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Os Passos em Volta

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Aparentemente um livro de contos, histórias de enredos simples, mas romanticamente transcendentes, representam os passos de um homem em torno da sua existência, sem respostas paradigmáticas, num vazio que se procura transformar em matéria. Sobeja-lhe o corpo, divino, prodigioso e redentor, onde regressa sempre.

«Talvez pudesse ouvir passos junto à porta do quarto, passos leves que estacariam enquanto a minha vida, toda a vida, ficaria suspensa. Eu existiria então vagamente, alimentado pela violência de uma esperança, preso à obscura respiração dessa pessoa parada. Os comboios passariam sempre. E eu estaria a pensar nas palavras do amor, naquilo que se pode dizer quando a extrema solidão nos dá um talento inconcebível. O meu talento seria o máximo talento de um homem e devia reter, apenas pela sua força silenciosa, essa pessoa defronte da porta, a poucos metros, à distância de um simples movimento caloroso. Mas nesse instante ser-me-ia revelada a essencial crueldade do espírito. Penso que desejaria somente a presença incógnita e solitária dessa pessoa atrás da porta.»

192 pages, Hardcover

First published January 1, 1963

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About the author

Herberto Helder

58 books214 followers
Herberto Helder was born into a family of Jewish ancestry in the Portuguese Atlantic island of Madeira. In 1946 he traveled to Lisbon to complete his secondary studies and subsequently in 1948 moved to Coimbra to study Law at university. In 1949 he had changed to the Humanities University to study Romance Philology but dropped out after three years without completing the course. After returning to Lisbon he took up several temporal jobs, and got in contact with a circle of artists and writers such as Mário Cesariny, Luiz Pacheco, João Vieira and Hélder Macedo, known as the "café gelo" group . This group revolved around Surrealism which would inform his early writings. In 1958 his first book, O Amor em Visita, was published. In the following years he traveled and lived in France, Holland and Belgium taking menial and marginal jobs to survive. He returned to Portugal in 1960 and published some of his best books in the following years A Colher na Boca, Poemacto e Lugar, Os Passos em Volta and A máquina de emaranhar paisagens. In 1964 he participates in the organization of Experimental Poetry magazine. After the April Revolution he published Cobra, O Corpo, O Luxo, A Obra, Photomaton and Vox.
The singularity of his poetry goes along with the personality of the poet: nowadays he abandoned public life, refusing prizes or interviews.

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Community Reviews

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24 (2%)
1 star
9 (<1%)
Displaying 1 - 30 of 87 reviews
Profile Image for Carmo.
725 reviews563 followers
July 13, 2016
Foi como abrir uma caixa de bombons; daqueles com vários formatos e sabores. Envoltos em simples papel negro, sem pistas que nos façam suspeitar de que matéria são feitos. Há que levá-los à boca e mordê-los, sentir o quebrar da primeira camada, deixar o recheio explodir na boca num apoteótico despertar de sentidos: o amargo do chocolate mais puro; a acidez do recheio; sentir que todos os sabores são novos e surpreendentes, deixar que nos invadam até se tornarem familiares e só restar a doçura.
Chegados ao fim, é pensar como foi possível alguém pôr toda a sua essência em algo tão pequeno e de tão aparente simplicidade.
Fecha-se a caixa com tristeza e vamos em busca de mais.
Profile Image for Ana.
99 reviews23 followers
June 13, 2024
4,5*
Só agora com quarenta e picos é que fiquei a conhecer Herberto Hélder apesar de, na escola, lembrar-me de ver um grupo de miúdos, da minha idade ou pouco mais velhos, no intervalo das aulas sempre com o Photomaton & Vox debaixo do braço (o Lunário do Al Berto também). Eu achava-os muito sofisticados na altura, mas agora penso que um adolescente, pela sua natureza impressionável, terá inevitavelmente natural queda para esta poesia-prosa vagabunda e angustiada. Gostei mais dos capítulos surreais do início do que as deambulações do narrador-poeta. Há um elemento lúdico e leve no surrealismo que me atrai bastante. Posto isto, globalmente é uma escrita com uma força incrível.
Terei que reler alguns capítulos com mais atenção.
Profile Image for Alexandra Machado.
62 reviews15 followers
November 11, 2016
Pontuação: 4,5/5 (não gosto de dar meias-estrelas, mas neste caso é mesmo necessário)
http://gira-livros.blogs.sapo.pt/opin...

Decidir que pontuação dar a este livro foi um processo demorado, pelo que escrever uma opinião sobre o mesmo, tornou-se também uma árdua tarefa. Não é um livro fácil, mas contém partes incrivelmente belas. Os Passos em Volta é um livro que claramente ou se ama ou se odeia, não há lugar para meios-termos.

Na revista Estante da Fnac (a partir da qual escolhi este livro para ler durante o Projecto Ler os Nossos), este livro é descrito como estando entre o conto, o romance e o discurso autobiográfico, num livro que espelha o homem-poeta com um tom reflectivo de quem procura respostas. Referem também que Herberto Helder foi um dos pioneiros do surrealismo em Portugal e julgo que foi este o factor que determinou que a minha experiência não fosse completamente perfeita. Os primeiros capítulos/contos foram-me difíceis de interiorizar e compreender, acredito que sobretudo devido a esta componente mais surreal. Por melhor que fossem as minhas intenções e fascínio pelos restantes capítulos, senti um certo desapontamento nas partes em que não encontrei um sentido, mas assumo-o como uma lacuna minha, enquanto leitora.

Falando agora no que me deixou de coração cheio ao ler este livro: há algumas passagens e até mesmo contos inteiros deliciosamente perfeitos. Há qualquer coisa de magnético na escrita de Herberto Helder, que penso não ter conseguido captar quando li a sua poesia (uma ínfima parte, diga-se, pois até agora li apenas Servidões, publicado em 2013). Para além de alguns capítulos da primeira metade deste livro, fascinaram-me sobretudo os últimos (o tal discurso autobiográfico que citei acima), o que me fez ficar tentada a atribuir-lhe as cinco estrelas. Puro deleite.

"Annemarie sentou-se à minha mesa. Vi logo o tamanho da sua solidão: tinha o tamanho do mundo. Ela era a criatura mais só do mundo. E a sua história apareceu - simples, tenebrosa - entre as nossas duas cervejas. Todas as histórias pessoais são simples e tenebrosas. Não me comovi. Comovido já eu estava: com as coisas, comigo, com a chuva sobre a cidade. Talvez houvesse uma irónica alegoria em nós dois ali sentados diante dos belos copos frios, compreendendo ambos tão facilmente o que nos acontecia e iria acontecer que não tínhamos pressa. Poderíamos morrer ali mesmo. Esperávamos."

"Sim, deite mais brandy. Sou um bêbado, claro. O que esperava? Que fosse um apóstolo, um assassino, um político, um anjo? Não, sou apenas um bêbado. Mais dois ou três dedos da bebida impura, como você diz nessa tão pitoresca linguagem moral. Não estou a pedir-lhe o amor ou a glória. É brandy e, repare, brandy de terceira categoria. Não é amor, mesmo de terceira categoria. Nem a glória de terceira categoria, coisa suficiente para nos sentirmos muito perto de Deus. Também já tive o amor. O que não teve a gente neste universo tão pródigo? Era arrebatador."

Contudo, não consigo fazer um balanço completamente perfeito desta leitura para lhe atribuir a pontuação máxima. Posso sim dizer que esteve bastante perto disso e que se fosse mais dada ao surrealismo, seriam cinco estrelas, sem qualquer dúvida. Não é um livro que recomende a todos os leitores, pois julgo que é necessária alguma maturidade para o ler, coisa que eu própria ainda não considero que tenha em abundância.
Profile Image for Teresa.
1,492 reviews
August 11, 2015
Não gosto de Herberto Helder.
Além deste livro, li alguns poemas e só gostei de um. E pouco. Nem sequer gostei daquele que um dia alguém disse ser dos mais bonitos poemas escritos sobre a Mulher...
Para mim, são apenas palavras sem sentido. E não sei gostar do que não entendo. Defeito meu, que muito lamento...

Destes vinte e três textos apenas gostei de um. E muito. Apenas num encontrei um sentido lógico. Talvez para outro leitor seja o mais confuso, quem sabe...e é esse conto que me impede de cometer a blasfémia de colocar uma estrela aos Passos em Volta...

Somos todos seres diferentes e únicos; que se cruzam com alguns num ponto ou outro; com outros em lado algum. E, com certeza, Herberto Helder é demasiado grande para os meus pequenos passos...
Profile Image for Paula Mota.
1,621 reviews558 followers
July 20, 2019
"Se eu quisesse enlouquecia. Sei uma quantidade enorme de histórias terríveis. Vi muita coisa, contaram-me casos extraordinários, eu próprio... Enfim, às vezes já não sei como arrumar tudo isso."

Quem me dera não ter de devolver este livro à biblioteca. A reler em breve.
Profile Image for Rosa Ramôa.
1,570 reviews85 followers
November 29, 2014
Um livro ascendente,além e daí PERFEITO!!!
Além mundo e além coisas do mundo!!!
Os Passos em Volta de um LUGAR AO SOL...Só os loucos sabem...Só os loucos atingem a perfeição e a lucidez.Só os loucos chegam ao futuro,no presente...Só os loucos sentem e pressentem o passado...Só os loucos se deixam esmagar...Só os loucos sabem dar...Só os loucos tem sentido,o único sentido!!!

http://youtu.be/bgsJtfE8DmY

Representam passos,os loucos!Os loucos traduzem-se e fazem do corpo um poema de regresso ao eu...Os loucos tem vertigens psicóticas e vontades caóticas...Os loucos tem...:)
Tem enredos fantásticos e desejos de sonhar...São notáveis e pouco práticos,especialistas em errar!São tão objectivos e românticos na arte de desperdiçar...Uma existência a transbordar enfeitada com poemas de pensar...
Herberto Helder e o poder das palavras e da linguagem associados ao sol*
...
"Não há raças nem países. O homem é estúpido. E precisa que o amem, precisa amar. Um pouco repugnante, não? Mas pode-se amá-lo, assim repugnante."
"Os comboios passariam sempre. E eu estaria a pensar nas palavras do amor, naquilo que se pode dizer quando a extrema solidão nos dá um talento inconcebível."
...
Um homem divino,em forma de contos,a preencher vazios de alma.Vazios que ficam cheios de tão bem cheirar...Completamente desconexos e descontínuos,como o ser e os seres que temos dentro ou ao lado de nós...Somos descoberta e procura...Somos pontas soltas sem nós!
Somos um ápice...
Somos curtos...
Somos poucos...
Somos absolutamente "nada fantásticos" e fico sempre com a cabeça a estremecer quando me revisito...Quando os meus olhos tocam os meus e me vejo,ou melhor,chego à porcaria de coisa que sou!
E,depois disto,deixo de ter medo por saber tudo e de tudo que não sou!
Só que não...
...
(...) Cumplicidade e ardor, a partilha da vulnerabilidade mútua, a coragem de tudo enfrentar com tão pouco: essas eram as nossas armas. E dispúnhamos dos melhores talentos da libertinagem. Annemarie puxou-me para dentro e amamo-nos sobre o cobertor até de manhã, até a luz fria nos afogar. (...)
...
"Se eu quisesse, enlouquecia. Sei uma quantidade de histórias terríveis.
Vi muita coisa, contaram-me casos extraordinários, eu próprio...
Enfim, às vezes já não consigo arrumar tudo isso.
Porque, sabe? acorda-se às quatro da manhã num quarto vazio,
acende-se um cigarro...
Está a ver? A pequena luz do fósforo levanta de repente
a massa das sombras, a camisa caindo sobre a cadeira
ganha um volume impossível, a nossa vida... compreende?
... a nossa vida, a vida inteira, está ali como... como um acontecimento excessivo...
Tem de se arrumar muito depressa. Há felizmente o estilo.
Não calcula o que seja?
Vejamos: o estilo é um modo subtil de transferir a confusão
e violência da vida para o plano mental de uma unidade de significação.
Faço-me entender? Não?
Bem, não aguentamos a desordem estuporada da vida."
Profile Image for Claudia.
345 reviews205 followers
July 11, 2018
Por vários lugares do mundo, o narrador é perseguido pela solidão, a angústia permanente. Entre álcool, noites obscuras e pensamentos marcados pela intensidade, cada conto é como escavar um buraco profundo na própria existência. Como costuma fazer a boa literatura, somos confrontados com emoções e estranhamentos que dificilmente somos capaz de colocar em palavras. Somos levados a sentir avalanches de perturbações que poucos escritores conseguem com as suas obras.



Herberto Helder, sendo o mestre, é um absoluto encantamento sempre que o leio. Primeiro, A Letra Aberta, a sua poesia maldita tornou-se num dos melhores livros de poesia da minha vida. Vendo o documentário sobre ele, tornei-me sua admiradora. Agora este maravilhoso Os Passos em Volta (1963), numa edição fantástica da Porto Editora, comprado o ano passado, guardado para ler neste projeto. Entretanto, já reli alguns contos. Já peguei nele entre pedaços mortos do dia a dia.



Teoria das Cores é um dos meus contos preferidos. Fala num pintor que tinha uma aquário com um peixe vermelho. O peixe está a tornar-se negro a partir de dentro. Tem uma página, mas marcou-me no meio de todos os outros. Lugar Lugares é outro absolutamente genial. Incrivel. As pessoas, boa noite, bom dia. Todos os outros são passagens preciosas, um autentico mistério em determinados momentos. Herderto Helder tem um talento inconcebível.



" Era uma vez um lugar com um pequeno inferno e um pequeno paraíso, e as pessoas andavam de um lado para outro, e encontravam-nos, a ele, ao inferno e ao paraíso, e tomavam-nos como seus, e ele eram seus de verdade. As pessoas eram pequenas, mas faziam ruído. E diziam: é o mei inferno, é o meu paraíso. E não devemos malquerer às mitologias assim, porque são das pessoas, e neste assunto de pessoas, amá-las é que é bom."



"Levava tudo para a retrete: o amor, o terror, a grande cidade, o anjo da guarda com quem atravessara o bairro atulhado de putas. A minha obra nascia."



"Faz com que eu seja sempre um poeta obscuro."

Profile Image for Beatriz Miranda.
39 reviews8 followers
July 3, 2024
eu não tou bem........... não acredito que já acabei este livro tou literalmente a chorar rn definitivamente tornou-se um dos meus favoritos de sempre i'm--------- MAL

que escrita perfeita que pensamento absolutamente aconchegante pela loucura identificada que questionamentos REAIS acho que quero ir para o caixão com este livro não acredito que já tinha decidido ler um dos contos antes para apresentar em lit. pt. no secundário omg mal eu sabia............

OBRIGADA HERBERTO HELDER MADEIRENSES UNITED VOU TER OS PASSOS EM VOLTA SEMPRE NO CORAÇÃO TOU DESTROÇADA SINTO QUE UM ABRAÇO LONGO E APERTADO CHEGOU AO FIM odeio aqui
Profile Image for André.
114 reviews75 followers
April 26, 2017
E agora, que fazemos com isto?

Para ler, reler e (nos) redescobrir(mos) continuamente.
Profile Image for Diogo Martins.
3 reviews5 followers
March 14, 2013
Masterpiece. Relíquia com rótulo português. Escrita fabulosa, linguagem trabalhada e poética. Cativante. A prosa com cheirinho a poesia.
Países Baixos. Sóbrio, bêbado, fumando o seu cigarro, na companhia de mulheres, cultiva-se com livros, com música e com experiências de vida. O momento de tristeza que se sente quando se dá a chegada a casa, pela descrição que ele faz do momento e por se perceber que o livro acabou. Vinte e três capítulos que foram lidos. Assim, num ápice.

Destaco: «Não há raças nem países. O homem é estúpido. E precisa que o amem, precisa amar. Um pouco repugnante, não? Mas pode-se amá-lo, assim repugnante.» - em O Quarto, Capítulo 17.
Demonstração de um resultado, de uma resposta a que consegue chegar. Resposta à procura da descoberta dele próprio, de todos os seres.
Profile Image for Rita Ramalho.
68 reviews4 followers
May 29, 2022
Magistral.
Herberto Helder não é para ler na viagem matinal de autocarro para o emprego, nem na esplanada agitada e barulhenta. Requer silêncio, devoção e concentração. Só assim conseguimos envolver-nos nas palavras e entender a beleza, a angústia, a tristeza e o medo do que é viver e existir.

“O barulho do mar e do vento. A montanha, a ideia da montanha impraticável. E depois a terra arenosa por ali fora. E a solidão. E sentir sobretudo que já não pode haver medo. Fecho as portas da casa, a porta de saída e as portas dos quartos entre si. E fico no quarto sem soalho e deito-me no chão. Ouço o mar e o vento à frente e atrás da montanha solitária e poderosa. Depois encosto a cara à terra profundíssima para escutar o seu húmido sussurro atravessando-a toda e passando por mim. E então poderei morrer”
Profile Image for Mariana Reis.
36 reviews
August 28, 2025
‘Desabituei-me dos milagres. Sabe-se como é: quase todas as manhãs acordo angustiado, esforço-me por imaginar que este dia é virgem e primeiro, carregado de poderes enigmáticos, destinado às revelações. Literatura. Merda. Trata-se de mais um dia em que me vou chatear, aturar os meus semelhantes, a filha-da-putice teológico-emocional de um Deus que, ainda por cima, não existe. Posso especular sobre a revolução, evidentemente. Que revolução? A revolução, claro. Pois é: a minha revolução não dá um passo.’
Profile Image for Edgar Almeida.
12 reviews1 follower
September 16, 2019
Neste livro aparentemente auto biográfico o autor procura perceber a razão da sua falta de apreço por tudo e por todos, incluindo ele próprio. A sua frieza e incapacidade de fazer sentido de tudo o que vive sem ser como reação a um sentimento de abandono total é descrita de forma bela como se de um hino à vida se tratasse, o que dá um ar irónico a toda a obra. No final a forma surrealista como os contos estão construídos ajuda-nos a nunca olhar directamente o sol.
Profile Image for Miguel.
5 reviews1 follower
March 18, 2009
O melhor livro de contos português de sempre.
Profile Image for Sónia Carvalho.
196 reviews17 followers
July 17, 2023
"Se eu quisesse, enlouquecia."

Li os "Os Passos em Volta" de Herberto Hélder para o Clube de Leitura da Biblioteca Municipal Fernando Piteira Santos com a @taniaganho. Trata-se de um livro provavelmente autobiográfico, que, através de vários contos, sugere as viagens deambulatórias de uma personagem por entre cidades e quotidianos. Encontramos aqui uma voz cheia de contradições e ironia. Para mim foi uma leitura exigente que não me permitia estar cansada, tendo tido necessidade de reler muitos dos textos.

Ao longo dos vários textos com um pendor fortemente poético, encontramos um homem triste ("ardente e desordenada tristeza"), que se sente vazio e extremamente solitário ("não servia para nada; essa era a sua mais implacável vocação", "piedade para a solidão demoníaca"), desacreditado, desesperado, desesperançado ("não está ninguém à porta"), que deambula pela vida, perdido, dependente do álcool e de prostitutas ("agora parece-me que já não poderei ter qualquer espécie de esperança. Preciso estar bêbado"). Em tempos já acreditou na revolução e no amor (neste assunto de pessoas, amá-las é que é bom"). Encontramos medo, sofrimento, solidão.

Sinto muitas vezes que os poetas gostam do sofrimento. Procuram-no constantemente, mesmo que seja o sofrimento dos outros: "vivo afogado na história de outros homens" e acho que me falta alguma "loucura", algum desconforto emocional com a vida para os perceber. Por exemplo nunca sofri de insónias e muitos poetas falam disso, da visão da vida durante as insónias, que é sempre vista como muito mais desordenada, muito mais difícil de integrar porque de noite estamos mais cansados, mais frágeis, os pensamentos são sempre menos esperançosos. Após um cigarro "a calma volta. Mas pode imaginar o que seja isto todas as noites, durante semanas ou meses ou anos?" pergunta-nos Herberto Hélder. Eu não consigo imaginar, e acho que essa é uma das razões para nem sempre conseguir conectar-me com alguns dos textos. É sempre mais fácil percebermos aquilo que já vivemos.
Profile Image for Alice.
164 reviews
July 12, 2020
Entrei bem. Primeiro conto fabuloso e um ou outro mais que fizeram sentido. O resto foi um andar à volta, à volta, e perceber... muito pouco.
Talvez em meia dúzia de contos HH tenha desenhado forma inteligível de arrumar a "violência da vida", ficando , nos restantes, próximo da "tenebrosa e maravilhosa loucura (...) mais nobre e mais conforme ao grande segredo da humanidade" ?
Cinco estrelas para "Estilo", " Holanda" "Lugar lugares", 'Os comboios que vāo para Antuérpia", Teorema", "Equaçāo", " O Quarto" e "Trezentos e sessenta graus".

“Se eu quisesse, enlouquecia. Sei uma quantidade de histórias terríveis. Vi muita coisa, contaram-me casos extraordinários, eu próprio... Enfim, às vezes já não consigo arrumar tudo isso. Porque, sabe?, acorda-se às quatro da manhã num quarto vazio, acende-se um cigarro...Está a ver? A pequena luz do fósforo levanta de repente a massa das sombras, a camisa caída sobre a cadeira ganha um volume impossível, a nossa vida...compreende?...a nossa vida, a vida inteira, está ali como...como um acontecimento excessivo...Tem de se arrumar muito depressa. Há felizmente o estilo. Não calcula o que seja? Vejamos: o estilo é um modo subtil de transferir a confusão e violência da vida para o plano mental de uma unidade de significação. Faço-me entender? Não? Bem, não aguentamos a desordem estuporada da vida. E então pegamos nela, reduzimo-la a dois ou três tópicos que se equacionam. Depois, por meio de uma operação intelectual, dizemos que esses tópicos se encontram no tópico comum, suponhamos, do Amor e da Morte. Percebe? Uma dessas abstracções que servem para tudo. (...) O mundo é assim, que quer? É forçoso encontrar um estilo. Seria bom colocar grandes cartazes nas ruas, fazer avisos na televisão e nos cinemas. 𝘗𝘳𝘰𝘤𝘶𝘳𝘦 𝘰 𝘴𝘦𝘶 𝘦𝘴𝘵𝘪𝘭𝘰, 𝘴𝘦 𝘯ã𝘰 𝘲𝘶𝘦𝘳 𝘥𝘢𝘳 𝘦𝘮 𝘱𝘢𝘯𝘵𝘢𝘯𝘢𝘴. Arranjei o meu estilo estudando matemática e ouvindo um pouco de música —João Sebastião Bach. (...) Consegui um estilo.Aplico-o à noite, quando acordo às quatro da madrugada. É simples: quando acordo aterrorizado, vendo as grandes sombras incompreensíveis erguerem-se no meio do quarto, quando a pequena luz se faz na ponta dos dedos, e toda a imensa melancolia do mundo parece subir do sangue com a sua voz obscura...Começo a fazer o meu estilo. Admirável exercício este. (...)Gosta d poesia? Sabe o que é a poesia? Tem medo da poesia? Tem o demoníaco júbilo da poesia? Pois veja. É também um estilo.”
Estilo

“𝐉á 𝐦𝐞 𝐝𝐢𝐬𝐬𝐞𝐫𝐚𝐦 𝐪𝐮𝐞 𝐚 𝐠𝐞𝐧𝐭𝐞 𝐪𝐮𝐞 𝐧𝐚𝐬𝐜𝐞 𝐞 𝐞 𝐯𝐢𝐯𝐞 𝐚𝐨 𝐩é 𝐝𝐨 𝐦𝐚𝐫 é 𝐦𝐚𝐢𝐬 𝐩𝐮𝐫𝐚. 𝐏𝐞𝐧𝐬𝐨 𝐪𝐮𝐞 𝐨 𝐦𝐚𝐫 𝐝á 𝐮𝐦𝐚 𝐪𝐮𝐚𝐥𝐢𝐝𝐚𝐝𝐞 𝐞𝐬𝐩𝐞𝐜𝐢𝐚𝐥 à 𝐟𝐚𝐧𝐭𝐚𝐬𝐢𝐚, 𝐚𝐨 𝐝𝐞𝐬𝐞𝐣𝐨 𝐞 à 𝐜𝐨𝐧𝐟𝐢𝐚𝐧ç𝐚. É 𝐮𝐦𝐚 𝐩𝐫𝐨𝐩𝐫𝐢𝐞𝐝𝐚𝐝𝐞 𝐦𝐢𝐬𝐭𝐞𝐫𝐢𝐨𝐬𝐚 𝐝𝐨 𝐞𝐬𝐩í𝐫𝐢𝐭𝐨, 𝐞 𝐩𝐨𝐫 𝐞𝐥𝐚 𝐬𝐞 𝐚𝐩𝐫𝐞𝐧𝐝𝐞 𝐚 𝐧𝐚𝐝𝐚 𝐞𝐬𝐩𝐞𝐫𝐚𝐫, 𝐚 𝐧ã𝐨 𝐝𝐞𝐬𝐞𝐬𝐩𝐞𝐫𝐚𝐫 𝐝𝐞 𝐧𝐚𝐝𝐚. 𝐓𝐚𝐥𝐯𝐞𝐳 𝐬𝐞𝐣𝐚 𝐢𝐬𝐬𝐨 𝐚 𝐢𝐧𝐨𝐜ê𝐧𝐜𝐢𝐚. 𝐓𝐚𝐥𝐯𝐞𝐳 𝐬ó 𝐧𝐨 𝐦𝐚𝐫 𝐧𝐨𝐬 𝐬𝐞𝐣𝐚 𝐜𝐨𝐧𝐜𝐞𝐝𝐢𝐝𝐨 𝐦𝐨𝐫𝐫𝐞𝐫 𝐯𝐞𝐫𝐝𝐚𝐝𝐞𝐢𝐫𝐚𝐦𝐞𝐧𝐭𝐞, 𝐦𝐨𝐫𝐫𝐞𝐫 𝐜𝐨𝐦𝐨 𝐧𝐞𝐧𝐡𝐮𝐦 𝐡𝐨𝐦𝐞𝐦 𝐩𝐨𝐝𝐞.”
Os comboios que vão para Antuérpia

“Era uma vez um lugar com um pequeno inferno e um pequeno paraíso, e as pessoas andavam de um lado para o outro, e encontravam-nos, a eles, ao inferno e ao paraíso, e tomavam-nos como seus, e eles eram seus de verdade. As pessoas eram pequenas, mas faziam muito ruído. E diziam: é o meu inferno, é o meu paraíso. E não devemos malquerer às mitologias assim, porque são das pessoas, e neste assunto de pessoas, amá-las é que é bom. E então a gente ama as mitologias delas. À parte isso o lugar era execrável. As pessoas chiavam como ratos, e pegavam nas coisas e largavam-nas, e pegavam umas nas outras e largavam-se. Diziam: boa tarde, boa noite. E agarravam-se, e iam para a cama umas com as outras, e acordavam. Às vezes acordavam no meio da noite e agarravam-se freneticamente. Tenho medo – diziam. E depois amavam-se depressa e lavavam-se, e diziam: boa noite, boa noite.”
Lugar lugares

“Avó... (...)
A Avó abre os olhos, e eu vejo uma nova luz áspera e gelada: a inteligência, uma energia que de repente recompõe todo o corpo e traz agora o retrato para o centro do tempo, tornando-o movimentado e audaz, completo. Nesse olhar progride agudamente um sorriso que o limpa da velhice e deixa o sal de uma fina malícia. Os lábios mexem-se, parecem brilhar um instante. O corpo renasce do próprio esgotamento. A Avó diz:
– É tudo mentira...
Depois as pálpebras descem e o corpo é absorvido pelo enigma. As paredes alteiam-se, o retrato recua, a minha juventude fica sem armas – fulgurante e estúpida.
Assim é porventura a sabedoria: vil, esmagadora. O único tempo que lhe pertence deve ser a idade mas quando dela se aproxima um jovem fascinado que a si mesmo impôs a condição de mensageiro, como se quisesse tocar no gelo, convencido – ele! – de que o calor dos poucos anos poderá fundir o gelo, então o gelo agarra a idiota mão quente, e queima-a.
A Avó morreu nesse mesmo dia." Equação

«Desabituei-me dos milagres. Sabe-se como é: quase todas as manhãs acordo angustiado, esforço-me por imaginar que este dia é virgem e primeiro, carregado de poderes enigmáticos, destinado às revelações. (…) Trata-se de mais um dia em que me vou chatear, aturar os meus semelhantes, a filha-da-putice teológico-emocional de um Deus que, ainda por cima, não existe». Como se vai para Singapura

This entire review has been hidden because of spoilers.
Profile Image for la poesie a fleur de peau.
505 reviews62 followers
December 7, 2024
"Olho então o corpo e vejo as veias aflorarem a pele nalguns sítios, e os tendões exprimindo solidez e força, uma ideia apaixonada, vital, da matéria. E contemplo as formidáveis partes do corpo a trabalharem com uma espécie de avara riqueza, uma plenitude soturna que me intriga e encanta. Os pêlos fascinam-me. Crescem por todo o corpo, irrompem da carne com selvagem impulso, com raiva quase, vindos do mecanismo abstruso do corpo, para lá da frase onde se pede a Deus a maior, a irrevogável e contínua obscuridade. Ora eu estou nu, e ainda penso vagamente na divindade asteca, e a delicadeza dramática do peixe esgueira-se na música. Não é de modo algum a unidade, a inteireza, mas quando considero esta luta pela constância, a fidelidade, a permanência de certas inspirações e regras — vejo que se procura atravessar todos os fogos, mantendo intactas algumas virtudes: porventura um silêncio capaz de dar poder e dignidade à nossa morte."

"Poeta Obscuro" (excerto), "Os Passos em Volta"
Herberto Helder
Profile Image for Ricardo Gomes.
39 reviews28 followers
June 13, 2020
Estive tentado a escrever somente “génio” e a fechar o caderno. Mas um génio, símbolo da transcendência humana, é um ícone imóvel, um santo de pau, um castiçal de ouro perante o qual se ajoelha a plebe. Um génio domina o estilo, «esse modo subtil de transferir a confusão e a violência da vida para o plano mental de uma unidade de significação», inventa «essas abstracções que servem para tudo», mas «está demasiado na posse de um estilo», ignora «a tenebrosa e maravilhosa loucura», pratica «não a poesia, mas as poesias».

O poeta senta-se ao centro do lago, na solidão do Inferno. Em torno dele passeiam as vacas, essas mentes geniais que nunca se lembraram de ir descobrir «onde a corrupção completa a inocência». Estes Homens, estes génios, «pensavam unicamente em preservar-se do sofrimento; desejavam que a linguagem ficasse intacta, sem mácula».

Só o poeta se atreve a ser «um coleccionador de gritos», a escutar esses ecos que só no silêncio profundo da solidão se tornam audíveis, gritos que nenhuma cerveja abafa e nenhuma companhia pode fazer esquecer. Só ao poeta é evidente, porque para isso tem os olhos bem abertos, este lugar onde vivemos como «um pequeno inferno e um pequeno paraíso». O cinismo de reconhecer como é intolerável esta vida, de compreender o silêncio de quem «passava os dias a olhar para as flores, até que elas secavam, e ficava somente a jarra com os caules secos e a água podre».

Ao génio cumpre a falsidade de dar respostas, ao poeta a coragem de encontrar as perguntas. O poeta é uma afronta a Deus, o burocrata corriqueiro feito ictiologista amador que foge à vida para procurar o coelacanto. Na parede do quarto escreveu «Meu Deus, faz com que eu seja sempre um poeta obscuro». Que alternativa tem o poeta senão a clandestinidade, o poema escrito numa sanita, oferecido em papéis de deitar fora, «quando Deus está defronte, na parede, e nos concede a obscuridade para a utilizarmos contra a sua magnificência, como uma arma insólita e enigmática, clandestina - quem pode ainda recomeçar seja o que for?»

Texto em: https://icarosobe.home.blog/2020/06/1...
Profile Image for Inês Honório.
105 reviews8 followers
September 18, 2024
Fartei-me de sublinhar este livro, tem frases lindíssimas. Mas perdi-me no sentido, perdi-me no surrealismo e não consegui absorver o livro como um todo, certamente por lacuna minha. Lê-se rapidamente.
Profile Image for Mariana.
40 reviews1 follower
July 16, 2024
"Annemarie sentou-se à minha mesa. Vi logo o tamanho da sua solidão: tinha o tamanho do mundo. Ela era a criatura mais só do mundo. E a sua história apareceu - simples, tenebrosa - entre as nossas duas cervejas. Todas as histórias pessoais são simples e tenebrosas. Não me comovi. Comovido já eu estava: com as coisas, comigo, com a chuva sobre a cidade. Talvez houvesse uma irónica alegoria em nós dois ali sentados diante dos belos copos frios, compreendendo ambos tão facilmente o que nos acontecia e iria acontecer que não tínhamos pressa. Poderíamos morrer ali mesmo. Esperávamos."
Profile Image for João Duarte.
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December 24, 2015
Nunca li um livro como "Os Passos em Volta". Foi, provavelmente, a obra mais intrigante que já me passou pela mão, e atribuir-lhe uma pontuação é para mim, neste momento, um exercício de criatividade.

Passo a explicar: em muitos dos "contos", tudo é confuso e nebuloso, não no sentido de a construção frásica ser complicada, mas simplesmente por não conseguir perceber onde o autor quer chegar. E, no entanto, as palavras são sempre fortes, e mostram indelevelmente que se está perante algo que foi escrito por quem sabe mesmo escrever. Logo, uma estrela seria injusto.

E há os textos "Equação" e "Cães, marinheiros", ambos extraordinários, apesar de tão diferentes entre si. Cinco estrelas a uma obra em função de dois excertos? Não me parece...

Acredito, contudo, que os livros também têm momentos, e acredito que algures no futuro voltarei a dar passos em volta deste livro, deste autor, e que aí conseguirei saborear melhor este livro.
Profile Image for Débora.
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April 29, 2020
Estar e morrer: verbos.
(A)virtudes humanas. Que pureza?
As palavras não são a ponte; são as águas.
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