Em "A poeira da glória", Martim Vasques da Cunha desmonta as teses sustentadas pela repetição da crítica, rechaça o estilo que falseia a sensibilidade moral e recoloca as ideias no lugar ao apontar como e quando a ideologia política envenenou a imaginação artística. O ensaísta mostra em detalhes como o país foi brutalizado pela paranoia e mistificação a respeito de si mesmo, de tal maneira que se transformou em um grande "Carandiru intelectual", o paraíso distópico onde a realidade brasileira gira em falso.
O jornalista Martim Vasques da Cunha é um dos criadores da revista cultural "Dicta&Contradicta". Possui experiência na área de ciência política, filosofia da religião e história da filosofia. É graduado em jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC - Campinas) e mestre em ciências da religião pela PUC- SP.
Que esse livro não esteja sendo discutido agora é a maior demonstração de que seu diagnóstico está absolutamente correto: a cultura brasileira foi destruída.
A nossa literatura é composta de uma maioria de autores que, ao encararem o abismo das grandes questões existenciais, preferiram a fuga, o auto-engano ou a projeção raivosa de suas incoerências no mundo (vide José de Alencar, Machado de Assis, Lima Barreto, a maior parte dos modernistas, Sérgio Buarque de Holanda, Antônio Cândido etc). Apenas uma minoria (Cecília meirelles, Nelson Rodrigues, Otto Lara Resende, Guimarães Rosa, Joaquim Nabuco entre outros) reconheceram humildemente o desafio existencial, criando, dentro de seus limites, obras que podem ser julgadas de acordo com um padrão moral superior ou universal.
Reflexões (ou lamentos) sobre a incapacidade da literatura brasileira, que estaria calcada mais em valores estéticos que morais, de libertar o pensamento nacional de conchavos políticos e das amarras da burocracia e do compadrio. Só parecem sair ilesos, entre os autores analisados, Cecília Meireles, Otto Lara Resende, Joaquim Nabuco e Alberto da Cunha Melo — Nelson Rodrigues, Guimarães Rosa e Graciliano Ramos saem com escoriações. A expressão Carandiru intelectual é particularmente boa.
Há tempos buscava um livro assim. Particularmente gostei bastante dos capítulos de Joaquim Nabuco (pouquíssimo valorizado, vou buscar ler mais livros dele!!), Nelson Rodrigues e Guimarães Rosa - com aquela pequena, mas significativa participação de Suassuna.
Impressionante o trabalho de pesquisa do autor que revirou de forma muito lúcida a história literária brasileira. De forma crítica e embasada demonstrou com seus estudos e pesquisa muito mais do os textos escritos podem revelar e levantou toda a poeira da Glória onde por muito tempo fomos cegados e doutrinados a exaltar pura e simplesmente sem questionar. Sem duvidas uma obra para inquietar a mente e provocar um desejo quase obrigação de reler tudo.
Mais importante do que concordar com todas as análises contidas no livro é passar a enxergar a literatura brasileiro sob outra perspectiva, mesmo que para isso seja preciso sacrificar algumas vacas sagradas do cânone oficial. Uma leitura estimulante e um exercício salutar de autoanálise. A rica bibliografia nos permite explorar vários outros autores, alguns deles fora do radar da intelligentsia local.
O livrou do qual irei escrever um pouco é, digamos assim, difícil de escrever sobre. Por quê? A Poeira da Glória é um gigante de mais de seiscentas páginas em que o autor, Martim Vasques da Cunha, analisa nossa literatura de forma crítica. São vários ensaios reunidos e que deu como resultado uma fonte de pesquisa para todos aqueles que se interessam pela literatura brasileira. Mas, o livro não é qualquer livro que tenta explicar e analisar os autores do nosso cânone literário. O autor vai além, e toca na ferida de muita gente. Desmascara, posso dizer assim, a intenção de um Jorge Amado, Sérgio Buarque de Holanda, Graciliano Ramos, entre outros. É um daqueles livros que você não se dá conta do que está lendo até parar um pouco, tomar um fôlego, e retornar à leitura com mais calma e atenção. Pedi esse livro por causa dos excelentes elogios que o autor recebeu de escritores, filósofos, professores e pensadores que sigo nas redes sociais. Estava querendo ler o tal livro que o Francisco Razzo, Jonas Madureira, Rodrigo Gurgel tanto falavam. Qual foi a minha surpresa quando a editora Record me manda a lista de livros para escolher alguns para ser resenhado. Claro que não hesitei, A Poeira foi uma das minhas escolhas — que me consumiu meses e meses até concluir a leitura. Foram quase quatro meses para concluí-lo, e quando concluí, meu coração e intelecto agradecia.
Mas do que se trata o livro? Bem, eu podia só dizer que é uma história da literatura brasileira, mas é muito mais que isso. É uma análise, uma análise bem crítica mesmo, que não poupa nem Machado de Assis, que, segundo o autor, é um dissimulado. Cunha nos explica o que levou Assis a ser um dissimulado para poder escrever suas obras mais célebres. Por todo o livro, entre todos os autores que são objetos do estudo de Martim, vemos que a literatura para eles era uma ferramenta política. E também a busca por uma identidade nacional que os leva a um desespero e fuga da realidade, fazem com que se atenham ao Belo e se esqueçam do Verdadeiro.
O autor-narrador é uma espécie de Riobaldo às avessas, na biblioteca. Meio assustado, perdendo-se em divagações confusas, sem conseguir dar clareza ao que defende, abstrai-se a ponto de confundir quando um escritor reconhece o mundo tal como este é e quando, ao fazê-lo, influencia de maneira niilista uma geração.
Percorrendo corredores de livros, esse Riobaldo citadino vai a costurar, oralmente, os retalhos que mais gostou de ler, enquanto um gravador registra sua verborrágica fala.O leitor precisa sentar-se e ouvir a transcrição, sem edição, cortes que qualquer escritor, preocupado em comunicar-se, faria.
Do meio para o fim, percebe-se que o nosso Riobaldo quer ser alçado a "João Batista da poeira". A soltar gafanhotos, sua causa monoteísta quer apenas uma coisa: a glória.