A linguagem de Manoel de Barros se insurge contra o convencional, o grandioso e o mercantil. Matéria de poesia é, nesse sentido, um livro revolucionário, um contraponto a tudo aquilo que a civilização rejeita como menor. Com prefácio de Mia Couto e imagens do acervo pessoal do poeta. "Todas as coisas cujos valores podem ser / disputados no cuspe à distância / servem para poesia." Assim começa Matéria de poesia , livro publicado originalmente em 1974 em que Manoel de Barros explicita do que é "feita" sua arte. Pois ela é composta de versos que são frases ritmadas ao rés do chão, nascidas da atenta observação do que não é importante. A matéria da poesia une palavras e coisas. Quase um manifesto que reflete o projeto de escrita de Manoel, os poemas reunidos neste volume unem seres e objetos aparentemente inconciliáveis. Nesta que é uma de suas obras mais importantes, se destacam também o apurado trabalho com a linguagem e o olhar para as coisas miúdas da natureza, nomeadas como se estivessem sendo vistas pela primeira vez. Afinal, nas palavras do próprio "As coisas jogadas fora/ têm grande importância". "Fala-se muito da capacidade de criação de neologismos do poeta do Pantanal. Creio que o seu mérito é bem mais do que a conquista do novo vocábulo. Manoel revela toda uma língua que não há para nomear criaturas que existem numa dimensão que, sendo onírica, é tão real como qualquer outra." — Mia Couto, do prefácio do livro "A partir de Matéria de poesia, o poeta passa a ser mais metalinguístico, parte de pequenos bichos aquáticos, insetos e 'inutensílios' (trastes sem préstimo) para compor uma espécie de cosmologia oculta." — Manuel da Costa Pinto, Folha de S.Paulo
Manoel Wenceslau Leite de Barros is a Brazilian poet. He has won many awards for his work, including twice the Prêmio Jabuti, the most important literary award in Brazil. Today he is renowned by his critics as one of the great names of contemporary Brazilian poetry, and by many authors he has been considered the greatest living poet from Brazil, like the poet Carlos Drummond de Andrade recognized Manoel de Barros as the biggest poet of Brazil.
Todas as coisas cujos valores podem ser disputados no cuspe à distância servem para a poesia O homem que possui um pente e uma árvore serve para poesia
Terreno de 10×20, sujo de mato os que nele gorjeiam: detritos semoventes, latas servem para poesia
Um chevrolé gosmento Coleção de besouros abstêmios O bule de Braque sem boca são bons para poesia
As coisas que não levam a nada têm grande importância
Cada coisa ordinária é um elemento de estima
Cada coisa sem préstimo tem seu lugar na poesia ou na geral
O que se encontra em ninho de joão-ferreira: caco de vidro, garampos, retratos de formatura, servem demais para poesia
As coisas que não pretendem, como por exemplo: pedras que cheiram água, homens que atravessam períodos de árvore, se prestam para poesia
Tudo aquilo que nos leva a coisa nenhuma e que você não pode vender no mercado como, por exemplo, o coração verde dos pássaros, serve para poesia
As coisas que os líquenes comem - sapatos, adjetivos - tem muita importância para os pulmões da poesia
Tudo aquilo que a nossa civilização rejeita, pisa e mija em cima, serve para poesia
Os loucos de água e estandarte servem demais O traste é ótimo O pobre-diabo é colosso
Tudo que explique o alicate cremoso e o lodo das estrelas serve demais da conta Pessoas desimportantes dão para poesia qualquer pessoa ou escada
Tudo que explique a lagartixa de esteira e a laminação de sabiás é muito importante para a poesia
O que é bom para o lixo é bom para poesia
Importante sobremaneira é a palavra repositório; a palavra repositório eu conheço bem: tem muitas repercussões como um algibe entupido de silêncio sabe a destroços
As coisas jogadas fora têm grande importância - como um homem jogado fora Aliás, é também objeto de poesia saber qual o período médio que um homem jogado fora pode permanecer na Terra sem nascerem em sua boca as raízes da escória
As coisa sem importância são bens de poesia pois é assim que um chevrolé gosmento chega ao poema e as andorinhas de junho