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160 pages, Paperback
First published January 1, 2023
As regras de uso de uma língua não podem ser mais determinantes do que o coletivo de seus usuários. Se uma maioria expressiva de falantes se comporta de forma contrária ao que a regra prevê, isso aponta para a necessidade, sim, de alterar a regra e fazer com que ela expresse mais adequadamente os usos da língua na sociedade. Fazendo um paralelo com a linguagem, um semáforo pode e deve ser removido se for constatado que ninguém mais lhe dá bola, ou melhor, quando ele já não tem serventia.
[…] que poder tem o desejo conservador de uma pequena elite invasora diante do volume da voz de toda uma população? Essa elite, como veremos acontecer inúmeras vezes na história dos idiomas, há de espernear, lamentar, tentar conter a mudança (e, por algum tempo, até com certo sucesso), mas o passar das gerações via de regra vai dar razão à vox populi.
Se, por um lado, o tráfico transatlântico durou quatro séculos, por sua vez, durante treze séculos sem interrupção, os árabes saquearam e pilharam a África subsaariana. A maior parte dos milhões de homens que foram deportados desapareceram, devido ao tratamento desumano recebido durante a castração generalizada.
Os únicos povos que aceitam a escravidão são os negros: devido ao seu grau inferior de humanidade, seu lugar está mais próximo do estádio animal.
O cisma ocorre entre os antropólogos culturais (como eu) que consideram a antropologia cultural uma ciência e aqueles que acreditam, como a antropóloga brasileira Alcida Ramos colocou recentemente, que ‘fazer antropologia’ é fazer algo inerentemente político; ou, como disse Nancy Scheper-Hughes, que a antropologia é uma ‘atividade de investigação criminalística’, na qual hoje se espera dos praticantes que procurem e denunciem as injustiças cometidas contra povos nativos por outros antropólogos que os estudaram. Em suma, o cisma na antropologia cultural é entre aqueles que fazem ciência e aqueles cujo objetivo exclusivo é falar em nome dos povos indígenas – uma atividade que eles definem como sendo incompatível com a ciência. Esse último ponto de vista não é apenas errado, mas chega às raias da irresponsabilidade.
Durante quase todo o século XX se supôs que o povoamento do continente americano teria acontecido numa única janela cronológica, há cerca de 17 mil anos. Mais recentemente, no entanto, dados da genética das populações ameríndias e novas descobertas arqueológicas parecem ter estendido essa data para 30 mil ou até mesmo 40 mil anos atrás, além de ampliar o número e talvez a origem dessas levas de colonizadores. Parte desses questionamentos, inclusive, surge de pesquisas realizadas no Parque da Serra da Capivara, no Piauí, onde, em 1973, equipes lideradas pela arqueóloga brasileira Niède Guidon estiveram entre as primeiras a encontrar marcas da presença humana que contestavam as datações vigentes.
É complexo. Para começar, temos que partir da realidade de que todos e todas somos, de certa maneira, racistas. Temos estereótipos, usamos palavras que o som – como usamos expressões machistas, homófobas… – Aliás, nom em todos os lugares se pode falar igual e nom todas as pessoas se sentem confortáveis quando escuitam as palavras ‘antirracismo’ ou ‘racismo’. Isto fai que seja algo que há que trabalhar muito. É um exercício de introspeçom constante e de autocrítica.
É engraçado como eles gozam a gente quando a gente diz que é FRAMENGO. Chamam a gente de ignorante dizendo que a gente fala errado. E de repente ignoram que a presença desse R no lugar do L nada mais é que a marca linguística de um idioma africano, no qual o L inexiste. Afinal, quem que é o ignorante? Ao mesmo tempo acham o maior barato a fala dita brasileira, que corta os erres dos infinitivos verbais, que condensa VOCÊ em CÊ, o ESTÁ em TÁ e por aí afora. Não sacam que tão falando pretuguês.
Imagine que, para garantir a posse dessa [nova] terra, e também para dar início à exploração de suas possíveis riquezas, seja necessário enviar para lá 200 mil pessoas, os primeiros colonos dessa ilha. Que tipo de camada da sociedade estaria mais propensa a recomeçar a vida num lugar inóspito e cheio de incertezas, a abandonar o que tem e enfrentar o desconhecido numa aposta para o futuro?
Apesar das adversidades, foi a língua falada por negros e mestiços que dominou o Brasil. Somos um país que fala português como fruto direto da presença negra.
Talvez não vejamos nosso “português negro” não porque ele não esteja aqui, mas por estarmos o tempo todo imersos nele. No Brasil, o pretoguês é, num sentido muito importante, o único português real.
a grande mãe do português, (...) e do espanhol não é a variedade clássica da língua latina com que o mundo se familiariza através dos grandes poetas, juristas e filósofos da Roma Antiga. Todo esse patrimônio linguístico deriva, diretamente, do latim vulgar. Da língua dos excluídos, desconsiderados e marginalizados. Da língua daquelas pessoas que ficam de fora dos relatos da história e dos discursos registrados em livros, documentos e depoimentos.
O mais elevado discurso renascentista francês, o sofisticado italiano da Divina comédia , bem como Dom Quixote , Os lusíadas e os romances contemporâneos de Mircea Cărtărescu — tudo isso deriva da língua dos pobres, dos analfabetos. Dos vulgares falantes desse latim popular.
Pense no caso de fetiche, que chegou ao português como empréstimo do francês, mas isso só depois de ter chegado ao francês, pasme, como um empréstimo do português! A palavra feitiço foi alterada pela pronúncia dos franceses, virou fétiche e retornou à nossa língua com um sentido diferente.