente fatos. A realidade, todavia, é que com o conhecimento histórico e linguístico que temos não se pode dizer com tanta propriedade assim que, por exemplo, na fala dos brasileiros não se pronuncia o -r final dos infinitivos verbais porque as línguas faladas pelos escravizados e pelos tupis possuíam estruturas silábicas simples (C)V que não permitiam consoantes na coda, e essa mudança fonológica acabou se alastrando pela língua falada no país inteiro ao longo dos séculos, da dispersão dos povos em regiões diferentes e da miscigenação. É uma suposição, dentre várias outras que o autor faz, e simplesmente não se tem como dizer com certeza que foi isso que aconteceu. O meu problema é justamente que o modo com que o autor escreve insinua que tais suposições estejam a segundos de se demonstrarem cientificamente. Além disso, encontrei alguns pequenos erros factuais. Como quando ele diz que "velho" em romeno é "bătrîn" quando a grafia correta é "bătrân". Coisa pouca, mas encontrei alguns erros dessa categoria ao longo do livro.

De modo geral, é um ótimo livro para quem não tem muitos conhecimentos linguísticos ter sua mente aberta quanto às diversas influências (mais fortes ou mais fracas) que o português teve ao longo dos séculos, não só em questão de vocabulário mas também fonética e gramaticalmente, e à maravilhosa diversidade linguística do planeta, que nós que vivemos em um país enorme e extremamente homogêneo às vezes esquecemos e que está, ano após ano, desaparecendo.
Profile Image for Erick Carvalho.
80 reviews11 followers
June 10, 2025
Ler "Latim em Pó" foi uma grata surpresa.

Mais do que uma obra didática sobre as transformações do latim até a formação do nosso idioma atual, é uma viagem envolvente pela história da língua (sem cair em academicismos excessivos ou perder-se em divagações). O texto é gostoso de ler, como uma conversa inteligente com um professor que domina a arte da síntese. Objetivo, ele cumpre o que promete: informa sem ser árido, diverte sem banalizar o tema.

Claro, há algumas simplificações (quase inevitáveis em um livro de divulgação) e certas militâncias propositais que saltam aos olhos. Mas nada que quebre o ritmo ou diminua o prazer da leitura. Pelo contrário: esses toques de personalidade até acrescentam sabor, como um tempero ousado em um prato bem executado.

Latim em Pó é, definitivamente, um livro com gosto. Deixa aquele desejo de ler mais, de debater, de abrir outras portas. E, no fim das contas, é isso que uma boa obra não acadêmica deve fazer: alimentar a curiosidade sem saciá-la por completo.
Profile Image for Guilherme Smee.
Author 27 books189 followers
July 5, 2023
Latim em Pó começa meio estranho, com o autor querendo nos fazer nos meter na vida de uma tal Luzia que nasceu no Brasil e como ela adquire a linguagem que aqui falamos. Mas apesar do início canhestro, o decorrer do livro é muitíssimo agradável de ler, em que quem tem pouco conhecimento sobre linguística vai aprender muito. Mas cuidado, que aqueles pouco iniciados em Geografia poderão ter problemas com o entendimento de muitas coisas. Aprendi muito sobre língua com Latim em Pó e ele ajuda a entender a Semiótica da Cultura, com relação aos centros e as periferias do desenvolvimento da linguagem humana, exemplos que podem ser usados em aula tanto para explicar a evolução (?) das línguas como a da cultura e todos os seus movimentos. Recomendo fortemente esse livro para quem se interessa por linguagem, línguas, linguística, cultura, países e relações entre eles, formação da humanidade, história, enfim, uma gama de assuntos correlatos que esse livro nos faz curtir ainda mais.
Profile Image for Victor.
80 reviews
Read
July 15, 2025
Toda língua é um milagre. Fonemas que são também ideias. Coleções de idioletos. Todo idioma é uma colcha de retalhos, não propriamente um rio darwiniano, mas sim um navio de Teseu, uma trituração de suas contrapartes aparentadas. Um presente e uma violenta imposição. Livro muito legal. Panorama da história do português brasileiro e dos acidentes que isso significa.

Flor do Lácio, sambódromo. Cafuné, xará, pipoca, gambiarra, geringonça, salamaleque, fulano, azar, azul, cochilo, cor, lua, chuva, saudade, madrugada, céu, terra, guerra, carro, barro, jangada, caraoquê, iogurte, axé, feitiço, fetiche, abacaxi, eu, tu, ele, nós, vocês e eles.

Quando Caminha chegou, não conseguia falar com quem aqui já estava por causa do mar. A isso deu-se um jeito. O Brasil é uma autêntica e maravilhosa bagunça. A língua é minha pátria. E eu não tenho pátria. Tenho mátria. E quero frátria.
Profile Image for Peter Fussy.
29 reviews
May 8, 2024
Recomendo muito mesmo a todos que pensam que brasileiro fala "errado", sejam portugueses ou brasileiros. Vivendo em Portugal há dois anos, já fui corrigido algumas vezes, muito embora tenha sido compreendido o que eu estava a falar. Línguas são complexas e não são uma coisa única. Cada pessoa adquire e constrói uma linguagem própria. Esse panorama delicioso de ler me mostrou que o português também já foi uma variante local (do latim) e depois se transformou no Brasil.
Profile Image for Carla Carolina.
34 reviews1 follower
March 26, 2025
“Todas aquelas pessoas que um dia ergueram as vozes que nos deram o "céu" (indo-
-europeu) "azul" (persa), que nos desejaram "axé" (fon), que nos moldaram o "barro" (ibérico) ou um "carro" (cel-ta) de "boi" (latim), aquelas que por "azar" (árabe) atravessaram "guerras" (germânico), as mães que nos fizeram pipoca? (tupi) e zelaram por nossos "cochilos" (banto).”

A linguagem como pegadas que as gentes foram deixando até cada um de nós. E nós estamos deixando e deixaremos para os que virão.
Profile Image for Kalil Zaidan.
298 reviews17 followers
July 28, 2023
uma leitura deliciosa e necessária, instigante e acessível em todos os níveis. gostaria que pudesse ser mais extensa e abordar com mais profundidade os temas, mas serviu ao seu propósito de explorar a trajetória multifacetada e cheia de etapas do nosso idioma. vale a pena demais!!
Profile Image for Rafaella Litvin.
238 reviews23 followers
December 17, 2024
Fascinante livro sobre a formação da nossa língua! Respondeu várias perguntas que eu sempre tive sobre as diferenças entre o Português do Brasil, o de Portugal e as outras línguas latinas. O livro é fácil de ler e acessível para o público geral.
Profile Image for B..
24 reviews43 followers
January 30, 2023
Maravilhoso!!!!!!!!!!!
Profile Image for Melissa Barbosa.
Author 25 books15 followers
February 3, 2023
Esse livro merece bem mais do que cinco estrelas. É um livro mil estrelas! Curtinho, muito bem escrito e cheio de informação essencial para quem quer entender a língua que falamos.
Profile Image for jublis.
56 reviews21 followers
May 14, 2023
uma das melhores leituras do ano até agora
Profile Image for Patricia Fernandes.
32 reviews2 followers
May 26, 2023
Leve e gostoso de ler. O autor escreve conversando com a gente. A sua leitura desperta nossos ouvidos para a nossa própria língua. Me emocionou.
35 reviews
July 1, 2023
Que bela jornada pela história, pelo tumulto, pelo crescimento e pela evolução da língua portuguesa-brasileira. Amei cada capítulo e as histórias que contaram. Um livro simplesmente maravilhoso.
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