O mundo está a mudar a uma velocidade vertiginosa. Todos os dias somos confrontados com o que julgávamos não poder acontecer, a cada momento as nossas certezas são testadas. Guerras sangrentas, fronteiras imemoriais desabadas, nações falidas, sociedades desnorteadas, instituições disfuncionais, famílias e povos estilhaçados, passaram a fazer parte do nosso quotidiano. «Até dentro de portas» notamos as transformações profundas. Tendo como ponto de partida a distopia de Aldous Huxley escrita há quase cem anos, Nuno Rogeiro escreveu este ABOMINÁVEL MUNDO NOVO para «identificar o turbilhão» e dar a conhecer o nosso caos. Um livro de enorme poder de fogo intelectual que é de leitura obrigatória.
Nuno Rogeiro é licenciado em Direito e desenvolveu uma intensa atividade nos meios de comunicação social. Foi redator de vários jornais, colaborador das rádios TSF, Comercial e Nostalgia tendo conquistado com o programa Desmancha-Prazeres o prémio Se7e de Ouro, em 1992. Na televisão, notabilizou-se no comentário de conflitos internacionais e em vários programas especiais. Colaborou no desenvolvimento da Enciclopédia Pólis e foi cofundador da revista Futuro Presente. Iniciou a carreira universitária como monitor de Ciência Política na Faculdade de Direito de Lisboa e prosseguia-a como professor universitário de Direito Constitucional e História das Ideias Políticas na Universidade Lusíada de Lisboa. Atualmente é coapresentador e repórter do programa Sociedade das Nações, na SIC Notícias, colunista na revista Sábado e codirector do Instituto Euro-Atlântico – Associação para o Desenvolvimento das Relações Internacionais.
O mais recente livro do conceituado comentador e analista internacional, apresenta uma síntese detalhada de acontecimentos recentes, com especial foco em questões geopolíticas. Sendo uma tentativa de analisar “tudo” o que de mais relevante se tem passado (de eleições a guerras), torna-se um excelente livro para nos “pôr a par” da situação atual, muitas vezes (mas não sempre) bem documentado e suportado por fontes e factos. É uma leitura de múltiplos contributos e visões, ainda que fortemente complementado pela interpretação e análise pessoal ou suportado por fontes mais ou menos confidenciais e conversas informais com decisores e outros analistas. Trata-se, assim, de uma análise que é frequentemente assumida como pessoal, ainda que esperando que possa ser “transmissível”.
Li este livro como uma resposta à urgência de compreendermos desafios atuais e melhorarmos a literacia política. Até porque tanto a ação como a omissão têm consequências sérias que podem ser difíceis ou impossíveis de reverter. A este nível, uma das análises que li com mais curiosidade foi sobre a ação (e inação) da Europa. A leitura pareceu-me ligeiramente otimista, suportada, por exemplo, por uma recente aposta em investimento em defesa. No geral, as análises pareceram-me bem fundamentadas, com base nas informações disponíveis no momento de escrita.
“É especialmente difícil escrever sobre uma crise, ou grande transformação, no momento em que ela decorre.”
A leitura é dificultada por algumas das caraterísticas do livro. Desde logo, é um livro muito longo e exigente, ao cobrir tantos temas e geografias. Há um claro desequilíbrio entre capítulos que, apesar do sobreaviso do autor, afetam o ritmo e até a motivação da leitura. Claro que se poderão saltar capítulos ou partes deles, algo que optei por não fazer. Há também fortes variações de estilo, tendo alguns capítulos ou subcapítulos grande desprendimento de fontes, colando-se mais a um “ensaio-divagação” – ainda que de um autor a quem reconheço credibilidade, inteligência, e rigor das suas análises. Finalmente, em especial em alguns capítulos finais, há uma presunção (eventualmente errada) de que o leitor conhece factos passados e que consegue acompanhar todos os argumentos. Claro, também o meu comentário não está isento de contradição: senti o livro longo demais, mas elogio a quantidade de temas, e depois aponto a falta de detalhe em alguns deles.
Finalmente, destaco ainda algo que gostei particularmente (ainda que não sempre): a constante ligação à arte, em especial ao cinema e à literatura. Desde logo, o título do livro é uma referência/recriação da distopia de Huxley, que é visitada e explicada nas primeiras páginas do livro. Vivemos ou caminhamos para a distopia? Vale a pena discuti-lo e refletir, claro. E, sim, em tantos momentos a realidade reinventa (para pior, infelizmente) a própria ficção. Pense-se na “guerra híbrida”, a “fanfarronice” política, a “impulsividade (alguns dizem “racionalidade subjetiva”)” daqueles que se tornam senhores da guerra, os crimes de guerra que se repetem, a desinformação.
Veredito final: vale a pena ler e refletir. Eu li de fio a pavio, mas julgo que também funciona bem lendo capítulos isolados ou numa sequência de capítulos guiada pela curiosidade do leitor.
“No meio do caos, há quem recomende o exílio interior, a reflexão sobre a vida, ou a partida para um qualquer lugar isolado da terra. (…) Pode ser uma solução temporária para o caos. Mas há quem prefira resistir, deixar-se levar pelo turbilhão, ou, de olhos bem abertos, pensar no que se pode fazer a seguir.”
Excelente compilação do último ano político, nacional e internacional. Sobretudo internacional. Quem acompanha o programa do Nuno Rogeiro, Leste Oeste, não ficará surpreendido com os temas escritos neste livro, divididos em capítulos muito bem definidos. A vantagem do livro é que alguns detalhes técnicos são complementados com imensas notas de rodapé que, na maior parte das vezes, remetem para uma extensa bibliografia, digital e física. Na minha opinião o melhor analista internacional em Portugal com conhecimentos minuciosos de cada tema (por exemplo na utilização da versão X e Y de cada míssil ou avião). Um livro a ler.